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Acórdão 276/2001/T, de 12 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 276/2001/T. Const. - Processo 499/2000:

I - 1 - Tendo, por sentença proferida em processo de transgressão laboral em 12 de Novembro de 1997 pelo juiz do 1.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Almada, sido a arguida INDELMA - Indústrias Eléctricas Electromecânicas, S. A., absolvida da infracção ao disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 27.º e no artigo 28.º, um e outro do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, dessa sentença recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa o assistente Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas.

Na motivação apresentada o assistente formulou as seguintes conclusões:

"a) Foi constituída na empresa ré uma comissão intersindical;

b) Composta pelos delegados sindicais do SIESI e Sindicato dos Metalúrgicos do Sul;

c) Os sindicatos respectivos comunicaram à ré a eleição dos delegados sindicais, sua identificação e constituição da comissão intersindical;

d) O SIESE e o Sindicato dos Metalúrgicos do Sul estão filiados na central sindical CGTP-IN;

e) Na empresa ré existe um delegado sindical eleito pelo SIMA filiado na central sindical UGT;

f) É do conhecimento público que o sindicalismo português se encontra dividido, fundamentalmente congregado em centrais sindicais com políticas divergentes;

g) Em nome da liberdade sindical;

h) A união de todos os delegados sindicais da empresa seria impossível constituir-se numa comissão intersindical e na prática levaria à não prossecução dos objectivos da actividade sindical;

i) Não seriam livres os trabalhadores se a lei lhes impusesse uma unidade forçada;

j) A unicidade sindical que o Decreto-Lei 215-B/75 contemplava foi revogada pelo Decreto-Lei 733/76, de 17 de Outubro;

l) O Decreto-Lei 215-B/75 em nenhuma das suas normas afirma ou supõe a obrigatoriedade de a comissão intersindical ser a expressão da pluralidade dos sindicatos existentes na empresa;

m) A convocatória é válida, já que foi assinada por apenas alguns delegados com a menção de que agem em nome da comissão intersindical;

n) A comissão intersindical constituída pela SIESI e pelo Sindicato dos Metalúrgicos do Sul tem legitimidade para convocar plenários no local e hora de trabalho, em obediência ao previsto no Decreto-Lei 215-B/75, artigos 25.º, 26.º e 27.º, e nos artigos 55.º e 56.º da CRP;

o) A decisão ora recorrida viola o previsto nos, entre outros, artigos 25.º, 26.º e 27.º do Decreto-Lei 275-B/75 e nos artigos 55.º e 56.º da CRP, ou de outro modo, a perfilhar-se o entendimento da sentença recorrida seriam inconstitucionais os artigos 2.º, alínea j), 25.º, 26.º e 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril."

O Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 14 de Junho de 2000, negou provimento ao recurso.

2 - Pode ler-se nesse aresto, para o que ora releva:

"Nos termos da alínea j) do artigo 2.º do Decreto-Lei 275-B/75, a comissão intersindical da empresa corresponde à organização dos delegados das comissões sindicais da empresa ou unidades de produção.

A norma que estabelece a competência exclusiva para a convocação das referidas reuniões é de natureza imperativa, dado que a mesma se destina a proteger um interesse público. Na verdade, o legislador pretendeu disciplinar o direito dos trabalhadores sindicalizados de modo que o crédito de quinze horas para reuniões dentro do período do horário normal de trabalho beneficiasse, igualmente, todos os trabalhadores sindicalizados, em conformidade, aliás, com o princípio do pluralismo sindical, consagrado no artigo 52.º da Constituição, garantindo, simultaneamente, a normalidade da actividade empresarial.

O direito de convocação de reuniões durante o período do horário normal de trabalho pertence ao colectivo de trabalhadores sindicalizados. Por isso, e face à referida motivação do legislador, se entenda que tal direito possa só ser exercido através da comissão intersindical da empresa, independentemente da orientação político-sindical do respectivo sindicato. Nessa medida, é irrelevante para o conceito de comissão intersindical, adoptado pela lei, a confederação geral a que cada sindicato esteja associado, sendo certo também que tal associação tem, e sempre teve, carácter facultativo.

No caso dos presentes autos, estando os trabalhadores ao serviço da arguida filiados em diversos sindicatos, a reunião de trabalhadores para durante o período do horário normal de trabalho, como era o caso da reunião de 31 de Janeiro de 1977, só podia ser convocada pela comissão intersindical da empresa.

Ora, tal circunstância não ocorreu, porquanto o delegado sindical de certo sindicato representado na empresa, nomeadamente o Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins, não subscreveu a convocatória da reunião, sendo certo que os delegados de apenas dois sindicatos, quando na empresa existam ainda outros, não constituem uma comissão intersindical, no conceito adoptado pelo Decreto-Lei 215-B/75, que permanece válido.

Daí que, nessas condições, não se possa admitir que a reunião referida tivesse sido convocada pela comissão intersindical da empresa, sendo tal convocatória irregular, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei 215-B/75. Assim, não constitui ilícito contravencional o impedimento da reunião imputado à arguida.

Esse impedimento não constitui qualquer limitação ao direito de associação sindical na empresa, com consagração constitucional, sendo certo que a lei ordinária não pode limitar direitos constitucionais.

Cabe, porém, à lei ordinária concretizar ou indicar a forma como tais direitos se realizam no dia-a-dia. Neste contexto, o disposto no n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei 215-B/75, depois da entrada em vigor da Constituição, corresponde à emanação dos princípios constitucionais, designadamente da liberdade sindical na empresa.

Nesta conformidade, estando garantidos os direitos constitucionais, não há violação de qualquer norma da Constituição.

Refira-se ainda que, no caso de impedimento da comissão sindical, os trabalhadores podem ainda reunir no local de trabalho, nos termos do artigo 26.º do Decreto-Lei 215-B/75, embora fora do horário normal de trabalho.

Concluindo, numa empresa em que os trabalhadores sejam representados por vários sindicatos, independentemente da forma como se associem, ou não, a nível nacional, compete, exclusivamente, à comissão intersindical da empresa convocar reuniões de trabalhadores durante o período normal de trabalho."

3 - É do acórdão de que parte acima se encontra transcrita (e essa parte abrange praticamente a totalidade da respectiva fundamentação) que vem, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, e pelo Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas, interposto o vertente recurso, com vista à apreciação da "interpretação e aplicação" dos "artigos 27.º, n.º 2, e 2.º, alínea j) (em leitura combinada), do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril".

Rematou o recorrente a sua alegação concluindo:

"1 - O artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, quando postula que as reuniões que os trabalhadores têm direito a realizar durante as horas de serviço 'só podem ser convocadas pela comissão intersindical' quando os trabalhadores da empresa estejam representados por mais de um sindicato radica na 'concepção unicitária' que enformava o Decreto-Lei 215-A/75 e o mesmo Decreto-Lei 215-B/75, ambos de 30 de Abril (cf. artigo 1.º daquele e artigos 2.º, 7.º, 11.º e 12.º deste último).

2 - A aludida 'concepção unicitária' foi claramente repudiada pela Constituição, de que, aliás, logo se fez eco o Decreto-Lei 773/76, de 27 de Outubro (sendo que tendo o mesmo sido submetido a juízo de censura constitucional, o Conselho da Revolução, sob parecer da Comissão Constitucional, não se pronunciou pela sua inconstitucionalidade: Resolução 343, publicada no Diário da República, 1.ª série, de 7 de Dezembro de 1979).

3 - Assim, o artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, na interpretação e aplicação que dele fez o douto acórdão recorrido, é inconstitucional, porque colidente com os artigos 55.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), e 56.º, n.º 1, da Constituição.

3.1 - Na verdade, num Estado comprometido com as liberdades não é constitucionalmente tolerado obrigar 'sensibilidades diferentes' (com programas, projectos e timings não coincidentes) a agrupar-se em 'comissão intersindical' sob pena de os trabalhadores não poderem exercer um direito que lhes está constitucionalmente garantido.

4 - Por outro lado, face à edição do Decreto-Lei 84/99, de 19 de Março (que 'assegura a liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública e regula o seu exercício' - cf. artigo 1.º -, assim preenchendo a previsão do artigo 50.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril), que consagra o 'direito de reunião' (que é manifestação do direito de exercício da actividade sindical) dos trabalhadores dentro das horas de serviço por cada associação sindical (sob convocação dela ou dos 'respectivos delegados' - cf. artigo 29.º), é patente a inexistência de um fundamento material bastante para um 'regime' diferente para os trabalhadores destinatários do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril (sendo que entre os destinatários do Decreto-Lei 84/99, de 19 de Março, se encontram também os trabalhadores da Administração Pública 'sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho' (cf. artigo 2.º, n.º 1, in fine.)

5 - Assim, e repetindo, o artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, na interpretação e aplicação que dele fez o douto acórdão recorrido é inconstitucional porque colidente com os artigos 55.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), e 56.º, n.º 1, da Constituição, na clara iluminação dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, in fine, e 29.º, n.os 1, 2 e 3, do Decreto-Lei 84/99, de 19 de Março."

De seu lado, a recorrida concluiu a sua alegação do seguinte jeito:

"1 - O n.º 1 do artigo 55.º da Constituição da República reconhece aos trabalhadores a liberdade sindical;

2 - Tal liberdade passa pela rejeição a qualquer protecção ilegal à constituição de sindicatos ou outras organizações sindicais concorrentes;

3 - Por isso tal liberdade passa pela imposição da participação de todas as tendências sindicais no seu exercício;

4 - O que se compagina e é desenvolvimento dos princípios fundamentais do pluralismo de expressão e organização consagrados no artigo 2.º da Constituição da República;

5 - E se concretiza, in casu, na participação de todas as correntes sindicais na constituição da comissão intersindical da empresa;

6 - Além disso, o princípio de que compete às organizações sindicais a promoção e defesa dos direitos dos trabalhadores consagrado no artigo 56.º da Constituição da República apenas com a existência de uma única comissão intersindical pode ter concretização prática;

7 - De facto, atendendo à limitação temporal do direito de reunião durante o horário normal de trabalho, a existirem diversas comissões intersindicais dentro de cada empresa, assistir-se-ia à atomização e consequente esvaziamento de tal direito;

8 - E nesta situação é que se verificaria uma clara violação dos princípios de defesa e promoção dos direitos dos trabalhadores consagrados no artigo 56.º da Constituição da República;

9 - Acresce que tal direito constitucionalmente não pertence a cada um dos trabalhadores ou a grupo deles, mas, isso sim, à colectividade dos trabalhadores;

10 - Não violou pois o Acórdão recorrido com a interpretação que deu ao n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, qualquer norma constitucional, máxime os artigos 55.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), e 56.º, n.º 1, da Constituição da República."

Cumpre decidir.

II - 4 - As normas sub specie constitucionis [alínea j) do artigo 2.º e n.º 2 do artigo 27.º, um e outro do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril] dispõem como segue:

"Artigo 2.º

Para os efeitos do presente diploma entende-se por:

a) ...

b) ...

c) ...

d) ...

e) ...

f) ...

g) ...

h) ...

i) ...

j) Comissão intersindical de empresa - organização dos delegados das comissões sindicais da empresa ou unidade de produção.

Artigo 27.º

1 - ...

2 - As reuniões referidas no número anterior só podem ser convocadas pela comissão intersindical ou pela comissão sindical, conforme os trabalhadores da empresa estejam ou não representados por mais de um sindicato."

Convém anotar que o n.º 1 do citado artigo 27.º, por seu lado, dispõe que, ressalvado o disposto na última parte do artigo 26.º do mesmo diploma, "os trabalhadores têm direito a reunir-se durante o horário normal de trabalho até um período máximo de quinze horas por ano, que contarão, para todos os efeitos, como tempo de serviço efectivo, desde que assegurem o funcionamento dos serviços de natureza urgente."

Para o recorrente, como se viu, a interpretação do conjunto normativo constituído pelos dois transcritos preceitos e segundo a qual as reuniões de trabalhadores a realizar durante o horário normal de serviço só podem ser convocadas pela comissão intersindical se os trabalhadores das empresas (ou das unidades de produção) estiverem representados por mais de um sindicato, colide com a liberdade sindical e de associação sindical que tem de ser reconhecida àqueles e, bem assim, colide com os direitos, consagrados às associações sindicais, de defesa e promoção de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores.

5 - Convém, desde logo, sublinhar que em parte alguma o aresto ora impugnado fez das normas sub specie uma interpretação da qual decorria que seria exigível a unanimidade dos delegados sindicais das empresas que constituem a comissão intersindical quanto à oportunidade e exigibilidade da efectivação da reunião a que se reporta o n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei 215-B/75. E, bem assim, não decorre daquele aresto que, na convocação da reunião, tenha de ter havido unanimidade de todos os delegados sindicais ou, o que é o mesmo, que as ditas normas vedem a possibilidade de um (ou mais) dos delegados votarem contra a realização da reunião.

O que o acórdão referiu foi que, estando os trabalhadores de uma empresa (ou unidade de produção) representados por vários sindicatos, a sua reunião no local de trabalho e durante o horário normal de laboração tinha de ser convocada pela comissão intersindical.

Não se lobriga no acórdão qualquer indicação sobre o modo ou formalidade a que a deliberação da comissão intersindical deve obedecer, nomeadamente se se exige a total convergência de pontos de vista dos delegados sindicais que integram essa comissão sobre a oportunidade de realização da reunião.

O que o aresto em análise vedou, fundado nas normas em apreciação, foi que, havendo numa empresa (ou unidade de produção) trabalhadores representados por vários sindicatos, só algum ou alguns deles convocassem a reunião, pois que ela deveria ser convocada, não em nome desse ou desses sindicatos, mas sim pela e em nome da comissão intersindical.

5.1 - Neste contexto, o que há que apurar então é se os normativos em análise, interpretados no sentido de as reuniões de trabalhadores para os efeitos do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei 271-6/75 só poderem ser convocadas pela comissão intersindical violam ou não princípios ou preceitos constitucionais.

É evidente que, assente que seja o limite máximo de quinze horas por ano (que contam para todo o efeito como serviço efectivo) para a realização de reuniões de trabalhadores no local de trabalho, o desiderato do legislador em exigir que essas reuniões sejam convocadas pela comissão intersindical, no caso de numa empresa ou unidade de produção existirem vários delegados de comissões sindicais, visa fazer participar todos os sindicatos na gestão daquele tempo global e permitir a composição de eventuais conflitos de entre os sindicatos quanto à realização das reuniões.

Além disso, e mesmo que, eventualmente, aquele crédito, globalmente considerado (ou seja, somados os créditos que, em raciocínio hipotético, seriam atribuídos a cada sindicato - ou até a cada grupo de sindicatos associados na mesma associação ou federação de sindicatos), fosse acentuadamente maior do que o consagrado no n.º 1 do citado artigo 27.º, sempre se poderia colocar a eventualidade de, tratando-se de uma empresa ou unidade de produção onde os respectivos trabalhadores se encontravam representados por variadíssimos sindicatos (com também variados delegados de comissões sindicais), a divisão por cada um do mencionado crédito poder redundar, na prática, em algo de insignificante e sem qualquer repercussão prática.

É certo que não se poderá silenciar que a interpretação normativa em crise não deixa, de certo modo, de constituir uma certa constrição da actividade sindical a levar a efeito nas empresas e unidades de produção, actividade essa que repousa e é corolário da própria liberdade sindical.

Simplesmente, essa constrição ainda se afigura como não excessiva ou desproporcionada e, tendo em conta os interesses em presença, revela-se adequada e porventura até necessária, não representando uma limitação que vai afectar a extensão e alcance mínimos da liberdade sindical dos trabalhadores, cuja unidade e acordo continua a poder alcançar-se na prática.

É que, como se viu, não está aqui em causa uma interpretação normativa de harmonia com a qual tem de haver uma consensualidade ou uma actuação e estratégia unitárias entre todas as forças sindicais representadas na comissão intersindical quanto à oportunidade ou exigibilidade concreta da realização da reunião, ou, sequer, uma subscrição unitária da convocação (no sentido de não admissão de votos ou opiniões dissidentes de delegados das comissões sindicais quanto a essa convocação), mas sim que seja aquela comissão, por ela e em nome dela, a efectivar a convocação, não se permitindo que esta o seja só por um ou vários sindicatos, caso outro ou outros existam na empresa e que não subscreveram também a convocação.

Aliás, não podendo pôr-se nestes autos em causa o crédito global de horas prescrito no n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei 215-B/75, a atribuição a qualquer sindicato do "poder" de convocação de reuniões iria, com forte plausibilidade, redundar na exclusão de outros sindicatos quanto ao exercício de tal "poder", o que, seguramente, resultaria numa inadmissível restrição à liberdade sindical na sua vertente de desenvolvimento de actividade numa empresa ou unidade de produção.

III - Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 15 UC.

Lisboa, 26 de Junho de 2001. - Bravo Serra (relator) - Paulo Mota Pinto - Maria Fernanda Palma (vencida conforme declaração de voto junta) - Guilherme da Fonseca (vencido conforme declaração de voto junta) - José Manuel Cardoso da Costa.

Declaração de voto. - Tendo sido a primitiva relatora, votei vencida pelas razões que constam do projecto de acórdão que elaborei. Expus a minha posição nos seguintes termos:

1 - O recorrente considera que os preceitos sob análise, quando interpretados no sentido de exigirem a intervenção dos delegados sindicais de todos os sindicatos representantes dos trabalhadores da empresa na convocação da reunião plenária dos trabalhadores a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, são inconstitucionais, por violação dos artigos 55.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), e 56.º, n.º 1, da Constituição.

O Tribunal recorrido entendeu, porém, que tais preceitos apenas procedem à disciplina dos direitos de associação e de intervenção sindical dos trabalhadores nas empresas, de modo que o crédito de quinze horas para reuniões, dentro do horário normal de trabalho, venha a beneficiar, igualmente, todos os trabalhadores sindicalizados, "em conformidade com o princípio do pluralismo sindical consagrado no artigo 52.º da Constituição, garantindo, simultaneamente, a normalidade da actividade empresarial". Segundo o Tribunal recorrido, o direito de convocação de reuniões pertenceria apenas ao colectivo dos trabalhadores sindicalizados, cabendo à lei ordinária concretizar a forma como o livre exercício da actividade sindical se efectivaria. Assim, aqueles preceitos não violariam quaisquer princípios ou normas constitucionais, até porque os trabalhadores, uma vez impedidos de reunir durante o horário de trabalho, sempre poderiam reunir, nos termos do artigo 26.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, fora daquele horário.

2 - Foi, pois, suscitada perante o Tribunal Constitucional a questão de saber se é constitucionalmente possível que o exercício da actividade sindical durante o horário de trabalho dependa da chamada ''comissão intersindical da empresa'', a qual consistiria na comissão unitária de todos os sindicatos existentes numa empresa, funcionando também unitariamente ou pelo menos através da formação de uma maioria dos sindicatos representados. Desta resposta dependerá o saber se o exercício de actividade sindical dentro do período de tempo legalmente atribuído (quinze horas por ano, nos termos do artigo 27.º do Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril) pode, legitimamente, ser impedido, como exercício não permitido de actividade sindical na empresa, no caso de não ter havido convocatória para a reunião subscrita unitariamente por todos os sindicatos representados na empresa.

O conteúdo do direito ao exercício na empresa da actividade sindical [alínea d) do artigo 55.º da Constituição], como expressão da própria liberdade sindical, compadecer-se-á com a atribuição da titularidade do direito de convocatória à comissão intersindical funcionando unitariamente, isto é, com o consenso dos seus membros?

A liberdade sindical apresenta, na verdade, no que se relaciona com o presente caso, duas vertentes conexionadas intrinsecamente: a liberdade de construção da unidade dos trabalhadores para defesa dos seus direitos e interesses (artigo 55.º, n.º 1, da Constituição) e a liberdade de constituição de associações sindicais, não sendo nenhum trabalhador obrigado a inscrever-se num certo sindicato.

O direito de exercício da actividade sindical na empresa há-de moldar-se por aqueles dois aspectos, não podendo ser configurado a partir da anulação de qualquer deles. Assim, no que se relaciona com a primeira vertente assinalada, a da liberdade de construção da unidade, é direito dos trabalhadores criarem comissões coordenadoras para melhor intervenção na reestruturação económica das empresas e por forma a garantir os interesses de todos os trabalhadores (isso mesmo resulta do artigo 54.º, n.º 1, da Constituição, independentemente, aliás, da actividade sindical). Mas tal direito visa a defesa dos interesses dos trabalhadores e não faz sentido que se concretize legalmente por um imperativo, limitativo da liberdade sindical, na vertente assinalada, do direito à livre escolha do sindicato e consequente actividade sindical.

3 - A imposição de que a actividade sindical nas empresas dependa da acção de comissões intersindicais de empresa, constituídas pelos delegados sindicais dos diferentes sindicatos, isto é, com a adesão de todos os seus elementos funcionando consensualmente, como meio disciplinador do exercício do referido direito, é uma restrição à liberdade sindical não justificada constitucionalmente. Com efeito, é uma restrição na medida em que exige que diferentes sindicatos articulem unitariamente a actividade sindical, mesmo que, em concreto, não haja sintonia dos interesses dos trabalhadores que representem ou da respectiva estratégia sindical (ou admitindo mesmo que um sindicato representativo de uma minoria de trabalhadores impeça o desenvolvimento da actividade sindical de outros), podendo prejudicar desse modo o exercício por cada sindicato, na medida dos seus objectivos, da respectiva actividade.

Dessa forma, o tempo legalmente atribuído por ano ao exercício da actividade sindical estará condicionado por uma estratégia comum entre todos os sindicatos que pode nunca chegar a existir e, por isso, tenderá, na prática, a não poder ser utilizado. Mas mesmo que se entenda, o que não parece ser o que acontece no acórdão recorrido, contrariamente ao que é pressuposto no acórdão do Tribunal Constitucional, que segundo a decisão recorrida não foi considerada necessária a consensualidade para a realização de uma convocatória, também a desprotecção dos sindicatos não aderentes à convocatória por uma maioria redundaria para os mesmos num prejuízo na distribuição do tempo global, que não é compatível com um exercício pleno da liberdade sindical. De qualquer modo, não foi seguramente esta a dimensão normativa que sustentou a decisão recorrida.

4 - Tal restrição, sendo uma restrição à liberdade sindical, é desnecessária e ilegítima. Com efeito, não poderia ser justificada pelo eventual interesse objectivo da unidade dos trabalhadores, pois a Constituição entende essa unidade como produto da liberdade sindical - e não seu pressuposto -, isto é, como o valor para que tende o livre exercício da actividade sindical. Assim, o artigo 55.º, n.º 1, refere-se à liberdade sindical como condição e garantia da unidade.

Por outro lado, esta restrição não é adequadamente justificada pelos direitos de propriedade e de empresa.

Compreendendo-se, embora, que, por vezes, seja preferível para as empresas uma actividade sindical concertada no seu interior, nomeadamente na ocupação do tempo destinado à actividade sindical, a obrigatoriedade dessa concertação, em eventual conflito com a liberdade sindical, vincularia a concreta unidade sindical na empresa, exclusivamente, ao interesse da própria empresa. Por outro lado, essa vinculação nem resulta necessariamente da protecção da propriedade e da empresa na Constituição nem seria o meio necessário para a obtenção de uma articulação dos interesses da empresa e dos sindicatos. Na verdade, se uma limitação do tempo da actividade sindical na empresa é um dos meios adequados racionalmente à articulação daqueles dois interesses e correspondentes valores, a par de outros como o não prejuízo essencial para a produção da empresa, já intromissões no modo como a actividade sindical é concretamente exercida, afectando, potencialmente, estratégias sindicais, são condicionamentos excessivos e que desvirtuam no seu núcleo essencial a liberdade sindical.

Corroborando esta interpretação da Constituição, vários diplomas posteriores ao Decreto-Lei 215-B/75 vieram consagrar um regime não condicionado, exprimindo, aliás, uma evolução no entendimento da articulação da unidade dos trabalhadores e do pluralismo sindical (Decretos-Leis 773/76, de 27 de Outubro e 84/99, de 19 de Março, artigo 29.º), revelando que nada na Constituição impõe a solução normativa que agora é analisada.

Mas, como se afirmou, a solução em que se fundamenta o acórdão recorrido, não só não resulta da Constituição como contraria na sua essência a liberdade sindical.

Assim, por estas razões, dissenti do acórdão agora proferido pelo Tribunal Constitucional. - Maria Fernanda Palma.

Declaração de voto. - 1 - Votei vencido, por entender que deveria ser proferido um juízo de inconstitucionalidade, à luz das normas dos artigos 55.º, n.º 2, alínea d), e 56.º, n.º 1, da Constituição, discordando, consequentemente, do acórdão e da decisão de negar provimento ao recurso de constitucionalidade.

Acompanhando, no seu todo, a declaração de voto da Exma. Conselheira Maria Fernanda Palma, acrescento apenas que o caminho traçado pelo acórdão "ressuscita" a ideia da unicidade sindical bem presente na legislação de 1975, da qual faz parte o questionado Decreto-Lei 215-B/75, de 30 de Abril, quando, como no presente caso, por interpretação a aplicação das normas em causa daquele diploma, de acordo com o decidido nas instâncias, e com acolhimento do acórdão, as reuniões numa empresa (ou numa unidade de produção) em que há trabalhadores representados por vários sindicatos têm de ser convocadas, não em nome desse ou desses sindicatos, mas sim pela e em nome da comissão intersindical (reunião no local de trabalho e durante a hora normal de laboração).

2 - Tal significa um desvio em relação à linha jurisprudencial do Tribunal Constitucional (cf. os Acórdãos n.os 449/91 e 445/93, in Acórdãos, 20.º vol., p. 263, e 25.º vol., p. 335, respectivamente), em que se destaca "a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais" e a "independência da sua gestão face a qualquer tutela externa" (tudo isto em conformidade com a Lei 45/77, de 7 de Julho, que ratificou a Convenção n.º 87 da OIT, sobre a liberdade sindical e protecção do direito sindical, cujo artigo 3.º determina que as "autoridades públicas devem abster-se de qualquer intervenção susceptível de limitar esse direito ou de entravar o seu exercício legal", sendo que a exigência do legislador de 1975 de só poderem ser "convocadas pela comissão intersindical" as ditas reuniões é um verdadeiro entrave introduzido pelo poder público legislativo).

E é também uma distorção do rumo seguido pelo Parecer da Comissão Constitucional n.º 31/79, in Pareceres, 10.º vol., pp. 59 e segs., onde se pode ler que "a unidade terá de ser construída de dentro para fora e não de fora para dentro" e se transcreve Riva Sanseverino, quando diz:

"Liberdade sindical não significa somente liberdade de constituição e possibilidade de pluralismo de associações sindicais, mas quer dizer ainda autonomia institucional ou organizatória no sentido de que todos os sindicatos são livres de determinar o próprio ordenamento interno e a própria actividade, bem como o seu âmbito subjectivo."

Aliás, o próprio acórdão reconhece que "não se poderá silenciar que a interpretação normativa em crise não deixa, de certo modo, de constituir uma certa constrição de actividade sindical a levar a efeito nas empresas e unidades de produção, actividade essa que repousa e é corolário da própria liberdade sindical", mas não retira daí as devidas consequências, antes e erroneamente conclui que isso não representa "uma limitação que vai afectar a extensão e alcance mínimos da liberdade sindical dos trabalhadores, cuja unidade e acordo continua a poder alcançar-se na prática" (mas a prática o que revela é que, a contento do empregador, qualquer sindicato, até com expressão representativa minimalista, pode constituir um obstáculo à convocatória da reunião, realidade que, a coberto de uma legislação de 1975, parece estar a ser padrão nas empresas, contra os trabalhadores). - Guilherme da Fonseca.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1943709.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1975-04-30 - Decreto-Lei 215-B/75 - Conselho da Revolução

    Regula o exercício da liberdade sindical por parte dos trabalhadores - Revoga a legislação sobre associações sindicais, nomeadamente a que vincula os trabalhadores não sindicalizados ao pagamento obrigatório de quotas, ressalvado o disposto no n.º 4 do artigo 16.º do presente diploma - Revoga as normas relativas à representação profissional contidas na regulamentação das Casas do Povo e respectivas federações e das Casas dos Pescadores.

  • Tem documento Em vigor 1975-04-30 - Decreto-Lei 215-A/75 - Conselho da Revolução

    Reconhece a Intersindical Nacional como a confederação geral dos sindicatos portugueses, bem como toda a sua estrutura de âmbito regional, distrital e local, tendo como órgão deliberativo máximo o plenário ou congresso dos sindicatos nela filiados e como órgão executivo central o Secretariado Nacional.

  • Tem documento Em vigor 1976-10-15 - Decreto-Lei 733/76 - Ministério da Administração Interna - Secretaria de Estado da Administração Regional e Local - Direcção-Geral da Acção Regional

    Cria a freguesia de Mata da Rainha, com sede na povoação do mesmo nome.

  • Tem documento Em vigor 1976-10-27 - Decreto-Lei 773/76 - Presidência do Conselho de Ministros

    Revoga o Decreto-Lei n.º 215-A/75, de 30 de Abril, e os artigos 7.º, 9.º, 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril.

  • Tem documento Em vigor 1977-07-07 - Lei 45/77 - Assembleia da República

    Ratifica a Convenção n.º 87 da OIT, Sobre a Liberdade Sindical e protecção direito Sindical.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1999-03-19 - Decreto-Lei 84/99 - Presidência do Conselho de Ministros

    Assegura a liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública e regula o seu exercício, aplicando-se, nomeadamente, a todos os serviços da administração pública central, regional e local, às associações públicas, às fundações públicas, aos institutos públicos, e ainda aos serviços e organismos que estejam na dependênia hierárquica e funcional da Presidência da República, da Assembleia da República e das instituições judiciárias. Exceptua-se do seu âmbito o pessoal militar, opessoal militarizado d (...)

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