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Acórdão 403/2007, de 8 de Novembro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma constante dos artigos 113.º, n.º 6, e 178.º, n.º 4, do Código Penal, interpretados no sentido de que, iniciado o procedimento criminal pelo Ministério Público por crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes, independentemente de queixa das ofendidas ou seus representantes legais, por ter entendido, em despacho fundamentado, que tal era imposto pelo interesse das vítimas, a posterior oposição destas ou dos seus representantes legais não é suficiente, por si só, para determinar a cessação do procedimento

Texto do documento

Acórdão 403/2007

Processo 535/04

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório. Em 10 de Outubro de 2002, foi comunicada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Oliveira de Azeméis ao representante do Ministério Público no tribunal da mesma comarca a situação de duas menores, A. e B., de 14 e 15 anos de idade, respectivamente, cada uma já mãe de um filho, sendo pai de ambos C., que, segundo suspeitas, poderia andar a aliciar outras menores para a prática de relações sexuais.

Em 14 de Outubro de 2002, o representante do Ministério Público no Tribunal da Comarca de Oliveira de Azeméis, considerando a situação descrita susceptível de integrar a prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 172.º, n.º 2, do Código Penal, em relação à menor A., e de um crime de actos sexuais com adolescentes, previsto e punido pelo artigo 174.º do mesmo Código, em relação à menor B., ilícitos que possuem natureza semipública, entendeu, porém, que, no caso, apesar de não ter sido apresentada queixa, o interesse das vítimas, ambas menores de 16 anos, justificava a instauração de procedimento criminal contra o denunciado, nos termos do artigo 178.º, n.º 4, do Código Penal, até porquanto da prática dos factos participados resultou a gravidez das menores.

Determinada, assim, a instauração de inquérito, foi o mesmo, em 3 de Dezembro de 2002, remetido ao Ministério Público da comarca de Albergaria-a-Velha, por ser a territorialmente competente, tendo o respectivo magistrado, por despacho de 17 do mesmo mês, através de despacho fundamentado, reiterado a intervenção oficiosa inicial do Ministério Público, nos termos do artigo 178.º, n.º 4, do Código Penal. Esse despacho é do seguinte teor:

"I - Aqui se deixa consignado, aliás na esteira do decidido no 1.º despacho do Ministério Público elaborado neste inquérito, ainda nos serviços do Ministério Público em Oliveira de Azeméis, que se iniciou o procedimento criminal contra o arguido no estrito cumprimento da norma do artigo 178.º, n.º 4, do Código Penal (que reproduz a do artigo 113.º, n.º 6, do mesmo diploma), ou seja, entendendo que o 'interesse das vítimas' - ambas com menos de 16 anos à data dos eventos - vem a impor que se inicie o inquérito contra o arguido, independentemente da queixa apresentada por quem de direito (seus pais e representantes legais).

Aqui, o interesse da vítima é o da garantia das melhores condições para o seu desenvolvimento integral, que é uma obrigação constitucional da sociedade e do Estado (artigo 69.º da CRP), sendo a sua defesa colocada nas mãos do Ministério Público, magistratura que, de resto, tem por função estatutária - artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público - representar os interesses dos menores, mesmo quando não coincidentes com os dos seus representantes legais.

Aos magistrados do Ministério Público cabe a responsabilidade de, mesmo se o procedimento criminal depender de queixa, na sua inexistência, garantir que o sistema funcione no sentido de a justiça penal ter intervenção quando, atendendo aos interesses do menor com menos de 16 anos, a deva ter.

Este preceito - artigo 178.º, n.º 4 - é de grande importância em casos como o presente, em que o pretenso "abuso sexual de menores" terá ocorrido em contextos intrafamiliares, atentos os constrangimentos familiares, económicos e culturais que sempre derivam do facto de estarmos a falar de situações encobertadas pelo próprio universo familiar mais próximo das vítimas.

Assim sendo, o processo iniciou-se validamente, num caso em que está em causa a prática de crime contra a autodeterminação sexual, que deixou de ser, após a revisão de 1995 do Código Penal, um crime contra os valores e interesses da vida em sociedade para se transformar, e muito bem, num crime contra as pessoas - aqui, protege-se a autodeterminação sexual, não face a condutas que representem a extorsão de contactos sexuais por forma coactiva ou análoga, mas face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade.

A lei acaba por presumir iuris et de iure que a prática de actos sexuais com menor, em menor ou por menor de certa idade prejudica o desenvolvimento global (e o menor é um sistema) do próprio menor.

Fica, desta forma, devidamente fundamentada, na sequência do 1.º despacho proferido nos autos, a legitimidade do Ministério Público para iniciar o procedimento criminal in casu."

Terminado o inquérito, foi, em 7 de Maio de 2003, deduzida acusação pelo Ministério Público contra C. e D., imputando ao primeiro a autoria material, em concurso real, de forma consumada e continuada, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2, 172.º, n.º 2, e 177.º, n.º 3, e de um crime de actos sexuais com adolescentes, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2, 174.º e 177.º, n.º 3, e à segunda a autoria material, de forma consumada e continuada, de um crime de lenocínio de menores, previsto e punido pelos artigos 176.º, n.º 3, e 177.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, por os autos indiciarem suficientemente que:

"O arguido conheceu a menor A., nascida no dia 15 de Janeiro de 1988, em Maio de 2000, num bar em Pinheiro de Bemposta, onde esta foi acompanhada de sua irmã E.

Continuou a encontrar a menor, então com 12 anos de idade, nas noites de sábado para domingo nesse mesmo bar e na discoteca adjacente [...], com ela conversando.

Em Junho de 2000, a menor passou a ir fazer limpezas a casa do arguido, sita em Albergaria-a-Velha (T0 no edifício [...]), aos sábados, aí indo também lavar roupa e passar a ferro.

Em Agosto de 2000, a menor foi viver para uma outra casa do arguido, também em Albergaria-a-Velha (Rua [...]), com o consentimento da sua mãe, a arguida D., passando a aí pernoitar.

Nesse apartamento, o arguido teve a primeira relação sexual de cópula completa com a menor, tendo, antes disso, um relacionamento que se caracterizava por carícias e beijos mútuos próprios de um trato amoroso.

Passou então o arguido a ter relações de cópula completa com a menor, levando e trazendo-a da escola, deixando-a ficar em casa da mãe quando ia para Lisboa em trabalho, contando como contava com o consentimento da mãe da menor.

Viveu o arguido com a A. até Janeiro de 2002, altura em que o seu relacionamento cessou, tendo ainda vivido juntos na actual residência do arguido ([...], em Albergaria-a-Velha).

A A. veio a engravidar na sequência do relacionamento sexual que encetou com o arguido, tendo desta relação nascido, em 8 de Setembro de 2002, uma criança do sexo feminino de nome F., registada como filha da menor A. e do arguido.

Entretanto, o arguido havia conhecido a menor B., nascida em 26 de Novembro de 1986, como amiga da A., em princípios do ano de 2001.

A menor era recebida assiduamente em casa do arguido, que com ela privava de forma cativante.

O relacionamento prosseguiu de tal forma que, em Janeiro de 2002, o arguido convidou a menor B. para ir viver com ele, tendo começado a relacionar-se sexualmente com a dita menor, então com 15 anos de idade, passando, a partir dessa altura, a viver com ela, mantendo relações de cópula completa com a menor, que apenas cessaram quando souberam que a B. estava grávida.

Deste relacionamento veio a nascer, em 23 de Setembro de 2002, uma criança do sexo feminino de nome G., registada como filha da menor B. e do arguido.

O arguido não ignorava as idades das duas menores quando começou a relacionar-se sexualmente com elas.

O arguido bem sabia, por isso, que as menores não tinham capacidade para avaliar e valorar os actos sexuais que praticavam, sabendo que elas não se determinavam livremente em termos sexuais, inexperientes que eram nessa matéria de índole sexual.

Nomeadamente, a menor B. era desconhecedora, por força da sua idade e natural imaturidade a ela inerente, do que significava, realmente, uma vivência a dois, debaixo do mesmo tecto, como se de um casal se tratasse.

A B. usufruía de uma vivência sem futuro e ilusória e de facilidades de índole económica que lhe foram proporcionadas pelo arguido por forma que a mesma, prematuramente, tenha optado por deixar de estudar e de investir na sua formação como pessoa autónoma e em fase de crescimento.

A mãe da menor A., a arguida D., soube do relacionamento sexual existente entre a filha e o arguido, pelo menos desde o Natal de 2000.

Nessa altura, a arguida passou a fazer a limpeza da casa do arguido, onde vivia ao mesmo tempo a sua filha.

A arguida recebia dinheiro do arguido para fazer face às suas despesas.

A arguida nada fez para impedir o relacionamento entre a filha e o arguido, tendo antes facilitado, como pessoa que, sendo titular do poder paternal e que, efectivamente, o exercia relativamente à sua filha, a continuação dessa vivência tão precoce para uma criança, durante o tempo em que esta tinha 12 e 13 anos de idade.

Agiram os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que praticavam actos punidos e proibidos por lei."

Não tendo sido requerida instrução, o processo seguiu para julgamento.

Antes do início da audiência, os pais da ofendida B. apresentaram o requerimento de fls. 288 a 290, no qual declaravam desistir da queixa contra o arguido, e este apresentou a contestação de fls. 306 a 213, na qual, como "questão prévia", suscitou a questão da ilegitimidade do Ministério Público por, tratando-se de crimes semipúblicos, os representantes legais das menores não terem apresentado queixa e já ter expirado o prazo de seis meses a contar da data em que tiveram conhecimento dos factos e do seu autor, de que dispunham para o efeito (artigos 113.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal e 49.º, n.º 1, do CPP) e por não constar dos autos qualquer despacho dos representantes do Ministério Público com a legalmente exigível fundamentação expressa das razões por que entendiam que, no caso, o interesse das vítimas impunha o exercício da acção penal, ao abrigo do disposto no artigo 178.º, n.º 4, do Código Penal.

No início da audiência de julgamento, em 24 de Setembro de 2003, o juiz presidente do tribunal colectivo ditou para a acta despacho a indeferir aquela desistência de queixa, por tal direito assistir à própria vítima, que já perfizera os 16 anos de idade (artigo 113.º, n.os 1, 3 e 5, do Código Penal), e não aos seus pais, e a desatender a questão prévia da ilegitimidade do Ministério Público suscitada na contestação do arguido, por resultar do artigo 178.º, n.º 4, do Código Penal que o Ministério Público, nos casos excepcionais aí previstos, tem a faculdade de dar início ao procedimento criminal independentemente de queixa.

No decurso da audição da arguida D., esta declarou pretender desistir do procedimento criminal contra o arguido C. quanto ao crime em que é ofendida a sua filha A., relativamente à qual exercia em exclusivo o poder paternal, de acordo com decisão proferida pelo Tribunal da Comarca de Oliveira de Azeméis. E, de seguida, a ofendida B. e os seus pais declararam desistir do procedimento criminal contra o arguido. Face à não oposição do arguido e do representante do Ministério Público, o juiz presidente do tribunal colectivo ditou para a acta despacho a considerar válidas as desistências e a declarar extinto o procedimento criminal contra o dito arguido. Prosseguindo o julgamento apenas contra a arguida, veio esta a ser absolvida, por acórdão do tribunal colectivo da comarca de Albergaria-a-Velha de 29 de Setembro de 2003, por se ter considerado que não haviam sido provados os factos integradores do crime de lenocínio por que vinha acusada.

Entretanto, o magistrado do Ministério Público que, por despacho do vice-procurador-geral da República de 6 de Outubro de 2003, fora designado para passar a intervir no processo interpôs recurso, para o Tribunal da Relação de Coimbra, do despacho que julgara válidas as desistências de queixa e extinto o procedimento criminal contra o arguido, terminando a respectiva motivação com a formulação das seguintes conclusões:

"1.ª Presentemente, os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual previstos no Código Penal têm, em regra, natureza semipública, uma vez que o procedimento criminal depende de queixa do ofendido ou de outras pessoas.

2.ª É o caso dos crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes, previstos e punidos, respectivamente, pelos artigos 172.º, n.º 2, e 177.º, n.º 3, do Código Penal e 174.º e 177.º, n.º 3, do mesmo diploma, de que se achava acusado o arguido C.

3.ª A ideia subjacente, que foi particularmente cara, nomeadamente à reforma de 1995, traduz-se no facto de se considerar que a intervenção do direito penal, neste domínio, pode ser mais prejudicial que benéfica, na perspectiva da vítima, sendo, por vezes, preferível o esquecimento do que a publicidade e, mesmo, o escândalo.

4.ª Excepciona-se, porém, nos termos do artigo 178.º, n.º 1, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 99/2001, de 25 de Agosto, quando de qualquer desses crimes resultar suicídio ou morte da vítima e quando o crime for praticado contra menor de 14 anos e o agente tenha legitimidade para requerer procedimento criminal, por exercer sobre a vítima poder paternal, tutela ou curatela ou a tiver a seu cargo. Neste último caso, existe a possibilidade de o Ministério Público suspender provisoriamente o processo, tendo em conta o interesse da vítima, ponderado com auxílio de um relatório social (n.os 2 e 3).

5.ª Sem prejuízo desta possibilidade, e quando os crimes forem praticados contra menor de 16 anos de idade, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser (n.º 4, também do artigo 178.º).

6.ª Na sequência, aliás, do consagrado na disposição geral do artigo 113.º, n.º 6.

7.ª Ora, no caso sub judice, foi o Ministério Público que, depois de ter tido conhecimento dos factos em causa, através de uma participação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Oliveira de Azeméis, deu início ao procedimento criminal contra o arguido C., ao abrigo da norma do artigo 178.º, n.º 4, do Código Penal, invocando o interesse das vítimas, menores de 16 anos, que ficaram ambas grávidas do arguido, e fundamentando a sua posição (cf. a fl. 6 e também a fl. 125).

8.ª Em momento algum do processo os representantes legais das menores ofendidas apresentaram queixa contra o arguido ou manifestaram vontade em fazê-lo.

9.ª Pelo que não tinham legitimidade para, no início da audiência do julgamento, desistirem da queixa contra o arguido.

10.ª O mesmo se verifica em relação à menor B., que tem agora já 16 anos de idade.

11.ª É que, nos termos do artigo 116.º, n.º 2, do Código Penal, só o queixoso, isto é, quem tenha legitimamente exercido o direito de queixa, pode desistir da queixa.

12.ª Ora, tendo o presente processo sido iniciado, oficiosamente, pelo Ministério Público, no interesse das vítimas, o respectivo procedimento criminal deixou de estar na disponibilidade das ofendidas ou dos seus representantes legais (cf., nesse sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 31 de Janeiro de 2001, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI, tomo 1, p. 232).

13.ª Nesta conformidade, as desistências de queixa apresentadas teriam de ser consideradas irrelevantes.

14.ª Mal andou, por conseguinte, o tribunal colectivo, ao considerá-las válidas e relevantes, declarando, em consequência, e sem mais, extinto o procedimento criminal contra o referido arguido, sem ter em atenção a forma como se tinha iniciado o processo e sem cuidar se tais desistências iam ao encontro dos interesses das menores ou se, pelo contrário, visavam outro tipo de interesses.

15.ª Do mesmo modo, discordamos completamente da posição assumida pelo Ministério Público, em sede de julgamento, ao ter promovido que se declarassem válidas as referidas desistências de queixa.

16.ª Para além do mais, não se vê que o interesse das menores justificasse o passar uma esponja sobre o sucedido, uma vez que estamos perante uma situação clara de predominância do interesse do procedimento criminal sobre o do segredo, dado que a divulgação dos factos foi tão extensa, nomeadamente na comunicação social, que já não há, neste momento, intimidade alguma a preservar ou danos acrescidos a evitar (numa situação algo idêntica, v. o Acórdão da Relação de Coimbra de 26 de Fevereiro de 2003, no processo 3910/02, da 2.ª Secção, sendo relator o desembargador Barreto do Carmo).

17.ª Por outro lado, não deixa de ser chocante que o arguido, homem maduro, com 62 anos, pai de filhos, que exibia poder económico, não tenha sido submetido a julgamento pelos factos gravíssimos pelos quais se encontrava suficientemente indiciado, apenas devido às desistências de queixa que, ilegitimamente, os representantes legais das menores apresentaram, sendo certo que, no caso da menor A., a sua representante legal foi a sua mãe, D., co-arguida neste mesmo processo, acusada de um crime de lenocínio de menores, previsto e punido pelos artigos 176.º, n.º 3, e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

18.ª O tribunal colectivo interpretou, assim, em nosso entender, erroneamente a lei e, devido a essa deficiente interpretação, violou, entre outros, os artigos 178.º, n.os 1 e 4, 116.º, n.º 2, e 113.º, n.º 6, todos do Código Penal."

O arguido, na sua resposta perante o Tribunal da Relação de Coimbra, formulou as seguintes conclusões:

"A) Nunca o princípio da subordinação hierárquica poderá ser entendido no sentido de o Ministério Público poder, através do magistrado titular do processo, declarar, expressa e ponderadamente, em audiência de julgamento, que não se opõe à desistência de queixa e, volvidos alguns dias, vir esse mesmo corpo de magistratura, pela mão de um procurador substituto, declarar que não se conforma com a decisão do colectivo que acolheu a sua própria promoção, num autêntico venire contra factum proprium, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável, a configurar abuso de direito e litigância de má fé.

B) Com uma tal interpretação, as normas dos artigos 2.º, n.º 2, 68.º, n.º 1, e 76.º, n.os 1 e 3, do Estatuto do Ministério Público e do artigo 401.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal seriam materialmente inconstitucionais, por violação do artigo 219.º da CRP.

C) Os crimes previstos nos artigos 172.º e 174.º do Código Penal têm natureza semipública, dado que o procedimento criminal depende de queixa do ofendido ou dos demais titulares desse direito estabelecidos no artigo 113.º do mesmo diploma.

D) Isso radica no facto de estes crimes terem a ver muito particularmente com a esfera de intimidade da vítima e se privilegiar o interesse desta, a ela cabendo decidir se ao mal do crime lhe convém juntar o que pode ser o mal do desvelamento da sua intimidade e da consequente estigmatização processual.

E) O elemento lógico-sistemático de interpretação conduz à conclusão de que se o legislador pretendesse conferir natureza pública àqueles crimes na hipótese prevista no n.º 4 do artigo 178.º do Código de Processo Penal, tê-la-ia colocado como terceira alínea do n.º 1 da mesma norma, juntamente com as duas situações em que tais ilícitos assumem, sem quaisquer dúvidas, tal natureza.

F) Tendo em conta a imprescindível conjugação com o n.º 1, a redacção do n.º 4 do citado artigo 178.º significa que, tratando-se de menor de 16 anos e o interesse da vítima o impuser, o Ministério Público não tem de esperar que quem de direito apresente queixa para dar início ao procedimento.

G) Aquela previsão legal foi estabelecida para os casos em que o Ministério Público, tendo conhecimento da prática do ilícito sobre menor de 16 anos, porventura antes mesmo dos progenitores, e perante a gravidade da situação, dá início ao procedimento por forma a, em tempo útil, fazer a recolha de provas ou indícios que, com o decorrer do tempo ou a acção humana, corriam o risco de se perder, por entender que o interesse da vítima o impõe.

H) Mas isso não significa que se tenha afastado a possibilidade de a vítima ou os seus legais representantes decidirem o que é mais relevante para o interesse daquela: se o prosseguimento da acção penal, se o recato e esquecimento que melhor se atingem sem ela.

I) Neste caso, o impulso processual do Ministério Público determinado nos termos do disposto no citado artigo 178.º, n.º 4, tem natureza subsidiária, ficando, por isso, sujeito aos interesses do menor ofendido.

J) Assim entendido, o disposto no n.º 4 do artigo 178.º permite que o Ministério Público dê início ao processo e o faça prosseguir quando os titulares do poder paternal não exercerem o direito de queixa por razões censuráveis, na medida em que, neste caso, terá sempre a possibilidade, quando não mesmo o dever, de inibir, limitar ou suspender o exercício do poder paternal nos termos do disposto nos artigos 194.º e 199.º da OTM.

L) Não é inaceitável que os progenitores, titulares e em pleno exercício do direito de queixa, venham pôr termo ao procedimento criminal por entenderem que essa é a atitude que melhor defende os interesses do menor, que justificaram a natureza semipública deste tipo de crimes, e o Ministério Público, teimosamente, os procure contrariar, insistindo no seu prosseguimento movido por razões ou interesses que podem não coincidir com o das vítimas.

M) Tanto mais quanto é certo que o Ministério Público nunca terá a mesma capacidade dos progenitores para fazer uma adequada avaliação da concreta solução que os interesses do menor justificam, sendo certo ainda que, embora esgrimindo com o interesse da vítima, o Ministério Público pode ser tentado, como no caso dos autos, a agir em defesa de um qualquer interesse público ou de determinada política criminal que ultrapassem o âmbito do caso concreto e secundarizem os interesses que a lei, em primeira linha, visou proteger.

N) Os artigos 113.º, n.º 6, e 178.º, n.º 4, interpretados no sentido de que os crimes assumem natureza pública, estão feridos de inconstitucionalidade na medida em que destarte se veria um pressuposto da perseguição penal fixado por critérios de mera oportunidade do Ministério Público, não estabelecidos na lei e judicialmente incontroláveis, o que viola o artigo 29.º da lei fundamental, por traduzir um desvio do princípio da legalidade na aplicação de reacções criminais.

O) Por outro lado, o entendimento de que, nas situações previstas no artigo 178.º, n.º 4, do Código Penal, os crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes mantêm a natureza semipública, mas que o procedimento criminal deixa de estar na disponibilidade das ofendidas ou dos seus representantes legais, ainda que estes não estejam judicialmente inibidos do exercício do poder paternal, viola os direitos fundamentais do titular dos interesses que o legislador pretendeu proteger com aqueles tipos legais de crime, quais sejam os direitos à integridade pessoal e à reserva da intimidade da vida privada.

P) Um tal entendimento redundaria na inconstitucionalidade material dos artigos 113.º, n.º 6, e 178.º, n.º 4, do Código Penal, por violação do disposto nos artigos 25.º, n.º 1, e 26.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa."

Por Acórdão de 10 de Março de 2004, o Tribunal da Relação de Coimbra concedeu provimento ao recurso do Ministério Público, revogando em consequência o despacho recorrido, por não ser admissível a desistência de queixa, devendo o julgamento prosseguir para a apreciação dos factos imputados ao arguido. Essa decisão baseou-se na seguinte fundamentação:

"Já no recurso n.º 1035/98, de 3 de Fevereiro de 1999, desta Relação, em que fomos relator, se decidiu:

"A questão está, assim, em saber se, face ao artigo 178.º, n.º 2, do Código Penal, como se entendeu no despacho recorrido, o Ministério Público carece de legitimidade para acusar por os pais da [...] (artigo 113.º do Código Penal) não terem exercido o direito de queixa, ou se, como entende o Ministério Público, o poder de iniciar o inquérito engloba o direito de acusar.

Foi imputado ao arguido a prática do crime do artigo 172.º, n.º 1, do Código Penal. Esta norma prevê: quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

É esta a redacção actual da mesma norma, já que a alteração introduzida pela Lei 65/98, de 2 de Setembro, a manteve, alterando apenas os n.os 2 e 3 do mesmo artigo.

Por sua vez, o artigo 178.º, n.º 1, quer na actual redacção quer na anterior (dado não ter sido alterado pela referida lei), estatui que: o procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163.º a 165.º, 168.º e 171.º a 175.º depende de queixa, salvo quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima.

E o n.º 2 do mesmo artigo referia, antes daquela alteração:

'Nos casos previstos no número anterior, quando a vítima for menor de 12 anos, pode o Ministério Público dar início ao processo se especiais razões de interesse público o impuserem.'

Com a Lei 65/98 passou este n.º 2 a ter a seguinte redacção:

'Nos casos previstos no número anterior, quando o crime for praticado contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser.'

Há que aplicar ao caso a redacção anterior à Lei 65/98, já que os factos terão sido praticados em 20 de Fevereiro de 1998, data em que a vítima ainda não tinha 12 anos.

Ninguém põe em causa que o interesse público impunha que o Ministério Público desse início ao processo. Não é essa, pois, a questão suscitada.

Quanto à questão objecto do recurso:

A favor da tese defendida no despacho recorrido poderíamos fazer uma observação: conhecendo o legislador, como não podia deixar de conhecer, a tradicional distinção entre crimes particulares, semipúblicos e públicos e que a queixa é uma condição objectiva de procedibilidade, porque introduziu, pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, a redacção referida no n.º 2 do artigo 178.º, em que reduziu a necessidade de queixa apenas ao início do processo?

Mas pelo mesmo decreto-lei introduziu também o n.º 5 do artigo 113.º, em que usa semelhante fórmula, e, pela Lei 65/98, introduziu o seu n.º 6, em que refere: quando o procedimento criminal depender de queixa, o Ministério Público pode, nos casos previstos na lei, dar início ao procedimento quando o interesse da vítima o impuser.

Se atendermos às razões do referido artigo 113.º, n.º 5 (quando o direito de queixa não puder ser exercido porque a sua titularidade caberia apenas, no caso, ao agente do crime [...]) somos levados a concluir que foi intenção do legislador caracterizar de público tal crime, já que, nesse caso, nunca poderia haver o exercício do direito de queixa e então o início do procedimento seria um acto inútil se tal procedimento não pudesse conduzir à acusação.

Essa intenção resulta também explicitamente da exposição de motivos da proposta de lei 92/VI (Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, de 24 de Fevereiro de 1994), em que se diz: uma outra nota que acentua a protecção do menor é a possibilidade de o Ministério Público, sempre que especiais razões de interesse público o justifiquem, poder desencadear a acção penal quando a vítima for menor de 12 anos. O itálico é nosso. Não se fala apenas em dar início ao processo mas sim em desencadear a acção penal.

Trata-se de um reforço da protecção do menor, atenta a sua especial vulnerabilidade e a falta de protecção familiar, de que pode estar carecido, como refere Maia Gonçalves. Se a finalidade de tal norma é proteger o menor da carência de protecção familiar, isto é, de quem teria o direito de queixa, não se compreenderá que se deixe ficar a acção penal dependente dessa queixa que se quis suprir.

E aquando da discussão na Assembleia da República da proposta que veio a dar lugar à Lei 65/98, pela voz autorizada do Ministro da Justiça: sendo, em regra, semipúblicos, os crimes sexuais podem actualmente ser perseguidos, independentemente de queixa, por iniciativa do Ministério Público, quando especiais razões de interesse público o impuserem e a vítima for menor de 12 anos.

Parece-nos, assim, que outro entendimento não teve o legislador.

Mas há outros argumentos.

Desde logo, a Constituição atribui ao Ministério Público a função de exercer a acção penal.

Mas que significa tal função? A lei não o define.

Diz Germano M. da Silva (Curso de Processo Penal, vol. I, pp. 228 e seguintes): o Decreto-Lei 35 007 parecia dar à acção penal o sentido de promoção do processo penal em sentido estrito, isto é, da fase judicial do processo e traduzir-se na actuação do Ministério Público em juízo, que se iniciaria com a acusação. O Decreto-Lei 605/75 não utilizava a expressão acção penal e antes promoção do processo penal e assim sucede também com o CPP/87 - Segundo o artigo 1.º do CPP/29 'a todo o crime (ou contravenção) corresponde uma acção penal, que será exercida nos termos deste Código'. Compreende no conceito toda a actividade dirigida a obter a punição do réu; compreendendo nessa actividade a de todas as pessoas que, cada uma na sua esfera de acção, cooperam para se obter aquele fim.

Não é unívoco o conceito de acção penal. Umas vezes equivale a processo - e será o seu sentido mais amplo -, outras vezes a promoção da actividade judicial no processo - e será o seu sentido mais restrito - , e outras ainda corresponderá à mera prossecução da actividade processual.

Sendo assim, a fórmula usada pelo legislador no Decreto-Lei 48/95 nem é, afinal, nada de extraordinário por corresponder à nossa tradição legislativa.

Por outro lado, e isso parece-nos decisivo, se é certo que o critério para a distinção entre crimes públicos, semipúblicos e particulares é essencialmente pragmático (são públicos aqueles em que a lei não exige queixa, semipúblicos aqueles em que exige queixa e particulares os que exigem queixa e acusação), certo é que é a natureza dos interesses que está subjacente àquela distinção. Ora, se é a lei que expressamente faz depender do interesse público que o Ministério Público possa iniciar o processo, mais não está do que a definir como público ou semipúblico tal crime.

Aliás, outro raciocínio se poderá fazer:

Se os crimes sexuais, como resulta do artigo 178.º, n.º 1, são, em princípio, semipúblicos (dependem de queixa e já não de acusação particular), o que o n.º 2 faz é deixar de exigir a queixa, e como semipúblico, em que a queixa foi suprida, já o Ministério Público sempre terá legitimidade para acusar. Ou seja, o raciocínio do despacho recorrido só teria verdadeiramente sentido se o crime fosse particular, se fosse exigida a acusação particular, o que não é.

Assim sendo, outra conclusão não se poderá extrair do artigo 178.º, n.º 2, do Código Penal que não seja a de que a possibilidade de o Ministério Público iniciar o processo criminal, independentemente de queixa, torna-o parte legítima para acusar, independentemente dessa mesma queixa. O interesse público subjacente a tal possibilidade supera o interesse particular típico da necessidade de queixa."

A situação não era a mesma, mas o sentido da decisão já ali se descortina.

O que ali se discutia era se o Ministério Público podia, no caso, acusar; aqui o que se discute é se pode haver desistência da queixa. Mas as razões acabam por ser as mesmas.

Agora, para este caso especial da desistência de queixa, acresce ainda o disposto no artigo 116.º, n.º 2, do Código Penal. Se não houve queixosos, precisamente porque não houve queixa, porque legalmente não era precisa, como é que se pode aceitar como válida a desistência de queixa?

Repare-se que, pela acusação, os actos imputados ao arguido C. se iniciaram, em relação à A., em Agosto de 2000, quando esta tinha 12 anos, e que os actos relacionados com a B. se iniciaram em Janeiro de 2002, quando esta tinha 15 anos.

Não faz qualquer sentido que [como, aliás, se decidiu no primeiro despacho na referida audiência - supra, alínea D)] o Ministério Público possa dar início ao procedimento criminal e deduzir acusação, independentemente de queixa, e se venha admitir como relevante esta mesma desistência. Seria tornar inútil tal possibilidade, seria subverter o espírito e os fins que a lei pretendeu atingir e seria menosprezar os interesses que a lei pretendeu proteger.

Poder-se-á dizer que, neste caso, e em relação à menor A., a titular do direito de queixa (a mãe da menor) não é a agente dos crimes cuja desistência foi aceite (os do arguido C.). Mas não é bem assim. É que aquela é também arguida por crime relacionado com os crimes do arguido. Os actos de fomentar, favorecer ou facilitar, de que é acusada, são precisamente referidos aos actos do arguido.

E este entendimento, salvo melhor opinião, não é interpretar extensivamente o texto da lei. A lei é clara ao estatuir regime próprio quando o interesse da vítima o impuser.

Neste caso, os eventuais interesses das vítimas que poderiam existir (o segredo dos factos, o evitar do escândalo e a exposição pública) estão e foram, em concreto, não só ultrapassados pela realidade, mas sobretudo pelo superior interesse das vítimas.

E não há aqui qualquer natureza subsidiária, no sentido de que o Ministério Público intervém enquanto e só porque o menor não quer ou não pode fazer queixa. É subsidiária no sentido de que se substitui, definitivamente, ao menor. O interesse público, subjacente às referidas normas legais, não é subsidiário dos interesses particulares. Não se trata de qualquer critério de mera oportunidade, como é bem evidente. É uma razão de política criminal. É o interesse público que está em causa.

Como diz Maia Gonçalves (anotação ao n.º 6 do artigo 113.º):

'[E]ste dispositivo veio permitir que os crimes semipúblicos, em casos previstos na lei, como os dos artigos 152.º, n.º 2, e 178.º, n.º 2, passem a ter natureza de públicos.'

Nada impede que o Ministério Público, como órgão da administração da justiça (artigo 219.º, n.º 1, da CRP), sujeito ao princípio da subordinação hierárquica (artigo 219.º, n.º 4, da CRP) e tendo como uma das funções primordiais defender a legalidade, possa interpor recurso de uma decisão com um sentido que, antes, um seu agente tinha defendido.

É perfeitamente admissível uma ordem superior que mande seguir uma determinada interpretação legal de entre várias possíveis.

Nem tal integra o conceito de venire contra factum proprium. O Ministério Público não é um interessado de uma certa decisão.

O recurso tem, pois, de proceder.

Nestes termos, revogando-se o despacho recorrido, por não admissível a desistência de queixa, deverá o julgamento prosseguir para apreciação dos factos imputados ao arguido C."

É contra este acórdão que, pelo arguido, vem interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro - LTC), o presente recurso, visando a "apreciação da inconstitucionalidade das normas, aplicadas pela decisão posta em crise, ínsitas no n.º 6 do artigo 113.º e no n.º 4 do artigo 178.º, ambos do Código Penal, com a interpretação que delas é feita naquele aresto, por violação do disposto nos artigos 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, e 29.º, todos da Constituição da República Portuguesa", questão de inconstitucionalidade que teria sido suscitada na sua resposta à motivação do recurso interposto pelo Ministério Público.

No Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"A) Os crimes previstos nos artigos 172.º e 174.º do Código Penal têm natureza semipública, dado que o procedimento criminal depende de queixa do ofendido ou dos demais titulares desse direito estabelecidos no artigo 113.º do mesmo diploma.

B) Isso radica no facto de estes crimes terem a ver muito particularmente com a esfera de intimidade da vítima e se privilegiar o interesse desta, a ela cabendo decidir se ao mal do crime lhe convém juntar o que pode ser o mal do desvelamento da sua intimidade e da consequente estigmatização processual.

C) O elemento lógico-sistemático da interpretação conduz à conclusão de que se o legislador pretendesse conferir natureza pública àqueles crimes na hipótese prevista no n.º 4 do artigo 178.º do Código de Processo Penal, tê-la-ia colocado como terceira alínea do n.º 1 da mesma norma, juntamente com as duas situações em que tais ilícitos assumem, sem quaisquer dúvidas, tal natureza.

D) Tendo em conta a imprescindível conjugação com o n.º 1, a redacção do n.º 4 do citado artigo 178.º significa que, tratando-se de menor de 16 anos e o interesse da vítima o impuser, o Ministério Público não tem de esperar que quem de direito apresente queixa para dar início ao procedimento.

E) Aquela previsão legal foi estabelecida para os casos em que o Ministério Público, tendo conhecimento da prática do ilícito sobre menor de 16 anos, porventura antes mesmo dos progenitores, e perante a gravidade da situação, dá início ao procedimento por forma a, em tempo útil, fazer a recolha de provas ou indícios que, com o decorrer do tempo ou a acção humana, corriam o risco de se perder, por entender que o interesse da vítima o impõe.

F) Mas isso não significa que se tenha afastado a possibilidade de a vítima ou os seus legais representantes decidirem o que é mais relevante para o interesse daquela: se o prosseguimento da acção penal, se o recato e esquecimento que melhor se atingem sem ela.

G) Neste caso, o impulso processual do Ministério Público determinado nos termos do disposto no citado artigo 178.º, n.º 4, tem natureza subsidiária, ficando, por isso, sujeito aos interesses do menor ofendido.

H) Assim entendido, o disposto no n.º 4 do artigo 178.º permite que o Ministério Público dê início ao processo e o faça prosseguir quando os titulares do poder paternal não exercerem o direito de queixa por razões censuráveis, na medida em que, neste caso, terá sempre a possibilidade, quando não mesmo o dever, de inibir, limitar ou suspender o exercício do poder paternal nos termos do disposto nos artigos 194.º e 199.º da OTM.

I) Não é inaceitável que os progenitores ou o próprio ofendido maior de 16 anos, titulares e em pleno exercício do direito de queixa, venham pôr termo ao procedimento criminal por entenderem que essa é a atitude que melhor defende os interesses do menor, que justificaram a natureza semipública deste tipo de crimes, e o Ministério Público, teimosamente, os procure contrariar, insistindo no seu prosseguimento movido por razões ou interesses que podem não coincidir com o das vítimas.

J) Tanto mais quanto é certo que o Ministério Público nunca terá a mesma capacidade dos progenitores ou do próprio ofendido para fazer uma adequada avaliação da concreta solução que os interesses do menor justificam.

L) A entender-se de outro modo, abrir-se-ia a hipótese de, esgrimindo embora com o interesse da vítima, o Ministério Público poder ser tentado, como no caso dos autos, a agir em defesa de um qualquer interesse público ou de determinada política criminal que ultrapassem o âmbito do caso concreto e secundarizem os interesses que a lei, em primeira linha, visou proteger.

M) Salvo melhor entendimento, é inconstitucional, por violação do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação dos artigos 113.º, n.º 6, e 178.º, n.º 4, do Código Penal, segundo a qual, na situação prevista nesta última norma, os crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes assumem a natureza pública, na medida em que, destarte, se veria um pressuposto da perseguição penal fixado por critérios de mera oportunidade do Ministério Público, não estabelecidos na lei e judicialmente incontroláveis, traduzindo um desvio dos princípios da legalidade e da tipicidade na aplicação de reacções criminais.

N) Por outro lado, é inconstitucional, por violação dos artigos 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação dos artigos 113.º, n.º 6, e 178.º, n.º 4, do Código Penal, segundo a qual, na situação prevista nesta última norma, os crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes mantêm a natureza semipública, mas o procedimento criminal deixa de estar na disponibilidade dos ofendidos ou dos seus representantes legais, ainda que estes não estejam judicialmente inibidos do exercício do poder paternal, do ponto em que abre a porta à violação de direitos fundamentais do titular dos interesses que o legislador pretendeu proteger com aqueles tipos legais de crime, quais sejam os direitos à integridade pessoal e à reserva da intimidade da vida privada."

O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional contra-alegou, concluindo:

"1 - Goza o legislador ordinário de ampla discricionariedade relativamente à possibilidade de criminalizar determinadas condutas, por razões de necessidade ou conveniência, ditadas pelo interesse público, no âmbito de políticas criminais a prosseguir.

2 - Tal discricionariedade abrange as condições de procedibilidade, não lhe estando vedado, relativamente a determinadas categorias de crimes, em optar por soluções não totalmente enquadráveis nos regimes próprios e típicos das infracções penais, no que respeita à sua divisão em públicas, semipúblicas e particulares.

3 - Não viola qualquer norma ou princípio constitucional uma interpretação normativa dos preceitos dos n.os 6 do artigo 113.º e 4 do artigo 178.º, ambos do Código Penal, segundo a qual o Ministério Público pode exercer o respectivo procedimento criminal em nome do interesse da vítima menor de 16 anos de idade, face a razões de política criminal e de interesse público, não podendo aquele extinguir-se por desistência de queixa do ofendido, que não a apresentou.

4 - Termos em que deverá improceder o presente recurso."

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação. - 2.1 - Na redacção originária do Código Penal de 1982, os "crimes sexuais" integravam a secção II (artigos 201.º a 218.º) do capítulo I ("Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida social") do título III ("Dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade") da parte especial desse Código, dispondo o artigo 211.º, sob a epígrafe "Necessidade de queixa":

"1 - Nos crimes previstos nos artigos antecedentes [violação, violação da mulher inconsciente, cópula mediante fraude, estupro, atentado ao pudor com violência, atentado ao pudor com pessoa inconsciente, homossexualidade com menores e cópula ou atentado ao pudor relativamente a pessoas detidas ou equiparadas], o procedimento criminal depende de queixa do ofendido, do cônjuge ou de quem sobre a vítima exerce o poder paternal, tutela ou curatela.

2 - O disposto no número anterior não se aplica quando a vítima for menor de 12 anos, o facto for cometido por meio de outro crime que não dependa de acusação ou queixa, quando o agente seja qualquer das pessoas que nos termos do mesmo número anterior tenha legitimidade para requerer procedimento criminal ou ainda quando do crime resulte ofensa corporal grave, suicídio ou morte da vítima."

Foi a revisão desse Código operada pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, publicado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei 35/94, de 15 de Setembro, que introduziu significativas alterações nesta matéria, transferindo-a do título relativo aos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade para o título dedicado aos crimes contra as pessoas (título I da parte especial), em capítulo criado de novo (capítulo V - "Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual"), integrado pelos artigos 163.º a 179.º, dispondo o artigo 178.º (correspondente ao primitivo artigo 211.º), sob a epígrafe "Queixa", que:

"1 - O procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163.º a 165.º, 167.º, 168.º e 171.º a 175.º [coacção sexual, violação, abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, fraude sexual, actos exibicionistas, abuso sexual de crianças, abuso sexual de adolescentes e dependentes, estupro e actos homossexuais com menores] depende de queixa, salvo quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima.

2 - Nos casos previstos no número anterior, quando a vítima for menor de 12 anos, pode o Ministério Público dar início ao processo se especiais razões de interesse público o impuserem."

A Lei 65/98, de 2 de Setembro, alterou a redacção deste n.º 2, que passou a dispor:

"2 - Nos casos previstos no número anterior, quando o crime for praticado contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser."

Finalmente, a Lei 99/2001, de 25 de Agosto, procedeu à reformulação global do preceito, que passou a dispor:

"1 - O procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163.º a 165.º, 167.º, 168.º e 171.º a 175.º depende de queixa, salvo nos seguintes casos:

a) Quando de qualquer deles resultar suicídio ou morte da vítima;

b) Quando o crime for praticado contra menor de 14 anos e o agente tenha legitimidade para requerer procedimento criminal, por exercer sobre a vítima poder paternal, tutela ou curatela ou a tiver a seu cargo.

2 - Nos casos previstos na alínea b) do número anterior, pode o Ministério Público decidir-se pela suspensão provisória do processo, tendo em conta o interesse da vítima, ponderado com o auxílio de relatório social.

3 - A duração da suspensão pode ir até ao limite máximo de três anos, após o que há lugar a arquivamento, em caso de não aplicação de medida similar por infracção da mesma natureza ou de não sobrevir naquele prazo queixa por parte da vítima, nos casos em que possa ser admitida.

4 - Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3, e quando os crimes previstos no n.º 1 forem praticado contra menor de 16 anos, pode o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser."

2.2 - Da referida evolução legislativa resulta que enquanto na redacção originária do Código Penal o procedimento criminal pelos crimes em causa dependia, em regra, de queixa, excepto se a vítima fosse menor de 12 anos, o facto fosse cometido por meio de outro crime que não dependesse de acusação ou queixa, o agente fosse qualquer das pessoas que tinha legitimidade para requerer procedimento criminal ou do crime tivesse resultado ofensa corporal grave, suicídio ou morte da vítima, a partir da revisão de 1995, a par das situações (que continuam a ser a regra) em que o procedimento criminal depende sempre de queixa e das situações em que nunca depende de queixa (quando do crime tiver resultado suicídio ou morte da vítima e, com a Lei 99/2001, também quando o crime tiver sido praticado contra menor de 14 anos e o agente tenha legitimidade para requerer procedimento criminal, por exercer sobre a vítima poder paternal, tutela ou curatela ou a tiver a seu cargo, embora, com a possibilidade de o Ministério Público se decidir pela suspensão provisória do processo, tendo em conta o interesse da vítima [Maria João Antunes, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, t. I, Coimbra, 1999, p. 595, defendia que já decorria do artigo 113.º, n.º 5, do Código Penal que o Ministério Público podia dar início ao procedimento criminal se a titularidade do direito de queixa couber apenas ao agente do crime e especiais razões de interesse público o impuserem]), foi introduzido um tertium genus, através da possibilidade de, relativamente a situações à partida dependentes de queixa, o Ministério Público decidir dar início ao procedimento, se a vítima for menor de 12 anos (redacção da Lei 48/95), limite elevado para 16 anos pela Lei 65/98, mantido pela Lei 99/2001, e se tal for imposto por "especiais razões de interesse público" (redacção de 1995) ou pelo "interesse da vítima" (redacções de 1998 e 2001).

Em anotação ao artigo 178.º, na versão de 1998, Maria João Antunes (Comentário citado, pp. 593-597) refere, quando à razão da regra da natureza semipública dos ilícitos em causa, que (§ 8):

"Estamos nesta matéria na presença de crimes que contendem de uma forma muito particular com a esfera da intimidade, pelo que à vítima cabe "decidir se ao mal do crime lhe convém juntar o que pode ser o mal do desvelamento da sua intimidade e da consequente estigmatização processual; sob pena, de outra forma, de poderem frustrar-se as intenções político-criminais que, nesses casos, se pretenderam alcançar com a criminalização" (Figueiredo Dias, DP II, § 1069). Sendo a vítima menor, a protecção que lhe é concedida através da natureza semipública do crime tem a ver muito especialmente com os prejuízos que um processo penal poderia acarretar para o desenvolvimento da personalidade de alguém que ainda está em fase de formação [...]. Sendo a vítima maior de 16 anos, porque tem plena capacidade para o exercício do direito de queixa, a natureza semipública do crime tem a vantagem de permitir uma selecção prévia por parte daquela dos casos que comportam uma efectiva ofensa à sua liberdade e autodeterminação sexual (p. ex., relativamente aos comportamentos previstos nos artigos 167.º, 171.º e 173.º-1). Para além destas razões fundamentais, é ainda de destacar uma outra: tratando-se de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual em que o agente seja um familiar da vítima, a exigência de queixa desempenha aqui também a função de evitar que o processo penal represente uma indesejável intromissão na esfera das relações familiares."

Considerações que não impediram a mesma autora "de aplaudir as alterações introduzidas pela Lei 65/98, de 2 de Setembro: ao admitir a promoção do processo por parte do Ministério Público quando a vítima é menor de 16 anos - e não menor de 12, como acontecia anteriormente - reduzem-se certamente os casos de impunidade, decorrentes da circunstância de a vítima não ter ainda capacidade para apresentar queixa (artigo 113.º, n.º 3) e de o titular não a apresentar dadas especiais relações com o agente da prática do crime (v. g. o agente é cônjuge ou unido de facto da mãe da vítima);

ao esclarecer que a promoção processual nestes casos depende do "interesse da vítima", fixa-se o entendimento correcto da expressão anterior - "especiais razões de interesse público"" (§ 4). [No sentido de que estas "especiais razões de interesse público" eram sempre razões "no interesse do menor", cf. José Damião da Cunha, "A participação dos particulares no exercício da acção penal (Alguns aspectos)", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, fasc. 4.º, Outubro-Dezembro de 1998, pp. 593 e seguintes, em especial p. 606.]

2.3 - A questão de saber se, tendo o Ministério Público exercitado o poder-dever de, independentemente de queixa, dar início ao procedimento por crime sexual praticado contra menor de 16 anos por entender que tal era imposto pelo interesse da vítima implica que o prosseguimento do procedimento deixa de estar na disponibilidade do ofendido ou de quem o represente, ou, ao invés, é compatível com a atribuição de relevância a posteriores manifestações de vontade destes interessados (impropriamente designadas de "desistências de queixa") no sentido da cessação do procedimento criminal, tem conhecido diferentes respostas por parte da doutrina e da jurisprudência. Assim, em contraponto ao entendimento de que, tomando o Ministério Público a decisão de iniciar o procedimento, tudo se passaria como se de um crime público se tratasse, com a consequente irrelevância de posteriores manifestações de vontade do menor ou seus representantes no sentido da cessação do procedimento [cf. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Maio de 2004, de 8 de Julho de 2004 e de 23 de Setembro de 2004, em www.dgsi.pt/jtrl, do Tribunal da Relação do Porto, de 31 de Janeiro de 2001, Colectânea de Jurisprudência (CJ), ano XXVI, t. I, pp. 232-234, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2004, em www.dgsi.pt/jtrc; Manuel Maia Gonçalves, Código Penal Português, 16.ª ed., Coimbra, 2004, p. 609; Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª ed., vol. II, Lisboa, 2000, p. 465], tem sido sustentado ser relevante a desistência, pelo ofendido ou seus representantes, do procedimento iniciado nesses termos pelo Ministério Público (cf. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Dezembro de 1997, CJ, ano XXII, t. II, pp. 233-237, de 10 de Fevereiro de 1999, CJ, ano XXIV, t. I, pp. 241-244, criticado por Maria João Antunes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 9, fasc. 2.º, Abril-Junho de 1999, pp. 315-329, de 23 de Maio de 2001, em www.dgsi.pt/jtrp, e José Mouraz Lopes, Os Crimes contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal, 3.ª ed., Coimbra, 2002, p. 123).

Entre as referidas posições contrapostas, têm sido defendidas posições matizadas, que, sem transformarem os crimes em causa em crimes públicos nem atribuírem irrestrita relevância à oposição do ofendido ou seu representante ao prosseguimento do procedimento, consideram que "a todo o tempo o Ministério Público tem de aferir se o prosseguimento do processo não contende com o concreto interesse da vítima, pois se tal suceder cessa a legitimidade para o prosseguimento do processo", sendo um dos factores relevantes para essa reponderação a manifestação de vontade dos interessados (Jorge Dias Duarte, "Homossexualidade com menores", Revista do Ministério Público, ano 20, n.º 78, Abril-Junho de 1999, pp. 73 e seguintes, em especial pp. 89-90). Nesta linha intermédia se insere a posição defendida por Maria João Antunes ("Oposição de maior de 16 anos à continuação de processo promovido nos termos do artigo 178.º, n.º 4, do Código Penal", Revista do Ministério Público, ano 26, n.º 103, Julho-Setembro de 2005, pp. 21-37), que defende que, "de acordo com o disposto no artigo 178.º, n.º 4, do Código Penal, a oposição do maior de 16 anos de idade é relevante, no sentido de a intervenção processual penal do Ministério Público dever cessar, sempre que por via desta oposição sejam reavaliadas as razões que determinaram o início ou a continuação do processo e se venha a concluir que o interesse da vítima não impõe o prosseguimento deste".

2.4 - Como é sabido, não compete ao Tribunal Constitucional tomar partido sobre qual das diversas soluções dadas à questão da relevância da manifestação de oposição do ofendido ou seu representante ao prosseguimento de procedimento criminal iniciado ao abrigo do n.º 4 do artigo 178.º do Código Penal é a preferível, ao nível da interpretação do direito ordinário.

Do que se trata é de apreciar se o critério normativo seguido pelo acórdão recorrido se mostra materialmente conforme às normas e princípios constitucionais relevantes.

Ora, como este Tribunal tem reiteradamente afirmado, cabe ao legislador ordinário, dentro do respeito do princípio da necessidade das reacções criminais, uma considerável margem de liberdade de conformação na opção pela criminalização de condutas. Como se referiu, entre outros, no Acórdão 494/2003 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 57.º vol., p. 681, e texto integral disponível em www.tribunalconstitucional,pt):

"8.2 - Ao mesmo tempo que tem reconhecido a consagração constitucional dos princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, o Tribunal Constitucional tem, contudo, também reiteradamente sublinhado que "não se deve simultaneamente perder de vista que o juízo de constitucionalidade se não pode confundir com um juízo sobre o mérito da lei, pelo que não cabe ao Tribunal Constitucional substituir-se ao legislador na determinação das opções políticas sobre a necessidade ou a conveniência na criminalização de certos comportamentos" (assim, designadamente, o Acórdão 99/2002).

Como sublinha Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª ed., Coimbra, 1999, p. 876), a "política deliberativa sobre as políticas da República pertence à política e não à justiça"; e, por isso mesmo, no dizer de Jorge Miranda, ao juiz constitucional não compete "apreciar a oportunidade política desta ou daquela lei ou a sua maior ou menor bondade para o interesse público", mas tão-só averiguar "a correspondência (ou não descorrespondência) de fins, a harmonização (ou não desarmonização) de valores, a inserção (ou não desinserção) nos critérios constitucionais" (Manual de Direito Constitucional, t. VI, Coimbra Editora, 2001, pp. 43-44), sem "transformar o juízo de constitucionalidade em juízo de mérito em que se valora se a lei cumpre bem ou mal os fins por ela própria estabelecidos" (idem, vol. II, Coimbra, 1991, p. 342).

No mesmo sentido, mas agora referindo-se já especificamente ao espaço de discricionariedade reconhecido ao legislador penal, refere também Costa Andrade ("O novo Código Penal e a moderna criminologia", Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, fase 1, Lisboa, 1983, nota 34, p. 228):

"[I]mporta, acima de tudo, salvaguardar o 'primado político do legislador' (Bachof) nos espaços de discricionariedade decorrentes do princípio da subsidiariedade. A sub-rogação de qualquer outro órgão neste domínio, designadamente do Tribunal Constitucional, representaria uma questionável transposição das fronteiras entre o jurídico e o político e uma violação do princípio da separação dos poderes. Como refere Bachof, deve reservar-se ao legislador a competência para definir os objectivos políticos e os critérios de adequação, como assumir os riscos pelas expectativas ou prognósticos sobre cuja antecipação assentam as suas decisões normativas."

Também José de Sousa e Brito conclui ("A lei penal na Constituição", Estudos sobre a Constituição, 2.º vol., p. 218), no que constitui doutrina sistematicamente reafirmada pelo Tribunal Constitucional, ser "evidente que o juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há-de reconhecer, também nesta matéria, um largo âmbito de discricionariedade. A limitação da liberdade de conformação legislativa, nestes casos, só pode, pois, ocorrer quando a punição criminal se apresente como manifestamente excessiva".

Em suma: do que vai dito pode concluir-se, como se fez no já citado Acórdão 99/2002, que, sendo certo que "também em matéria de criminalização o legislador não beneficia de uma margem de liberdade irrestrita e absoluta, devendo manter-se dentro das balizas que lhe são traçadas pela Constituição", é, por outro lado, igualmente certo que, "no controlo do respeito pelo legislador dessa ampla margem de liberdade de conformação, com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade, o Tribunal Constitucional só deve proceder à censura das opções legislativas manifestamente arbitrárias ou excessivas"."

Mas se isso é assim quanto a esta opção fundamental (criminalizar ou não criminalizar), não menor espaço de actuação assistirá ao legislador na regulação das condições de procedibilidade das condutas criminalizadas. Neste campo, não estava o legislador limitado à opção pela tripartição tradicional entre crimes públicos, semipúblicos e particulares, sendo-lhe constitucionalmente lícito criar novas categorias ou introduzir modulação nas categorias tradicionais. Seria, designadamente, lícito ao legislador elevar para o limite de 16 anos de idade do ofendido os casos em que os crimes em causa assumiriam natureza pública, sacrificando inteiramente eventuais interesses na preservação da intimidade da vida privada aos interesses públicos na repressão de condutas tidas como comunitariamente inaceitáveis. Por maioria de razão, é-lhe lícito estabelecer um regime especial para esses crimes, permitindo que quando o interesse da vítima o impuser o procedimento seja iniciado pelo Ministério Público independentemente de queixa e que, de acordo com o critério seguido pelo acórdão recorrido, seja irrelevante, por si só, a posterior manifestação de vontade da vítima ou dos seus representantes no sentido da cessação do procedimento criminal.

A razoabilidade desta solução legislativa foi evidenciada por Maria João Antunes, na referida anotação crítica ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 1999, onde, além do mais, salientou que "ao exigir uma valoração do interesse da vítima", a norma em causa "supõe claramente uma promoção processual subsidiária" do Ministério Público, "duplamente condicionada": "o titular do direito de queixa não o exerce por razões alheias ao interesse da vítima" e "a protecção do menor exige o início do procedimento criminal", prosseguindo:

"[A] introdução do n.º 2 do artigo 178.º teve como finalidade evitar a desprotecção do menor de 16 anos - incapaz de exercer o direito de queixa (artigo 113.º, n.º 3, do Código Penal) - naqueles casos em que o titular do direito de queixa não a apresenta (ou desiste dela) por razões alheias ao interesse da vítima. Ao admitir-se que o Ministério Público pode dar início ao procedimento quando o crime contra a liberdade e autodeterminação sexual for praticado contra menor de 16 anos reduzem-se certamente os casos de impunidade: os resultantes da circunstância de a vítima ainda não ter capacidade para o exercício do direito de queixa e de o titular não a apresentar (ou dela desistir), não porque o interesse da vítima justifica a não promoção do processo (ou o não prosseguimento), mas porque entre o titular daquele direito e o agente da prática do crime intercedem relações de certo tipo que condicionam a decisão de apresentar queixa (ou dela desistir).

[...] com efeito, com o artigo 178.º, n.º 2, não se quis que o titular do direito de queixa - não a vítima, porque esta não tem capacidade para a apresentar - deixasse de poder decidir se ao mal do crime convém juntar o que pode ser o mal do desvelamento da intimidade do menor e o mal de um desenvolvimento perturbado do ponto de vista sexual. E daí o já assinalado carácter subsidiário da promoção processual por parte do Ministério Público. Mas, seguramente, foi querido pelo legislador que esta magistratura possa dar início ao procedimento (ou decidir a continuação deste), precisamente naqueles casos em que as razões justificativas da natureza semipública dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual não presidem à não apresentação (ou à desistência) da queixa.

[...] bem se compreende, afinal, que o Ministério Público possa decidir dar início ao procedimento criminal, segundo critérios de estrita objectividade (artigo 53.º do Código de Processo Penal). Decidir se, no caso concreto, o interesse da vítima do crime contra a liberdade e a autodeterminação sexual, menor de 16 anos, justifica a iniciativa processual. A iniciativa processual ou, esclareça-se, a continuação do processo, naqueles casos em que o procedimento criminal se iniciou com a apresentação da queixa pelo respectivo titular, havendo posteriormente uma desistência ditada por razões de todo em todo alheias ao interesse da vítima menor de 16 anos."

A atribuição desta faculdade ao Ministério Público, devendo ser, como o foi no caso, devidamente fundamentada, também não contende com os princípios da legalidade e da determinabilidade, estando fixadas na lei as condições que possibilitam o exercício da acção penal. A ponderação, a ser feita necessariamente caso a caso, da intensidade do interesse do menor, sendo, como é, rodeada da referida garantia de dever de fundamentação expressa, não permite a acusação de estarmos perante uma situação em que o risco da arbitrariedade e da subjectividade seja incompatível com aqueles princípios constitucionais.

Carece, neste ponto, de todo o sentido a tese do recorrente de que a apontada solução representa um desvio ao princípio da tipicidade das reacções criminais, dado que o arguido só virá a ser condenado se, após julgamento rodeado de todas as garantias de defesa, um tribunal independente e imparcial julgar ter o mesmo praticado factos integradores de condutas qualificadas como criminais por lei anterior.

E também não assiste razão ao recorrente quando aduz a violação dos artigos 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da CRP. Os direitos à integridade moral e à reserva da intimidade da vida privada não são absolutos, sendo constitucionalmente admissível a sua restrição na medida do necessário para assegurar o respeito de outros valores fundamentais, como a defesa (incluindo criminal) do direito à liberdade e autodeterminação sexuais, designadamente de menores (crianças ou jovens), a quem o Estado deve especial protecção (artigos 69.º e 70.º da CRP).

Improcedem, assim, na totalidade, as conclusões da alegação do recorrente, registando-se ter o mesmo abandonado, no presente recurso, a questão de inconstitucionalidade que, perante o tribunal recorrido, havia suscitado quanto às normas dos artigos 2.º, n.º 2, 68.º, n.º 1, e 76.º, n.os 1 e 3, do Estatuto do Ministério Público e 401.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

3 - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 113.º, n.º 6, e 178.º, n.º 4, do Código Penal, interpretados no sentido de que, iniciado o procedimento criminal pelo Ministério Público por crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes, independentemente de queixa das ofendidas ou seus representantes legais, por ter entendido, em despacho fundamentado, que tal era imposto pelo interesse das vítimas, a posterior oposição destas ou dos seus representantes legais não é suficiente, por si só, para determinar a cessação do procedimento; e, consequentemente,

b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.

Lisboa, 11 de Julho de 2007. - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Silva Rodrigues - João Cura Mariano - Rui Manuel Moura Ramos (vencido, nos termos da declaração de voto junta).

Declaração de voto

Dissenti da tese que fez vencimento no acórdão por considerar que o critério normativo subjacente à decisão recorrida, na interpretação que faz das normas dos artigos 113.º, n.º 6, e 178.º, n.º 4, ambos do Código Penal, para estabelecer a eficácia possível da ulterior oposição das vítimas ou dos seus representantes legais, nos casos em que o Ministério Público haja desencadeado procedimento criminal por crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes, independentemente de queixa das ofendidas ou dos seus representantes legais, por ter entendido, em despacho fundamentado, que tal era imposto pelo interesse das vítimas, não se limita a considerar que aquela oposição é insuficiente, por si só, para determinar a cessação do procedimento.

Com efeito, ao afirmar conclusivamente que tal oposição é ineficaz "por não admissível" e, como antecedente jurídico de tal ilação, que "[...] este dispositivo [o n.º 6 do artigo 113.º] veio permitir que os crimes semipúblicos, em casos previstos na lei, como os dos artigos 152.º, n.º 2, e 178.º, n.º 2, passem a ter natureza de públicos [...]", a decisão recorrida filia, a nosso ver, o sentido do respectivo pronunciamento no critério segundo o qual, iniciado o procedimento criminal pelo Ministério Público por crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes, independentemente de queixa das ofendidas ou dos seus representantes legais, por ter entendido, em despacho fundamentado, que tal era imposto pelo interesse das vítimas, a posterior oposição destas ou dos seus representantes legais é sempre inidónea para conduzir à cessação do procedimento, excluindo-se a possibilidade de este findar por efeito, mesmo que concorrente ou mediado, de uma manifestação de vontade contrária à intervenção das instâncias formais de controlo.

Vinculando o raciocínio argumentativo seguido à ideia segundo a qual "não faz sentido que [...] o Ministério Público possa dar início ao procedimento criminal e deduzir acusação, independentemente de queixa, e se venha a admitir como relevante essa mesma desistência de queixa", a decisão recorrida revela, pois, a adesão a uma concepção do sistema em que a atendibilidade da ulterior oposição da vítima e ou dos respectivos legais representantes se encontra aprioristicamente excluída por lhe corresponder acto de efeito processual incompatível com a natureza e características que o procedimento criminal, pelo facto de haver sido desencadeado ao abrigo do disposto no artigo 178.º, n.º 4, do Código Penal, passará a assumir em definitivo.

Tendo conduzido a que a manifestação de oposição à continuação do processo ocorrida em primeira instância fosse desatendida por "inadmissível", o critério normativo subjacente à decisão recorrida não se limitou, pois, a recusar-lhe auto-suficiência ou a colocar pressupostos ou condições para a respectiva operatividade. Ao invés, interditou a possibilidade de tal oposição vir a relevar, eliminando assim o espaço que, em diferente concepção, estaria reservado à apreciação judicial, precedida de audição dos demais sujeitos processuais, do contexto factual em que aquela fora concretamente produzida em ordem a verificar, através de juízo sindicável por via de recurso, se a posição assim manifestada deveria ser considerada expressão de circunstâncias, senão infirmadoras do sentido da valoração feita pelo Ministério Público no início do processo, pelo menos reveladoras e justificativas da insubsistência do interesse da vítima no prosseguimento do processo penal.

Não se limitando a subordinar a eficácia da oposição da vítima e ou respectivos legais representantes ao resultado da reavaliação das razões que determinaram a promoção do processo penal, mas negando-lhe, por considerá-la inadmissível, aptidão processual para fazer findar o procedimento criminal, o juízo decisório subjacente ao acórdão recorrido tem necessariamente implícita a assunção de que, iniciado o procedimento criminal pelo Ministério Público por crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes, independentemente de queixa das ofendidas ou dos seus representantes legais, por ter entendido, em despacho fundamentado, que tal era imposto pelo interesse das vítimas, esse despacho torna-se condição simultaneamente necessária e suficiente da subsistência do processo penal, excluindo, pelas características que directa e autonomamente atribui ao procedimento, a atendibilidade de manifestações de vontade contrárias ao exercício do poder punitivo por parte do Estado.

E, assim sendo, a ratio decidendi da decisão recorrida não pode deixar de se considerar integrada pela implícita, cumulativa e sequencial adesão a um conjunto de postulados que, sinteticamente, poderão enunciar-se nos seguintes termos:

Possibilidade de utilização de conceitos indeterminados no âmbito do direito penal positivado, incluindo aqueles cujo preenchimento só possa fazer-se através de um juízo de valor;

Possibilidade de utilização deste tipo de conceitos para definir a natureza do crime e, por consequência, a permeabilidade do procedimento que houver sido instaurado a manifestações de vontade contrárias à sua subsistência;

Possibilidade de um tal conceito ser unilateralmente preenchido pelo titular da acção penal, consequenciando tal preenchimento a legitimidade da instauração do procedimento criminal;

Possibilidade de a integração positiva do conceito em tais termos realizada reconduzir o procedimento criminal à categoria daqueles em que é inadmissível a manifestação de um vontade contrária à sua subsistência por parte do titular do interesse protegido pela norma indiciariamente violada;

Exclusão apriorística da atendibilidade da oposição à intervenção das instâncias formais de controlo, com consequente negação de qualquer avaliação judicial e contraditada sobre a subsistência do interesse da vítima na continuação do processo por via da imperativa e sindicável valoração das circunstâncias, pretéritas e supervenientes, objecto de alegação pelos intervenientes processuais ouvidos ou passíveis de se tornarem oficiosamente conhecidas.

Justamente por pressupor a aceitação integral de um tal conjunto de proposições, a solução jurídica sufragada pela decisão recorrida é, quanto a nós, incompatível com o parâmetro constitucional de controlo colocado pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

Com efeito, ao excluir a admissibilidade processual da oposição manifestada pelo titular do bem jurídico protegido pela norma indiciariamente violada com fundamento na natureza adquirida pelo procedimento criminal quando instaurado ao abrigo do disposto nos artigos 113.º, n.º 6, e 178.º, n.º 4, ambos do Código Penal, o critério decisório implícito no acórdão recorrido aceita que a integração positiva do conceito unilateralmente feita pelo Ministério Público para legitimar o exercício da acção penal se converta em condição simultaneamente necessária e suficiente da subsistência do procedimento assim instaurado, prescindindo, por consequência, da confrontação, necessariamente judicial e contraditada, daquele juízo de valor sobre as exigências do interesse da vítima com a singularidade fáctica e dinâmica do caso concreto.

Prescindindo desse julgamento, impede inevitavelmente o arguido de nele participar e, justamente por negar ao arguido a possibilidade de intervir, incluindo pela via de recurso, no controlo da actualidade de um pressuposto resultante de uma actividade valorativa e do qual depende a própria viabilidade do procedimento contra si instaurado, a solução perfilhada pela decisão recorrida, a nosso ver, dificilmente se poderia justificar perante o princípio segundo o qual "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa". - Rui Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1620006.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1945-10-13 - Decreto-Lei 35007 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Remodela alguns princípios básicos do Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1975-11-03 - Decreto-Lei 605/75 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Altera o Código de Processo Penal e institui o júri.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1994-09-15 - Lei 35/94 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a rever o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro.

  • Tem documento Em vigor 1995-03-15 - Decreto-Lei 48/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 1995-08-30 - Lei 48/95 - Assembleia da República

    Eleva a povoação de Avô, do concelho de Oliveira do Hospital, à categoria de vila.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-09-02 - Lei 65/98 - Assembleia da República

    Altera o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-25 - Lei 99/2001 - Assembleia da República

    Altera o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, no que respeita a prática e aliciamento da prostituição.

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