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Acórdão 195/2007, de 17 de Maio

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Sumário

Julga inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da CRP), a norma constante do trecho final do artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de Junho, na parte em que determina que "a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que [tal pensão tenha sido] reque[rida]"

Texto do documento

Acórdão 195/2007

Processo 663/2004

1 - Relatório. - Maria José Freire Bailão intentou, no Tribunal de Família e de Menores e de Comarca do Barreiro, contra a Caixa Geral de Aposentações, "acção declarativa de simples apreciação positiva", pedindo que fosse "reconhecida e declarada a autora na qualidade de titular do direito às prestações por morte de Domingos da Paz Nobre, com fundamento na vivência em união de facto com o falecido por período superior a dois anos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 322/90, de 18 de Outubro, nos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Decreto Regulamentar 1/94, de 18 de Janeiro, no artigo 2020.º do Código Civil e na Lei 7/2001, de 11 de Maio, as quais deverão ser suportadas pela Caixa Geral de Aposentações".

Remetidos os autos ao Tribunal da Comarca de Lisboa, por ser considerado o territorialmente competente (fl. 37), foi, por sentença da 14.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa de 6 de Dezembro de 2002 (fls. 86 a 89), a acção julgada totalmente provada e procedente, "reconhecendo à autora o direito a alimentos da herança do falecido Domingos da Paz Nobre e, uma vez que esta herança é desprovida de bens, declarando que a autora está em condições de solicitar à ré uma pensão de sobrevivência por óbito do falecido, e desde a data do óbito".

A ré apelou desta sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando, em síntese, que, nos termos do artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei 142/73, de 31 de Março, a pessoa que estiver nas condições do artigo 2020.º do Código Civil só será considerada herdeira hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência, depois da sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos, caso em que a pensão só será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que seja requerida, com a apresentação dos documentos necessários, incluindo certidão da referida sentença - e não desde a data do óbito do contribuinte, como decidiu a sentença apelada.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 2 de Outubro de 2003 (fls. 129 a 137), julgou "a apelação improcedente, não aplicando, porque materialmente inconstitucional, o artigo 41.º, n.º 2, do Decreto-Lei 142/73, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 191-B/79, de 25 de Junho, na parte em que dispõe que 'a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que o requeira [...]' e aplicando, antes, a regra decorrente do artigo 6.º do Decreto Regulamentar 1/94, de 18 de Janeiro", e alterou em parte a sentença recorrida, declarando que "a pensão de sobrevivência a pagar à autora é devida a partir do início do mês seguinte ao do óbito do beneficiário Domingos da Paz Nobre, se for requerida no prazo de seis meses posteriores ao trânsito em julgado da decisão final deste processo, ou a partir do início do mês seguinte ao da apresentação do requerimento, se requerida após o decurso daquele prazo".

A ré interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, em suma, que, nos termos do disposto no artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, a pensão de sobrevivência só é devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que o interessado a requeira, não acarretando qualquer inconstitucionalidade a existência de regimes diferentes no âmbito da protecção social portuguesa.

Por acórdão de 22 de Abril de 2004 (fls. 157 a 173), o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento à revista, com a seguinte fundamentação:

"5 - Lembremos, entretanto, o seguinte:

No seu recurso, a recorrente não põe em causa os pressupostos do artigo 2020.º do Código Civil, relativamente à necessidade do direito a alimentos - matéria que foi objecto de discórdia por parte do voto de vencido, na Relação, e agora não releva, por não estar impugnada na revista (o problema da constitucionalidade, ou não, do n.º 1 do artigo 40.º e do n.º 2 do artigo 41.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, enquanto fazem depender o direito à pensão, entre o mais, de o companheiro sobrevivo provar a impossibilidade de obtenção de alimentos da herança do companheiro falecido ou dos próprios herdeiros do companheiro vivo, foi resolvido pela inconstitucionalidade, através do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 88/2004, de 10 de Fevereiro, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 16 de Abril de 2004, p. 5962 e segs.).

É por isso que o objecto de conhecimento da revista se limita a saber a partir de que momento é devida a pensão de sobrevivência à requerente/recorrida, que vivia em união de facto com o falecido, funcionário/contribuinte.

A Caixa/recorrente responde: [A] pensão de sobrevivência é devida só após a decisão que considere a autora herdeira hábil e lhe fixe o direito a alimentos, e a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira.

Por sua vez, a decisão recorrida responde, dizendo que a pensão de sobrevivência a pagar à autora é devida a partir do início do mês seguinte ao do óbito do contribuinte, Domingos da Paz Nobre, se for requerida no prazo de seis meses posteriores ao trânsito em julgado da decisão final deste processo, ou a partir do início do mês seguinte ao da apresentação do requerimento, se requerida após o decurso daquele prazo.

6 - A Caixa Geral de Aposentações defende a sua posição, socorrendo-se do artigo 41.º, n.º 2 (de forma paralela ao que estabelece o artigo 30.º, n.º 1), do Decreto-Lei 142/73, de 31 de Março (Estatuto das Pensões de Sobrevivência), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 191-B/79, de 25 de Fevereiro, ao dispor:

'Aquele que, no momento da morte do contribuinte, estiver nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil, só será considerado herdeiro hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência, depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos, e a pensão de sobrevivência será devida, a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido direito.'

Já a decisão recorrida, tendo em consideração este preceito, considera o materialmente inconstitucional, e substituído pela regra decorrente do artigo 6.º do Decreto Regulamentar 1/94, de 18 de Janeiro, que prevê que:

'A pensão de sobrevivência é atribuída a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença, ou a partir do início do mês seguinte ao da apresentação do requerimento, após decurso daquele prazo.'

7 - Haverá alguma razão para diferenciar a mulher do contribuinte da companheira?

Parece-nos que sim, indo ao encontro das conclusões c), d) e e) da recorrente. Vejamos em que aspecto.

Como se salientou já, o artigo 30.º, n.º 1, estabelece que a pensão de sobrevivência é devida, desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que se verificar o óbito do contribuinte [...]; e o artigo 41.º, n.º 2, relega essa data para depois da sentença que reconheça os pressupostos de aplicação do artigo 2020.º do Código Civil, para considerar, ou não, herdeiro hábil do (ou da) contribuinte, a pessoa que com ele (ou ela) vivia em união de facto ou o ex-cônjuge dele (ou dela) divorciado.

Para o efeito de atribuição da pensão de sobrevivência, a lei diferencia os herdeiros hábeis, por força de lei (artigo 40.º - cônjuge, filhos, descendentes e ascendentes aí indicados); e o (a) ex-cônjuge e a pessoa em união de facto (artigo 41.º).

E diferencia porque o artigo 41.º exige, no n.º 2, para o ex-cônjuge e para a pessoa que viva em união de facto, a verificação, por decisão judicial, da necessidade de reconhecimento judicial do direito de receber alimentos do contribuinte, não os podendo obter de outrem com dever de os prestar.

E só o considera herdeiro hábil, se a sentença reconhecer o direito a alimentos, previsto pelo dito artigo 2020.º do Código Civil.

E só depois poderá requerer a pensão.

Vale assim uma diferença, qual seja, a de que, para o cônjuge, a atribuição é automática, por lei; para o companheiro ou ex-cônjuge, a atribuição depende da verificação judicial da necessidade da prestação alimentar.

Tudo parece certo, tem alguma lógica, vindo ao encontro das conclusões da recorrente, como se disse acima.

Mas a diferença de situações de facto e a correspondente valoração jurídica afigura se que devem acabar aqui.

É o que iremos ver.

8 - Reconhecido judicialmente o direito a alimentos, perturba o raciocínio, face ao indicado n.º 2 do artigo 42.º, que o artigo 6.º do Decreto Regulamentar 1/94, de 18 de Janeiro, acima transcrito, partindo do mesmo pressuposto de necessidade de reconhecimento judicial de herdeiro hábil, venha dizer que:

'A pensão de sobrevivência é atribuída, a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença'

9 - Não se pode dizer que há um regime padrão, que é o da função pública [podendo ser inconstitucional antes o regime geral da segurança social - conclusão f)].

Parece mesmo ousada a afirmação e ausente de qualquer racionalidade de solidariedade social, no plano constitucional, e como valor e tarefa de Estado, em que este direito à segurança social é colocado [artigos 9.º, alínea d), e 63.º, n.º 1].

Bom é de ver que, na generalidade, morrendo o titular/contribuinte, falha a participação deste nas despesas comuns com os seus herdeiros hábeis (indicados pela ordem do artigo 40.º).

É então mister que a lei se preocupe, louvavelmente, em lhes assegurar a sobrevivência, logo a partir do mês seguinte ao falecimento, porque secou a fonte do rendimento que o contribuinte auferia e, com ele, lhes proporcionava o bem-estar ou qualidade de vida, possíveis.

A tal propósito, diz o n.º 2 do relatório preambular do Decreto-Lei 142/73 que:

'Impunha-se rever o sistema e instituir um novo regime que, para responder apropriadamente às necessidades dos servidores do Estado, se alicerçasse numa concepção profundamente diversa de previdência [...] No âmbito do presente Estatuto, a pensão de sobrevivência surge como um benefício que o Estado concede aos seus servidores, nos termos e limites da lei, e que não depende da vontade dos interessados.'

Ou seja, impõe se um regime de obrigatoriedade de inscrição, por razões de protecção, previdência e segurança social dos funcionários e agentes da Administração Pública, no mais lato sentido, que o regime facultativo anterior não possibilitava.

(São conhecidas, aliás, situações de verdadeira miséria de familiares muito próximos de funcionários falecidos, que, por não haver, então, pensão de sobrevivência, passaram, nessa altura, a sobreviver de donativos de amigos e colegas, depositados em conta aberta para tal finalidade!)

10 - Ora, quando se trata de determinar o dia a partir do qual a pensão de sobrevivência deve ser recebida, nas situações em que o direito a alimentos depende da verificação judicial dos requisitos previstos pelo artigo 2020.º, n.º 1, do Código Civil, naturalmente que a data deve ser igual para todos os beneficiários que tenham o direito judicialmente verificado.

Ou se aplica o regime da função pública (a indicada norma do Estatuto da Aposentação), ou se aplica o artigo 6.º, também indicado, do regime geral da segurança social.

É razoável que prevaleça a vontade do legislador manifestada em último lugar. A vontade legislativa mais recente. (Por várias pistas de reflexão: revogação tácita, ou expressa; ou substituição da vontade anterior; ou, caso não se aplique a lei inovadora, poderá haver lugar a discriminações negativas em relação a situações iguais anteriores - o que é susceptível de gerar inconstitucionalidade material da previsão de norma anterior, porque fica desfavorecida a situação que lhe corresponde, em relação à previsão e estatuição da nova lei).

11 - Várias vezes o problema tem sido levantado na jurisprudência.

E sempre esta, de um modo geral, teve como prevalente a disciplina do dito artigo 6.º, por considerar materialmente inconstitucional o preceituado no artigo 41.º, n.º 2, transcrito, na parte em que fixa que '[...] a pensão de sobrevivência, aí prevista, será devida em data posterior à sentença que reconheça o direito alimentos ao companheiro(a) ou ex-cônjuge', enquanto que o artigo 6.º fixa a mesma data, mas '[...] a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença que reconhece o direito a alimentos'. [A mais paradigmática em relação ao caso em apreço é a que resulta do acórdão deste Tribunal, proferido na revista n.º 798/01, de 31 de Maio (relator: conselheiro Araújo Barros). Com publicação na Colectânea de Jurisprudência, encontrámos, o Acórdão da Relação de Évora de 9 de Novembro de 2000 (desembargadora Laura Leonardo - hoje conselheira), ano XXV, t. V, 2000, pp. 257-260.]

É efectivamente aqui que não encontramos razões plausíveis para explicar a diferença (significativa diferença) de datas de início do vencimento da pensão de sobrevivência, para o exercício de direitos que são rigorosamente iguais, relativamente: aos titulares do direito à pensão, aos pressupostos do seu exercício e ao seu conteúdo patrimonial.

E sem esquecer - o que não é menos importante - que obedecem à mesma necessidade social do beneficiário carente.

Tudo isto, consequentemente, quer se trate de ex-cônjuge ou 'companheiro' do trabalhador, agente ou funcionário da Administração Pública, quer se trate de um outro qualquer trabalhador da função privada, dependente ou liberal.

O direito à igualdade material de tratamento do que é igual, não consente, por isso, qualquer discriminação positiva a favor do direito social à pensão de sobrevivência originado pelo exercício da função pública e originado pelo exercício da função privada, relativamente à data de início de vencimento da pensão.

Discriminar pela negativa, sem uma razão objectivamente fundamentadora da diferença, seria usar de dois pesos e de duas medidas para ponderações e tamanhos exactamente iguais.

12 - Afirmação que leva a duas últimas reflexões ainda no plano constitucional.

A primeira reflexão: respeita à igualdade de tratamento de todos os cidadãos perante a lei, como princípio ínsito (artigo 2.º) e expresso (artigo 13.º) na Constituição da República.

Temos a consciência de que pouco, ou nada, haverá mais a dizer que já não tenha sido dito sobre o princípio da igualdade constitucional.

Lembraremos apenas que a igualdade real entre os Portugueses, quanto aos direitos económicos e sociais de que fala o artigo 9.º, alínea d), e o sistema unificado da segurança social de que fala artigo 63.º, n.º 2, revelam a manifestação de princípios tendenciais que vão fazendo o seu caminho, em vista a uma efectividade relativa, já que a igualdade real - é intuitivo - não existe, por razões inerentes à pessoa e à vida.

Mas a manifestação de tendência da igualdade possível (mesmo a das oportunidades) reflecte uma preocupação constitucional que orienta o legislador e o juiz num caminho, respectivamente, criativo e interpretativo, que se faz pelo percurso gradualista, evitando a turbulência social grave, no espaço do objectivamente possível, dos desafios constitucionais da igualdade de todos os cidadãos perante a lei - ainda aqui, e ainda assim, como expressão de um princípio maior que é o do merecimento e da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição). [O princípio da dignidade da pessoa humana constitui o pórtico de todas as Constituições dos Estados membros da União Europeia, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 1.º), do Tratado da União Europeia (artigo 6.º), como também surge logo no artigo 2.º, "Valores da União", - do projecto da Constituição para Europa, que aguarda eventual aprovação, no Conselho Europeu de Junho, a avaliar por notícias divulgadas pela Comunicação Social (?).]

A essência do princípio da igualdade parte da necessidade de verificação de comunhão ou núcleo comum existente entre objectos ou sujeitos diversos; depende do carácter idêntico ou distinto dos seus elementos essenciais [sobre este e outros aspectos, com vasta referência doutrinal e jurisprudencial, veja-se Da Igualdade, Introdução à Jurisprudência, do Professor Martim de Albuquerque, pp. 334 e 335, e as extensas notas (Livraria Almedina, 1993)].

Quanto a nós, exige-se a mesma conformação do ôntico (essência do ser) e a mesma modelação normativa do dever ser que se lhe reporta (dever ser jurídico), justificados pela racionalidade axiológica comum.

Essência e conformação estas que são dirigidas, como atrás se disse, ao legislador e ao intérprete, ou seja, a quem cria ou a quem aplica a norma, referenciado sempre pela margem de liberdade de legislar e de julgar, nos parâmetros definidos pela Constituição e pelos princípios em que se inspira, para a época histórica a que se destina reger.

Há assim um primado de racionalidade constitucional imanente que orienta um e outro dos agentes, criativos e aplicadores da lei.

Racionalidade que não suporta um certo grau de intolerabilidade constitutiva da subversão da justiça, sobretudo da justiça distributiva, quando há igualdade de situações, e diferença de modelações normativas correspondentes, nos termos que vêm sendo reflectidos atrás.

O Professor Gomes Canotilho, ao que pensamos, traduz esta ideia ao dizer que a igualdade constitucional remete para a essencialidade das características com base nas quais merecem ou não igual tratamento jurídico situações idênticas.

A segunda reflexão, há pouco deixada em aberto, é a seguinte, e por brevitatis causa:

A solução preconizada pela recorrente, ao defender a aplicação do regime geral da função pública [conclusões f), g) e h)], violaria o princípio constitucional da proibição do retrocesso social, contido no trajecto gradualista acima explicado [sobre o princípio da proibição do retrocesso social, ver, para citar a fonte mais recente, Professor Rui Medeiros, Direito Constitucional, capítulo IV, 'Direitos fundamentais', catálogo português dos direitos fundamentais (Lições da UCP, 2002-2003). Particularmente sobre a possível radicação deste princípio na esfera jurídica dos particulares, veja-se a monografia do Professor Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª ed., 2001, em especial p. 391, n.º 3.5, e referências doutrinais ao tema, na n. 52 da mesma página].

De facto, este regime, no aspecto particular em consideração, comparado com o estabelecido para a função privada, representaria um manifesto retorno social, independentemente de desigualar situações idênticas, nos termos que ficaram expostos.

Não consente a Constituição que, no âmbito de direitos fundamentais ou análogos - artigos 16.º, 17.º e 18.º - em condições normais do exercício do poder, se volte para trás ou, no mínimo, se impeça "o Estado social" [artigos 2.º, 9.º, alínea d), e 63.º, n.º 3] de andar para a frente.

E era o que sucederia, se vingasse a tese da recorrente!

13 - Ora, já vimos, em momento anterior, que o início de vencimento do direito à pensão de sobrevivência do 'companheiro' ou ex-cônjuge, reconhecido que foi por sentença transitada, não tem qualquer diferença, de natureza, de titularidade, de afectação, de necessidade e de conteúdo patrimonial, quando oriundo de um contribuinte da segurança social ou da Caixa Geral de Aposentações.

Trata-se de situações típicas de identidade, que não faz qualquer sentido constitucional desigualar.

Em síntese, e ainda pela negativa, não se encontram fundamentos de facto e da correspondente valoração que justifiquem um tratamento diferenciado das duas situações atributivas do direito à pensão de sobrevivência, que o ordenamento jurídico formalmente discrimina, quanto à data de começo de vencimento da pensão, privilegiando uma, desfavorecendo a outra, tratando desigualmente o que é essencialmente igual - o que não pode ser consentido por um Estado de direito, nem para tanto estaria legitimado o juiz (respectivamente artigos 2.º e 204.º da Constituição).

Constituição que, assim sendo, independentemente desta análise, também estabelece um princípio de impedimento do retrocesso social - que o juiz (e o Estado de direito) não podem deixar, ainda, de ter em conta.

14 - Que é como quem diz que não encontramos motivos para mudar o rumo da jurisprudência sobre esta matéria específica, relativa ao ponto específico da data de início de prazo de vencimento da pensão de sobrevivência, para as situações do tipo contemplado na presente revista.

Tanto mais que o legislador ordinário, manifestando-se claramente pelo progresso social (contra o dito retrocesso), tem vindo a dar os tais sinais de evolução social, progressiva e gradualista nesta área, alargando o espaço de cobertura social da união de facto, particularmente agora, com a Lei 7/2001, de 11 de Maio, que refere expressamente o regime de segurança social, a benefício do 'companheiro' sobrevivente [artigo 3.º, alínea e), 'protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei]'."

Contra este acórdão interpôs a ré recorrente Caixa Geral de Aposentações recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), visando a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei 142/73, de 31 de Março, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 191-B/79, de 25 de Junho, na dimensão cuja aplicação foi recusada pelo acórdão recorrido, com fundamento em inconstitucionalidade.

Neste Tribunal, a recorrente apresentou alegações, que terminam com a formulação das seguintes conclusões:

"1.ª Entende a recorrente que não pode reconhecer se à autora um direito cuja titularidade tem como pressuposto a aquisição da qualidade de herdeira hábil previamente à verificação desta condição.

2.ª Estabelecendo o n.º 2 do artigo 41.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei 142/73, de 31 de Março, que '2 - Aquele que, no momento da morte do contribuinte, estiver nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil, só será considerado herdeiro hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência, depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido direito', quer isto dizer que aquando da morte do pensionista Domingos Paz Nobre, aquela que posteriormente se veio a apurar ser sua companheira não era ainda herdeira hábil, pois, para que pudesse vir a ser como tal reconhecida, teve ainda de recorrer aos tribunais a fim de obter uma sentença judicial que lhe fixasse o direito a alimentos.

3.ª Se a autora, ora recorrida, fosse, desde logo, considerada herdeira hábil, estar-se-ia a dar por assente aquilo que o Tribunal iria posteriormente apreciar.

4.ª Não é por acaso que o legislador, no mencionado preceito atrás transcrito, emprega expressamente a expressão 'só' será considerado herdeiro hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência, 'depois' de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos.

5.ª Mas o legislador não fica por aqui, pois na parte final do mencionado preceito em análise diz também expressamente desde quando a pensão é devida - a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, e enquanto se mantiver o referido direito.

6.ª Nada permitia que o STJ, no douto acórdão recorrido, reconhecesse à autora o direito à pensão de sobrevivência desde o dia 1 do mês seguinte ao óbito do pensionista, se requerido no prazo de seis meses a contar do trânsito em julgado, ou do dia 1 do mês seguinte àquele em que fosse requerido, nos demais casos.

7.ª O douto acórdão recorrido reconheceu à autora o direito ao recebimento da pensão de sobrevivência desde uma data em que a mesma ainda não era herdeira hábil e que, portanto, ainda não era detentora de uma sentença judicial que lhe fixasse o direito a alimentos.

8.ª Àquele argumento, de ordem lógica, acresce um outro para considerar que a norma do EPS não é materialmente inconstitucional: por que razão não seria antes inconstitucional o regime da segurança social? O que leva a considerar aquele como padrão a seguir? O acórdão não o esclarece.

9.ª Inconstitucional seria se a norma do EPS tratasse diferentemente subscritores da CGA na mesma situação de forma diferente. No limite, a tese do acórdão leva a que possa existir apenas um regime de protecção social no País. Os regimes especiais - com regras próprias (que têm de se considerar no contexto do regime em que se inserem) - seriam todos inconstitucionais.

10.ª A inconstitucionalidade afere se pela violação da Constituição, nunca pela 'desconformidade' com outras normas de idêntica dignidade aplicáveis a diferente universo pessoal. E o facto de o regime da CGA ser, em determinados aspectos (poucos, como é sabido) menos favorável do que o regime geral de segurança social não autoriza a desprezar as regras daquele em favor de uma aplicação directa deste (sob pena de se deverem fundir - por via jurisdicional - os dois regimes, aproveitando-se, portanto, as partes de cada um consideradas mais interessantes, como sendo neste caso uma taxa de contribuição para a CGA inferior àquela que é devida na segurança social).

11.ª Não pode pretender colocar-se no mesmo plano realidades inteiramente distintas: um regime de natureza estatutária, em que na generalidade dos casos há apenas uma contribuição do trabalhador (de 10%), e outro de carácter assistencialista, em que a contribuição é repartida entre empregador e trabalhador e atinge o valor global de 23,75%.

12.ª O princípio da igualdade apenas impõe um tratamento igual quando exista identidade de situações; ora, no caso, os regimes são claramente diferentes, até no valor das prestações concedidas.

13.ª Quanto ao alegado retrocesso social que a tese da recorrente introduziria, importa recordar que para que pudesse existir recuo se tornava necessário que alguma vez tivesse existido progresso. Ora, no âmbito do regime da função pública, nunca existiu regra que mandasse atender a momento anterior àquele em que o contribuinte deve considerar-se herdeiro hábil para efeitos de atribuição da pensão de sobrevivência a companheiros de contribuintes falecidos. Não faz, pois, qualquer sentido convocar tal princípio."

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação. - Constitui objecto do presente recurso a questão da constitucionalidade da norma do artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei 142/73, de 31 de Março, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 191-B/79, de 25 de Junho (doravante designado por EPS), enquanto determina que a pensão de sobrevivência a que tem direito a pessoa que viveu em união de facto com o funcionário falecido, considerada herdeira hábil por sentença judicial que lhe fixou o direito a alimentos, só é devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que seja requerida.

A orientação traçada no acórdão recorrido tem sido seguida pela subsequente jurisprudência dos tribunais judiciais: cf., a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2007, processo 136/07 (em www.dgsi.pt/jstj), do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5 de Maio de 2005, processo 9951/05, de 15 de Dezembro de 2005, processo 10876/05, e de 20 de Junho de 2006, processo 1784/06 (em www.dgsi.pt/jtrl), do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Outubro de 2006, processo 1215/06 (em www.dgsi.pt/jtrc), e do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Outubro de 2005, processo 1796/05 (em www.dgsi.pt/jtrg).

A questão que constitui objecto do presente recurso foi entretanto objecto de decisão do Tribunal Constitucional, que, no Acórdão 522/2006, julgou inconstitucional a norma em causa, desenvolvendo-se, para o efeito, a seguinte argumentação:

"2.2 - Está em causa - e assim entramos na apreciação da questão de fundo - a norma constante do artigo 41.º, n.º 2, do EPS (o Decreto-Lei 191-B/79, de 25 de Junho, que conferiu à norma a redacção aqui em causa, foi objecto da rectificação decorrente da Declaração publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 193, de 22 de Agosto de 1979). Esta norma, sob a epígrafe '[E]x-cônjuge e pessoa em união de facto', dispõe o seguinte:

'Artigo 41.º

1 - ...

2 - Aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil só será considerado herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido direito.'

Desta norma interessa ao presente recurso, tão-só, o segmento (que se sublinhou na transcrição) respeitante ao momento a partir do qual a pensão, devida àquele que já obteve a sentença judicial referida na primeira parte do preceito, deve ser satisfeita, ou seja, o trecho que diz que tal pensão vence a partir do dia 1 do mês subsequente àquele em que foi requerida.

2.2.1 - Trata-se - a inconstitucionalidade deste trecho final do n.º 2 do artigo 41.º do EPS - de questão com a qual o Tribunal Constitucional já foi confrontado, mas relativamente à qual nunca chegou a tomar posição. Com efeito, contrariamente ao que aqui (pela primeira vez) sucede, a prévia apreciação da conformidade constitucional da primeira parte do artigo 41.º, n.º 2, sempre tem funcionado como obstáculo a que o Tribunal se pronuncie sobre a questão (logicamente subsequente) do momento a partir do qual a pensão era devida, já que todas essas situações anteriores resultaram no reenvio dos respectivos processos para determinação do preenchimento das condições previstas nessa primeira parte do n.º 2 do artigo 41.º do EPS (v., por todos, o Acórdão 644/2005, disponível, tal como os adiante indicados, em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).

Ora, neste caso, a questão do direito à pensão de sobrevivência por parte do 'viúvo de facto' já foi resolvida, estando, por isso, ultrapassada, não interferindo, contrariamente ao que até agora tem sucedido na jurisprudência deste Tribunal, com a aplicação do trecho final da norma, que fixa o momento a partir do qual a pensão é devida. Deixou, assim, de estar em causa - e trata-se de um elemento importante na subsequente indagação de constitucionalidade - uma questão que convoque, para aferição do respeito pelo princípio da igualdade, qualquer comparação dos regimes decorrentes do casamento e da união de facto [a evolução do entendimento do Tribunal Constitucional, relativamente a esse (outro) problema, pode ser apreciada numa leitura sequencial dos Acórdãos n.os 88/2004 (Diário da República, 2.ª série, de 16 de Abril de 2004, pp. 5962-5967), 159/2005 (Diário da República, 2.ª série, de 23 de Dezembro de 2005, pp. 18 056-18 062) e 614/2005 (Diário da República, 2.ª série, de 29 de Dezembro de 2005, pp. 18 116-18 118)]. Trata se aqui, portanto, de comparar as situações de quem, como sucede com a recorrida, já viu judicialmente reconhecidos os pressupostos do direito à pensão de sobrevivência, por morte daquele com quem viveu em união de facto, restando apenas determinar o momento a partir do qual tal pensão é devida.

Sublinha-se com esta caracterização um elemento específico que a abordagem deste recurso, na perspectiva do princípio da igualdade, implica, traduzido na convocação de um 'par de comparação', distinto daquele que os citados Acórdãos n.os 88/2004, 159/2005 e 614/2005 convocavam. Comparam-se aqui, interessa não o esquecer, situações sempre respeitantes à união de facto, nas quais o controlo da observância do mencionado princípio só relaciona quem, tendo vivido 'em união de facto há mais de dois anos' (artigo 1.º, n.º 1, da Lei 7/2001), obteve o reconhecimento judicial desse facto, enquanto pressuposto específico do direito a receber a prestação consubstanciada na pensão de sobrevivência.

2.2.2 - Tendo presentes estes elementos, importa avançar para a concreta comparação que o princípio da igualdade neste caso pressupõe. Está em causa, nos termos em que a decisão recorrida coloca a questão e sempre no quadro geral da união de facto, relacionar a situação daqueles que, tendo adquirido o direito a auferir uma pensão de sobrevivência por morte do respectivo cônjuge de facto, se diferenciam, tão-só, pela circunstância de essa pensão se gerar por morte de um funcionário ou agente da Administração Pública (situação em causa no presente recurso), ou por morte de um beneficiário do denominado regime geral da segurança social.

No primeiro caso, definido judicialmente o direito à pensão, é a mesma devida, nos termos da norma em apreciação, desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que tal pensão foi requerida. No segundo caso, gerado no âmbito do regime geral, a mesma pensão - ou seja, a pensão adquirida com base em pressupostos de facto substancialmente idênticos - é devida, nos termos do artigo 6.º do Decreto Regulamentar 1/94, de 18 de Janeiro, se requerida nos seis meses posteriores ao trânsito da decisão judicial que reconheça tal direito, 'a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário'. Sendo distintos os momentos fixados em cada caso para o começo das prestações (mais cedo relativamente aos beneficiários de pensão gerada no regime geral), coloca-se a questão da observância do princípio constitucional da igualdade relativamente a quem, fora do quadro desse regime geral, tenha actuado dentro de lapsos de tempo que conduziriam à primeira hipótese prevista no artigo 6.º do Decreto Regulamentar 1/94. É esta, enfim, a questão de igualdade que aqui importa dilucidar.

2.2.2.1 - Constitui jurisprudência assente e reiterada deste Tribunal a caracterização do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º da CRP, como proibição do arbítrio (cf. o Acórdão 232/2003, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 17 de Junho de 2003, pp. 3514-3531). Com tal sentido, nas palavras do Tribunal Constitucional, ''[o] princípio [da igualdade] não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, 'razoável, racional e objectivamente fundadas', sob pena de, assim não sucedendo, 'estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes' [...] Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada [...]'' (Acórdão 319/2000, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 18 de Outubro de 2000, pp. 16 785 e 16 786).

Na sugestiva formulação do Tribunal Constitucional alemão (citado por Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt, 1986, p. 370), o carácter arbitrário de uma diferenciação legal decorre da circunstância de 'não ser possível encontrar [...] um motivo razoável, que surja da própria natureza das coisas ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível'. Daí que '[n]ão exista razão suficiente para a permissão de uma diferenciação [legal] se todos os motivos passíveis de ser tomados em conta tiverem de ser considerados insuficientes. É justamente o que sucede, quando não se logra atingir uma fundamentação justificativa da diferenciação [...] A máxima de igualdade implica, assim, um ónus de argumentação justificativa para tratamentos desiguais' (Robert Alexy, ob. cit., p. 371).

2.2.2.2 - Constitui aqui elemento de igualdade fáctica a circunstância, comum aos dois termos da comparação, de o direito à pensão de sobrevivência ter sido adquirido em função do reconhecimento judicial de uma situação de união de facto com um beneficiário ou subscritor falecido. Este elemento, não expressando uma situação de igualdade fáctica absoluta, já que compara pensões geradas no chamado regime geral com pensões geradas no âmbito do regime dos funcionários e agentes da Administração Pública, permite, no entanto, a qualificação da situação de ambos como essencialmente igual, isto em função de uma expressiva preponderância de elementos comuns. De facto, apreciando os dois regimes (o geral e o da Administração Pública), constata-se ocorrer em ambos, de forma substancialmente idêntica, a projecção da 'relação jurídica de segurança social' (v. a caracterização desta em Ilídio das Neves, Direito da Segurança Social, Coimbra, 1996, pp. 299-309) na situação de união de facto, expressando esta (a união de facto), nos dois regimes e na base dos mesmos pressupostos, 'a relação jurídica de vinculação, que assegura a ligação jurídica dos interessados ao sistema' (Ilídio das Neves, ob. cit., p. 308).

A este propósito cumpre sublinhar não colher o argumento - que parece ser o único argumento da recorrente - segundo o qual um alegado (e hipotético) 'valor muito inferior' (conclusão 8.ª das alegações; cf. fl. 180) das pensões pagas pelo regime geral justificaria a diferenciação decorrente da norma ora em causa. Desde logo, porque o montante das pensões de sobrevivência pagas nos dois regimes varia em função de elementos cuja multiplicidade e coerência, dentro de cada um desses regimes, torna descabida uma comparação (dos dois regimes) assente na variável 'valor da pensão' (v., quanto ao cálculo das pensões aqui em causa nos dois regimes, o artigo 28.º do EPS e os artigos 24.º e 25.º do Decreto-Lei 322/90, de 18 de Outubro, ex vi do disposto no artigo 1.º do Decreto Regulamentar 1/94, de 18 de Janeiro). Por outro lado, tal elemento ('valor da pensão') deixa intocada a já referida expressiva preponderância de elementos comuns, ou seja, não descaracteriza as duas situações como sendo de igualdade essencial: em ambas se adquire o direito à pensão com base nos mesmos pressupostos e através de procedimentos substancialmente idênticos.

Nesta situação, que - repete-se - é de igualdade naquilo que expressa a essência relevante para a comparação, quaisquer especificidades do chamado regime geral de segurança social, relativamente ao regime de segurança social dos funcionários e agentes da Administração Pública, porque referidas, como já se indicou, a elementos não relevantes para esta comparação concreta, perdem sentido e deixam de justificar, quanto à fixação do momento a partir do qual a pensão é devida, um tratamento menos vantajoso, como o decorrente do segmento final do n.º 2 do artigo 41.º do EPS, comparativamente ao artigo 6.º do Decreto Regulamentar 1/94. Não obstante, relativamente a essas (possíveis) especificidades de cada um dos regimes, sublinhar-se-á que o 'programa constitucional' assenta, neste domínio, na ideia de unificação do sistema de segurança social - '[i]ncumbe ao Estado organizar [...] um sistema de segurança social unificado' (artigo 63.º, n.º 2, da CRP) - e que, em tal quadro, a procura de soluções de igualdade não deixa de assumir uma espécie de 'valor reforçado' no plano da convergência entre os regimes de protecção social da função pública e 'os regimes do sistema de segurança social quanto ao âmbito material, regras de formação de direitos e atribuição das prestações' (artigo 124.º da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro, que estabelece as bases do sistema de segurança social).

Da ausência de uma justificação relevante para a mencionada diferenciação - e assim alcançamos uma conclusão - decorre a ofensa ao princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP) e, consequentemente, a correcção da recusa de aplicação da norma em causa por parte da decisão recorrida. Resta, por isso, confirmá-la."

Reiterando o entendimento então perfilhado, cumpre confirmar o juízo de inconstitucionalidade emitido pelo acórdão ora recorrido.

Apenas se acrescentará que, no sentido da "preferência" pela regra do regime geral da segurança social apontam - e isto independentemente da adesão que possam merecer as considerações tecidas no acórdão recorrido a proibição do princípio da "proibição do retrocesso" - fundamentalmente o reconhecimento de que essa regra integra a mais recente opção do legislador e ainda a própria natureza "alimentar" da prestação em causa. Este último aspecto foi especialmente salientado na recomendação 6/B/2006, do Provedor de Justiça (www.provedor-jus.pt/recomendacoes.php), onde se consignou:

"13 - Não há dúvida que o artigo 6.º do Decreto Regulamentar 1/94, de 18 de Janeiro, estabeleceu um regime muito mais generoso do que o preceito supracitado do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, tendo colocado um ponto final na distinção entre cônjuges e unidos de facto, a partir do momento em que estes se acham reconhecidos como herdeiros hábeis, por sentença judicial transitada em julgado.

14 - Já se viu, também, que as decisões jurisprudenciais mais recentes sobre esta matéria em concreto não encontram razões atendíveis que permitam justificar a diferença de datas de início do vencimento da pensão (muitas vezes significativas), entre o regime público e o regime geral de segurança social, para o exercício de direitos que são rigorosamente iguais.

15 - Atenta a natureza das pensões de sobrevivência, cuja finalidade é, para ambos os regimes (quer seja o da protecção social da função pública quer seja o do sistema de segurança social), a de compensar os familiares/herdeiros hábeis do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste, também não se me vislumbram outras justificações que possam estar na origem do estabelecimento de datas diferentes para o início do vencimento das pensões.

16 - Como bem refere Rita Lobo Xavier [in artigo intitulado 'Uniões de facto e pensão de sobrevivência. Anotação aos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 195/03 e 88/04', publicado na Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho-Setembro de 2004, pp. 16 e segs.], 'a atribuição da pensão de sobrevivência está intimamente relacionada com as implicações económicas da morte do beneficiário: os herdeiros hábeis terão de provar determinados factos de onde resulte que a morte do beneficiário implicou uma diminuição dos meios de subsistência'.

17 - Ora, nas situações em que esta prova já foi feita judicialmente e os respectivo) companheiro(a)/companheira reconhecidos como herdeiros hábeis, ou seja, em que se admitiu que os mesmos ficaram afectados nos seus meios de sobrevivência pela perda de rendimentos do trabalho que o de cujus auferia, não se vê por que razão a lei não lhes há de assegurar a pensão de sobrevivência a partir do momento em que deixaram de contar com tais rendimentos, isto é, a partir do início do mês seguinte ao do falecimento.

18 - De facto, parece me demasiado oneroso, injusto e desproporcional, fazer recair sobre os mesmos os prejuízos que podem advir da morosidade na tramitação dos processos judiciais que, nos casos que me foram relatados, ascenderam a cerca de dois anos, quando a mesma situação de morosidade irreleva no caso do regime geral de segurança social."

3 - Decisão. - Em face do exposto, acorda se em:

a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), a norma constante do trecho final do artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei 142/73, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 191-B/79, de 25 de Junho, na parte em que determina que a pensão de sobrevivência a que tenha direito aquele que, no momento da morte do contribuinte, estiver nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil, será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que tal pensão tenha sido requerida, e não - como ocorre, nos termos do Decreto Regulamentar 1/94, de 18 de Janeiro, para o regime geral da segurança social - a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença que reconheça o respectivo direito; e, consequentemente,

b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido, na parte impugnada.

Sem custas.

Lisboa, 14 de Março de 2007. - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Silva Rodrigues - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1566821.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1973-03-31 - Decreto-Lei 142/73 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro - Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência

    Aprova o estatuto das pensões de sobrevivência.

  • Tem documento Em vigor 1979-06-25 - Decreto-Lei 191-B/79 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério das Finanças e do Plano

    Revê o estatuto das pensões de sobrevivência, aprovado pelo Decreto Lei 142/73, de 31 de Março, e insere outras disposições sobre a matéria.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1990-10-18 - Decreto-Lei 322/90 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social.

  • Tem documento Em vigor 1994-01-18 - Decreto Regulamentar 1/94 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Define o regime de acesso às prestações por morte, no âmbito dos regimes de segurança social, previstas no Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, por parte das pessoas que se encontram na situação de união de facto.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2001-05-11 - Lei 7/2001 - Assembleia da República

    Adopta medidas de protecção das uniões de facto. No prazo de 90 dias serão publicados os diplomas regulamentares das normas da presente lei que de tal careçam.

  • Tem documento Em vigor 2002-12-20 - Lei 32/2002 - Assembleia da República

    Aprova as bases gerais da segurança social, bem como as atribuições prosseguidas pelas instituições de segurança social e a articulação com entidades particulares de fins análogos.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-17 - Acórdão 232/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade do segmento normativo que contém o critério respeitante aos candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores, constante da parte final da alínea a) do n.º 7 do artigo 25.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário.(Pocesso nº 306/2003)

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