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Acórdão 615/2007, de 8 de Fevereiro

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Sumário

Julga inconstitucionais as normas do n.º 6 do artigo 1.º e do artigo 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, quando interpretados no sentido de que o regime de aposentação fixado pelo Decreto-Lei n.º 116/85 não é aplicável aos contribuintes que hajam reunido os pressupostos para a sua aplicação antes de 31 de Dezembro de 2003, ainda que os respectivos pedidos tenham sido enviados à Caixa Geral de Aposentações até à data de publicação da Lei n.º 1/2004

Texto do documento

Acórdão 615/2007

Processo 385/07

Acordam, na 3.ª Secção, do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, em que figura como recorrente Caixa Geral de Aposentações e como recorrido o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local - STAL, foi, pela primeira, interposto recurso, em 07 de Março de 2007, de Acórdão proferido por aquele Tribunal [cf. requerimento de fls. 163], que confirmou as decisões anteriormente proferidas pelo 2.º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, julgando "pela inconstitucionalidade material das normas vertidas no n.º 6 do artigo 01.º e do artigo 02.º da Lei 01/04 quando entendidas no sentido de que não é aplicável o regime do Decreto-Lei 116/85 aos processos que se iniciaram antes de 31/12/2003 pelo simples facto de não terem dado entrada na CGA até à data da entrada em vigor daquela Lei, por violação conjugada do disposto nos artigos 02.º e 266.º da CRP [princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica inerentes ao princípio do Estado de Direito]" (fls. 154-verso).

2 - Notificada para tal, a recorrente veio produzir as seguintes alegações escritas, as quais constam de fls. 185 a 188:

«O douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22 de Fevereiro de 2007, proferido nos autos à margem referenciados, após raciocínio formulado ao longo do referido aresto, concluiu pela inconstitucionalidade material das normas vertidas no n.º 6 do artigo 1.º e do artigo 2.º da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, quando entendidas no sentido de que não é aplicável o regime do Decreto-Lei 116/85, de 14 de Abril, aos processos que se iniciaram antes de 31.12.2003, pelo simples facto de não terem dado entrada na CGA até à data da entrada em vigor daquela Lei, por violação conjugada do disposto nos artigos 2.º e 266.º da CRP [Princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica inerentes ao princípio do Estado de Direito].

Com a devida vénia, não pode a Caixa Geral de Aposentações (CGA) conformar-se com tal decisão.

Na verdade, a questão em causa cinge-se apenas à verificação, por esse Venerando Tribunal, se existe, ou não, violação dos princípios que emanam dos artigos 2.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), já que a CGA, ao contrário do que se argumenta no aludido Acórdão, sustenta que os artigos 1.º, n.º 6, e 2.º, da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, por conterem normas de efeitos retroactivos, não são inconstitucionais.

Assim, com fundamento nos argumentos expendidos na douta Sentença de 23 de Fevereiro de 2006, Proc.º 2070/04.3BELSB, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, páginas 9 a 11, a Caixa igualmente, sustenta que "Dispõe o artigo 3.º, n.º 3, da CRP, que a validade das leis do Estado depende da sua conformidade com a Constituição, mas apenas a lei criminal não pode ser retroactiva nos termos definidos no artigo 29.º, n.º 1 a 4, da CRP.»

e ainda que (aqui, ao contrário do juízo formulado pelo aludido Acórdão do TCA Norte):

«O princípio da não retroactividade da lei não tem actualmente, entre nós (salvo quanto à lei criminal o artigo 29.º da CRP), assento na Constituição e, daí; que o preceito do artigo 12.º do Código Civil não se impõe ao legislador. Assim, as disposições do artigo 12.º do Código Civil não têm mais força vinculativa que as de outras leis ordinárias, pelo que elas não prevalecem sobre o resultado da interpretação destas (Vaz Serra, RLJ, n.º 110, página 272).»

Seguindo-se mais argumentação sobre a constitucionalidade da norma em causa.

A Caixa sustenta ainda a sua tese nos fundamentos proferidos pelo digníssimo Procurador-Geral Adjunto do Tribunal Central Administrativo Sul na sua douta intervenção no Processo 1486/06, 2.º Juízo - 1.ª Secção, de que a norma contida no artigo 2.º da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, por conter comando jurídico com efeitos retroactivos, não padece da inconstitucionalidade ou da ilegalidade que lhe é imputada, por não atingir, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de aposentação, de características excepcionais, prevista no regime instituído pelo Decreto-Lei 116/85, de 14 de Abril.

Na verdade, tal como faz reparo, tendo em conta que aquele regime anunciava, em primeira linha como medida conjuntural "de descongestionamento da Administração Pública", dependente de não haver "prejuízo para o serviço" e não como o reconhecimento incondicional de um direito dos funcionários à aposentação antecipada, era expectável a sua alteração quando se modificassem as circunstâncias da adopção da medida legislativa.

Se assim não fosse entendido, seria um absurdo, já que não é violado qualquer preceito constitucional - muito menos os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica inerentes ao princípio do Estado de Direito -, por não se atingirem, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de aposentação, de características excepcionais, prevista no regime instituído pelo Decreto-Lei 116/85, de 14 de Abril.

Ora, por ser à CGA que compete verificar se estão reunidas, ou não, todas as condições para a aposentação antecipada e por entender que as normas que versam sobre retroactividade não padecem de qualquer inconstitucionalidade, se solicita a esse Venerando Tribunal que se pronuncie sobre se as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 6, e 2.º, da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, padecem, ou não, de inconstitucionalidade material.

Acresce que a revogação do Decreto-Lei 116/85, de 14 de Abril, já havia sido anunciada em 2003, com a Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, posteriormente declarada inconstitucional pelo Acórdão do TC n.º 360/2003, de 8 de Julho de 2003, por razões formais.

Era público que estava em marcha o processo legislativo tendente à aprovação de medida idêntica o mais rapidamente possível, para entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2004, como é norma neste tipo de diplomas. O atraso na publicação da lei cuja aprovação foi amplamente noticiada na comunicação social e vivamente contestada pelos sindicatos, não invalida a produção dos seus efeitos, já que a sua vigência não depende do seu conhecimento efectivo, embora a sua eficácia dependa da sua publicação.

Conclusões:

A) Os artigos 1.º, n.º 6, e 2.º, da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, por conterem normas de efeitos retroactivos, não são inconstitucionais, já que não atingem, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de aposentação, de características excepcionais, prevista no regime instituído pelo Decreto-Lei 116/85, de 14 de Abril.

B) O artigo 3.º, n.º 3, da CRP, dispõe que a validade das leis do Estado depende da sua conformidade com a Constituição, mas apenas a lei criminal não pode ser retroactiva nos termos definidos no artigo 29.º, n.º 1 a 4, da mesma lei.

C) O princípio da não retroactividade da lei não tem actualmente, entre nós (salvo quanto à lei criminal o artigo 29.º da CRP), assento na Constituição e, daí, que o preceito do artigo 12.º do Código Civil não se impõe ao legislador.

D) Assim, as disposições do artigo 12.º do Código Civil não têm mais força vinculativa que as de outras leis ordinárias, pelo que elas não prevalecem sobre o resultado da interpretação destas (Vaz Serra, RLJ, n.º 110, página 272).

E) Por outro lado, o atraso na publicação da lei não invalida a produção dos seus efeitos, já que a sua vigência não depende do seu conhecimento efectivo, embora a sua eficácia dependa da sua publicação, tanto mais que a sua aprovação foi amplamente noticiada na comunicação social e vivamente contestada pelos sindicatos.

F) Nesta conformidade, face aos fundamentos acima expostos, a CGA entende que deverá ser declarado que os artigos 1.º, n.º 6, e 2.º, da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, não são, em qualquer circunstância, inconstitucionais, nem, tão pouco, violam quaisquer dos princípios que emanam dos artigos 2.º e 266.º da CRP.

Assim, deve proceder o presente recurso, determinando-se a reforma do Acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão da constitucionalidade.»

3 - Notificado pela recorrente, nos termos dos artigos 229.º-A, 260.º-A e 698.º, n.º 2 do CPC (fls. 190), o recorrido não apresentou as suas contra-alegações, dentro do prazo legalmente fixado.

II - Fundamentação. - 4 - Nos presentes autos, discute-se a constitucionalidade das seguintes normas, constantes da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro:

«Artigo 1.º

Caixa Geral de Aposentações

(...)

6 - O disposto nos números anteriores não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações cujos processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços ou entidades, até à data de entrada em vigor deste diploma, desde que os interessados reúnam, nessa data, as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação, incluindo aqueles cuja aposentação depende da incapacidade dos interessados e esta venha a ser declarada pela competente junta médica após aquela data.»

Artigo 2.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004.

Através do n.º 3 do artigo 1.º da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, procedeu-se à revogação do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, que, entre outras, dispunha que:

«Artigo 1.º

"1 - Os funcionários e agentes da administração central, regional e local, institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos e organismos de coordenação económica, seja qual for a carreira ou categoria em que se integrem, poderão aposentar-se, com direito à pensão completa, independentemente de apresentação a junta médica e desde que não haja prejuízo para o serviço, qualquer que seja a sua idade, quando reúnam 36 anos de serviço.

(...)

Artigo 3.º

1 - Os requerimentos solicitando a aposentação nos termos do n.º 1 do artigo 1.º devem dar entrada nos departamentos onde os funcionários e agentes prestam serviço, acompanhados dos necessários documentos comprovativos do tempo de serviço prestado.

(...)."

A referida 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004 resultou do Projecto-Lei 362/IX/2.ª, que deu entrada na Mesa da Assembleia da República em 07 de Outubro de 2003 (cf. informação sobre o procedimento legislativo, disponível no sítio electrónico da Assembleia da República, in http://www3.parlamento.pt/PLC/Iniciativa.aspx?ID_Ini=19863). O referido Projecto-Lei só foi publicado em separata ao "Diário da Assembleia da República", em 28 de Outubro de 2003 (Separata n.º 50/IX/2ª), tendo-se iniciado um procedimento de consulta pública que se prolongou desde aquela data até 26 de Novembro de 2003.

O Projecto-Lei 362/IX/2ª foi votado na generalidade, na especialidade e em votação final global, respectivamente, em 27 de Novembro, 03 de Dezembro e 04 de Dezembro de 2003. Por sua vez, o Decreto 142/IX, que viria dar lugar à Lei 2/2004, foi apenas promulgado e referendado em 30 de Dezembro de 2003. De acordo com a informação disponibilizada pelo próprio órgão autor da norma (cf. In http://www3.parlamento.pt/PLC/Iniciativa.aspx?ID_Ini=19863), o decreto apenas foi enviado para publicação em 08 de Janeiro de 2004.

5 - Encontra-se provado em primeira instância (cf. fls. 75 e 76) que o associado do recorrido, Carlos Manuel Neves dos Santos, requereu, em 11 de Novembro de 2003, ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz que enviasse o seu pedido de aposentação à ora recorrente, ao abrigo "do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei 116/85, de 16 de Abril, conjugado com o Decreto-Lei 241/89, de 3 de Agosto (Estatuto Social do Bombeiro)". Ficou igualmente provado que o Município da Figueira da Foz enviou o referido pedido de aposentação, em 12 de Janeiro de 2004, através de ofício que apenas foi recebido pela recorrente, em 14 de Janeiro de 2004.

A 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004 entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2004, mas apenas foi publicada, na Iª Série do "Diário da República", em 15 de Janeiro de 2004.

6 - A título prévio - e em benefício da boa decisão da causa - impõe-se confrontar a jurisprudência deste Tribunal, em sede de apreciação da constitucionalidade de mutações do regime jurídico de aposentação de funcionários e agentes da Administração Pública, com as particularidades próprias do caso ora em apreço.

Com efeito, este Tribunal tem vindo a afirmar - jurisprudência que ora se reitera e acompanha - que as sucessivas alterações àquele regime jurídico de aposentação, ainda que desfavoráveis aos respectivos interessados, não violam o princípio da segurança jurídica, salvo quando manifestamente desrazoáveis, desproporcionadas e inesperadas:

"«Como se escreveu no Acórdão 287/90 (publicado no Diário da República, 1.ª série, de 20 de Fevereiro de 1991):

"Nesta matéria, a jurisprudência constante deste Tribunal tem-se pronunciado no sentido de que 'apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático (cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/83, de 12 de Outubro de 1982, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1.º vol., pp. 11 e segs. no mesmo sentido se havia já pronunciado a Comissão Constitucional, no Acórdão 463, de 13 de Janeiro de 1983, publicado no apêndice ao Diário da República de 23 de Agosto de 1983, p. 133 e no Boletim do Ministério da Justiça, n. 314, p. 141, e se continuou a pronunciar o Tribunal Constitucional, designadamente através dos Acórdãos n.os. 17/84 e 86/84, publicados nos 2.º e 4.º vols. dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, a pp. 375 e segs. e 81 e segs., respectivamente)."

E no mesmo Acórdão 287/90, transcrito depois no Acórdão 285/92, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 17 de Agosto de 1992, salientou-se que, depois de se apurar se foram afectadas expectativas legitimamente fundadas, resta averiguar se essa afectação é inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa. A "ideia geral de inadmissibilidade" deverá ser aferida pelo recurso a dois critérios:

"a) Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda

b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição desde a 1ª revisão).

Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária."

[...]. Ora, no caso sub iudice, compreende-se que a introdução pelo legislador de um limite máximo da remuneração relevante para o cálculo da pensão de aposentação afecte expectativas dos destinatários da prescrição legal. É facto que não havia razão específica para os destinatários anteciparem aquela mutação da ordem jurídica (a imposição daquele limite naquele momento).

Resta, porém, saber se tais expectativas eram legítimas, no sentido de merecerem a tutela do Direito, ou se o legislador acautelou a possibilidade de formação de tais expectativas, advertindo os destinatários da impossibilidade de se fixar um dado regime da aposentação antes de certo momento.

Na verdade, a impossibilidade de previsão de uma mudança só frustraria expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança, designadamente, por o legislador os ter advertido do momento em que se fixa o regime da aposentação. Ora, o artigo 43.º do Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma previsão genérica de possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o regime da aposentação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (...). E, por outro lado, este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente alterado (umas vezes em sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao interesse do recorrente), ao ponto de os destinatários de tais normas deverem ter por assente que, até à constituição da sua posição de pensionistas, mudanças poderiam sobrevir, ainda que imprevisíveis no seu sentido ou momento da aplicação.

Não parece, assim, desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa afectou expectativas legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que, ainda que assim não fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em causa constituísse uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas não pudessem contar - justamente, por, como o legislador esclareceu já no artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, deverem contar com mutações do regime da aposentação (em sentido favorável ou desfavorável, embora, evidentemente, sem poderem adivinhar o sentido preciso dessas mutações) até à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação.

Aliás, deve reconhecer-se que não existe uma relação directa entre os descontos a efectuar para a Caixa Geral de Aposentações e a pensão de aposentação a receber. E compreende-se que assim seja, tanto podendo, desde logo, o interessado ser prejudicado como beneficiado com a falta desta relação directa (assim se a pensão for globalmente de montante inferior àqueles pagamentos ou de montante superior).

Como já decorre do que se disse, a argumentação baseada no facto de o recorrente ter efectuado pagamentos obrigatórios à Caixa Geral de Aposentações incidentes sobre a sua remuneração mensal global, quando ainda não vigorava o limite das remunerações mensais relevantes para cálculo da pensão de aposentação, introduzido em 1993 com o n.º 5 do artigo 47.º do Estatuto da Aposentação, não pode proceder (limite, esse, que, aliás, se refere à remuneração relevante para efeito do cálculo da pensão e que apenas por virtude do artigo 48.º do Estatuto da Aposentação contende com a que é considerada para efeitos de contribuições para a Caixa Geral de Aposentações). É que, como se disse, o regime da aposentação não se fixa no momento em que as contribuições são efectuadas, mas, nos termos do referido artigo 43.º, quando se verificam os pressupostos que dão origem à aposentação (sendo, aliás, também por esta aposentação que o interessado adquire direito à pensão mensal vitalícia).

Não se pode, portanto, sequer afirmar que a alteração legislativa introduzida pela Lei 75/93 tenha eficácia retroactiva, uma vez que, nos termos do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, o regime da aposentação não se encontrava à data da entrada em vigor dessa alteração ainda fixado (e também não sendo viável sustentar que a norma do artigo 43.º do citado Estatuto, sobre o momento da fixação do regime da aposentação - cuja constitucionalidade, aliás, não foi impugnada - , permita uma retroactividade inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa das alterações legislativas do regime da aposentação).

[...] Saliente-se ainda que, como já se referiu - na sequência da jurisprudência anterior deste Tribunal -, mesmo a eficácia retroactiva da lei só será inadmissível quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes, devendo recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição desde a 1.ª revisão.

E deve dizer-se, quanto à motivação da mutação legislativa de 1993, que, objectivamente, ela não deve desligar-se da situação da evolução de receitas e despesas da segurança social. Como é notório, o prolongamento da esperança de vida, a alteração da relação entre pensionistas e contribuintes para o regime e a fixação de pensões de aposentação bastante elevadas ameaçam de ruptura o regime de segurança social, sendo compreensíveis a introdução de reformas que limitem os gastos e aumentem as receitas. Por outro lado, sabe-se que a medida em causa foi igualmente ditada por razões de proporcionalidade e de harmonização das retribuições pagas pelo Estado, afectando também todos os seus trabalhadores no activo, incluindo titulares de órgãos de soberania.

[...] Conclui-se, assim, que nem as expectativas legítimas do recorrente podem ter sido afectadas de forma inadmissível ou arbitrária pela norma em apreço, nem essa afectação nem a evolução legislativa deixou de se fundar na necessidade de salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos e prevalentes.

Como concluía o Acórdão 287/90 (e o Acórdão 285/92 repetiu):

"Não há, com efeito, um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime de casamento, de arrendamento, do funcionalismo público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes." (itálico aditado)»." (Acórdão 99/99, de 10 de Fevereiro de 1999, publicado in «Diário da República», IIª Série, n.º 76, de 31 de Março).

Em sentido idêntico, voltou a pronunciar-se este Tribunal, através de decisão do Plenário, em 09 de Maio de 2006:

"De qualquer modo, na maior extensão desse efeito desfavorável ao subscritor pressuposta pela argumentação do requerente ou neste outro de mais reduzida expressão quantitativa, considera-se que não existem razões para que o Tribunal se afaste da jurisprudência firmada no Acórdão 99/99 (cit.), em que estava em causa uma questão em tudo semelhante à colocada no presente processo: a de saber se a introdução de uma diferente e menos favorável fórmula de cálculo da pensão de aposentação afecta expectativas - e, mais precisamente, expectativas legítimas - dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações.

Para alcançar a conclusão de que não existe, neste domínio, uma expectativa legítima dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, o citado Acórdão 99/99 teve presente, desde logo, a norma do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, que dispõe:

«1 - O regime da aposentação fixa-se com base na lei em vigor e na situação existente à data em que:

a) Se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade;

b) Seja declarada a incapacidade pela competente junta médica, ou homologado o parecer desta, quando a lei especial o exija;

c) O interessado atinja o limite de idade;

d) Se profira decisão que imponha pena expulsiva ou se profira condenação penal definitiva da qual resulte a demissão ou que coloque o interessado em situação equivalente.

2 - O disposto no n.º 1 não prejudica os efeitos que a lei atribua, em matéria de aposentação, a situações anteriores.

3 - ...».

Como se vê, o n.º 1 do artigo 43.º é claro na determinação de que é no momento da aposentação - ou, mais rigorosamente, no momento em que se verifique qualquer das situações previstas nas alíneas a) a d) daquele n.º 1 - que se fixa, com base na lei em vigor nesse momento, o respectivo regime.

Significa isto, como sublinhou o Acórdão 99/99, que não possuem os subscritores da Caixa Geral de Aposentações no activo qualquer expectativa legítima na imutabilidade ou fixidez do statu quo vigente, antes não podendo deixar de contar, por força do que está expressamente preceituado no artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, com eventuais alterações do regime jurídico da aposentação. Em bom rigor, só no momento em que se aposentar - di-lo claramente aquela norma - será possível ao subscritor conhecer, nos seus precisos contornos e em toda a sua complexidade, as regras que lhe irão ser aplicáveis. E, como se afirmou no Acórdão 99/99, «(...) a impossibilidade de previsão de uma mudança só frustraria expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança, designadamente, por o legislador os ter advertido do momento em que se fixa o regime da aposentação». Ora - prossegue o Acórdão 99/99 -, «o artigo 43.º do Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma previsão genérica de possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o regime da aposentação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (...). E, por outro lado, este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente alterado (umas vezes em sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao interesse do recorrente), ao ponto de os destinatários de tais normas deverem ter por assente que, até à constituição da sua posição de pensionistas, mudanças poderiam sobrevir, ainda que imprevisíveis no seu sentido ou momento da aplicação. Não parece, assim, desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa afectou expectativas legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que, ainda que assim não fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em causa constituísse uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas não pudessem contar - justamente por, como o legislador esclareceu já no artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, deverem contar com mutações do regime da aposentação (em sentido favorável ou desfavorável, embora, evidentemente, sem poderem adivinhar o sentido preciso dessas mutações) até à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação».

Afigura-se manifesto que não existe qualquer expectativa dos subscritores digna de tutela pelo Direito que tenha sido intoleravelmente atingida por ter passado a ser relevante para o cálculo da pensão a média das remunerações do último triénio em vez do quantitativo correspondente ao vencimento do cargo pelo qual se verifica a aposentação acrescido da média das demais retribuições do último biénio. Na verdade a pretensa «expectativa» dos subscritores não se baseia em qualquer contribuição que hajam feito, mas tão-só numa noção difusa de manutenção ou cristalização do statu quo do regime da aposentação em todas as suas vertentes - ideia que, no limite, inviabilizaria toda e qualquer intervenção reformadora do legislador neste domínio.

Decisivamente, não pode afirmar-se, sem mais, que os trabalhadores possuam uma expectativa a que o cálculo da pensão de aposentação seja efectuado sempre da mesma maneira ao longo da sua carreira contributiva. Ponto é que as alterações que venham a ser introduzidas não importem, à luz de critérios de proporcionalidade e de razoabilidade, uma lesão de tal forma grave ou profunda na «confiança no sistema» que os trabalhadores depositaram durante a sua carreira contributiva.

A convocação de critérios de razoabilidade e de proporcionalidade para averiguar de eventuais violações do princípio da confiança já foi efectuada por este Tribunal, como se viu, podendo referir-se os já citados Acórdãos n.º 287/90 e n.º 580/99 ou, mais remotamente, o Acórdão 141/85 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6.º vol., pp. 39 ss.) Ora, o abandono do critério da retribuição base do cargo pelo qual se verifica a aposentação como factor de referência e o alargamento de dois para três anos do período relevante para a determinação da média, atenta a sua reduzida dimensão temporal, a ampla liberdade de conformação reconhecida ao legislador e, mais decisivamente, a circunstância de os trabalhadores não beneficiarem, no quadro da Constituição, de um qualquer direito à «imutabilidade do sistema» são factores que militam no sentido de se poder concluir que a alteração introduzida não afectou, de forma absolutamente intolerável ou desproporcionada, quaisquer expectativas dignas de tutela jurídica dos trabalhadores e, portanto, o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático." (Acórdão 302/2006, de 09 de Maio de 2006, publicado in «Diário da República», IIª Série, n.º 113, de 12 de Junho).

7 - Esclarecido este aspecto, impõe-se, contudo, aferir da similitude entre aquelas situações controvertidas que deram lugar à jurisprudência supra reproduzida e a situação concreta em apreço nos presentes autos.

Deve notar-se, em primeiro lugar, que este Tribunal, nos acórdãos supra referidos, afrontou um problema geral - o de saber se a introdução de uma diferente e menos favorável fórmula de cálculo da pensão de aposentação afecta expectativas legítimas dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações. E a esse problema optou por responder negativamente, isto porque os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança não fundamentam o reconhecimento de expectativas legítimas à manutenção de um regime de aposentação mais favorável que haja vigorado ao longo da carreira contributiva do candidato a aposentado.

Além disso, é de sublinhar que a jurisprudência deste Tribunal quando invoca o artigo 43.º do Estatuto da Aposentação o faz, apenas, enquanto elemento da previsibilidade genérica de mudança do regime de aposentação ao longo da carreira contributiva do subscritor e não no âmbito do problema específico da alteração dos pressupostos da constituição da situação do aposentado ocorrida no decurso de processos de aposentação pendentes.

O problema que se coloca no caso em apreço nos presentes autos é, portanto, diferente.

Sublinhe-se que, neste caso, foi o próprio legislador que pretendeu assegurar um grau mais intenso de protecção da segurança jurídica e da legítima confiança de alguns subscritores da Caixa Geral de Aposentações, garantindo que a extinção, por revogação, do regime especial previsto no Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, "não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações cujos processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços ou entidades, até à data de entrada em vigor deste diploma". Significa isto que, ciente das consequências jurídicas do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação - que permitiria a aplicação imediata do novo regime a partir da sua entrada em vigor - , o legislador quis adoptar - e adoptou - uma norma transitória que permitia que os subscritores da Caixa Geral de Aposentações continuassem a beneficiar do regime anterior de aposentação, desde que os pedidos fossem enviados - e não recebidos, note-se - até à entrada em vigor da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro.

Daqui decorre que o regime da aposentação destes subscritores - nos quais se insere o filiado do recorrido - não seria fixado com base na lei em vigor à data em que "se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade", conforme determinado pela alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, mas com base na lei vigente à data em que os "processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, desde que os interessados reúnam, nessa data, as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação", nos termos do n.º 6 do artigo 1.º da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004.

Consequentemente, por força da adopção pelo legislador desta norma transitória, o regime jurídico da aposentação do filiado do recorrido passa a depender do acaso de o seu processo ser, ou não, enviado pelos serviços antes da entrada em vigor do novo regime jurídico da aposentação.

Mas a verdade é que a partir do momento em que o serviço em causa reconhece que a aposentação do filiado do recorrido poderia ocorrer "sem prejuízo para o serviço", este criou legitimamente expectativas que o legislador considerou merecedoras de tutela, uma vez que introduziu um desvio ao regime geral.

8 - Afigura-se, contudo, que o critério utilizado pelo legislador para a aplicação de um ou outro regime jurídico conduz ele próprio ao arbítrio, pelo que atinge o destinatário de forma inadmissível, intolerável, opressiva e demasiado onerosa.

Senão vejamos:

a) A aplicação de um ou de outro regime jurídico baseia-se na área administrativa de os serviços enviarem o processo de aposentação para a Caixa Geral de Aposentações, mais cedo ou mais tarde, ficando assim dependente do acaso e não de qualquer critério objectivo, o que viola o princípio do Estado de Direito (artigo 2.º CRP);

b) A álea associada ao regime jurídico em análise agrava-se ainda mais se pensarmos que esta lei entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2004 (n.º 7 do artigo 1.º), mas só foi publicada em "Diário da República", em 15 de Janeiro de 2004, pelo que se aplica aos pedidos enviados pelos serviços entre 1 e 15 de Janeiro de 2004, como é o caso do filiado do recorrido;

c) Acresce ainda que o critério utilizado pela lei conduz ao tratamento desigual de situações idênticas, em função de o processo ser ou não enviado à Caixa Geral de Aposentações, o que não pode deixar de violar o princípio da igualdade enquanto manifestação do princípio do Estado de Direito.

9 - Assim, ao fixar uma norma transitória que determina que, ao contrário do previsto pela alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, quem vir os respectivos processos de aposentação enviados à recorrente até à entrada em vigor da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro verá aplicada à sua situação o regime instituído pelo Decreto-Lei 116/85, o n.º 6 do artigo 1.º daquela lei determina que todos os factos necessários à produção dos efeitos jurídicos devem ocorrer antes da entrada em vigor da norma. Ora, conforme provado nos autos recorridos, as condições atributivas da aplicação excepcional do regime de aposentação anterior já estavam preenchidas em 14 de Janeiro de 2004, ou seja, um dia antes da publicação da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004.

Ao determinar a sua entrada em vigor em 01 de Janeiro de 2004, e apesar de só ter sido publicada em 15 de Janeiro de 2004, o artigo 2.º da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004 acarreta consigo o efeito perverso de permitir a aplicação do novo regime a factos ocorridos anteriormente à sua publicação.

Como tal, quando o associado da recorrida, em 11 de Novembro de 2003, requereu ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz que enviasse o seu pedido de aposentação à ora recorrente, ou seja, antes de o decreto que viria a dar lugar à 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004 ter sequer sido discutido e votado na generalidade em Assembleia da República, não seria exigível que aquele contasse - de modo seguro - que o seu pedido de aposentação não poderia beneficiar do regime até então instituído pelo Decreto-Lei 116/85.

10 - Por último, e apesar de a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a propósito da sucessão de regimes de aposentação, ter vindo a afirmar reiteradamente a liberdade conformativa do legislador para alterar os quadros normativos vigentes em determinados períodos, concluindo pela ausência de qualquer violação do princípio da igualdade (ver, por exemplo, o Acórdão 580/99, de 20/10/99), o caso dos presentes autos apresenta particularidades que conduzem a uma diferente ponderação.

Como já se viu, não está aqui em causa a liberdade conformadora do legislador, mas antes o resultado a que conduz o critério por ele eleito para tutelar, através de uma norma de direito transitório, a situação daqueles subscritores que reuniam os pressupostos de aposentação e tinham pedidos de aposentação formulados ao abrigo do regime especial agora revogado. Recapitulando, ao adoptar, como factor determinante do regime aplicável aos processos pendentes, a data do envio do processo à Caixa Geral de Aposentações pelos respectivos serviços ou entidades, o legislador socorreu-se de um elemento sem relação com os pressupostos materiais da situação e que, pelo seu carácter aleatório, está inteiramente dependente da actuação administrativa, não apresentando nenhuma ligação com nenhum momento procedimental constitutivo, introduzindo deste modo um critério arbitrário e gerador de desigualdades entre requerentes da aposentação ao abrigo do Decreto-Lei 116/85 em idêntica situação.

Nos presentes autos não se cura, portanto, da constitucionalidade de uma norma que imponha um tratamento desigual entre indivíduos sujeitos a um novo regime de aposentação e aqueles que ainda beneficiaram de um regime anterior mais favorável. A questão relevante repousa na determinação da admissibilidade constitucional de uma norma que trata de modo diferente membros da categoria dos indivíduos que, potencialmente, poderão ver-lhes aplicável o antigo regime especial de aposentação.

Tal decorre da circunstância de o legislador ter determinado que o novo regime "não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações cujos processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços ou entidades, até à data da entrada em vigor deste diploma" (com sublinhado nosso). Significa isto que um mesmo grupo de sujeitos jurídicos - os funcionários e agentes da Administração Pública que reunissem as condições previstas no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei 116/85 até à data em vigor do novo regime de aposentação - veriam ser-lhes aplicado um regime jurídico distinto, em exclusiva função da celeridade (ou da demora) de cada um dos serviços que integram a administração central, regional e local, institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos e organismos de coordenação económica.

Daqui resulta que a norma constante do n.º 6 do artigo 1.º da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, ao fazer depender a aplicação de um regime jurídico do envio por parte dos serviços dos quais dependem os candidatos a aposentados, trata de modo arbitrário e casuístico os destinatários daquela norma, sem que haja fundamento constitucional para tal desigualdade de tratamento. A circunstância de dois indivíduos colocados na mesma situação de preenchimento das condições exigidas para a aposentação, ao abrigo do Decreto-Lei 116/85, poderem ver aplicados regimes jurídicos distintos, em exclusiva função da celeridade ou da demora com que os respectivos serviços enviam os processos de aposentação à recorrente, atenta - de modo manifesto - contra o princípio da proibição de tratamento desigual injustificado, consagrado pelo artigo 13.º da lei Fundamental.

Aliás, quanto ao caso em apreço nos autos, deu-se como provado que o associado do recorrido entregou o competente pedido de aposentação, em 11 de Novembro de 2003, e que o Município da Figueira da Foz, do qual aquele dependia, apenas o remeteu à Caixa Geral de Aposentação, em 12 de Janeiro de 2004, apesar de o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei 116/85, impor aos serviços competentes um "prazo de 30 dias a contar da data da entrada". Como tal, torna-se evidente que o associado do recorrido nem tão pouco pode ser alvo de um juízo de censurabilidade por não ter contribuído para que o processo de aposentação fosse efectivamente enviado à Caixa Geral de Aposentações. Impõe-se mesmo frisar que, caso a Câmara Municipal da Figueira da Foz tivesse enviado o referido processo de aposentação no prazo legal fixado, aquele teria sido enviado à recorrente, pelo menos, em 11 de Dezembro de 2003, ou seja, em momento anterior a 01 de Janeiro de 2004.

Em conclusão, consideram-se inconstitucionais o n.º 6 do artigo 1.º e do artigo 2.º da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, quando interpretados no sentido de que o regime de aposentação fixado pelo Decreto-Lei 116/85 não é aplicável aos contribuintes que hajam reunido os pressupostos para a sua aplicação antes de 31 de Dezembro de 2003, ainda que os respectivos pedidos tenham sido enviados à Caixa Geral de Aposentações até à data de publicação da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, ou seja, até 15 de Janeiro de 2004, dado que depende da álea administrativa que é o grau de celeridade com que os serviços de que dependem os subscritores enviem o processo de aposentação à Caixa Geral de Aposentações, por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da CRP) e da igualdade (artigo 13.º da CRP).

III - Decisão. - Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no artigo 79.º-B da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir o recurso interposto, confirmando-se o juízo de inconstitucionalidade da decisão recorrida.

Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC's, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 07 de Outubro.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2007. - Ana Maria Guerra Martins - Vítor Gomes - Maria Lúcia Amaral (com declaração de voto) - Carlos Fernandes Cadilha (acompanhando no essencial a declaração de voto da conselheira Maria Lúcia Amaral) - Gil Galvão.

Declaração de voto

Embora tenha acordado quanto ao juízo de inconstitucionalidade, filo por fundamentos diversos daqueles que sustentaram maioritariamente a presente decisão. Entendo que, no caso, o princípio constitucional que foi lesado não foi o contido no artigo 13.º da Constituição mas, tão-somente, o princípio da protecção da confiança: o regime transitório formal que as normas sob juízo consagram - ao eleger, como critério de aplicação da lei nova, um facto totalmente alheio à manifestação de vontade dos particulares (ao tempo e ao modo dessa mesma manifestação) - lesou de forma excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária, as expectativas legítimas que os particulares depositavam na continuidade da Ordem Jurídica e na previsibilidade do seu devir.

Dizer isto é coisa diversa do sustentar se que ocorreu, no caso, violação do princípio da igualdade (e restará saber de qual "dimensão" da igualdade: se a decorrente do n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, se a decorrente do seu n.º 2).

É que, embora exista alguma contiguidade entre os conteúdos do princípio de protecção da confiança e do princípio da igualdade (pelo menos, e quanto a este último, na dimensão mínima que decorre do n.º 1 do artigo 13.º), nada se ganha, creio, com a diluição das fronteiras nítidas que os devem separar - diluição essa feita a pretexto de uma vaga referência comum à "proibição do arbítrio". Sendo diversos os fundamentos axiológicos que justificam a tutela constitucional da igualdade, por um lado, e a tutela da confiança, por outro, diversos também têm que ser os métodos que o juízo de constitucionalidade deve seguir, consoante o "arbítrio" do legislador se verifique (ou não) no âmbito da lesão do valor de igualdade ou no âmbito da lesão da tutela da confiança.

Como, no caso, o que estava em causa era justamente esta última - ou seja, a ofensa do "direito" a poder saber se com o que se conta - o teste relativo à "arbitrariedade" do legislador deveria ter sido feito, a meu ver, no contexto estrito da tutela da confiança e da sua razão de ser. - Maria Lúcia Amaral.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1644949.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-04-19 - Decreto-Lei 116/85 - Presidência do Conselho de Ministros

    Permite a aposentação voluntária dos funcionárias e agentes que possuam 36 anos de serviço, independentemente da respectiva idade e de submissão a junta médica

  • Tem documento Em vigor 1985-08-08 - Decreto-Lei 327/85 - Ministério das Finanças e do Plano

    Permite a inscrição do pessoal docente dos estabelecimentos de ensino superior, privado ou cooperativo, na Caixa Geral de Aposentações e no Montepio dos Servidores do Estado.

  • Tem documento Em vigor 1989-08-03 - Decreto-Lei 241/89 - Ministério da Administração Interna

    Regulamenta o Estatuto Social do Bombeiro, aprovado pela Lei n.º 21/87, de 20 de Junho.

  • Tem documento Em vigor 1990-04-17 - Decreto-Lei 128/90 - Ministério da Educação

    Estabelece o enquadramento da Universidade Católica Portuguesa no sistema de ensino superior português.

  • Tem documento Em vigor 1992-08-17 - Acórdão 285/92 - Tribunal Constitucional

    PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA QUE SE EXTRAI DA CONJUGACAO DO ARTIGO 3, NUMERO 1, PARTE FINAL, COM O NUMERO 2 DO MESMO ARTIGO E O NUMERO 6 DO ARTIGO 2 DO DECRETO REGISTADO NA PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS SOB O NUMERO 171/92 (QUE DEU ORIGEM AO DECRETO LEI 247/92, DE 7 DE NOVEMBRO), POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DE DETERMINABILIDADE DA LEI E DA RESERVA DE LEI, DECORRENTES DAS DISPOSIÇÕES CONJUGADAS DOS ARTIGOS 2 E 18, NUMERO 3, POR REFERÊNCIA AO ARTIGO 53, TODOS DA CONSTITUICAO. PRONUN (...)

  • Tem documento Em vigor 1993-12-20 - Lei 75/93 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 1994.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2002-12-30 - Lei 32-B/2002 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2003.

  • Tem documento Em vigor 2004-01-15 - Lei 1/2004 - Assembleia da República

    Altera (décima sétima alteração) o Estatuto da Aposentação, revoga o Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, e primeira alteração aos Decretos-Leis n.os 128/90, de 17 de Abril, e 327/85, de 8 de Agosto.

  • Tem documento Em vigor 2004-01-15 - Lei 2/2004 - Assembleia da República

    Aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2019-04-03 - Acórdão do Tribunal Constitucional 134/2019 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do segmento do artigo 43.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação

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