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Acórdão 86/2008, de 10 de Abril

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Sumário

Decide quanto à aplicação de coimas relativas a um donativo efectuado pela SOMAGUE SGPS, SA e recebido pelo PPD/PSD

Texto do documento

Acórdão 86/2008

Processo n.º10/CPP

Plenário

Acta

Aos 13 dias do mês de Fevereiro de dois mil e oito, achando-se presentes o Excelentíssimo Conselheiro Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmos. Conselheiros Ana Maria Guerra Martins, Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro, Mário José de Araújo Torres, Benjamim Silva Rodrigues, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Maria Lúcia Amaral, Maria João da Silva Baila Madeira Antunes, Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, João Eduardo Cura Mariano Esteves, Vítor Manuel Gonçalves Gomes e José Manuel Cardoso Borges Soeiro, foram trazidos à conferência os presentes autos, para apreciação.

Após debate e votação, foi ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o seguinte:

Acórdão 86/2008

I. Relatório.

1 - No âmbito dos presentes autos, decidiu este Tribunal, através do Acórdão 371/07, dar por verificado o recebimento, por parte do PPD/PSD, durante o ano de 2002, de um donativo indirecto, no valor de (euro) 233.415,00, efectuado pela SOMAGUE - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S. A., através do pagamento, por parte desta sociedade, de serviços prestados pela NOVODESIGN - Companhia Portuguesa de Design, S.A, àquele partido, em violação do disposto no artigo 5º, n.º 4, da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000.

Simultaneamente, determinou que os autos fossem continuados com vista ao Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 103º-A, n.º 2, da LTC.

2 - Na sequência dessa decisão, veio o Ministério Público, aos 31.07.2007, promover o seguinte:

«Conforme decorre dos elementos probatórios coligidos nos autos e do douto acórdão 371/2007, verifica-se que:

1 - No âmbito da campanha para as eleições autárquicas de 2001, foram prestadas ao PPD/PSD e à JSD (organização especial deste partido, integrada na respectiva orgânica, nos termos previstos no artigo 10º dos Estatutos) pela sociedade comercial designada Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A., os serviços reflectidos nos pedidos de factura constantes de fls.10/16 dos autos, emitidas em 15 de Março de 2002.

2 - Na sequência de acordo estabelecido entre os responsáveis pelo sector financeiro daquele partido e as administrações da Novo Design, SA e da sociedade denominada Somague, S.G.P.S., S. A., - entidade absolutamente estranha à dita relação contratual entre PPD/PSD e a Novo Design - as referidas facturas, correspondentes aos serviços efectivamente prestados ao partido, deram origem a uma factura única (n.º 20176/1), emitida à Somague (que aparece em substituição da referência originária ao referido partido, verdadeiro devedor), no montante de (euro) 233.415,00, liquidada através do cheque n.º 2439635269, sacado sobre a conta 277126091, titulada pela Somague S.G.P.S., S. A., e domiciliada no BCP.

3 - Tal comportamento implica violação directa do estatuído imperativamente no n.º 4 do artigo 5º da Lei 56/98 (na redacção da Lei 23/2000), já que aos partidos políticos está vedado aceitar ou receber quaisquer contribuições ou donativos indirectos que se traduzam no pagamento por terceiros de despesas que lhes aproveitem, fora dos limites previstos no artigo 4º.

4 - Com efeito, face à matéria documentada e apurada nos presentes autos, ocorreu manifestamente um pagamento por terceiro (a Somague) de despesas, decorrentes de serviços prestados no âmbito de uma relação contratual estabelecida com a Novo Design, que aproveitou inteiramente ao referido partido político - sendo certo que o valor do donativo indirecto ((euro)233.415,00) ultrapassa manifestamente o limite previsto no artigo 4º, n.º 1, da citada lei - 30 salários mínimos mensais nacionais por doador, isto é, (euro) 10.440,00, já que o salário mínimo no referido ano correspondia a (euro) 348.

5 - Tal infracção - supervenientemente conhecida e totalmente autónoma relativamente às verificadas e sancionadas no âmbito do processo normal de prestação de contas de 2002 - consubstancia, pois, uma contra-ordenação, imputável:

a) ao próprio PPD/PSD, nos termos do n.º 2 do artigo 14º da Lei 56/98;

b) aos dirigentes do partido em causa que pessoalmente participaram na dita infracção, nos termos do artigo 14º, n.º 3, da mesma lei; neste caso, tais dirigentes, responsáveis da Sede Nacional em 2002, são (como decorre do decidido definitivamente por este Tribunal, no acórdão 348/06):

- o Secretário-Geral, José Luís Fazenda Arnaut Duarte;

- o Secretário-geral Adjunto para a área financeira, José Manuel de Matos Rosa;

- e ainda, face ao teor do ofício da pg. 122 dos presentes autos, subscrito pelo Secretário-Geral actualmente em exercício - o Secretário-Geral Adjunto, responsável pela área administrativa e financeira, José Luís Vieira de Castro.

Na verdade, todos estes dirigentes partidários, com responsabilidade estatutária no sector administrativo e financeiro, sabiam que o partido estava legalmente impedido de aceitar que terceiros realizassem donativos indirectos, consubstanciados no injustificado pagamento de despesas, emergentes de relação contratual de prestação de serviços a que eram totalmente estranhos, violando, pois, com dolo, o referido preceito legal, no aceitar o pagamento pela Somague de dívida que manifestamente vinculava apenas o próprio partido.

c) Às pessoas colectivas que - participando constitutivamente no referido acordo, propiciador da atribuição de um donativo indirecto ao PPD/PSD - violaram, com dolo, a citada disposição legal, bem sabendo que a atribuição patrimonial, feita ao partido, era legalmente vedada (artigo 14º, n.º 5, da Lei 56/98):

- a Somague, S.G.P.S, S. A.;

- a Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A. (cuja denominação foi ulteriormente modificada, passando a designar-se por Brandia Creating - Design e Comunicação, S. A.)

d) Os administradores dessas pessoas colectivas que pessoalmente participaram dolosamente no cometimento da referida infracção, bem sabendo que o dito acordo, por eles consentido, possibilitador da atribuição patrimonial ao partido em causa, era legalmente vedado, face à citada disposição legal imperativa - e, que, perante a matéria de facto apurada nos autos, entende-se serem:

- João Paulo Moreira Cardoso Sequeira (id. p. 48), que exercia em 2002 funções na administração da Novo Design, sendo responsável pela área financeira, que deu expresso assentimento à operação consubstanciada na alteração da identidade do responsável pelo pagamento das facturas emitidas, apesar de bem saber que os serviços em causa tinham sido prestados ao PPD/PSD;

- Diogo Alves Diniz Vaz Guedes (id. p. 47), presidente do Conselho de Administração da Somague, que apôs na factura em causa a sua assinatura, a qual caucionava o respectivo pagamento, autorizando o assumir daquele débito por tal sociedade, bem sabendo que os serviços em causa tinham sido prestados ao partido por outra sociedade comercial, agindo com o intuito de realizar um donativo indirecto, que bem sabia ser vedado por lei;

- Luís Miguel Dias da Silva Santos (id. p. 96); e

- Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva (id. p. 91), ambos administradores executivos da Somague, em 2002, que assinaram o cheque emitido pela Somague, que corporizou o referido donativo indirecto, bem sabendo que o mesmo era legalmente vedado;

Nestes termos - e em consonância com o preceituado nos n.os 2, 3, 5 e 6, do artigo 14º da referida lei - promove-se a aplicação de coimas, ali estabelecidas, em relação aos responsáveis pelo ilícito contra-ordenacional, atrás especificadas, a graduar em conformidade com os critérios gerais estabelecidos no artigo 18º do Decreto-Lei 433/82.

Mais se promove, nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 14º da mesma Lei 56/98, que seja declarada a perda a favor do Estado dos valores ((euro) 233.415,00) ilegalmente recebidos pelo PPD/PSD, através do donativo indirecto em causa».

3 - Em resposta à promoção do Ministério Público, vieram pronunciar-se João Paulo Moreira Cardoso Sequeira, Brandia Central - Design e Comunicação, S. A. (actual denominação da Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A.), o PPD/PSD, José Manuel de Matos Rosa, José Luís Fazenda Arnaut Duarte, Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva, Luís Miguel Dias da Silva Santos e a Somague, S.G.P.S, S.A, o que fizeram mediante as exposições cujo conteúdo essencial se pode assim sumariamente sintetizar:

a) Caracterizando a relação negocial estabelecida entre a Brandia Central - Design e Comunicação, S. A. (então denominada Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A.) e o Partido Social Democrata como de prestação de serviços, João Paulo Moreira Cardoso Sequeira começou por sustentar que tal relação, como subsumível que deverá considerar-se à tipificação constante do artigo 1154º do Código Civil, se rege exclusivamente pelo direito privado, encontrando-se, por consequência, sob incidência das normas constantes dos artigos 1167º, alínea b), e 767º, ambos do Código Civil, o primeiro ex vi do disposto no artigo 1156º, do mesmo diploma legal.

De acordo com a perspectiva defendida, resultará daqui que a licitude do comportamento contratual empreendido pela Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., devendo aferir-se em função do que é consentido pelo direito privado, se encontra no presente caso assegurada, quer pelas normas acima referidas - as quais, para além de legitimarem a prestação de serviços a partidos políticos mediante contrapartida financeira, autorizam o credor da retribuição acordada a recebê-la, seja do respectivo devedor, seja de um terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação -, quer pela inexistência de outras que, nesta última hipótese, paralelamente impusessem ao prestador do serviço a retribuir o ónus de conhecer da relação ou dos motivos subjacentes à realização por terceiro da contraprestação pecuniária previamente acordada.

Numa segunda e complementar linha argumentativa, vem ainda sustentada a impossibilidade de imputação à Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., - e, consequentemente, a quem em nome dela houver actuado - de qualquer infracção à Lei 56/98, de 18 de Agosto.

De acordo com a construção para o efeito sufragada, tal diploma circunscrever-se-á, quanto ao respectivo âmbito de aplicação, às pessoas singulares ou colectivas que realizem doações e aos partidos políticos que as recebam, consistindo a acção sancionável, de um ponto de vista objectivo, necessariamente na efectuação do financiamento proibido e ou na sua aceitação por parte do respectivo destinatário.

Para além do facto de a actuação empreendida pela Brandia, por se haver limitado a uma prestação de serviços remunerada, não ser reconduzível a qualquer daquelas categorias, defende-se ainda o relevo da circunstância de a infracção imputada nos autos consistir, não na realização de um donativo indirecto tout court, mas na realização de um donativo indirecto de valor superior ao máximo legalmente permitido. E isto porque, segundo complementarmente se alega, não dispunha a Brandia Central - Design e Comunicação, S.A, na qualidade de mero prestador de serviços - nem, por consequência, o respondente enquanto seu administrador - de condições para verificar se a doação em causa respeitava ou não os limites anuais estabelecidos para os donativos de natureza partidária, limites esses cuja violação só ao financiador e ao financiado deve poder ser imputada.

Ainda no que particularmente concerne à possibilidade de responsabilização do respondente na qualidade de administrador da Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., nega-se que, designadamente por efeito da intervenção do primeiro, haja esta celebrado com o PSD e com a Somague um qualquer acordo tendente a viabilizar a realização de um financiamento partidário, sendo ao invés sustentado que, não obstante haver procedido à substituição das facturas originariamente emitidas e enviadas ao PSD, por uma outra, subsequentemente remetida à Somague para pagamento, a Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., se limitou a actuar em estrita conformidade com as instruções por aquele fornecidas, sem jamais conhecer o contexto em que se inseria tal pagamento ou questionar o título a que intervinha esta última.

A propósito da incontestada aceitação de que o pagamento dos serviços prestados ao PSD fosse efectuado pela Somague, consubstanciada na subsequente operação de substituição de facturas, faz ainda o respondente notar que, para além de lhe haver correspondido decisão procedente, não da área financeira por si então tutelada, mas do pelouro comercial da empresa, se tratou de assunto discutido entre todos os cinco administradores da Brandia, nenhum elemento autorizando a diferenciar a respectiva intervenção da dos demais administradores, tanto mais quanto certo é que a circunstância de lhe haver cabido a angariação do cliente PSD o não torna responsabilizável por todos os actos em que se traduziu a relação comercial assim estabelecida.

Recusando, com os fundamentos expostos, a autoria de qualquer actuação típica, ilícita ou culposa, conclui o respondente com a ideia de que, a ser-lhe ainda assim imputada a contra-ordenação de que vem acusado, tal imputação só poderá fazer-se a título de negligência inconsciente, devendo, neste caso, a coima ser fixada pelo seu valor mínimo.

b) Em sentido convergente com o acabado de percorrer estruturou a Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., a defesa nos autos apresentada, alicerçando-a também no argumento segundo o qual, pressupondo a contra-ordenação imputada a violação dolosa da disposição que proíbe o recebimento ou a aceitação de quaisquer contribuições ou donativos indirectos que se traduzam no pagamento por terceiros de despesas que aproveitem a partidos políticos fora dos limites legalmente previstos, não haver realizado a respondente qualquer financiamento ao PSD, tendo-se, outrossim, limitado a aceitar, na qualidade de prestadora de serviços mediante retribuição, a satisfação do seu crédito por terceiro nos termos consentidos pelo artigo 767º do Código Civil.

Negando a celebração de qualquer acordo com o PSD e a Somague que visasse a realização por parte da respondente de um qualquer donativo, directo ou indirecto, ao primeiro, conclui a Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., pela ausência da responsabilidade contra-ordenacional que lhe é imputada, ainda por certo ser que, sendo o pagamento da dívida por terceiro permitido independentemente do interesse deste no cumprimento da obrigação, lhe não caberia questionar ou conhecer da razão da intervenção da Somague.

c) Através de exposição datada de 22 de Agosto de 2007, subscrita pelo secretário-geral então em funções, respondeu o Partido Social Democrata, salientando o carácter pretérito dos factos imputados e a consequente impossibilidade de sobre os mesmos se pronunciar a Direcção do partido à qual coube receber a notificação para esse efeito realizada.

Não deixou, porém, de salientar a circunstância de, das sete facturas emitidas pela Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A., e endereçadas ao PSD, uma, no valor de (euro) 2.919,15, haver sido liquidada através do cheque n.º 9394505139, datado de 06 de Março de 2002.

Juntou prova documental para demonstração do alegado.

d) Invocando absoluto desconhecimento dos factos imputados nos autos, José Manuel Marques de Matos Rosa apresentou para tal desconhecimento a justificação segundo a qual, tendo sido nomeado secretário-geral adjunto do Partido Social Democrata aos 23 de Abril de 2002, somente a partir dessa data passou a ter contacto com a realidade contabilística do partido.

Juntou prova documental para demonstração do alegado.

e) Confirmando ser, à data dos factos imputados, Secretário-Geral do Partido Social Democrata, José Luís Fazenda Arnaut Duarte alegou, contudo, que deles não teve então conhecimento e, bem assim, que pessoalmente não acompanhou os termos em que o apoio da Somague foi concedido ao partido.

Segundo é afirmado, de forma a permitir que o Secretário-Geral do Partido Social Democrata se concentrasse no exercício de funções de natureza política, era prática seguida proceder à delegação de tarefas de natureza administrativa e financeira em um ou mais Secretários-Gerais Adjuntos.

Tais tarefas - é dito ainda - foram então delegadas na pessoa de José Luís Vieira de Castro.

f) Embora através da apresentação de defesas autónomas, Diogo Diniz Alves Vaz Guedes e a Somague SGPS, S. A., opuseram-se à promoção do Ministério Público mediante a invocação de argumentos essencialmente coincidentes.

Como questão para conhecimento liminar, ambos invocaram a prescrição do procedimento contra-ordenacional nos presentes autos instaurado por reivindicado efeito do decurso do prazo de cinco anos previsto na alínea a) do artigo 27º do Regime Geral das Contra-ordenações e das Coimas aprovado pelo Dec. Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção conferida pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, sobre a data do cometimento da imputada contra-ordenação.

Reportando o momento da prática da infracção a 20 de Junho de 2002 por ser essa a data de emissão do cheque sacado pela Somague para pagamento dos serviços prestados pela Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., ao PSD, sustentam ambos os respondentes, para suportar aquela conclusão, que o procedimento de aplicação de coima nos presentes autos instaurado, tendo-o sido ao abrigo do disposto no artigo 103º-A, n.º 2, da LTC, e regendo-se pelo que aí se dispõe, só poderá ter-se por iniciado aos 27 de Junho de 2007, data da prolação do Acórdão que deu por verificada a ocorrência da infracção e determinou a abertura de vista ao Ministério Público nos termos do disposto no artigo103º-A, n.º 2, da LTC.

Não obstante a anterioridade da instauração dos presentes autos, defendem os respondentes que a precedente actividade neles documentada, não apenas se não inscreve na previsão normativa do artigo 103º-A, n.º 2, da LTC, como representa uma inversão da ordem dos actos aí estabelecida, o que, na perspectiva seguida, a tornará imprestável para, a partir dela ou com base nela, ter por iniciado o procedimento contra-ordenacional.

Numa segunda linha de objecções à formalização da responsabilidade que lhes vem imputada, invocam os respondentes a inconstitucionalidade material das normas constantes dos artigos 14º, n.os 5 da LFPP, e do artigo 103º-A, n.º 3, da LTC.

Para ambos os respondentes, a norma resultante do n.º 5 do artigo 14º - ou, conforme defende Diogo Diniz Alves Vaz Guedes, dos n.os 5 e 6 do artigo 14º - padecerá de inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 29º, n.º 1, da Constituição, uma vez que, ao proceder à delimitação do ilícito através do emprego de uma formulação genérica - "as pessoas colectivas que violem o disposto no presente capítulo" -, se distancia dos requisitos de clareza, precisão e inteligibilidade no recorte das condutas proibidas que devem ser observados no âmbito do direito sancionatório.

Para a respondente Somague SGPS, S.A, a norma constante do n.º 5 do artigo14º será ainda materialmente inconstitucional por consagrar um critério de fixação dos limites da penalidade que, remetendo para múltiplos do valor do donativo proibido concretamente realizado e não permitindo esclarecer se há lugar à consideração, para esse efeito, da parcela que houver sido paga a título de IVA, não se encontra objectivamente predefinido, nem é inteligível à luz do regime legal em que se insere, o que redundará numa violação do princípio da legalidade e da proibição da indefinição das sanções, consagrado nos artigos29º, n.os 1 e 3, e 30º, n.º 1, in fine, da Constituição.

Já a inconstitucionalidade material apontada à norma do artigo 103º-A, n.º 3, da LTC, procederá, de acordo com o que vem defendido, da violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, uma vez que o processo ali previsto concentra numa única instância a competência para instruir, apreciar e decidir o processo de contra-ordenação, não contemplando qualquer possibilidade de recurso da decisão proferida.

No que diz respeito à prática da infracção propriamente dita, fazem notar os respondentes que a Somague SGPS, S. A., é uma sociedade gestora de participações sociais que, tal como sucede presentemente, detinha, ao tempo dos factos em apreço, directa e indirectamente, participações em diversas sociedades comerciais, nacionais e estrangeiras.

Neste contexto, alega-se que a actuação imputada nos autos foi presidida pela convicção de que o montante de que a Somague SGPS, S. A., dispôs se conteria dentro dos limites legais admissíveis de acordo com o disposto no artigo 5º, n.º 4, da LFPP, ou, mais concretamente ainda, pelo convencimento de que, na qualidade de entidade cabeceira do grupo, poderia aquela proceder legitimamente à desagregação do montante objecto do donativo indirecto realizado por cada uma das suas participadas, com a consequência de os valores assim alcançados não excederem, por cada uma das sociedades co-financiadoras individualmente consideradas, incluindo a própria Somague, SGPS, S. A., o limite previsto no artigo 14º, n.º 1, da LFPP.

Para a hipótese, subsidiariamente configurada, de não vir a obter procedência qualquer um dos argumentos acabados de sintetizar, sustentam os recorrentes que a medida da respectiva responsabilidade deverá situar-se próximo do valor mínimo legalmente previsto para a coima a aplicar.

Ambos os respondentes juntaram prova documental e apresentaram prova testemunhal.

g) Ainda que mediante a apresentação de autónomas peças processuais, Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva e Luís Miguel Dias da Silva Santos estruturaram as respectivas defesas sob a invocação de argumentos factuais integralmente coincidentes.

Assumindo haverem conjuntamente assinado, na qualidade de administradores da Somague SGPS, S. A., com poderes para o acto, o cheque que serviu para efectuar o pagamento dos serviços prestados pela Novodesign - Companhia Portuguesa de Design, S. A., ao PSD, ambos os respondentes fizeram, contudo, notar que tal intervenção, para além de absolutamente circunstancial, foi precedida da observância dos procedimentos de conferência e autorização de pagamento internamente instituídos - procedimentos esses a cargo, respectivamente, do departamento de gestão de fornecedores e do centro de custo correspondente -, o que conduziu a que os cheques lhes tivessem sido presentes para subscrição já depois de emitidos e preenchidos pelos serviços da tesouraria.

Para além de a tanto se haver limitado a respectiva intervenção, ambos os respondentes ignoravam os factos que nos autos são imputados, tendo, outrossim, aposto as suas assinaturas no cheque na convicção de que o mesmo se destinava ao pagamento de bens ou serviços prestados à própria Somague.

Com tal fundamento, concluem ambos os respondentes pela impossibilidade de virem a ser responsabilizados pela prática, dolosa ou mesmo negligente, da contra-ordenação prevista e sancionada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 5º, n.º 4, e 14º, n.os 1 e 6, da Lei 56/98, de 18 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei 23/2000, de 23 de Agosto.

Apresentaram prova testemunhal para demonstração do alegado.

4 - À notificação dirigida a José Luís Vieira de Castro respondeu, na qualidade de respectivo cônjuge, Maria do Rosário de Castro Freitas, invocando a impossibilidade de aquele o fazer por si, por razões de saúde.

Para demonstração de tal impossibilidade, juntou dois atestados médicos.

5 - O Ministério Público respondeu à excepção de prescrição do procedimento contra-ordenacional invocada pelos respondentes Diogo Diniz Alves Vaz Guedes e Somague SGPS, S. A., considerando-a manifestamente improcedente por não ter em conta as especificidades da tramitação dos processos de prestação de contas dos partidos políticos e respectivo sancionamento, nos casos legalmente previstos.

A este propósito, sustentou que, reportando-se a infracção em causa às contas do exercício de 2002, o prazo prescricional nunca poderia iniciar-se antes do momento idóneo para as contas serem apresentadas neste tribunal (fim do mês de Maio do ano subsequente) e por ele valoradas nos termos legalmente previstos, ou seja, no prazo máximo de seis meses a contar do dia da sua recepção.

No que se refere à alegada inversão da ordem dos actos prevista no artigo 103º-A, n.º 2, da LTC, considerou tratar-se de argumentação artificiosa porque assente na premissa, viciada e insustentável, segundo a qual, no processo complementar de sancionamento das infracções, caberia ao Ministério Público promover liminarmente a aplicação de coima, sem precedência de qualquer indagação, necessariamente oficiosa, fáctica ou probatória, mesmo que considerada indispensável a um completo esclarecimento de todos os aspectos relevantes no âmbito do ilícito contra-ordenacional.

Concluiu, nestes termos, pela improcedência da excepção invocada.

6 - Notificadas as pessoas cujo testemunho foi requerido, vieram pronunciar-se, por escrito, Luís Miguel Lopes David e Miguel Tönis, o primeiro arrolado pelos respondentes Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva e Luís Miguel Dias da Silva e o segundo ainda por Diogo Diniz Alves Vaz Guedes e pela Somague SGPS, S. A.,

7 - Por oficiosa iniciativa do Tribunal, foram notificados os respondentes Diogo Diniz Alves Vaz Guedes e Somague SGPS, S. A., no sentido de providenciarem pela junção aos autos de prova documental comprovativa da directa intervenção das sociedades por esta participadas no financiamento da operação titulada pelo cheque a que se reportam os autos.

Ainda por despacho do Conselheiro Presidente, foi determinada a notificação da Somague SGPS, S.A, bem como da NovoDesign - Companhia Portuguesa de Design, S.A, para diligenciarem pela junção aos autos de cópia do referido título.

A tal notificação respondeu a Somague SGPS, S. A., procedendo à junção aos autos de cópia do cheque em causa e afirmando, quanto ao mais, não dispor da prova documental perspectivada no despacho.

À mesma notificação respondeu ainda a NovoDesign - Companhia Portuguesa de Design, S.A (actualmente designada Brandia Central - Design e Comunicação, S. A.), afirmando não dispor de cópia do cheque.

8 - Admitida que foi, em face do teor da resposta referida em 4., a possibilidade de o expediente remetido para notificação de José Luís Vieira de Castro não haver chegado ao efectivo poder do respectivo destinatário, foi o acto mandado repetir.

Efectuada que foi nova notificação, apresentou José Luís Vieira de Castro resposta escrita, imputando os factos em causa nos presentes autos a uma desatenção jurídica não intencional motivada pelo facto de os esforços à data desenvolvidos se encontrarem centrados nos desafios eleitorais que o Partido Social Democrata enfrentava, em prejuízo da atenção sobre o funcionamento administrativo do partido.

II. Questão prévia: Da invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional.

1 - Conforme referido já, invocaram os respondentes Diogo Diniz Alves Vaz Guedes e a Somague SGPS, S. A., a prescrição do procedimento contra-ordenacional instaurado nos presentes autos.

De acordo com a construção para o efeito sustentada, o prazo de prescrição aplicável, sendo de cinco anos nos termos previstos na alínea a) do artigo 27º do Regime Geral das Contra-ordenações aprovado pelo Dec. Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção conferida pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, ter-se-á completado antes mesmo da instauração do presente procedimento, já que este, havendo de conformar-se com a tipificação prevista no artigo 103º-A, n.º 2, da LOFPTC, só poderá ter-se por verdadeiramente iniciado aos 27 de Junho de 2007, data da prolação do Acórdão que deu por verificada a ocorrência da infracção e determinou a abertura de vista ao Ministério Público.

Assim, uma vez que a prática da imputada contra-ordenação remonta a 20 de Junho de 2002, o procedimento contra-ordenacional deverá ser declarado extinto por prescrição.

2 - Com relevo para a decisão que haverá de seguir-se, é possível ter por assente o circunstancialismo seguinte:

- por ofício datado de 11.12.2006, a Direcção-Geral dos Impostos procedeu à comunicação de factos indiciadores da prática de infracção.

- por despacho exarado pelo Conselheiro Presidente, datado de 11.12.2006, o expediente originado por tal comunicação foi com vista ao Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes.

- sob invocação do disposto no artigo 103º-A, n.º 2, da LTC, o Ministério Público tomou posição nos autos aos 20.12.2006, promovendo que o referido expediente fosse autuado como processo complementar de prestação de contas e, por considerar que disso dependia o apuramento seguro das possíveis responsabilidades contra-ordenacionais indiciadas, a realização de diligências instrutórias complementares, a levar a cabo pelo Tribunal mediante a coadjuvação da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, ao abrigo do preceituado nos artigos 24º da Lei 19/03, de 20 de Junho, e 9º, n.º 1, alínea c), da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro.

- por despacho do Conselheiro Presidente datado de 27.12.2006, foi determinada a autuação do mencionado expediente como processo complementar aos autos de prestação de contas do ano de 2002 e ordenada a respectiva remessa à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, nos termos e para os efeitos promovidos pelo Ministério Público.

- remetidos os autos à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e por esta à Polícia Judiciária, foram realizadas diligências de inquirição nos dias 27.02.2007, 28.02.2007, 05.03.2007, 09.03.2007, 15.03.2007, 21.03.2007, 27.03.2007, 02.04.2007, 10.04.2007, 11.04.2007, 12.04.2007, 18.04.2007 e 19.04.2007.

- por despacho do Conselheiro Presidente datado de 09.05.2007, foi determinada a notificação do PPD/PSD nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13º, n.º 2, da Lei 56/98.

- aos 26.07.2007, foi proferido, pelo Plenário deste Tribunal, o Acórdão 371/07, através do qual foi dado por verificado «o recebimento, por parte do PPD/PSD, durante o ano de 2002, de um donativo indirecto, no valor de (euro) 233.415,00, efectuado pela SOMAGUE - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S. A., através do pagamento, por parte desta sociedade, de serviços prestados pela NOVODESIGN - Companhia Portuguesa de Design, S. A., àquele Partido, em violação do disposto no artigo 5.º, n.º 4, da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000» e determinada a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 103.º-A, n.º 2, da LTC.

- tal pagamento foi efectuado através de cheque emitido aos 20 de Junho de 2002.

3 - Conforme decorre dos termos processuais acima resumidamente descritos e expressamente foi afirmado no Acórdão 371/07, os presentes autos, tendo sido instaurados para conhecimento de factos subjectivamente supervenientes à apreciação das contas partidárias de 2002 e autónomos relativamente aos aí apreciados, foram-no ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 103º-A da LTC.

Dispõe o artigo 103º- A, da LTC o seguinte:

«1. Quando, ao exercer a competência prevista no n.º 2 do artigo 13º da Lei 72/93, de 30 de Novembro, o Tribunal Constitucional verificar que ocorreu o incumprimento de qualquer das obrigações que, nos termos do capítulo II do mesmo diploma legal, impendem sobre os partidos políticos, dar-se-á vista nos autos ao Ministério Público, para que este possa promover a aplicação da respectiva coima.

2 - Quando, fora da hipótese contemplada no número anterior, se verifique que ocorreu o incumprimento de qualquer das obrigações nele referidas, o presidente do Tribunal Constitucional determinará a autuação do correspondente processo, que irá de imediato com vista ao Ministério Público, para que este possa promover a aplicação da respectiva coima.

3 - Promovida a aplicação de coima pelo Ministério Público, o Presidente do Tribunal ordenará a notificação do partido político arguido, para este responder, no prazo de 20 dias, e, sendo caso disso, juntar a prova documental que tiver por conveniente ou, em casos excepcionais, requerer a produção de outro meio de prova, após o que o Tribunal decidirá, em sessão plenária.»

A tese sufragada pelos respondentes assenta no pressuposto de que a actividade processual desenvolvida até 27 de Junho de 2007, data da prolação do Acórdão 371/07, não somente se não inscreve, como não tem cabimento possível na tipificação constante do artigo 103º-A, n.º 2, da LTC, o que, devendo ser reconhecido, a tornará consequentemente imprestável para ter com base nela por verificada a instauração do procedimento.

Vejamos se assim é.

Colocada a questão no plano dos princípios, pode dizer-se que, entre aqueles que estruturam qualquer processo de tipo sancionatório, se conta seguramente o da legalidade do processo, objecto de consagração expressa no artigo 2º do Cód. de Processo Penal e no artigo 43º do Regime Geral das Contra-ordenações, aprovado pelo Dec. Lei 433/82, de 27 de Outubro.

Sujeitando o exercício do poder estadual sancionatório à exigência de um processo legalmente prescrito, o princípio da legalidade exclui a possibilidade de ingerência repressiva na esfera jurídica dos particulares sem a tramitação de um processo segundo a forma estabelecida em lei precedente.

Porém, ao invés do que parece supor a tese sufragada pelos respondentes, daí não se segue que à lei que especialmente modela o processo se imponha que o faça em termos de tal modo exaurientes, fechados e finais que todo e qualquer acto a praticar, para poder considerar-se acto do processo e valer enquanto tal, careça de haver sido - e de haver sido aí - expressamente descrito e singularmente caracterizado pelo legislador.

Enquanto parâmetro de sindicância da regularidade da intervenção das instâncias formais de controlo, o que do princípio da legalidade seguramente resulta é que a declaração do direito no caso concreto não poderá ter lugar fora da sequência articulada de actos que o processo representa, nem das «regras de desenvolvimento processual que o integram» (cf. Simas Santos e Leal Henriques, em anotação ao artigo 2º do Código de Processo Penal, in Código de Processo Penal Anotado, I Volume, 1996, pg.79)

Encarada nesta perspectiva a influência modeladora da norma inscrita no n.º 2 do artigo 103º-A da LTC, não sofrerá obviamente contestação que a mesma tem por objecto a tipificação da matriz do processo destinado à verificação, por via do seu superveniente conhecimento, do eventual incumprimento das obrigações constantes do regime jurídico do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Por assim ser, também pacificamente poderá afirmar-se que, ao definir a estrutura deste tipo de processo, a norma em presença lhe impõe momentos e conteúdos obrigatórios, fases que o processo não poderá deixar de incluir sob pena de preterição do princípio da legalidade.

Agora o que daí se não segue é que toda a actividade processual possível se encontre, por via disso, imperativamente confinada ao conjunto, preciso e limitado, dos termos expressamente descritos, designadamente ao ponto de legitimar a afirmação de que o processo não poderá existir para além deles ou fora deles. E, sobretudo, não vale isso para excluir que no processo possam ser enxertados outros actos que, para além de preordenados à realização do seu fim, surjam como expressão de um outro princípio, também ele consensualmente integrativo do modelo processual entre nós há muito consagrado, segundo o qual ao tribunal, enquanto entidade decidente, incumbe o poder-dever de esclarecer e instruir autonomamente o facto sujeito a julgamento, criando ele mesmo as bases necessárias à sua decisão (cf. Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Volume 1, 1974, pg. 72)

Justamente por assim ser, uma segunda e decisiva ordem de razões impede em definitivo que a tese sustentada pelos respondentes pudesse ser aqui acompanhada.

É que a construção por estes defendida assenta no postulado segundo o qual o juízo relativo à verificação da própria infracção está definitivamente contido na ordem de autuação que dá início ao procedimento, restando por isso ao Ministério Público, na vista com que os autos serão imediatamente continuados, a promoção da aplicação de coima, coima essa cuja justeza e adequação ficará então o Plenário, em final intervenção, limitado a avaliar.

Significa isto que, para os respondentes, o juízo material concernente ao estabelecimento dos pressupostos da responsabilidade contra-ordenacional, para além de singularmente cometido ao Presidente do Tribunal, é prévio à instauração do próprio procedimento, ficando este por consequência, reduzido, quanto ao seu objecto e possível fim, à determinação das consequências jurídicas da prática da infracção que naqueles termos haja sido verificada.

Pelos fundamentos que passaremos a enunciar, esta não é, porém, uma construção aceitável, e isto de um ponto de vista quer teleológico, quer sistemático, quer mesmo literal.

Desde logo porque, perscrutada a racionalidade da norma adjectiva em presença, seja singularmente, seja no contexto da unidade do sistema jurídico em que se insere, forçosamente seremos conduzidos à conclusão de que, tal como é próprio de todo o juízo que antecede uma ordem de autuação (cf. artigo 213º do Cód. de Proc. Civil), também este a que se refere o n.º 2 do artigo 103º-A só poderá ser um juízo de tipo liminar, correspondente a um controlo de natureza meramente formal ou extrínseca.

Com efeito, só assim, como liminar e formal que é, se explica e juridicamente se aceita que tal juízo possa ter lugar fora do processo que tenderá a seguir-se-lhe, preceder a instauração do próprio procedimento, caber em exclusivo ao Presidente da instância colectiva a quem compete a apreciação da causa e não carecer sequer de ser exteriorizado ou verbalizado, designadamente quanto aos respectivos fundamentos e critérios de ponderação.

Em segundo lugar - e situamo-nos agora no estrito plano da interpretação sistemática -, porque nesse mesmo sentido não deixará de apontar a consonância do segmento normativo interpretando com a unidade intrínseca do conjunto normativo em que se insere.

Isto porque, ao considerar-se, de entre os demais tipos de processo cometidos ao Tribunal Constitucional, aqueles que do mesmo modo contemplam a intervenção prévia e singular do Presidente, facilmente se concluirá ser justamente de natureza formal o controlo que, em tal fase, este é chamado a exercer através do conjunto de poderes ou faculdades que para esse efeito se lhe encontram atribuídos nos termos expressamente previstos na LTC.

Assim o demonstra, com efeito, o regime processual comum aos processos de fiscalização abstracta, em especial a estrutura do processo decisório que resulta definida nos n.os 2 a 4 do artigo 51º daquele diploma legal.

De acordo com a tramitação aí tipificada, o requerimento através do qual é formulado o pedido de apreciação da constitucionalidade ou da legalidade de certas normas jurídicas é, depois de autuado e registado, concluso ao presidente do Tribunal que decide sobre a sua admissão.

No caso de falta, insuficiência ou manifesta obscuridade das especificações que o requerimento deve conter nos termos do n.º 1 do artigo 51º da LTC, o Presidente notifica o autor do pedido para suprir as deficiências, após o que os autos lhe serão novamente conclusos para aquele efeito.

A decisão do Presidente que admite o pedido - resulta finalmente do n.º 4 - não faz precludir a possibilidade de o Tribunal vir, em definitivo, a rejeitá-lo, o que ocorrerá em sessão plenária.

Resultando da análise do regime acabado de descrever que, no âmbito dos processos de fiscalização abstracta, preventiva ou sucessiva, da constitucionalidade ou legalidade de certas normas jurídicas, a intervenção prévia do Presidente se associa ao exercício de um controlo de tipo formal ou extrínseco cujo resultado é livremente reavaliável pela instância a quem compete o pronunciamento que porá termo aos autos, não deixará tal conclusão de constituir um relevante subsídio interpretativo quando se trate de estabelecer a natureza, conteúdo e alcance daquela mesma forma de intervenção, desta feita no âmbito do processo tipificado no n.º 2 do artigo 103º-A da LTC.

Sujeitando a interpretação da norma adjectiva em presença à incidência do «postulado da coerência intrínseca do ordenamento», parece que consentânea com a ideia de que «as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário» (cf. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pg.183), será apenas a conclusão de que, também no âmbito do procedimento tipificado no n.º 2 do artigo 103º-A da LTC, a intervenção singular do Presidente se destinará a uma avaliação de tipo liminar, por esta se entendendo aquela apreciação que se dirige ao conhecimento, não do objecto do processo ou de algum dos seus elementos integrantes, mas das condições de que poderá depender a viabilidade da respectiva instauração.

Uma razão terceira e última se opõe ainda à procedência da tese sufragada pelos respondentes.

Radica ela na própria literalidade do texto em que se objectiva a norma interpretanda, mais propriamente na circunstância de a fórmula legislativa utilizada para descrever o fim a que se destina a intervenção do Ministério Público imediatamente subsequente à autuação ser integrada pela expressão "para que este possa promover a aplicação da respectiva coima" (sublinhado nosso).

Trata-se de uma expressão legal cujo significado, para ser concordante com a presunção segundo a qual o legislador souber exprimir o seu pensamento com correcção e em termos adequados (cf. artigo 9º do Código Civil), só poderá ser o de que, no âmbito da intervenção que se segue à autuação, a promoção para aplicação de coima representa apenas uma possibilidade para o Ministério Público.

À luz de tal postulado hermenêutico, a própria letra da lei deporá no sentido de que, em alternativa a tal imediata tomada de posição e como forma de a tornar ulteriormente possível, o Ministério Público se encontra legitimado a reconhecer a insuficiência dos elementos com que é confrontado e, com base nisso, a promover a realização de diligências destinadas a permitir «um completo esclarecimento de todos os aspectos relevantes no âmbito do ilícito contra-ordenacional».

Ora, foi esta, justamente, a via seguida nos autos, a qual, por corresponder a tramitação que, pelos fundamentos vindos de enunciar, se poderá ter por legalmente conforme ao conjunto normativo que a regula, deu origem a um procedimento válido e atendível, designadamente para efeitos de verificação da prescrição.

É certo que a promoção, vista já possível ao abrigo do artigo 103º-A, n.º 2, da LTC, no sentido da realização das diligências probatórias tidas por necessárias ao completo esclarecimento dos factos precedeu a ordem de autuação ao invés de se lhe seguir. E certo igualmente é que o despacho exarado pelo Conselheiro Presidente para ordenar a autuação do expediente que lhe havia sido remetido serviu concomitantemente para determinar a realização das diligências entretanto promovidas.

Contudo, se algum vício se pudesse reconhecer nessa simples antecipação do exercício de uma faculdade, seria seguramente um vício reconduzível à categoria das meras irregularidades e, como tal, insusceptível de contender, pela absoluta ausência de projecção negativa na posição processual dos visados, com a validade do procedimento.

E se assim é, jamais tal ocorrência poderia constituir idóneo fundamento para excluir, conforme é defendido pelos respondentes, que o procedimento se tenha por iniciado por efeito da ordem de autuação que, em resultado de um controlo sobre a viabilidade das condições da instauração do processo, foi feita constar do despacho exarado pelo Conselheiro Presidente aos 27.12.2006 e, menos ainda, para impor que o procedimento apenas pudesse ter-se por iniciado quando, após a realização das diligências tidas por necessárias - realização essa que vimos já processualmente legitimada por efeito de um dos princípios integrativos do modelo que disciplina a intervenção das instâncias formais de controlo no âmbito dos processos sancionatórios - e a subsequente verificação da infracção pela entidade competente para o julgamento da causa, foi determinada a abertura de vista ao Ministério Público para que renovado fosse, agora mediante actualizada apreciação, o exercício da faculdade prevista no artigo 103º-A, n.º 2, da LTC.

Concluindo-se, portanto, que o procedimento nos presentes autos instaurado se iniciou, em válidos termos, aos 27.12.2006, é altura de verificar se o mesmo se encontra prescrito.

A infracção tida já por verificada e cujo sancionamento é agora promovido consubstancia-se na violação do disposto no artigo 5.º, n.º 4, da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000.

A lei 56/98, com as alterações resultantes da lei 23/2000, nada dispõe de específico sobre a prescrição do procedimento contra-ordenacional.

No seu silêncio, valerão, pois, as disposições constantes do Regime Geral das Contra-ordenações (aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei 356/89, de 17 de Outubro, n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro).

Tendo em vista determinar a lei aplicável e fixar o prazo de prescrição a considerar, vejamos, antes de mais, qual deve ser considerado o momento da prática da infracção.

Resulta do disposto no artigo 5º do Regime Geral das Contra-ordenações, que o facto se considera praticado «no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido».

Consistindo a infracção tida por verificada no recebimento por parte do PPD/PSD, de um donativo indirecto, no valor de (euro) 233.415,00, efectuado pela SOMAGUE - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S. A., através do pagamento, por parte desta sociedade, de serviços prestados pela NOVODESIGN - Companhia Portuguesa de Design, S. A., àquele Partido, o momento da prática do facto haverá de corresponder àquele em que foi efectuado este pagamento e, por consequência, à data em que foi emitido o cheque sacado para o efeito, ou seja, a 20 de Junho de 2002.

De acordo com o disposto no artigo 27º do Regime Geral das Contra-ordenações, na versão aprovada pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, em vigor à data da prática dos factos, o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:

a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49.879,79;

b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2.493,99 e inferior a (euro) 49.879,79;

c) Um ano, nos restantes casos.

Tendo presentes as estatuições ínsitas no artigo 14º da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000, verifica-se que os partidos políticos responsáveis pela violação do disposto no respectivo artigo 5º, n.º4, incorrem numa coima máxima de 400 salários mínimos mensais nacionais (cf. n.º 2), sujeitando-se os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participarem em tal infracção à aplicação de uma coima máxima no valor de 200 salários mínimos mensais nacionais (cf. n.º 3)

Para as pessoas colectivas que violarem o disposto no artigo 5º, n.º 4, a coima máxima a aplicar é equivalente ao quíntuplo do montante do donativo proibido (cf. n.º 5), incorrendo os respectivos administradores que pessoalmente participarem na infracção numa coima máxima no valor de 200 salários mínimos nacionais mensais (n.º 6)

Uma vez que o salário mínimo mensal nacional no ano de 2002 correspondia a (euro) 348,00 (artigo 1.º do Decreto-Lei 325/2001, de 17 de Dezembro), conclui-se que o limite máximo da moldura sancionatória a considerar, no que respeita aos partidos políticos, é dado pelo valor de (euro) 139.200 e, no que concerne aos respectivos dirigentes, pelo valor de (euro) 69.600, o mesmo que se aplica aos administradores das pessoas colectivas que pessoalmente houverem participado na infracção.

Já quanto a estas, o limite máximo da coima a atender, correspondendo ao quíntuplo do montante objecto do donativo indirecto tido por realizado, será no caso presente de (euro) 1.167.075.

Tendo em conta os limites máximos que vimos de enunciar, verifica-se que o prazo de prescrição aplicável ao procedimento contra-ordenacional instaurado nos autos é sempre o de cinco anos previsto na alínea a) do artigo 27º do Regime Geral das Contra-ordenações, na versão aprovada pela lei 109/2001, de 24 de Dezembro.

Ora, reportando-se a contra-ordenacção sob julgamento a 20 de Junho de 2002, tal prazo completar-se-ia então aos 20 de Junho de 2007, o que efectivamente teria sucedido se nenhum evento susceptível de obstar a tal decurso tivesse tido entretanto lugar no âmbito dos presentes autos.

Simplesmente, sob a epígrafe «interrupção da prescrição», dispõe-se no artigo 28º do Regime Geral das Contra-ordenações, na redacção revista pela lei 109/2001, de 24 de Dezembro, o seguinte:

«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.

3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.»

Interrompendo-se a contagem do prazo de prescrição, nos termos da alínea b) do n.º 1, do artigo 28º, do Regime Geral das Contra-ordenações, com a realização de quaisquer diligências de prova, esse efeito ter-se-á produzido nos autos aos 27.02.2007, 28.02.2007, 05.03.2007, 09.03.2007, 15.03.2007, 21.03.2007, 27.03.2007, 02.04.2007, 10.04.2007, 11.04.2007, 12.04.2007, 18.04.2007 e 19.04.2007, datas em que foram realizadas as inquirições integradas no âmbito da actividade instrutória que se sucedeu ao despacho liminar proferido pelo Conselheiro Presidente e que abrangem todos os arguidos nos presentes autos.

Uma vez que cada um desses actos determinou o reinicio da contagem do prazo e, sobre o momento da prática do facto, não decorreu ainda o prazo normal de prescrição acrescido de metade (sete anos e seis meses), a conclusão só pode ser a de que o procedimento contra-ordenacional nos presentes autos instaurado não se encontra prescrito, o que conduz a julgar improcedente a excepção invocada pelos respondentes.

III. Fundamentação.

1 - De facto.

1.1 - Factos considerados provados.

Com relevo para a decisão da causa, têm-se por demonstrados os factos seguintes:

1.1 - 1. Factos relativos à promoção do Ministério Público.

a) No ano de 2001, a sociedade comercial então designada Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A., prestou ao PPD/PSD e à JSD um conjunto de serviços no âmbito da actividade de desenvolvimento e materialização de campanhas de design e comunicação.

b) A tal prestação de serviços seguiu-se a emissão de sete pedidos de factura, datados de 15 de Março de 2002 e dirigidos ao PPD/PSD na qualidade de entidade devedora.

c) O valor globalmente documentado nos sete referidos pedidos ascendia a (euro) 233.415,00.

d) Em momento concretamente não determinado mas anterior a 20 de Junho de 2002, foi acordado que o valor acima referido seria integralmente suportado pela Somague SGPS, S. A.

e) Na sequência de tal acordo, foi solicitado à Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A., que procedesse à anulação das facturas referidas em b) e à respectiva substituição por uma outra, de igual valor, destinada à Somage, S.G.P.S., S. A.

f) Tal solicitação foi aceite e, em consequência, a Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A., procedeu à anulação das facturas mencionadas em b), bem como à respectiva substituição por uma factura única (n.º 20176/1), esta emitida à Somague, S.G.P.S., S. A., no montante de (euro) 233.415,00.

g) Tal factura foi liquidada através do cheque n.º 2439635269, datado de 20.06.2002 e sacado sobre a conta 277126091, titulada pela Somague S.G.P.S., S. A., e domiciliada no BCP.

h) No acordo referido em d) intervieram José Luís Vieira de Castro e Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, o primeiro em representação do PPD/PSD e o segundo em representação da Somague, S.G.P.S., S. A.

i) José Luís Vieira de Castro exercia, à data, as funções de Secretário-Geral Adjunto, sendo responsável, nessa qualidade, pela área administrativa e financeira do partido.

j) No ano de 2002, José Luís Fazenda Arnaut Duarte exerceu funções como Secretário-Geral do PPD/PSD e, no respectivo decurso, José Manuel de Matos Rosa veio a ocupar o cargo de Secretário-geral Adjunto para a área financeira.

k) Diogo Alves Diniz Vaz Guedes exercia, no ano de 2002, as funções de presidente do Conselho de Administração da Somague, S.G.P.S., S. A..

l) Na sequência e em concretização do acordo referido em d), Diogo Alves Diniz Vaz Guedes veio a apor a respectiva assinatura na factura mencionada em e), desse modo autorizando a que o respectivo valor viesse a ser pago pela Somague S.G.P.S., S.A nos termos descritos em g).

m) O cheque aludido em g) foi subscrito por Luís Miguel Dias da Silva Santos e Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva, ambos administradores executivos da Somague S.G.P.S., S.A no ano de 2002.

n) João Paulo Moreira Cardoso exercia em 2002 funções na administração da Novo Design, sendo responsável pela área financeira.

o) Em tal qualidade, acedeu à solicitação referida em e), dando assentimento à operação especificada em f).

p) Ao proceder conforme o supra descrito, José Luís Vieira de Castro agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que, através do acordo realizado, conduzia o partido a aceitar, conforme era seu propósito, o pagamento pela Somague S.G.P.S., S. A., de dívida de montante superior a (euro) 10.440; sabia ainda que, pelo menos em tais termos, o partido se encontrava legalmente impedido de aceitar que terceiros realizassem pagamento de despesas próprias e, bem assim, que a violação de tal dever era legalmente sancionável.

q) Ao proceder conforme o supra descrito, Diogo Alves Diniz Vaz Guedes agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de conduzir a Somague S.G.P.S., S. A., ao pagamento de serviços que haviam sido prestados ao PPD/PSD, bem sabendo que, ao vincular aquela sociedade à assunção do correspondente débito, a conduzia à realização indirecta de uma atribuição patrimonial de valor superior a (euro) 10.440, o que sabia ainda corresponder a actuação vedada por lei.

r) Ao proceder conforme o supra descrito, João Paulo Moreira Cardoso Sequeira agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o concretizado propósito de consequenciar a aceitação pela Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A., de que o pagamento do valor correspondente aos serviços prestados ao PPD/PSD fosse efectuado pela Somague S.G.P.S., S. A.

Factos alegados por João Paulo Moreira Cardoso Sequeira e pela Brandia Central - Design e Comunicação, S. A.

s) A solicitação referida em e) foi formulada pelo PPD/PSD.

Factos alegados por José Manuel de Matos Rosa.

t) José Manuel de Matos Rosa foi nomeado para o cargo referido em j) aos 23 de Abril de 2002.

Factos alegados por Diogo Alves Diniz Vaz Guedes e pela Somague S.G.P.S, S. A.,

u) A Somague SGPS, SA é uma sociedade gestora de participações sociais que detém e detinha, ao tempo dos factos supra descritos, participações em diversas sociedades comerciais nacionais e estrangeiras, num total de vinte e duas.

1.2 - Factos considerados não provados.

Com possível relevo para apreciação da causa nenhum outro facto se demonstrou.

Em especial, não se provou que:

1.2.1. Dos factos concernentes à promoção do Ministério Público.

- os serviços referidos em a) tivessem sido prestados no âmbito da campanha para as eleições autárquicas.

- a sociedade Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A., designadamente por intermédio do seu administrador João Paulo Moreira Cardoso Sequeira, tivesse intervindo no acordo referido em d);

- em representação do PPD/PSD, tivessem intervindo em tal acordo José Luís Fazenda Arnaut Duarte e ou José Manuel de Matos Rosa.

- tal acordo e ou a respectiva concretização houvessem sido consentidos por José Luís Fazenda Arnaut Duarte e ou José Manuel de Matos Rosa.

- Luís Miguel Dias da Silva Santos e ou Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva houvessem actuado com conhecimento de que o cheque referido em c) se destinava a viabilizar a concretização do acordo referido em d).

- João Paulo Moreira Cardoso tivesse actuado com conhecimento de que a operação descrita em f) se destinava a viabilizar uma atribuição patrimonial ao PPD/PSD de valor legalmente proibido.

1.2 - 2. Dos factos alegados por Diogo Alves Diniz Vaz Guedes e pela Somague S.G.P.S, S. A.,

- na outorga do valor referido em f) tivessem participado as sociedades mencionadas em u);

- à actuação descrita em d), h) e l) tivesse presidido a convicção de que o montante em causa seria repartível pelas sociedades aludidas em u), incluindo a própria Somague SGPS, S.A, em termos de a cada uma delas poder vir a ser imputada a outorga de um vinte e três avos de tal valor.

1.3 - Motivação da decisão de facto.

Conforme resulta da leitura dos fundamentos feitos constar do Acórdão precedentemente proferido (Acórdão 371/07), o juízo probatório concernente à objectiva verificação dos factos integradores do evento sob julgamento foi já formulado e expresso no âmbito dos presentes autos. E foi-o em termos que, por conveniência de exposição, é útil aqui previamente retomar:

«Os indícios apresentados pela Direcção de Finanças de Lisboa foram confirmados, de forma cabal, pelas diligências de instrução levadas a cabo pela Polícia Judiciária, a pedido da ECFP.

Os depoimentos recolhidos junto de vários responsáveis e funcionários da NOVODESIGN (João Paulo Sequeira, Cláudia Figueira, João Baluarte, Armando Serrano, Paulo Machado e Jorge Andrade), bem como do secretário-geral da JSD (Manuel Ricardo Almeida), confirmam que os serviços referidos nos pedidos de factura constantes de fls. 10 a 16 dos autos, emitidas em 15 de Março de 2002, foram efectivamente prestados pela NOVODESIGN ao PPD/PSD e à JSD.

A prova documental junta aos autos permite concluir que os sete pedidos de factura, dirigidos ao PPD/PSD e à JSD (uma organização especial do PPD/PSD, integrada na orgânica deste Partido, nos termos previstos no artigo 10.º dos respectivos Estatutos) foram anulados e deram origem a uma factura única, com a mesma data, dirigida à SOMAGUE. Tais factos resultam claros (I) dos pedidos de factura, na medida em que a referência ao PPD/PSD e à JSD nelas aposta foi riscada e substituída por uma referência à SOMAGUE (II) do documento interno da NOVODESIGN anexo aos pedidos de factura (constante de fls. 18 dos autos), no qual se refere que "estes sete pedidos de factura vão dar origem a uma factura única à SOMAGUE (...)" (III) e da factura dirigida à SOMAGUE (constante de fls. 8 dos autos), que corresponde ao teor do documento interno, no que toca à entidade pagadora, ao descritivo e ao valor dos serviços prestados. Esses factos foram também confirmados por vários responsáveis e funcionários da NOVODESIGN (João Paulo Sequeira, Cláudia Figueira, Armando Serrano, Paulo Machado, Luís Miguel Correia e Jorge Andrade) e parcialmente admitidos por dois responsáveis da SOMAGUE (João Silvestre e João Barragan Pires - embora estes não tenham identificado a entidade que beneficiou dos serviços facturados pela NOVODESIGN).

[...]

Acresce que a soma do valor constante dos sete pedidos de factura passados ao PPD/PSD corresponde exactamente ao valor da factura passada à SOMAGUE e por esta liquidada ((euro) 233.415,00), pelo que se conclui que a SOMAGUE liquidou a dívida referente ao pedido de factura acima identificado.»

Perante o que rememorado ficou, percebe-se que o esforço de compreensão a ter aqui lugar se encontre naturalmente cingido à avaliação da força probatória dos elementos disponíveis nos autos na sua relação com os factos atinentes à caracterização da prestação individual e nível de intervenção de cada um dos sujeitos visados pelo presente procedimento. E isto na perspectiva, necessariamente dialéctica, colocada pelas versões, de oposto sentido, introduzidas em juízo pela promoção do Ministério Público e respostas que se lhe seguiram.

Justamente por assim ser, haverá que começar por fazer notar o seguinte:

Em matéria de apreciação da prova e no silêncio do regime adjectivo sob aplicação, não poderá deixar de valer, pelo seu estruturante posicionamento na matriz processual vigente no domínio do direito sancionatório, o princípio da livre apreciação da prova, objecto de expressa consagração no artigo 127º do Cód. de Processo Penal.

Relevando da lógica da investigação orientada para a descoberta da verdade objectiva do caso que estrutura o processo, o princípio da livre apreciação da prova vincula a entidade julgadora à análise, conjugada e crítica, dos elementos de prova carreados para os autos e à sua confrontação com as chamadas regras da experiência, definíveis estas, segundo Cavaleiro Ferreira, como «[...] juízos hipotéticos de conteúdo genérico [...] assentes na experiência comum e, por isso, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais mantêm validade» (cf. Cavaleiro Ferreira, curso de Processo Penal, V.II, pg.30).

Ao raciocínio que em tal modo haverá de desenvolver-se impor-se-á, por seu turno, um especial empenhamento no estabelecimento dos termos em que, pela possibilidade de refutação da dúvida que razoavelmente se instale, deva merecer confirmação a hipótese acusatória.

Nesta actividade, conforme reconhecido é ainda, admite-se que, perante a não rara impossibilidade de filiar a convicção que se exige nos chamados elementos de prova directa, vá incluída no complexo de actos em que se estrutura o juízo probatório a possibilidade de, através de um raciocínio dedutivo ou indutivo fundamentado nos princípios da lógica e nas máximas da experimentação comum, inferir racionalmente a verdade dos factos incriminadores a partir de outros, estes indiciários ou circunstanciais, que se encontrem provados plenamente.

Porém, quando se trate da chamada prova artificial ou por concurso de circunstâncias, não poderá esquecer-se que a relação entre os indícios provados e o facto determinante da responsabilidade deverá revestir-se da eloquência necessária a permitir, no confronto com critérios da experiência e da lógica, atingir a silogística conclusão de que, se são certos os indícios, certo haverá de sê-lo também, por efeito da exclusão de outras alternativas e ainda válidas possibilidades, o facto determinante da responsabilidade de cuja fixação se trate (neste sentido e a propósito da prova por presunção, Carlos Climent Durán, in La prueba penal, 1999, pg. 583 e ss.)

Definida assim a perspectiva a que sujeitará a análise que se impõe aqui finalizar, vejamos agora qual o sentido que razoavelmente poderá extrair-se dos elementos de prova, testemunhal e documental, produzidos ao longo dos autos.

Principiando pela actuação imputada a João Paulo Moreira Cardoso Sequeira e à Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., a primeira nota a salientar é a de que os depoimentos prestados pelas testemunhas que, à data dos factos, exerciam funções na empresa, em especial por Cláudia Barros dos Reis e Paulo Machado, convergem na consideração de que o primeiro, na qualidade de administrador da então designada Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A., e de responsável pela respectiva área administrativa e financeira, aceitou que o pagamento do valor devido pelos serviços que haviam sido prestados ao PPD/PSD fosse efectuado pela Somague SGPS, S. A., tendo dado as instruções internas necessárias à concretização disso mesmo.

Porém, nenhum dos depoimentos prestados nos autos reconduz tal comportamento à concretização dos termos de um acordo em que João Paulo Moreira Cardoso Sequeira houvesse intervindo e que se destinasse a viabilizar, na parte em que supostamente este vincularia, a realização de uma atribuição patrimonial indirecta àquele partido político.

Pelo contrário, o que de tais depoimentos tende a resultar é que a intervenção de João Paulo Moreira Cardoso Sequeira ocorreu depois de efectuada pelo PPD/PSD a solicitação para que os serviços a este prestados fossem facturados à Somague, SGPS, S. A., tendo-se aquele limitado a aceder a tal solicitação e a autorizar a realização das diligências contabilísticas necessárias a efectivar a pretendida substituição de pagadores.

Acresce que a circunstância, assim considerada objectivamente demonstrada, de haver sido João Paulo Moreira Cardoso Sequeira quem, acedendo ao pedido formulado pelo PPD/PSD, consentiu em que a satisfação do crédito originado pela prestação de serviços que com este havia sido contratada fosse efectuada pela Somague SGPS, SA não dispõe, por si só, do nível de concludência necessário para impor a conclusão de que, contra o afirmado pelo próprio, o mesmo conhecia a natureza de tal operação, ou seja, o facto de equivaler ela à realização de uma liberalidade.

E, sobretudo, não permite a prova produzida que dela se infira, com o nível de consistência e expressividade necessário à construção do discurso narrativo responsabilizador, a presença do tipo de conhecimento ou esclarecimento suposto pela afirmação de que, mesmo na hipótese de haver actuado sob representação de que se tratava ou poderia tratar-se da realização de um donativo indirecto, sabia João Paulo Moreira Cardoso Sequeira, então administrador de uma empresa de design e comunicação, que tal atribuição era legalmente proibida.

Relativamente ao PPD/PSD e à actuação de José Luís Fazenda Arnaut Duarte, José Manuel de Matos Rosa e José Luís Vieira de Castro.

Principiando pelo comportamento empreendido por este último, não parecem restar dúvidas, em face dos depoimentos circunstanciados, distanciados e credíveis, prestados pelas testemunhas Luís Miguel Correia e Cláudia dos Reis (ambas directamente intervenientes, enquanto funcionários da Novo-Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A., nos contactos que antecederam a concretização da operação), de que foi José Luís Vieira de Castro quem, pelo lado do PPD/PSD e na contemporânea qualidade de Secretário-Geral Adjunto responsável pela área administrativa e financeira do partido, protagonizou o acontecimento conducente à realização da atribuição patrimonial tida por verificada.

A pormenorizada descrição que da respectiva actuação é feita pelas testemunhas referidas aponta ainda, de expressiva forma, para um nível de envolvimento e de pessoal empenhamento do visado de todo incompatível com a ausência de representação ou défice de esclarecimento supostos pela reivindicada recondução do sucedido a uma simples e não intencional «desatenção jurídica».

Já no que diz respeito à actuação imputada aos restantes dois responsáveis partidários visados pela promoção do Ministério Público, verifica-se inexistir qualquer elemento de prova susceptível de apontar directamente para um envolvimento, ainda que mediato, de qualquer um deles na formação da vontade que conduziu à aceitação de que o pagamento do valor devido pelo partido fosse realizado pela Somague SGPS, SA.

E se no que concerne à pessoa de José Manuel de Matos Rosa um tal modo de ver as coisas pode considerar-se capazmente justificado em face do teor do documento junto a fls. 205 a 207 dos autos, também no que diz respeito ao comportamento imputado a José Luís Arnaut se entende que a circunstância de o mesmo desempenhar, à data, o cargo de Secretário-Geral do PPD/PSD não constitui premissa auto-suficientemente idónea para inferir, para além da dúvida razoável e contra o afirmado pelo próprio, o caucionamento ou mesmo o conhecimento do acordo firmado com a Somague SGPS, SA e ou da respectiva concretização através do efectivo pagamento do valor devido à Novo-Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A.

No que por último diz respeito à intervenção da Somague S.G.P.S, S.A e à actuação de Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva e Luís Miguel Dias da Silva.

Decorre incontroversamente dos elementos probatórios disponíveis nos autos, em especial dos depoimentos prestados pelas testemunhas João Carlos Silvestre, director financeiro da Somague SGPS, S. A., desde o ano de 2000, e João José Pires, este funcionário da Somague Engenharia, S. A., desde 1997, haver sido Diogo Alves Dinis Vaz Guedes quem, na então qualidade de Presidente do Conselho de Administração da Somague SGPS, S. A., determinou que por esta fosse integralmente suportado o valor devido pelo PPD/PSD à Novo-Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A., finalidade cuja concretização, de resto, pessoalmente se encarregou de assegurar através da aposição da respectiva assinatura na factura a tanto destinada como forma de caucionar o respectivo pagamento.

Sem contestar tal actuação, alegou, porém, Diogo Alves Dinis Vaz Guedes que assim procedeu apenas por convicto se encontrar de que, justamente por proceder de uma sociedade gestora de participações sociais, a atribuição patrimonial em causa haveria de considerar-se para todos os efeitos co-financiada pela totalidade das 22 sociedades participadas, com a consequência de o respectivo valor, em por todas se tornando correspondentemente subdivisível, não vir a exceder relativamente a cada uma das intervenientes, incluindo a própria Somague SGPS, S. A., o limite permitido legalmente.

A versão em tais termos sustentada - de resto coincidente com aquela que foi apresentada pela própria Somague, SGPS, S.A -, não obstante corroborada pelo depoimento prestado por Miguel Tönnies (antes como agora Director Geral Jurídico da Somague SGPS, SA), não chega, todavia, a convencer em razão do seu patenteado défice de verosimilhança e plausibilidade.

Vejamos mais de perto.

Disse-se já que, embora com as limitações assinaladas, a prova indiciária ou circunstancial, obtida através dos chamados juízos de inferência, constitui um meio probatório admissível no âmbito da afirmação dos factos integrativos da responsabilidade.

Para além de admissível em termos gerais, o meio probatório em questão assumirá decisiva relevância no âmbito da caracterização do «conteúdo da consciência de um sujeito no momento em que este realizou um facto objectivamente típico», em particular ao nível da determinação da «concorrência dos processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo». (cf. Ramon Ragués I Vallès, El dolo y su prueba en el proceso penal, J.M. Bosch Editor, 1999, pg. 212 e ss.)

Isto porque, conforme sabido é, o dolo - ou, melhor, o nível de representação que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico - , uma vez que se estrutura sob realidade pertencente ao mundo interior do agente, apenas se tornará apreensível, na hipótese de não ser dado a conhecer pelo próprio, através da formulação de juízos de inferência e na presença de um circunstancialismo objectivo, dotado da idoneidade e concludência necessárias a revelá-lo.

Pois bem.

Que nenhuma das vinte e duas sociedades integrativas do perímetro de consolidação da Somague SGPS, S. A., interveio efectivamente, através do seu real custeamento, na operação de financiamento consubstanciada no pagamento da dívida que onerava o PPD/PSD é coisa de que parece não restarem dúvidas no caso presente.

Perante um tal dado de facto, a questão que se segue é então a de saber se e até que ponto, em alternativa ao acolhimento da perspectiva segundo a qual se tratou ali de uma intervenção esclarecida, quer quanto à identidade jurídica do seu autor, quer quanto à efectiva dimensão do respectivo objecto, poderá proceder a tese segundo a qual a outorga do valor em questão foi levada a cabo pelo presidente do conselho de administração da Somague SGPS, SA na suposição de que o estava a ser também em representação e no interesse das vinte e duas sociedades participadas.

Não se tratando de figura atípica ou inominada, as sociedades de gestão de participações sociais dispõem de regulamentação expressa, encontrando definido o respectivo regime jurídico no Decreto-Lei 495/88, de 30 de Dezembro, alterado pelos Decreto-Lei 318/94, de 24 de Dezembro, e Decreto-Lei 378/98, de 27 de Novembro.

Converteram-se, além do mais, em objecto de extensa conceptualização doutrinária, sendo-lhes comummente assinalada a característica de sociedades distintas das sociedades suas participadas, funcionando estas, relativamente àquelas, como sociedades autónomas quer formal, quer materialmente (neste sentido, António Menezes Cordeiro, in "Sociedades Gestoras de Participações Sociais", O Direito, ano 133º, 2001, pg. 578 e ss.)

Ora, se as sociedades participadas, operativa e contabilisticamente autónomas, não co-financiaram a atribuição patrimonial em causa, não é de todo verosímil que o presidente do conselho de administração da Somague SGPS, SA haja actuado na convicção de que tal envolvimento decorreria naturalmente do estatuto desta última, já que, conforme resulta do que ficou dito, tal estatuto, se em algum sentido poderá apontar, é justamente no oposto.

A versão alternativamente apresentada tem, por isso, o valor de uma construção post facto destinada à legitimação retrospectiva de algo que verdadeiramente lhe não correspondeu.

Já não assim no que diz respeito à intervenção de Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva e Luís Miguel Dias da Silva, também eles administradores da Somague SGPS, SA.

No que a estes concerne, toda a prova produzida, cingida que se encontra à demonstração de haverem sido os próprios a subscrever, entre outros também previamente preenchidos, o cheque que serviu para efectuar o pagamento do valor devido pelo PPD/PSD à Novo-Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A., é, ao invés, manifestamente inconclusiva quando se trate de estabelecer o contexto em que actuaram, não possibilitando, em razão da sua manifesta exiguidade, sustentar a afirmação, mesmo no mero plano das probabilidades, de que dos mesmos era naquele momento conhecida a finalidade a cuja concretização se destinava aquele meio de pagamento.

2 - De direito.

2.1 - Da inconstitucionalidade material de normas integrativas do regime legal aplicável.

2.1 - 1. De acordo com o pronunciamento contido no Acórdão precedentemente proferido, o tipo legal em presença do qual haverá de conhecer-se da relevância contra-ordenacional da actuação empreendida por cada um dos sujeitos visados pelo presente procedimento é o correspondente à previsão do artigo 5.º, n.º 4, da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000.

Por efeito da técnica legislativa utilizada, as consequências jurídicas em abstracto atribuídas à violação do dever que aí se contém, encontram-se definidas no artigo 14º do referido diploma legal.

Sob a epígrafe «Sanções», dispõe-se aí o seguinte:

«1 - Sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal a que nos termos gerais de direito haja lugar, quem violar as regras contidas no presente capítulo fica sujeito às sanções previstas nos números seguintes.

2 - Os partidos políticos que não cumprirem as obrigações impostas no presente capítulo são punidos com coima mínima no valor de 10 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 400 salários mínimos mensais nacionais, para além da perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos.

3 - Os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem na infracção prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 5 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 200 salários mínimos mensais nacionais.

4 - As pessoas singulares que violem o disposto nos artigos 4.º e 4.º-A são punidas com coima mínima no valor de 5 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 200 salários mínimos mensais nacionais.

5 - As pessoas colectivas que violem o disposto no presente capítulo são punidas com coima mínima equivalente ao dobro do montante do donativo proibido e máxima equivalente ao quíntuplo desse montante.

6 - Os administradores das pessoas colectivas que pessoalmente participem na infracção prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 5 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 200 salários mínimos mensais nacionais.»

[...].

2.1 - 2. Para os respondentes Somague SGPS, SA e Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, a norma contida no n.º 5 padecerá de inconstitucionalidade material, o que, devendo ser reconhecido, a tornará insusceptível de aplicação.

De acordo com a argumentação para o efeito expendida, tal inconstitucionalidade decorrerá da violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 29º, n.º 1, da Constituição e encontrará o seu fundamento na circunstância de, ao proceder à delimitação do ilícito através do emprego de uma formulação genérica - "as pessoas colectivas que violem o disposto no presente capítulo" -, se distanciar a referida norma dos requisitos de clareza, precisão e inteligibilidade que no recorte das condutas proibidas devem ser observados no âmbito do direito sancionatório.

Vejamos se assim é.

Dispondo sobre o regime a que haverá de sujeitar-se a aplicação da lei criminal propriamente dita, o artigo 29º da Constituição subordina a intervenção penal a um princípio de legalidade, princípio esse cujo conteúdo essencial, na síntese de Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pg.165), «[...] se traduz em que não pode haver crime, nem pena, que não resultem de uma lei prévia, escrita, e certa (nullum crimen nulla poena sine lege)».

Na qualidade de parâmetro constitucional, o princípio da legalidade impõe a «formulação da norma penal com um conteúdo autónomo e suficiente, de modo a possibilitar um controlo objectivo na sua aplicação individualizada e concreta».

Justamente nesta acepção, o princípio da legalidade penal encontrará expressão no princípio da tipicidade, deste em particular decorrendo a imposição de uma «suficiente especificação do tipo de crime» e, por oposição, «a ilegitimidade das «definições vagas, incertas, insusceptíveis de delimitação» (J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, V.I, pg. 495).

Constitui recorrente afirmação na jurisprudência constitucional a de que, «dada a diferente natureza dos ilícitos em causa e a menor ressonância ética do ilícito de mera ordenação social, com reflexos nos regimes processuais próprios de cada um deles, não é constitucionalmente imposto ao legislador a equiparação das garantias em ambos esses regimes».

Embora daqui resultando a «inexigibilidade de uma estrita equiparação entre processo contra-ordenacional e processo criminal», tem este Tribunal sublinhado também que tal afirmação é «conciliável com "a necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador contra-ordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matéria de processo penal"» (vide, por todos, Acórdão 659/06).

Nesta perspectiva, à específica questão de saber se, designadamente na vertente da tipicidade, os requisitos nuclearmente colocados pelo princípio da legalidade deverão valer também no âmbito do direito contra-ordenacional, respondeu já este Tribunal afirmativamente, tendo-o feito designadamente através do Acórdão 41/04.

Escreveu-se aí o seguinte:

«A primeira dimensão diz respeito ao nível de protecção assegurado pelo princípio da legalidade à determinabilidade dos ilícitos contra-ordenacionais e respectivas sanções. Poder-se-á falar de uma exigência de determinação relativamente ao conteúdo do ilícito típico nas contra-ordenações tal como é exigida para os crimes?

[...]

No que diz respeito à primeira dimensão, é certo que a Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes. Nem o artigo 29º da Constituição se aplica imediatamente ao ilícito de mera ordenação social nem o artigo 165º confere a este ilícito o mesmo grau de controlo parlamentar que atribui aos crimes.

Está, porém, consolidado no pensamento constitucional que o direito sancionatório público, enquanto restrição relevante de direitos fundamentais, participa do essencial das garantias consagradas explicitamente para o direito penal, isto é, do núcleo de garantias relativas à segurança, certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 158/92, de 23 de Abril, 263/94, de 23 de Março, publicados no D.R., 2.ª série, de 2 de Setembro de 1992 e de 19 de Julho de 1994, e n.º 269/2003, de 27 de Maio, inédito). E se tal não resulta directamente dos preceitos da chamada Constituição Penal, resultará, certamente, do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da Constituição.

[...]

Se é exigível que, no direito penal, estas exigências sejam intensificadas, sendo aí os critérios de previsibilidade e segurança mais precisos, no direito de mera ordenação social não deixa de existir uma necessidade de comunicação segura ex-ante do conteúdo do ilícito aos seus possíveis autores (cf., sobre este problema no direito penal, o Acórdão 427/95, de 6 de Julho, publicado no D.R., 2.ª série, de 10 de Novembro de 1995)».

Beneficiando inquestionavelmente do entendimento que estende ao domínio do direito contra-ordenacional a exigência de subordinação da norma tipificadora da infracção ao ónus de configuração do conteúdo essencial do ilícito, vejamos se a tese sustentada pelos respondentes poderá, ainda assim, proceder em face daqueles que vêm sendo considerados os requisitos colocados pelo princípio da legalidade.

Ao invés do que parece suposto pelos respondentes, a delimitação do ilícito em presença não procede directamente da norma alegadamente viciada, sendo ao invés resultado, quando normativamente reconduzida ao binómio previsão/estatuição, da necessária conjugação do que ali se dispõe com os enunciados descritivos insertos nos preceitos tipificadores que integram o capítulo II do diploma legal em referência.

Para a necessidade de uma tal conjugação normativa aponta claramente, pelo seu unívoco sentido quanto à técnica remissiva seguida, a formulação com que é dado início ao texto legal impugnado, razão pela qual, quanto às características desta, nenhuma dúvida interpretativa poderá suscitar-se de forma suficientemente fundada.

Resta por isso analisar os termos em que surge expressa a norma tipificadora considerada já aplicável ao caso sub iudice e verificar se, em face deles, é ou não determinável o critério do ilícito colocado pela conjugação do enunciado aí contido com a fórmula «as pessoas colectivas que violem o disposto no presente capítulo» constante do n.º 4 do artigo14º.

Sob a epígrafe «Donativos proibidos», o n.º 4 do artigo 5º da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000, dispõe o seguinte:

«Aos partidos políticos está igualmente vedado receber ou aceitar quaisquer contribuições ou donativos indirectos que se traduzam no pagamento por terceiros de despesas que àqueles aproveitem fora dos limites previstos no artigo 4º».

A primeira nota que cumpre salientar é a de que, na tipificação a que se propõe, o enunciado descritivo em presença perspectiva o comportamento proibido pelo lado passivo de quem aceita o donativo, subordinando a caracterização que dele faz ao ponto de vista da intervenção do financiado.

Apesar de assim ser, o certo é que, em se tratando de particularizar a conduta que, uma vez empreendida por uma pessoa colectiva, ficará sujeita à incidência do regime sancionatório definido no n.º 5 do artigo 14º, não deixará de ser óbvio para um qualquer possível autor que a relação cujo estabelecimento aqui especialmente se proíbe é a relação de financiamento partidário indirecto e que esta, se pode até estabelecer-se sem a anuência ou o conhecimento do destinatário da atribuição, não é já lógica nem mentalmente configurável sem a efectiva intervenção de um ente financiador.

Relativamente às pessoas colectivas, o mandamento que se contém na norma tipificadora só pode ser então o de não efectuar o «pagamento de despesas que [aos partidos políticos] aproveitem fora dos limites previstos no artigo 4º», sendo justamente a violação deste dever de abstenção de perceptível conteúdo que, sem prejuízo das questões relativas à comparticipação e à cumplicidade, consequenciará a responsabilização do actuante por via da intervenção do direito contra-ordenacional.

No segmento que às pessoas colectivas se destina, o juízo de danosidade social que no tipo se exprime encontra-se, assim, expresso ex-ante de uma forma capaz e, apesar de dado a conhecer através de uma técnica legislativa porventura deficiente e evitável, não denota, porém, no plano da inteligibilidade, o nível de imprecisão ou vacuidade necessário para, conforme pretendido é, permitir pôr em causa o acatamento da função sistematicamente atribuída ao tipo de ilícito e que é, conforme recorrentemente assinalado, a de exprimir um sentido de ilicitude, individualizar uma espécie de delito e por esse modo dar a conhecer ao destinatário da norma que tal espécie de comportamento é proibida pelo ordenamento jurídico (cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte geral, Tomo I, 2ª edição, pg. 285).

A alegação torna-se, assim, necessariamente improcedente.

2.1 - 3. Para a respondente Somague SGPS, S.A, a norma constante do n.º 5 do artigo 14º será ainda materialmente inconstitucional por consagrar um critério de fixação dos limites da penalidade que, remetendo para múltiplos do valor do donativo proibido concretamente realizado e não permitindo esclarecer se há lugar à consideração, para esse efeito, da parcela que houver sido paga a título de IVA, não se encontra objectivamente predefinido, nem é inteligível à luz do regime legal em que se insere, o que redundará numa violação do princípio da legalidade e da proibição da indefinição das sanções, consagrado nos artigos 29º, n.os 1 e 3, e 30º, n.º1, in fine, da Constituição.

Conforme procurará demonstrar-se, carece uma vez mais de razão a respondente.

Não obstante a circunstância de o vício que à norma sob aplicação é apontado se situar agora no âmbito, não já da descrição do comportamento proibido, mas da definição da sanção que abstractamente lhe é feita corresponder, o parâmetro de controlo a convocar continua a ser dado pelo princípio da legalidade, perspectivado na acepção que se deixou expressa.

Isto porque, conforme reconhecido é, o princípio da tipicidade inscrito no artigo 29º da Constituição «exclui tanto as fórmulas vagas na descrição dos tipos legais de crime, como as penas indefinidas ou de moldura tão ampla que em tal redunde». A este nível, dele procede uma exigência de «determinação de qual o tipo de pena que cabe a cada crime, sendo necessário que essa conexão decorra directamente da lei» (J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, V.I, pg.495).

Que «o princípio da legalidade das sanções, o princípio da culpa, e bem assim, o princípio da proibição de sanções de duração ilimitada ou indefinida valem, na sua ideia essencial, para todo o direito sancionatório público, maxime, para o domínio do direito de mera ordenação social» corresponde a entendimento que, no contexto da problemática sobre a extensão ao processo contra-ordenacional das garantias constitucionalmente asseguradas ao processo criminal, este Tribunal por mais do que uma vez deixou já expresso (cf. Acórdãos 574/95 e 574/01).

Porém, conforme sublinhado também foi já, «[...] o legislador tem uma ampla margem de liberdade na fixação das sanções correspondentes aos comportamentos que decidiu tipificar como crimes (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na "Constituição da República Portuguesa anotada", 4ª edição, V.I, pág. 197, para quem "resta um amplo campo à discricionariedade legislativa em matéria de definição das penas") embora respeitando os princípios constitucionais, entre os quais se destacam o da necessidade das penas, o da proporcionalidade e o da igualdade. Dentro do âmbito dessa liberdade do legislador cabe - sempre no respeito pelos princípios constitucionais - a escolha da pena ou penas aplicáveis aos diferentes crimes, quer na sua identidade e regime, quer na sua medida abstracta (penalidade, pena aplicável ou "moldura penal")». (Acórdão 548/01)

Justamente no exercício dessa autorizada margem de discricionariedade legislativa, optou o legislador por consagrar um regime sancionatório em que os limites mínimo e máximo da coima aplicável são estabelecidos por referência ao valor objecto do donativo proibido: no caso das pessoas colectivas, o montante mínimo coincidirá com o dobro do montante do donativo proibido, equivalendo o limite máximo ao quíntuplo desse montante.

No resultado da opção legislativa em tais termos expressa não poderá reconhecer-se, porém, a adopção de um critério de fixação dos limites da penalidade indefinido previamente, relevando tal acusação de uma notória confusão entre os conceitos de definição e de definitividade.

Que se trata de um modelo sancionatório inteiramente descrito e caracterizado na lei que o prevê é afirmação capazmente demonstrável em face da especificação particularizada da regra aritmética a seguir no estabelecimento dos limites da moldura, bem como da categorização do elemento referencial que a tal regra haverá de subordinar-se.

Coisa diversa - e não sujeitável já à incidência proibitiva do princípio da legalidade das sanções - é supor tal modelo, na sua operatividade, a intervenção mediadora de um determinado dado de facto, previamente tipificado, a extrair do concreto circunstancialismo sob sindicância.

Trata-se, além do mais, de um modelo sancionatório por outras vezes já seguido, incluindo no mais exigente domínio do direito penal, e do qual constitui demonstrativo exemplo a estatuição que se continha no artigo 24º, n.º1, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 394/93, de 24 de Novembro, ao entretanto revogado Regime Jurídico das Infracções Fiscais, de resto não julgada inconstitucional pelo Acórdão 548/2001.

Será também esse o sentido em que, por tudo o que ficou exposto, necessariamente se concluirá aqui, reconhecendo-se, por consequência, a viabilidade constitucional da formalização da responsabilidade contra-ordenacional que vier a ser reconhecida no interior da moldura definida na norma sancionadora impugnada.

2.1 - 4. Ainda no que concerne aos termos do regime sancionatório consagrado, uma outra circunstância servirá também, na perspectiva seguida pela respondente Somague SGPS, S. A., para questionar a observância do princípio da legalidade: uma vez que, nas hipóteses de financiamento indirecto, a norma sancionadora contida no n.º 5 do artigo 14º não possibilitará aos respectivos destinatários o esclarecimento sobre se, na quantificação do valor do donativo proibido, haverá lugar à consideração da parcela que houver sido paga a título de IVA, o sistema de determinação da sanção deverá considerar-se indefinido previamente.

Trata-se, porém, de uma alegação uma vez mais difícil de acompanhar.

Desde logo porque o nível de indeterminação e ambiguidade que à norma sancionadora é nos descritos termos imputado não existe verdadeiramente.

Com efeito, além parecer certo que, caso houvesse lugar à problematizada dedução, a própria lei se encarregaria de o afirmar expressamente, a dúvida suscitada perde em definitivo razão de ser no confronto com o plano da representação valorativa consabidamente subjacente ao modelo sancionatório consagrado: justificando-se os valores máximo e mínimo da penalidade pela sua relação com a medida da vantagem patrimonial indevidamente atribuída ao financiado, é seguro que, no caso dos donativos indirectos, nesta se inscreve também a parcela de valor correspondente ao IVA devido pelo destinatário do donativo sempre que no respectivo pagamento este houver sido igualmente substituído pelo autor da atribuição.

2.1 - 5. Sob invocação, desta feita, do disposto no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, vem ainda impugnada pelos respondentes Somague SGPS, SA e Diogo Vaz Guedes a constitucionalidade material da norma adjectiva contida do artigo 103º-A, n.º 3, da LTC.

De acordo com o essencial da argumentação para o efeito expendida, ao concentrar numa única instância a competência para instruir, apreciar e decidir em definitivo o processo de contra-ordenação, a referida norma violará o direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32º do Texto Fundamental.

Conforme procurará demonstrar-se, trata-se, também aqui, de uma alegação condenada à improcedência.

A primeira nota que cumpre salientar é a de que, ao invés do que vem afirmado, o n.º 1 do artigo 32º da Constituição não é aplicável aos processos de contra-ordenação.

A demonstração disso mesmo encontra-se feita no Acórdão 313/07, cuja fundamentação, aqui retomada, inclui as seguintes passagens:

«A introdução do n.º 10 no artigo 32º, da C.R.P., efectuada pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contra-ordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios, ao visar assegurar os direitos de defesa e de audiência do arguido nos processos sancionatórios não penais, os quais, na versão originária da Constituição, apenas estavam expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (artigo 270.º, n.º 3, correspondente ao actual artigo 269.º, n.º 3), denunciou o pensamento constitucional que os direitos consagrados para o processo penal não tinham uma aplicação directa aos demais processos sancionatórios, nomeadamente ao processo de contra-ordenação.

Assim, o direito ao recurso actualmente consagrado no n.º 1, do artigo 32º, da C.R.P. (introduzido pela revisão de 1997), enquanto meio de defesa contra a prolação de decisões jurisidicionais injustas, assegurando-se ao arguido a possibilidade de as impugnar para um segundo grau de jurisdição, não tem aplicação directa ao processo de contra-ordenação.

Conforme se sustentou no Acórdão 659/06, deste Tribunal, cuja fundamentação acompanhamos de perto, nos direitos constitucionais à audiência e à defesa, especialmente previstos para o processo de contra-ordenação e outros processos sancionatórios, no n.º 10, do artigo 32º, da C.R.P., não se pode incluir o direito a um duplo grau de apreciação jurisdicional. Esta norma exige apenas que o arguido nesses processos não-penais seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe sejam feitas, apresentando meios de prova, requerendo a realização de diligências com vista ao apuramento da verdade dos factos e alegando as suas razões.

A não inclusão do direito ao recurso no âmbito mais vasto do direito de defesa constante do n.º 10, do artigo 32º, da C.R.P., ressalta da diferença de redacção dos n.º 1 e 10, deste artigo, sendo que ambas foram alteradas pela revisão de 1997, e dos trabalhos preparatórios desta revisão, em que a proposta no sentido de assegurar ao arguido "nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios...todas as garantias do processo criminal", constante do artigo 32º - B, do Projecto de Revisão Constitucional, n.º 4/VII, do PCP, foi rejeitada (leia-se o debate sobre esta matéria no D.A.R., 2.ª série - RC, n.º 20, de 12 de Setembro, de 1996, pág. 541-544, e 1.ª série, n.º 95, de 17 de Julho de 1997, pág. 3412 a 3466)».

É certo que as situações tratadas, quer no Acórdão acima parcialmente transcrito, quer no Acórdão 659/06, aí citado, emergiram de processos através dos quais se pretendia reagir contra uma coima aplicada por uma entidade administrativa cuja decisão havia sido impugnada judicialmente, limitando-se por isso a discussão à possibilidade de o impugnante vir a fazer uso, no interior da ordem dos tribunais judiciais, de um duplo grau de jurisdição.

Mais radicalmente, o que aqui está em causa é a exclusão da própria possibilidade de provocar a revisão da decisão que pela primeira vez conhece dos pressupostos e consequências da responsabilidade contra-ordenacional.

Simplesmente, se assim ocorre de facto, não pode esquecer-se que o pronunciamento a ter lugar no âmbito dos processos previstos no artigo 103º-A da LTC, para além de ser já um pronunciamento jurisdicional (o que impede a ocorrência de violação do artigo 20º da CRP), encontra-se legalmente cometido ao Plenário do Tribunal Constitucional, o que, conferindo-lhe óbvias especificidades, é de modo a justificar a previsão de um regime processual diferenciado.

Isso mesmo foi reconhecido no Acórdão 557/06, em cuja fundamentação se escreveu o seguinte:

«Não existe entre o processo particular previsto no artigo 103º-A da LTC e os processos de aplicação de coimas por decisão de autoridades administrativas regulados pelo Decreto-Lei 433/82, em que das decisões dessas autoridades é admitida impugnação judicial perante o tribunal em cuja área territorial tenha sido consumada a infracção (artigos 59º e seguintes), qualquer analogia substancial que implique ou sequer legitime a aplicação analógica das disposições que regulam estes últimos ao processo previsto no artigo 103º-A da LTC. Na verdade, a aplicação das sanções aos partidos políticos é decidida, nos casos semelhantes ao vertente, após audição dos interessados sobre a factualidade que lhes é imputada a título de infracção, por um tribunal (o Tribunal Constitucional), e por um tribunal agindo numa formação (o plenário) que não torna possível que as suas decisões sejam reapreciadas por uma instância superior (ou sequer diversa). Donde resulta que não infringe a garantia do direito ao recurso consagrada no artigo 32º, n.º 1, da Constituição a não previsão, neste caso, de uma via de reacção legal (com o sentido de reapreciação daquela decisão do Tribunal Constitucional em sessão plenária por uma outra e superior instância - um recurso) que faculte a impugnação pelos interessados daquelas decisões».

Reiterando a jurisprudência seguida no acórdão acabado de citar, conclui-se, também aqui, que a norma adjectiva contida no artigo103º-A da LTC não é materialmente inconstitucional.

2.2 - Dos pressupostos da responsabilidade.

2.2 - 1. Relativamente à Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., e João Paulo Moreira Cardoso Sequeira.

Tendo a análise que se seguirá conjuntamente por objecto a verificação dos pressupostos da responsabilidade contra-ordenacional que vem imputada, quer à pessoa colectiva então designada por Novo Design - Design e Comunicação, S. A., quer a João Paulo Moreira Cardoso Sequeira, à data seu administrador, uma observação prévia, por facilidade de exposição, se impõe fazer desde já.

Tem ela directamente a ver com os requisitos específicos de cuja verificação, de acordo com o regime geral aplicável, depende a responsabilização contra-ordenacional das pessoas colectivas.

Dispõe o artigo 7º do Regime Geral das Contra-ordenações o seguinte:

«1 - As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica.

2 - As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.»

A responsabilidade das pessoas colectivas e associações sem personalidade jurídica é aqui consagrada como regra geral no domínio do direito contra-ordenacional e, perante o pressuposto colocado pelo n.º 2, os termos dessa consagração podem dizer-se conformes à doutrina segundo a qual, não podendo a responsabilidade do ente colectivo conceber-se sem a actuação de uma ou mais pessoas físicas, aquele apenas será responsabilizável pelos factos ilícitos e culposos que os titulares dos seus órgãos ou os seus representantes houverem praticado em seu nome e no seu interesse.

Ao menos de um ponto de vista estrutural, a responsabilidade contra-ordenacional da pessoa colectiva surge, assim, como uma responsabilidade reflexa ou derivada no sentido em que pressupõe uma actuação ilícita e culposa empreendida por uma pessoa singular pertencente a um seu órgão e por ela levada a cabo no exercício dessas mesmas funções.

Dito isto, analisemos então a defesa apresentada.

À possibilidade de formalização da responsabilidade contra-ordenacional que nos presentes autos vem imputada começam os respondentes Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., e João Paulo Moreira Cardoso Sequeira por opor o argumento segundo o qual a relação negocial estabelecida entre a Brandia Central - Design e Comunicação, S. A. (então denominada Novo Design - Companhia Portuguesa de Design, S. A.) e o Partido Social Democrata, qualificada como deve ser de prestação de serviços, reger-se-á exclusivamente pelas normas do direito privado, designadamente pela constante do artigo 767º, n.º 1, do Código Civil, que habilita o credor da retribuição acordada a recebê-la, seja do respectivo devedor, seja de um terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.

De acordo com a perspectiva seguida, a referida norma assegurará capazmente a licitude do comportamento contratual empreendido pela Brandia que, conforme defendido é, deverá ser aqui aferida em função do que é consentido pelo direito privado.

De um ponto de vista dogmático, trata-se, contudo, de uma linha argumentativa cuja sustentabilidade pressupõe a negação do incontroverso postulado segundo o qual as normas de direito privado que modelam a relação contratual estabelecida e definem o estatuto jurídico dos contraentes apenas garantem a licitude das respectivas actuações no pressuposto de que estas não têm subjacente a realização de uma finalidade proibida pelo ordenamento.

Sempre que subordinada se encontre à realização de um escopo extrínseco aos esquemas contratuais accionados e coincidente com determinado facto lesivo pretendido evitar pelo sistema, a actuação dos contraentes incorrerá na possibilidade de vir a ser considerada antijurídica e, como tal, tornar-se-á passível de ser sindicada, quer no âmbito do direito público sancionatório, quer pelas próprias formas concomitantemente previstas no direito civil (cf. artigo 280º e ss. do Código Civil).

Numa segunda ordem de razões, vem ainda sustentada a impossibilidade de imputação à Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., - e, consequentemente, a quem em nome dela houver actuado - de qualquer infracção à Lei 56/98, de 18 de Agosto.

De acordo com a construção para o efeito sufragada, tal diploma circunscrever-se-á, quanto ao respectivo âmbito de aplicação, às pessoas singulares ou colectivas que realizem doações e aos partidos políticos que as recebam, consistindo a acção sancionável, de um ponto de vista objectivo, necessariamente na efectuação do financiamento proibido e ou na sua aceitação por parte do respectivo destinatário.

A linha argumentativa assim desenvolvida conduziria a uma discussão dogmaticamente centrada nas formas possíveis de aparição da intervenção na acção sancionável e, deste ponto de vista, no estabelecimento, no confronto com o tipo de ilícito em presença, das características necessárias à afirmação da autoria e da cumplicidade.

Tal discussão torna-se, contudo, desnecessária aqui.

Com efeito, não dispensando qualquer uma das equacionáveis modalidades de intervenção a verificação do dolo do agente (artigo 8º, n.º 1 do RGCO) e pressupondo este a representação da totalidade das circunstâncias do facto típico, a possibilidade de responsabilização do arguido João Paulo Sequeira surge, desde logo, inviabilizada pela não demonstração de que o mesmo, ao conduzir a Brandia Central - Design e Comunicação, S.A, na qualidade de seu administrador, à aceitação de que o pagamento do valor devido pelo PSD fosse efectuado pela Somague SGPS, S. A., sabia que tal substituição se destinava a viabilizar, por indirecta forma, uma atribuição patrimonial por esta àquele proibida por lei.

Por ausência de dolo, fica necessariamente prejudicada a responsabilização contra-ordenacional de João Paulo Sequeira e, por ausência de uma acção ilícita e culposa imputável ao titular de um seu órgão, da própria Brandia Central - Design e Comunicação, S. A.

Relativamente a ambos, o processo deverá ser assim arquivado.

2.2 - 2. Relativamente ao PPD/PSD, José Luís Fazenda Arnaut Duarte, José Manuel de Matos Rosa e José Luís Vieira de Castro.

O tipo de ilícito a que haverá de reportar-se a análise dos pressupostos da responsabilidade que vem imputada ao PPD/PSD e às pessoas singulares que, segundo o Ministério Público, em representação dele terão actuado, continua a ser o definido no n.º 4 do artigo 5º da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000.

Conforme visto já, sob a epígrafe «Donativos proibidos» dispõe-se aí o seguinte:

«Aos partidos políticos está igualmente vedado receber ou aceitar quaisquer contribuições ou donativos indirectos que se traduzam no pagamento por terceiros de despesas que àqueles aproveitem fora dos limites previstos no artigo 4º».

Quando perspectivado do ponto de vista do financiado, pode dizer-se que o ilícito típico em presença se inscreve na categoria dos delitos específicos próprios, ou seja, daqueles relativamente aos quais «a especial qualidade do autor ou do dever que sobre ele impende fundamentam a responsabilidade» (Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., pg. 304).

Só relevando contra-ordenacionalmente na hipótese de proceder de um partido político, a acção típica consiste, na modalidade de execução que agora consideramos, em aceitar ou receber quaisquer contribuições ou donativos indirectos de valor superior ao previsto no artigo 4º, ou seja, a (euro) 10.440.

Os donativos indirectos deverão traduzir o pagamento por terceiros de despesas que aproveitem ao partido político.

Quanto ao tipo subjectivo de ilícito, trata-se de uma infracção dolosa, não tendo lugar o seu sancionamento na forma negligente (cf. artigo 8º, n.º1, do Regime Geral das Contra-ordenações).

O tipo legal supõe, assim, o dolo do agente - conhecimento da factualidade típica e vontade de realização do tipo contra-ordenacional - em qualquer das modalidades que o mesmo pode revestir - directo, necessário ou eventual (artigo 14º do Código Penal, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 32º do RGCO).

A realidade que haverá de subsumir-se à norma tipificadora em presença dá conta de que, intervindo em representação do PPD/PSD e na qualidade Secretário-Geral Adjunto responsável pela área administrativa e financeira do partido, José Luís Vieira de Castro acordou em que fosse efectuado por uma entidade terceira o pagamento do valor de (euro) 233.415,00 devido pelo partido à Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., como contrapartida dos serviços que por esta haviam sido já prestados a título oneroso.

E porque tal pagamento veio efectivamente a ocorrer, o acordo em tais termos celebrado consequenciou um efectivo aumento de utilidades no património do partido, assim conseguido na modalidade de poupança de despesas.

O tipo objectivo de ilícito foi, portanto, integralmente realizado.

Segundo se demonstrou ainda, José Luís Vieira de Castro agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que, através do acordo realizado, conduzia o partido a aceitar, conforme era seu propósito, o pagamento por entidade terceira de dívida de montante superior a (euro) 10.440, além de não ignorar que, pelo menos em tais termos, o partido se encontrava legalmente impedido de aceitar o pagamento por terceiros de despesas próprias.

Extrai-se daqui que José Luís Vieira de Castro representou a totalidade das circunstâncias do facto típico e quis realizá-lo, significando isto que, no seu momento volitivo, o dolo se verificou na modalidade de dolo directo.

Concluindo-se, portanto, pela presença de uma conduta ilícita e culposa, cabe agora perguntar se pela mesma será ainda responsabilizável o PPD/PSD.

Disse-se já que, por força do disposto no artigo 7º, n.º 2, do RGCO, a possibilidade de responsabilizar contra-ordenacionalmente os entes colectivos supõe que a conduta que realiza o tipo haja sido empreendida por uma pessoa singular pertencente a um seu órgão e por ele levada a cabo no exercício dessas mesmas funções.

De acordo com os estatutos do PPD/PSD, os secretários-gerais adjuntos são membros do congresso nacional - artigo 16º, n.º 1, e) -, são nomeados pela Comissão Política Nacional - artigos 21º, n.º 2, d) e 25º, n.º 1, al. c) - sob proposta do secretário geral e para coadjuvá-lo no exercício das suas competências, no conjunto destas se destacando a faculdade de representar o partido na celebração de quaisquer contratos que se possam traduzir em obrigações para o partido, bem como a de dirigir o funcionamento dos respectivos serviços centrais - alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 25º.

Tal enquadramento estatutário permite sustentar a afirmação de que, ao proceder conforme analisado supra, José Luís Vieira de Castro actuou na qualidade de titular de um órgão do partido e como seu representante, tendo-o feito no âmbito do exercício das funções de coadjuvação que lhe haviam sido cometidas enquanto Secretário-Geral Adjunto para a área administrativa e financeira.

Assim sendo, também o PPD/PSD deverá responder contra-ordenacionalmente pela prática da infracção.

Quanto a José Luís Fazenda Arnaut Duarte e José Manuel de Matos Rosa.

Não sendo a responsabilidade contra-ordenacional de tipo objectivo, não é dogmaticamente possível afirmá-la na ausência de uma actuação ilícita e culposa.

Assim, apesar de se saber que, à data dos factos em apreciação, José Luís Arnaut desempenhava as funções de Secretário Geral do PPD/PSD e que, a partir de 23 de Abril de 2002 - ou seja, de momento anterior ainda à efectiva realização do pagamento da dívida - , o cargo de secretário geral adjunto para a área administrativa e financeira do partido passou a ser ocupado por José Manuel de Matos Rosa, a possibilidade de responsabilizar qualquer um dos referidos arguidos dependeria da demonstração de um qualquer modo de participação, ainda que sob a forma mínima de anuência tácita, no acordo que precedeu a realização do financiamento indirecto e ou na operação a que a respectiva concretização deu origem.

Porque só assim poderia concluir-se por uma «contribuição objectiva conjunta para a realização típica» (cf. José Francisco de Faria Costa, "Formas do Crime", Jornadas de Direito Criminal, Fase I, Centro de Estudos Judiciários) e tal demonstração não foi conseguida, o presente processo deverá ser quanto a ambos arquivado, tanto mais quanto certo é que, não tendo lugar o sancionamento da negligência, não cabe sequer equacionar aqui uma eventual violação, por parte do então secretário geral José Luís Arnaut, dos deveres de vigilância ou superintendência sobre o modo como eram exercidos os poderes de coadjuvação atribuídos ao secretário geral adjunto para a área financeira do partido.

2.2 - 3. Relativamente à Somague S.G.P.S, S. A., Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva e Luís Miguel Dias da Silva Santos.

A propósito da delimitação do alcance vinculativo da norma inscrita no n.º 4 do artigo 5º da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000, quando integrada pelo estatuído no n.º 5 do artigo 14º do mesmo diploma legal, disse-se já que, relativamente aos entes terceiros, a acção típica consiste no «pagamento de despesas que [aos partidos políticos] aproveitem fora dos limites previstos no artigo 4º».

Na modalidade de execução ora considerada, a conduta que integra o tipo objectivo de ilícito analisar-se-á, portanto, na substituição de determinado partido político na satisfação de uma prestação pecuniária a que este se vinculara, correspondendo o resultado lesivo à propiciação de uma vantagem patrimonial efectiva de expressão coincidente com o valor da despesa assim paga.

Estruturalmente doloso conforme visto já, o tipo subjectivo de ilícito exige que aquele que realiza o pagamento de certa despesa em proveito de determinado partido político actue com conhecimento de todos os elementos que integram o facto típico e vontade de realizá-lo.

Pois bem.

Segundo demonstrado resultou, Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, na qualidade de presidente do conselho de administração da Somague SGPS, S. A., determinou que por esta fosse efectuado o pagamento da dívida, no valor de (euro) 233.415,00, que o PPD/PSD tinha para com a Brandia, pagamento esse que efectivamente veio a ocorrer.

Ao assim proceder - demonstrou-se ainda - Diogo Alves Dinis Vaz Guedes agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de conduzir a Somague S.G.P.S., S. A., ao pagamento de serviços que haviam sido prestados ao PPD/PSD, bem sabendo que, ao vincular aquela sociedade à assunção do correspondente débito, a conduzia à realização indirecta de uma atribuição patrimonial de valor superior a (euro) 10.440, o que sabia ainda corresponder a actuação vedada por lei.

Perante o quadro factual em tais termos traçado não restam dúvidas de que, por efeito de uma intervenção dolosa protagonizada pelo Presidente do respectivo Conselho de Administração, a Somague SGPS, S.A, financiou o PPD/PSD em valor coincidente com o montante da dívida em cujo pagamento a este se substituiu, o que, em face das considerações desenvolvidas já a propósito dos pressupostos da responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas, autoriza a conclusão de que, quer Diogo Alves Dinis Vaz Guedes, quer a Somague SGPS, S.A em representação da qual este actuou, deverão ser responsabilizados, enquanto autores de um financiamento indirecto de valor superior ao legalmente permitido, pela prática da contra-ordenação tipificada no n.º 4 do artigo 5º da Lei 56/98, na versão aprovada pela Lei 23/2000.

Não já assim, naturalmente, no que concerne a Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva e Luís Miguel Dias da Silva Santos relativamente aos quais, e na ausência de uma intervenção dolosa, o processo deverá arquivar-se.

2.3 - Das consequências jurídicas da contra-ordenação.

Conjugando o estatuído no artigo 14º da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000, com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei 325/2001, de 17 de Dezembro, quanto ao valor do salário mínimo mensal nacional no ano de 2002, verifica-se que os partidos políticos responsáveis pela violação do disposto no artigo 5º, n.º4, daquele diploma legal incorrem numa coima mínima no valor de 10 salários mínimos mensais nacionais ((euro) 3.480) e máxima no valor de 400 salários mínimos mensais nacionais e máxima de 400 salários mínimos mensais nacionais ((euro) 139.200) [cf. n.º 2].

Os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participarem em tal infracção sujeitar-se-ão à aplicação de uma coima mínima no valor de 5 salários mínimos mensais nacionais ((euro)1.740) e máxima no valor de 200 salários mínimos mensais nacionais ((euro) 69.600) [cf. n.º 3].

Por força do disposto no artigo14º, n.º 4 da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000, a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas formalizar-se-á, por seu turno, no interior de uma moldura cujo limite mínimo coincidirá com o dobro do montante do donativo proibido ((euro) 466.830), equivalendo o limite máximo ao quíntuplo desse montante ((euro) 1.167.075).

Por último, os administradores das pessoas colectivas que pessoalmente participem na infracção serão sancionados com coima mínima no valor de 5 salários mínimos mensais nacionais ((euro) 1.740) e máxima no valor de 200 salários mínimos mensais nacionais ((euro) 69.600) [cf. n.º 6 do artigo 14º da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000].

Para além das normas sancionadoras acabadas de referir, importará atender ainda ao disposto no artigo 18º, n.º 1, do RGCO, segundo o qual a determinação da medida da coima se fará em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício que este retirou da prática da contra-ordenação.

Pois bem.

Na ponderação dos factores acima enunciados, haverá especialmente a notar a circunstância de o montante objecto do financiamento aqui em causa exceder com alguma expressão o limite a partir do qual a realização/recebimento do donativo adquire relevância contra-ordenacional, o que, projectando-se sobre o desvalor do resultado, impede que a medida das coimas a fixar venha a confinar com o limite mínimo das molduras aplicáveis.

Não se verificando, por outro lado, fundamento justificativo para a diferenciação concreta, no plano da respectiva valoração, das actuações convergentemente empreendidas pelas entidades financiadora e financiada, entende-se que a medida das respectivas responsabilidades, devendo situar-se num equivalente ponto das distintas molduras legais aplicáveis, encontrará coerente tradução na aplicação ao PPD/PSD de uma coima no valor de (euro) 35.000 e à Somague, SGPS, SA de uma coima no valor de (euro) 600.000.

No que, por último, concerne à definição das consequências jurídicas a imputar à actividade desenvolvida pelas pessoas singulares que em representação daquelas actuaram, tem-se por ajustada a aplicação, quer a José Luís Vieira de Castro, quer a Diogo Vaz Guedes, de uma coima no valor de (euro) 10.000, montante que, mantendo-se ainda conforme à gravidade que se apontou ao ilícito, é já apto a garantir a eficácia sancionatória pretendida assegurar pelo sistema.

Nos termos previstos na parte final do n.º 2 do artigo 14º da Lei 56/98, será declarada a perda a favor do Estado do valor ilegalmente recebido pelo PPD/PSD, ou seja, do montante de (euro) 233.415,00.

IV. Decisão.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

1º Arquivar o processo contra-ordenacional nos presentes autos instaurado contra a Brandia Central - Design e Comunicação, S. A., pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 5º, n.º 4, da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000.

2º Arquivar o processo contra-ordenacional nos presentes autos instaurado contra João Paulo Moreira Cardoso Sequeira pela participação pessoal na prática da contra-ordenação prevista no artigo 5º, n.º4, da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000.

3º Condenar o PPD/PSD, pela prática da contra-ordenação prevista e sancionada pelos artigos 5º, n.º4, e 14º, n.º 2, ambos da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000, em coima no valor (euro) 35.000 (trinta e cinco mil euros).

4º Condenar José Luís Vieira de Castro, pela prática da contra-ordenação prevista e sancionada pelos artigos 5º, n.º 4, e 14º, n.º 3, ambos da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000, em coima no valor (euro) 10.000 (dez mil euros).

5º Arquivar o processo contra-ordenacional nos presentes autos instaurado contra José Luís Fazenda Arnaut Duarte e José Manuel de Matos Rosa pela participação pessoal na prática da contra-ordenação prevista no artigo 5º, n.º 4, da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000.

6º Condenar a Somague SGPS, S. A., pela prática da contra-ordenação prevista e sancionada pelos artigos 5º, n.º 4, e 14º, n.º 5, ambos da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000, em coima no valor (euro) 600.000 (seiscentos mil euros).

7º Condenar Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, pela prática da contra-ordenação prevista e sancionada pelos artigos 5º, n.º 4, e 14º, n.º 6, ambos da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000, em coima no valor (euro) 10.000 (dez mil euros)

8º Arquivar o processo contra-ordenacional nos presentes autos instaurado contra Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva e Luís Miguel Dias da Silva Santos pela participação pessoal na prática da contra-ordenação prevista no artigo 5º, n.º 4, da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000.

9º Declarar perdido a favor do Estado o valor de (euro) 233.415,00 (duzentos e trinta e três mil, quatrocentos e quinze euros), condenando o PPD/PSD à respectiva entrega.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008. - Ana Maria Guerra Martins - Joaquim de Sousa Ribeiro - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Maria Lúcia Amaral - Maria João Antunes - Carlos Pamplona de Oliveira - Gil Galvão - João Cura Mariano - Vítor Gomes - José Borges Soeiro - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1668305.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1988-12-30 - Decreto-Lei 495/88 - Ministério das Finanças

    Define o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais.

  • Tem documento Em vigor 1993-11-24 - Decreto-Lei 394/93 - Ministério das Finanças

    ALTERA O DECRETO LEI 20-A/90, DE 15 DE JANEIRO (APROVA O REGIME JURÍDICO DAS INFRACÇÕES FISCAIS NAO ADUANEIRAS - RJIFNA). PREVÊ A PENA DE PRISÃO A TÍTULO PRINCIPAL ATE 5 ANOS, DEIXANDO DE VIGORAR O SISTEMA DE MERA MULTA CRIMINAL. ESTABELECE A CRIMINALIZAÇÃO DA SONEGAÇÃO DOLOSA DE BENS OU VALORES AS NORMAS DO IMPOSTO SUCESSÓRIO, EM OPOSIÇÃO AO QUE PRÉVIA O DECRETO LEI 20-A/90, DE 15 DE JANEIRO. ALARGA A COMPETENCIA TERRITORIAL PARA O CONHECIMENTO DAS INFRACÇÕES E POSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRI (...)

  • Tem documento Em vigor 1993-11-30 - Lei 72/93 - Assembleia da República

    Regula o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 1994-12-24 - Decreto-Lei 318/94 - Ministério das Finanças

    ALTERA O DECRETO LEI 495/88, DE 30 DE DEZEMBRO QUE DEFINE O REGIME JURÍDICO DAS SOCIEDADES GESTORAS DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS (SGPS), DE FORMA A CONFERIR-LHES MAIOR OPERACIONALIDADE. O DISPOSTO NA ALÍNEA A) DO NUMERO 1 DO ARTIGO 5 DO DECRETO LEI 495/88, DE 30 DE DEZEMBRO, NA FORMA QUE LHE FOI DADA PELO PRESENTE DIPLOMA, NA PARTE EM QUE SE VEDA AS SGPS A MANUTENÇÃO DA TITULARIDADE DOS BENS AÍ MENCIONADOS, ENTRA EM VIGOR NO DIA 1 DE JANEIRO DE 1996.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-18 - Lei 56/98 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das companhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 1998-11-27 - Decreto-Lei 378/98 - Ministério das Finanças

    Altera o Decreto-Lei 495/88, de 30 de Dezembro que define o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS).

  • Tem documento Em vigor 2000-08-23 - Lei 23/2000 - Assembleia da República

    Primeira alteração às Leis 56/98, de 18 de Agosto (financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais), e 97/88, de 17 de Agosto (afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda).

  • Tem documento Em vigor 2001-12-17 - Decreto-Lei 325/2001 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade

    Aprova os novos valores do salário mínimo nacional.

  • Tem documento Em vigor 2001-12-24 - Lei 109/2001 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo), em matéria de prescrição.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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