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Acórdão 416/2007, de 11 de Outubro

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Sumário

Não conhece do objecto do recurso, no que diz respeito aos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999; não julga inconstitucional a norma do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1999, na interpretação, segundo a qual os terrenos inseridos na Reserva Agrícola Nacional (ou na Reserva Ecológica Nacional) devem ser automaticamente considerados como solo apto para outros fins (isto é, não apto para construção), ainda que possam ser dotados de certas características (v. g. esgotos, electricidade, acessos vários) que, não fosse essa inclusão, os tornariam aptos a beneficiar de uma autorização de construção

Texto do documento

Acórdão 416/2007

Processo 149/06

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Nos autos de expropriação por utilidade pública das parcelas necessárias à construção da obra "A 7/IC 5 - lanço Guimarães/Fafe - sublanço Calvos/Fafe", em que figuram como expropriados Joaquim da Silva Fernandes e mulher e como expropriante EP - Estradas de Portugal, E. P. E., os primeiros, inconformados com a decisão arbitral que fixou o montante da indemnização, interpuseram recurso para o Tribunal Judicial de Guimarães (fls. 406 e seguintes), alegando que as mencionadas parcelas deveriam ter sido classificadas como "solo apto para construção" e não como solo "apto para outros fins", pelo que a indemnização devida pela expropriação deveria ser fixada em Euro 95 100.

2 - Por sentença de 31 de Março de 2005, o juiz do Tribunal Judicial de Guimarães julgou improcedente o recurso interposto pelos expropriados (fls. 574 e seguintes). Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual, por Acórdão de 2 de Novembro de 2005, julgou improcedente a apelação, confirmando a douta sentença recorrida (fls. 666 e seguintes), tendo fundamentado a sua decisão do seguinte modo:

"[...] No recurso, a questão essencial posta pelos apelantes prende-se com a classificação das parcelas expropriadas. Saber se devem ser classificadas como solo apto para a construção ou como solo para outros fins.

Os expropriados discordam da classificação dada às parcelas expropriadas no laudo de arbitragem, como solo para outros fins.

Como resulta da factualidade apurada, de acordo com o PDM de Guimarães, as parcelas expropriadas estão inseridas em zona de salvaguarda estrita (RAN e ou REN). Nos termos do artigo 25.º, n.º 1, do CE, 'para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em:

a) Solo apto para a construção;

b) Solo para outros fins.'

São solos aptos para construção os que se encontrem nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 25.º do CE e nessa situação encontrar-se-iam as parcelas expropriadas, pois as mesmas dispõem de acesso rodoviário, rede de distribuição de energia eléctrica e rede telefónica.

São solos para outros fins os que não se encontrem em qualquer dessas situações.

Mas além da verificação de algumas das situações previstas nesse n.º 2 do artigo 25.º, importa que não exista restrição legal à edificabilidade, que não obste à construção.

A classificação do solo constitui um parâmetro essencial da valorização do bem e o direito de edificar dever ser considerado na determinação do valor dos bens, ao menos, quando estes possuam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa. O valor deve ter em conta as aptidões do solo e o aproveitamento que nele efectivamente se possa realizar.

Esse artigo do CE/99, que corresponde ao artigo 24.º do CE/91, não contém norma semelhante à que constituía o n.º 5 deste artigo 24.º, com a redacção 'para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado para construção'. Não obstante ter sido diversas vezes sujeita a escrutínio do Tribunal Constitucional, por condicionante do direito de propriedade, dado limitar o valor da indemnização (sic) por expropriação, veio esse Tribunal a decidir pela não afronta à lei fundamental (entre outros, os Acórdãos n.os 20/2000, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 28 de Abril de 2000, e 243/2001, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 4 de Julho de 2001). O facto dessa norma não transitar para o novo CE não pode levar a concluir-se inexistirem limitações à aptidão construtiva dos solos decorrentes da lei ou dos regulamentos de gestão e ordenamento do território, isto é que a potencialidade edificativa não esteja condicionada pela lei e regulamentos administrativos, como não poderia deixar de ser (v. artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, do CE) - cf., neste sentido, Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, Almedina, 2.ª ed., p. 284), pois não faria sentido valorizar um solo como apto para construção quando aí não é possível nem sequer previsível a construção. De contrário, não tendo em atenção essas condicionantes na valorização dos terrenos expropriados, poder-se-ia obter valores desproporcionados ao valor real e corrente do bem expropriado.

A aptidão construtiva não decorre apenas de critérios naturalísticos. As potencialidades edificativas aferem-se em concreto, não só atendendo às características materiais dos solos como à lei e regulamentos administrativos que condicionam a sua afectação.

Se a lei ou o regulamento proíbem a edificação, se afectam o espaço a outro fim que não a construção, o solo haverá de ser avaliado como solo apto para outros fins, de acordo com o aproveitamento normal que dele possa ser feito, e não para a construção, potencialidade com que nem o expropriado poderia contar. Se o terreno está integrado em área da RAN ou REN, não pode ter o seu proprietário uma expectativa razoável desse terreno vir a ser desafectado para nele se construir e, assim, invocar o lus aedificandi e o direito a justa indemnização, em caso de expropriação, para ver essa indemnização calculada com base em potencialidade construtiva que o terreno (legalmente) não tem (v. Acórdão 330/03 do TC, de 7 de Julho, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Outubro). Nos solos integrados na zona de RAN ou em zona de REN, a possibilidade construtiva está fortemente restringida, só em situações excepcionais é permitida a construção e, mesmo assim, e quando autorizada, para situações particulares, normalmente obras com finalidade de apoio à actividade agrícola e habitação nas situações concretas previstas no artigo 9.º do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho - v. também o artigo 8.º desse decreto-lei - nas situações previstas no artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei 93/90, de 19 de Março.

A integração de um terreno na área da RAN revela uma falta de aptidão edificativa em resultado das suas características intrínsecas (Pedro Elias Costas, ob. cit., p. 287). 'Se o terreno está integrado em área da RAN, afecto a uma finalidade e utilização exclusivamente agrícola, sendo essa a sua utilização económica normal, é em função desta que se deve determinar o seu valor para a fixação da justa indemnização. E será esse o valor real e corrente do bem, aquele que o expropriado poderia obter de um comprador médio, prudente e avisado, que pondera o benefício que pode obter em concreto e não na perspectiva de uma hipotética afectação do bem que, de facto, não tem nem pode ter. O valor real e corrente dos bens determina-se em função da sua afectação possível numa utilização económica normal. Essa afectação é aquela que efectivamente tem ou aquela que pode ter, não como mera possibilidade abstracta mas concreta em face das circunstâncias e condições existentes à data da DUP. Se não é possível edificar, qualquer valor assente em potencialidades construtivas não é o valor real e corrente do bem, desligado da sua situação concreta e destino efectivo ou afectação possível; ficciona-se uma potencialidade que o bem não tem' (Acórdão RP de 10 de Fevereiro de 2005, no processo 7230/04).

A avaliar-se, para fins expropriativos, um terreno situado em área de RAN-REN, em que não é admissível a construção, segundo uma potencialidade edificativa, estar-se-ia a beneficiar o expropriado em comparação com os não expropriados, que não veriam os seus terrenos, em idênticas situações, valorizados nos mesmos termos. Sem que haja desafectação dos terrenos em área RAN ou não se destinando a expropriação a finalidade edificativa, os solos expropriados devem ser avaliados como solos para outros fins.

No caso sub judice, verifica-se o seguinte condicionalismo:

Segundo o PDM de Guimarães, em vigor à data da DUP, as parcelas expropriadas estavam inseridas em zona de salvaguarda estrita (RAN e ou REN);

Em relação às parcelas expropriadas verifica-se a existência de algumas infra-estruturas previstas no artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do CE/99, a saber: rede de electricidade, rede telefónica e estrada pavimentada.

No entanto, afigura-se-nos, face ao estatuído nos Decretos-Leis 96/89, de 4 de Junho e 93/90, de 9 de Março, e à luz do PDM de Guimarães, que as parcelas expropriadas não devem ser classificadas como solo apto para construção, antes como apto para outros fins, não relevando a concorrência daquela condições.

Não demonstram os autos ter sido as parcelas desafectadas da RAN, como também não mostram os autos a existência de qualquer plano urbanístico ou de loteamento das parcelas em causa ou que existisse alguma licença de construção para as mesmas, na data da entrada em vigor do PDM ou da DUP.

As parcelas expropriadas, dada a classificação do solo gizada no PDM, não tinham potencialidade edificativa, isto é, não lhes era reconhecida vocação para o processo de urbanização e de edificação. Por isso, os expropriados não tinham qualquer expectativa de construírem na parcela. Nem o acto expropriativo, em si, no caso concreto, é de sorte a fazer criar no proprietário das parcelas afectas à RAN, qualquer situação de confiança jurídica, de modo a que pudesse pensar ser dono de um terreno destinado a construção. E não é pelo facto de a parcela ser afectada à construção de uma variante rodoviária que essa potencialidade edificativa nasce - cf. o Acórdão do TC n.º 243/2001, acima referenciado e também os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Fevereiro de 2004 e de 10 de Fevereiro de 2005, respectivamente nos processos n.os 0336000 e 0437230, em www.dgsi.pt.

Tem sido esta a orientação jurisprudencial maioritária dos tribunais superiores, nomeadamente do Tribunal Constitucional.

Assim, no Acórdão 20/2000, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 28 de Abril de 2000, decidiu-se não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações/91, interpretada no sentido de excluir da classificação de 'solo apto para a construção' os solos integrados na RAN expropriados para implantação de vias de comunicação.

Posteriormente, outros acórdãos do TC vieram a seguir o mesmo caminho, citando-se, por exemplo, os Acórdãos n.os 219/2001, 243/2001, 172/2002, 121/2002 [55/2002, 7/2002, 419/2002 ???] e 557/2003, publicados, respectivamente, no Diário da República, 2.ª série, de 6 e de 4 de Julho de 2001, de 3 de Junho de 2002, de 12, 30, 17 e de 31 de Dezembro de 2002 e de 23 de Janeiro de 2004. No caso ocorrente, a expropriação da parcela não visa uma finalidade edificativa. Com a dita expropriação visa-se destinar as parcelas expropriadas à criação de um lanço da auto-estrada Guimarães-Fafe, e não à construção de qualquer edifício urbano.

Em suma, no caso, as parcelas, para efeitos de fixação da indemnização, devem ser classificadas e valorizadas como solo para outros fins, não merecendo, por isso, censura a decisão recorrida.

Sustentam os apelantes que as parcelas são logradouros de habitação.

Todavia, nada vem demonstrado nos autos, nesse sentido.

Ao quesito formulado pelos expropriados em que se pergunta se 'as parcelas de terreno serviam, ou não, os imóveis arrendados confinantes e propriedade dos aqui expropriados', responderam os senhores peritos por unanimidade: 'Os peritos desconhecem.' Também, ao invés do que sustentam os apelantes, não há partes sobrantes, pois como, nesse particular, se lê no laudo unânime de peritagem, 'as áreas expropriadas correspondem à totalidade dos respectivos prédios, pelo que não há parcelas sobrantes'."

3 - Joaquim da Silva Fernandes e mulher vieram "interpor recurso [para o Tribunal Constitucional], ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional por [...] violação dos princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização pela interpretação dada aos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 1, todos do Código das Expropriações" (fl. 703).

O recurso foi admitido por despacho de fl. 705.

4 - Nas alegações que apresentaram neste Tribunal (fl. 710), os recorrentes concluíram o seguinte:

I - O presente recurso visa, essencialmente, a apreciação e sentido aposto pelo Tribunal recorrido na interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações (doravante CE).

II - Por assentar na interpretação de um conceito de justa indemnização por referência à classificação dos solos violadora, salvo melhor opinião, dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (designada em diante de CRP).

III - Interpretam-se aquelas normas no sentido destas possibilitarem o condicionamento automático da inserção de um terreno expropriado em PDM à classificação do solo confundindo-se potencialidade edificativa com potencialidade construtiva que é coisa bem diferente.

IV - O CE e os artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2, e 26.º reconduzem-se a uma consagração da justa indemnização por referência à potencialidade edificativa.

V - Violando tal interpretação o conceito que se encontra subjacente ao da justa indemnização ao fazer-se uma dependência directa e automática do definido em PDM para a classificação do solo como para outros fins, ainda que o mesmo disponha - como era o caso - de acesso rodoviário pavimentado e infra-estruturas urbanísticas várias, que na envolvente existissem múltiplas construções e que, ademais, se integrassem na matriz predial urbana ou fossem logradouro de habitações.

VI - Na interpretação que o tribunal recorrido fez, designadamente do n.º 2 do artigo 25.º do CE, não atendeu aos elementos concretos demonstrativos de potencialidade edificativa das parcelas que se desvia do âmbito constitucional quanto à justa indemnização.

VII - O Tribunal recorrido faz a classificação do solo, única e exclusivamente, pela afectação do PDM o que viola o artigo 62.º, n.º 2, da CRP.

VIII - O tribunal recorrido não logra alcançar na interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, e 25.º, n.º 2, o princípio constitucional da igualdade na atribuição da justa indemnização.

IX - Sendo o terreno apto para construção, a desconsideração desse factor na avaliação envolve um sacrifício acrescido para os expropriados e conduzirá a uma indemnização, necessariamente, desajustada e desproporcionada que não preenche o conceito constitucional de justa indemnização (artigo 62.º, n.º 2, da CRP).

X - Acresce que os princípios da igualdade e justa indemnização são afectados, também, na interpretação do artigo 25.º, n.º 2, do CE no sentido de permitir-se que o mesmo Estado que ora expropria, atenta a descrição urbana fiscal dos terrenos, pagar, por um lado, como solo agrícola e fiscalmente, por outro, receber dos proprietários/expropriados como solo urbano aproveitando-se de uma desvalorização de que ele próprio é o criador.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - A) Delimitação do objecto do recurso. - 5 - Antes de mais, deve notar-se que, no requerimento de recurso para este Tribunal, os recorrentes suscitaram a inconstitucionalidade de normas que não tinham suscitado nas alegações de recurso perante o Tribunal da Relação de Guimarães. Senão, vejamos:

Nas conclusões das alegações de recurso perante o Tribunal da Relação de Guimarães (cf. 612 e seguintes dos autos), os recorrentes delimitaram a questão de inconstitucionalidade do seguinte modo:

"XIII - É inconstitucional por violação do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa a interpretação do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações no sentido que deve ser classificado como solo para outros fins o terreno inserido em RAN ainda que disponha de acesso rodoviário pavimentado e infra-estruturas, que na envolvente existam múltiplas construções e que, ademais, se integre na matriz predial urbana e seja logradouro de habitações.

XIV - É inconstitucional por violação do mesmo preceito a interpretação da redita norma no sentido de fazer uma aplicação automática da estatuição do PDM para efeitos de classificação do solo como o fez o Tribunal a quo."

Quer dizer, os recorrentes apenas suscitaram o incidente de inconstitucionalidade em relação ao artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1999.

No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional pretendem, todavia, os recorrentes que este aprecie a constitucionalidade de três preceitos - os artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999 (fl. 710).

Ora, como este Tribunal já teve ocasião de dizer, por diversas vezes, o objecto do recurso de constitucionalidade é fixado pelo requerimento de recurso para o TC (Acórdãos n.os 357/07, 512/06, 89/04, 468/04 e 654/04), mas este requerimento só pode identificar as normas cuja inconstitucionalidade haja sido adequadamente suscitada no processo recorrido, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da LTC (Acórdãos n.os 512/06, 468/04 e 645/04).

Assim, não tendo havido suscitação da inconstitucionalidade dos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999 perante o tribunal recorrido, não é possível aos recorrentes virem agora colocar tal questão perante este Tribunal.

Em suma, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do recurso, no que diz respeito aos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999, restringindo-se, portanto, o objecto do mesmo ao artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código.

B) Apreciação da constitucionalidade do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1999. - 6 - O artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1999 tem a seguinte redacção:

"Artigo 25.º

Classificação dos solos

...

2 - Considera-se solo apto para construção:

a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes;

b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;

c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a);

d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção, em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o n.º 5 do artigo 10.º"

Ora, a questão de inconstitucionalidade suscitada, no caso em apreço, não é inédita neste Tribunal. Com efeito, independentemente da norma do Código das Expropriações invocada (de modo processualmente adequado neste processo), o que os recorrentes pretendem ver apreciado é se a interpretação, segundo a qual os terrenos inseridos na RAN (ou na REN) devem ser automaticamente considerados como solo apto para outros fins (isto é, não apto para construção), ainda que possam ser dotados de certas características (v. g. esgotos, electricidade, acessos vários) que, não fosse essa inclusão, os tornariam aptos a beneficiar de uma autorização de construção, deve ser considerada como contrária à Constituição, à luz das normas e princípios constitucionais do direito à justa indemnização, em caso de expropriação, e do princípio da igualdade.

7 - A questão, colocada nestes termos, já foi objecto de vários acórdãos deste Tribunal, o qual, apenas e tão-somente, no primeiro deles, julgou inconstitucional o normativo correspondente do Código das Expropriações de 1991 e apenas quando a expropriação visasse, de modo genérico, a construção de edifícios - e não de vias de comunicação - de interesse público.

Efectivamente, a norma do então artigo 24.º, n.º 5, foi julgada inconstitucional "enquanto interpretada por forma a excluir de "solo apto para construção' os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes da utilidade pública agrícola" (Acórdão 267/97). Note-se, contudo, que, no caso concreto em apreço pelo referido acórdão, este Tribunal apreciou uma expropriação por declaração de utilidade pública que visava permitir a construção de um quartel de bombeiros. Ora, o Acórdão 267/97 reportou-se exclusivamente a uma situação de estrito paralelismo entre a possibilidade de construção de edifícios privados e de construção de edifícios públicos, nunca se pronunciando expressa e especificamente sobre expropriações que tivessem por objectivo a construção de estruturas rodoviárias.

Posteriormente, esta jurisprudência viria a ser alvo de sucessivos desenvolvimentos, passando este Tribunal a ter em devida conta a finalidade de cada uma das concretas expropriações, designadamente:

i) Quando aquelas se destinavam a permitir a construção de vias de comunicação (Acórdãos n.os 20/2000, 247/2000, 219/2001, 243/2001, 172/2002, 346/2003, 347/2003, 425/2003, 114/2005, 234/2007 e 239/2007);

ii) Quando se destinavam a permitir a construção de acessos a uma central de incineração (Acórdão 121/2002);

iii) Quando se destinavam a permitir a construção de uma central de incineração de resíduos urbanos e do respectivo aterro sanitário (Acórdão 155/2002);

iv) Quando se destinavam a permitir a construção de uma escola pública de ensino básico e obrigatório (Acórdão 333/2003);

v) Quando se destinavam a permitir a construção de uma escola pública de ensino secundário (Acórdão 557/2003);

vi) Quando se destinavam a permitir a construção de uma área de serviço de uma auto-estrada (Acórdão 276/2007).

Ainda por referência a decisões proferidas durante a vigência do Código das Expropriações de 1991, este Tribunal viria a julgar pela não inconstitucionalidade daquele normativo, através do Acórdão 20/2000, que decidiu "não julgar inconstitucional a norma do artigo 24.º, n.º 5, do Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação".

8 - Esta jurisprudência foi depois aplicada também ao preceituado equivalente do Código das Expropriações de 1999 e não só em relação a solos integrados na RAN expropriados para implantação de vias de comunicação, mas também expropriados para outros fins, conforme já demonstrado supra.

Uma resenha da evolução desta jurisprudência, pode ler-se no Acórdão 275/04:

"A norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 1991 foi julgada inconstitucional num único caso em que a administração classificou uma parcela de terreno, dotada de todas as infra-estruturas, como de utilidade pública agrícola e integrou-a, por isso, na RAN, para, posteriormente e uma vez desvalorizada, vir a adquiri-la, pagando por ela um valor correspondente ao de solo não apto para construção (a que acresce o facto de que a sua apropriação ocorreu apenas uma semana antes da publicação da Portaria 380/93, que, por sua vez, veio desafectar da RAN todo o terreno em que se situava a referida parcela). Em todos os restantes casos citados, nomeadamente em recursos interpostos de acórdãos do Tribunal da Relação do Porto (que recusara a aplicação, por inconstitucionalidade, daquela norma), e em que estavam em causa quer a construção de vias de comunicação, quer de diferentes edifícios, o Tribunal pronunciou-se, sempre, no sentido da não inconstitucionalidade. Ou seja, em todos os outros casos, mesmo naqueles em que a expropriação se não destinou a implantação de vias de comunicação mas sim de edifícios públicos - por exemplo, escolas -, o Tribunal Constitucional, não tendo dado conta de "qualquer actuação pré-ordenada da administração, traduzida em 'manipulação das regras urbanísticas', com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público", não julgou a norma inconstitucional."

Existe, portanto, uma jurisprudência firmada - e constante - deste Tribunal relativamente à questão de constitucionalidade suscitada.

9 - Em tese, enquanto posição subjectiva que atribui a um indivíduo ou a uma pessoa colectiva o poder de utilizar e de transformar o respectivo património, o direito fundamental de propriedade privada admite uma multiplicidade de manifestações, das quais se destacam: i) o direito de adquirir bens; ii) o direito de não ser privado de bens legalmente adquiridos; iii) o direito de fruição de bens legalmente adquiridos; iv) o direito de dispor livremente de bens legalmente adquiridos; v) o direito de transmitir, por morte ou em vida, onerosa ou gratuitamente, bens legalmente adquiridos.

Deve, aliás, sublinhar-se que esta pluridimensionalidade do direito de propriedade decorre directamente do próprio Direito Internacional (v. o artigo 17.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo 1.º, § 1, do Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 20 de Março de 1952), que, por força dos n.os 2 do artigo 8.º e 1 do artigo 16.º da CRP, vinculam imediatamente o legislador português e - em particular - este Tribunal Constitucional.

Para além disso, deve ainda mencionar-se o n.º 1 do artigo 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que protege o direito de propriedade privada nas suas diversas vertentes, destrinçando expressamente "o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte".

Em suma, a concepção internacional do direito de propriedade privada deve também ser tida em conta, para efeitos de interpretação do âmbito normativo do n.º 1 do artigo 62.º da CRP.

10 - Mas nem o Direito Constitucional Português nem o Direito Internacional impõem que o direito de propriedade deva ser garantido em termos absolutos.

Pelo contrário, como sucede com todos os direitos fundamentais - sem excepção -, o direito de propriedade não é garantido pela Constituição em termos absolutos, mas antes "nos termos da [própria] Constituição" (artigo 62.º, n.º 1), pelo que são admissíveis limites e restrições previstos e definidos noutros lugares da Constituição (e na lei, quando remete para ela a Constituição), por razões ambientais, de ordenamento do território, urbanísticas, económicas, de segurança, de defesa nacional (neste sentido, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 801). Um desses limites pode, precisamente, consistir na expropriação por utilidade pública (artigo 62.º, n.º 2, da CRP), o que também é aceite pelo Direito Internacional (artigo 1.º, § 1, do Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 20 de Março de 1952, e artigo 17.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais). Nesse caso, porém, o pagamento de justa indemnização figura como um pressuposto constitucional da mesma.

11 - A Constituição não estabelece, no entanto, qualquer critério indemnizatório, mas, como afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (op. cit., p. 808), "é evidente que os critérios definidos em lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição, não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas em relação à perda do bem expropriado. Por outro lado, a justa indemnização deve respeitar o princípio da equivalência de valores, expulsando desta equivalência valores especulativos ou ficcionados, decisivamente perturbadores da 'justa medida' que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua indemnização".

No caso em apreço, o critério indemnizatório está previsto no n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações e reconduz-se, no fundo, ao valor de mercado do bem.

Tendo-se dado como provado nos autos (acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, fl. 674) que, de acordo com o PDM de Guimarães, as parcelas expropriadas estão inseridas em zona de salvaguarda estrita (RAN e ou REN), não pode ter o seu proprietário uma expectativa razoável desse terreno vir a ser desafectado para nele se construir e, assim, invocar o ius aedificandi ou o direito de construção e o direito a justa indemnização, em caso de expropriação, para ver essa indemnização calculada com base em potencialidade construtiva que o terreno (legalmente) não tem.

Na verdade, nos solos integrados na zona de RAN ou em zona de REN, a possibilidade construtiva está fortemente restringida, só sendo permitida a construção em situações muito excepcionais.

O valor do terreno está, pois, limitado em consequência da existência de uma restrição legal ao direito de construção, e não tendo os proprietários qualquer expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção por particulares, não pode invocar-se o princípio da justa indemnização para pretender ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado aos expropriados uma potencialidade edificativa dos terrenos, legalmente inexistente e que, aliás, nem sequer corresponde à finalidade dada aos solos depois da expropriação (que, repete-se, não foi a edificação de construções urbanas, mas sim a construção de uma via de comunicação).

12 - O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar, diversas vezes, sobre o critério a atender no cálculo do valor da justa indemnização.

Com relevância para o caso em apreço, disse o Tribunal, no Acórdão 275/04, o seguinte:

"Assim, no Acórdão 243/2001 (Diário da República, 2.ª série, de 4 de Julho de 2001), afirmou-se o seguinte:

'[...] Ora, a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a factores especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade - um princípio de justiça, em suma. O quantum indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados: trata-se de assegurar que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos [...]'

[...]

A proibição de construir que incide sobre os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional é, aliás, na jurisprudência deste Tribunal, uma consequência da "vinculação situacional" da propriedade que incide sobre os solos com tais características. De facto, como se afirmou no Acórdão 347/2003 já citado:

"[...] de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis 274/92, de 12 de Dezembro e 278/95, de 25 de Outubro), REN (Decreto-Lei 93/90, de 19 de Março) ou áreas non aedificandi previstas nos planos directores municipais, planos de urbanização ou planos de pormenor (Decreto-Lei 69/90, de 2 de Março), não é possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua 'vinculação situacional', nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica. [...]"

Daí que se conclua que, embora, em teoria, seja crível que se possa construir em qualquer solo, o facto é que a integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária."

13 - Também não colhe o argumento invocado pelo recorrente na conclusão n.º X das suas alegações, a saber, que os princípios da igualdade e justa indemnização são afectados, também, na interpretação do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações, no sentido de se permitir ao mesmo Estado que ora expropria, atenta a descrição urbana fiscal dos terrenos, pagar, por um lado, como solo agrícola e fiscalmente e, por outro, receber dos proprietários/expropriados como solo urbano aproveitando-se de uma desvalorização de que ele próprio é o criador, pois esse é um problema a discutir noutra sede e não nesta. A ocorrer alguma inconstitucionalidade - que não deve nem pode ser sindicada nesta instância essa só poderia versar sobre o preceito normativo que permite a tributação do terreno em causa como prédio urbano e não como prédio rústico. Dispôs e dispõe ainda o recorrente dos meios processuais necessários à tutela de direitos e interesses legalmente protegidos que entenda violados pelo facto de o Estado tributar um terreno integrado na RAN como se de prédio urbano se tratasse.

Pelos fundamentos expostos, e pelos mais amplos, constantes dos acórdãos atrás mencionados, e ainda os do Acórdão 398/05, inteiramente transponíveis para a discussão do problema de constitucionalidade suscitado no presente recurso, para os quais se remete, conclui-se que as normas impugnadas nestes autos não violam "os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização" consagrados nos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da CRP invocados pelos recorrentes.

III - Decisão. - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não conhecer do objecto do recurso no que diz respeito aos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999;

b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido, na parte respeitante à questão de constitucionalidade do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1999.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.

Lisboa, 18 de Julho de 2007. - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Carlos Fernandes Cadilha - Gil Galvão.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1612921.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1989-03-28 - Decreto-Lei 96/89 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    Cria o Registo Internacional de Navios da Madeira-Mar, integrado na conservatória do registo comercial da zona franca da Madeira e funcionando na dependência do Ministério da Justiça.

  • Tem documento Em vigor 1989-06-14 - Decreto-Lei 196/89 - Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação

    Estabelece o novo regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN).

  • Tem documento Em vigor 1990-03-02 - Decreto-Lei 69/90 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    Disciplina o regime jurídico dos planos municipais de ordenamento do território.

  • Tem documento Em vigor 1990-03-19 - Decreto-Lei 93/90 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    Revê o regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (REN), estabelecido pelo Decreto-Lei nº 321/83 de 5 de Julho.

  • Tem documento Em vigor 1992-12-12 - Decreto-Lei 274/92 - Ministério da Agricultura

    Altera o Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, que define o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional.

  • Tem documento Em vigor 1993-04-03 - Portaria 380/93 - Ministério da Agricultura

    APROVA A CARTA DA RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL (RAN) RELATIVA AO MUNICÍPIO DE CHAVES.

  • Tem documento Em vigor 1995-10-25 - Decreto-Lei 278/95 - Ministério da Agricultura

    Procede a diversas adequações dos regimes jurídicos nos domínios cinegético, agrícola, vinícola e florestal.

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