Acordam na 2.ª secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - Em 25 de Setembro de 2001 foi distribuída ao 5.º Juízo do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, remetida pela Câmara Municipal de Lisboa, onde dera entrada, uma impugnação judicial da liquidação e cobrança de tarifa de conservação de esgotos referente a 1999, que fora efectuada por aquela edilidade em relação a dois imóveis da PORTIS - Hotéis Portuguesa, S. A., sitos em Lisboa.
Por sentença de 28 de Outubro de 2002 a impugnação foi julgada improcedente, mas a impugnante não se conformou e apresentou recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que encerrava com as seguintes conclusões:
"A taxa a cobrar por um ente público é um preço autoritariamente estabelecido embora pela sua natureza não sujeito aos mecanismos da oferta e procura, mas cujo valor deve respeitar um critério de reciprocidade face ao valor da contrapartida recebida pelo particular.
A tarifa de conservação estabelecida pelo artigo 77.º do edital 145/60, ao ser calculada com base no valor patrimonial do prédio e não nos efectivos encargos que os Serviços Municipais têm de suportar ao operar as obras de conservação da rede de esgotos, deixa de se configurar como uma taxa para se revelar um verdadeiro imposto.
Na redacção do artigo 4.º da lei geral tributária são os impostos, e não as taxas, que 'assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada nos termos da lei através do rendimento ou da sua utilização e do património'.
Diversamente, o carácter sinalagmático da taxa exige que, perante a prestação do sujeito passivo, seja contraposta uma prestação individualizada do ente público.
Esta prestação do ente público, ao contrário do que vem sendo superiormente entendido, sempre estará na base da quantificação do valor da prestação a pagar pelo sujeito passivo.
Devendo o montante da taxa corresponder (na íntegra) ao custo do bem ou serviço integrador da contraprestação do ente público.
O tributo liquidado e cobrado a título de taxa de conservação, ao ser calculado sobre o valor patrimonial dos prédios, e não sobre o serviço efectivamente prestado, para além de contrariar a equivalência desejável entre as duas prestações:
Propicia a ocorrência de situações em que o montante da taxa liquidada será marcadamente superior ao serviço prestado; e
Como tal, o tributo liquidado e cobrado pela Câmara Municipal de Lisboa deixa de se configurar como taxa e passa a assumir contornos de verdadeiro imposto, já que, conforme supra-referido, ao ser manifestamente superior ao serviço prestado, pressupõe uma certa capacidade contributiva, característica essencial desses mesmos impostos.
A receita em causa foi criada por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa que, ao estabelecer um verdadeiro imposto, é nula.
Podemos concluir que o montante liquidado e cobrado pela Câmara Municipal de Lisboa a título de taxa de conservação de esgotos não é devido, por ser aquele acto de liquidação ilegítimo, dada a ilegalidade e inconstitucionalidade do preceito de que resulta a criação da receita respectiva - as normas da tabela de taxas e outras receitas municipais que estabelecem o pagamento da taxa referida - vício que aqui se argui para todos os efeitos.
O acto em causa viola frontalmente os princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade, por exigir à impugnante o pagamento de tributo não previsto na lei.
É assim manifesto que o acto reclamado enferma de ilegalidade por violação de lei, inexistência de facto tributário e violação de princípios constitucionalmente consagrados."
Por Acórdão de 18 de Junho de 2003 o Supremo Tribunal Administrativo julgou-se incompetente, por ter entendido haver questões de facto a apreciar no recurso, razão pela qual este veio a ser remetido ao Tribunal Central Administrativo, onde, por Acórdão de 9 de Novembro de 2004, lhe foi negado provimento e confirmada a decisão recorrida.
Pode ler-se neste acórdão do Tribunal Central Administrativo:
"5 - Apreciando, pois:
5.1.1 - A tarifa em causa está prevista no Regulamento Geral das Canalizações de Esgotos da Cidade de Lisboa, aprovado por deliberação camarária de 22 de Julho de 1960, edital 145/60, publicado em 24 de Setembro no Diário do Município, com redacção introduzida pelo edital 76/96, e o montante liquidado resulta da aplicação do coeficiente de 0,25% ao valor patrimonial dos prédios em causa, de acordo com o artigo 77.º do disposto no edital.
E, como salienta a recorrente, a apreciação da questão aqui em causa passa, no essencial, pela delimitação dos conceitos de taxa e de imposto.
5.1.2 - Ora, essa temática encontra-se exaustivamente tratada, doutrinária e jurisprudencialmente, conforme se refere na sentença.
No sentido de que a taxa de conservação de esgotos é uma taxa e não um imposto e de que o diploma que criou esta taxa não foi tacitamente derrogado pelo diploma legal que criou a contribuição autárquica, se firmou já jurisprudência do STA e do Tribunal Constitucional (cf., entre outros, o Acórdão de 25 de Novembro de 99, recurso n.º 22593 do STA, e os demais arestos referenciados na sentença recorrida).
E a questão de saber se ocorre ilegalidade da liquidação com fundamento em que o artigo 76.º do RGCECL, na redacção do edital 60/90, viola o artigo 11.º do Decreto-Lei 31 674, de 22 de Novembro de 1941, na medida em que tal Regulamento alterou a base de incidência (ou de cálculo) da tarifa de ligação de esgotos estabelecida naquele diploma legal foi também já objecto de decisões da Secção de Contencioso Tributário do STA, nas quais se vem decidindo que as tarifas apenas estão sujeitas ao princípio da legalidade administrativa e não também ao da legalidade tributária (cf. Acórdãos do STA, de 24 de Fevereiro de 1988, recurso n.º 004778, de 2 de Maio de 1996, recurso n.º 018726, de 4 de Fevereiro de 1998, recurso n.º 021513, de 10 de Fevereiro de 1999, recurso n.º 020062, e de 25 de Novembro de 1999, recurso n.º 022593).
E tem sido essa, igualmente, a jurisprudência deste TCA (cf., entre outros, o Acórdão de 24 de Abril de 2001, recurso n.º 1386/98, e o Acórdão de 25 de Maio de 2004, recurso n.º 1115/03).
5.1.3 - Seguindo a argumentação jurídica constante de tais arestos, que já em anteriores decisões também assumimos, nomeadamente da constante do citado Acórdão de 4 de Fevereiro de 1998, há que referir que, segundo o figurino fixado na lei a tarifa de ligação e a tarifa de conservação de esgotos - a que se referem os artigos 76.º do RGCECL e 11.º do Decreto-Lei 31 674, de 22 de Novembro de 1941, incidiam, anteriormente, 'sobre o rendimento colectável do prédio que era considerado para efeitos de tributação em contribuição predial, traduzindo-se numa percentagem sobre ele'.
Ora, o rendimento colectável que era relevado para efeitos da cobrança da contribuição predial de certo ano era, segundo o respectivo Código, o que constava da respectiva matriz do ano anterior.
Tal regra foi mantida no actual CCA: também nele a cobrança é efectuada com base no valor patrimonial constante da matriz em 31 de Dezembro do ano anterior a que ela respeita (artigos 13.º, 18.º e 22.º).
Congruentemente se passavam as coisas com aquelas tarifas (ligação e conservação de esgotos) dado que o rendimento colectável inscrito na respectiva matriz tinha sido erigido em parâmetro da sua quantificação regulamentar, pois a lei impedia que o seu montante excedesse as percentagens de 10% e de 3% desse rendimento, respectivamente, para as taxas de ligação e de conservação (artigos 11.º e 12.º do citado Decreto-Lei 31 674).
O edital 60/90, de 7 de Agosto de 1990, introduzindo, além do mais, a nova redacção ao artigo 76.º do RGCECL, determinando a aplicação da taxa de 0,25% do valor patrimonial do prédio (em relação à tarifa de conservação), mais não fez do que, ajustando a taxa, harmonizar as normas de incidência do RGCECL, por referência ao novo CCA, estabelecendo a percentagem de 0,25% do valor patrimonial dos prédios, em substituição da taxa de 2% sobre o rendimento colectável.
Na verdade, como é sabido e como acima já se evidenciou, a reforma fiscal de 1989 aboliu o tipo tributário da contribuição predial e criou, no espaço económico por ele parcialmente ocupado, o tipo tributário da contribuição autárquica.
Este novo tipo deixou de incidir sobre o rendimento colectável para passar a recair sobre o valor patrimonial (artigos 1.º e 7.º do CCA) e o rendimento colectável só foi relevado como simples método transitório de apuramento do novo valor adoptado como critério de incidência objectiva do novo imposto, como modo de apuramento transitório do valor patrimonial do novo imposto enquanto não entrasse em vigor o modo definitivo a ser enunciado por um Código das Avaliações cuja publicação se previa para o ano de 1989, mas que não aconteceu, todavia, até hoje (artigos 6.º a 12.º do Decreto-Lei 442-C/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CCA).
A partir da entrada em vigor do novo tipo tributário deixou, pois, de poder falar-se com propriedade na existência da figura do rendimento colectável do prédio, já que este apenas constituía elemento de incidência desse tipo tributário e tinha deixado de fazer parte das respectivas matrizes prediais.
As alterações ao citado artigo do RGCECL visaram, sem dúvida, adaptar os critérios da incidência e da matéria colectável das tarifas de ligação e de conservação de esgotos à estrutura que havia sido seguida pelo legislador do Código da Contribuição Autárquica, segundo a perspectiva, que então havia, de que o valor patrimonial apurado com base no rendimento colectável, e consequente relevância jurídica, apenas vigoraria durante o ano de 1989, já que se previa a publicação durante o mesmo ano do Código das Avaliações.
O diploma instituidor e o regulamento executivo imediatamente posterior rotularam a tarifa aqui em causa (tal como a tarifa de ligação) de taxas de conservação e de ligação de esgotos. Todavia, os diplomas posteriores alteraram-lhes o nomen vocabular para tarifas sem que, no entanto, se tenha alterado o respectivo estatuto jurídico. A natureza do tributo continua a mesma: a divergência ou confusão de léxico é apenas aparente. A palavra tarifa apenas procura evidenciar mais propriamente o aspecto que resulta já da aplicação do critério legal do tributo, pondo o assento tónico na dimensão quantitativa que advém dessa aplicação.
É o contraponto do que se passa com a palavra colecta em relação à do imposto que procura exprimir a realidade da existência de imposto de certo montante.
Aliás, não deve esquecer-se que, como se afirma no Acórdão do Tribunal Constitucional de 7 de Abril de 1988, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 376, p. 179, a tarifa, se ao nível da lei ordinária pode ter significação própria, não releva, porém, numa perspectiva constitucional, como categoria autónoma. Nesta óptica, ela constitui apenas uma modalidade especial de taxa e nada mais.
Pode dizer-se que o traço distintivo entre taxa e imposto é pacífico na doutrina e na jurisprudência.
Segundo elas, o imposto tem carácter unilateral enquanto a taxa tem natureza bilateral ou sinalagmática: à exigência do imposto não está directamente contraposta qualquer utilização dos bens ou serviços públicos, embora ele se destine a satisfazer os encargos que advêm da sua prestação à comunidade política; a taxa tem sempre como causa a prestação de qualquer serviço ou utilização de bens semipúblicos, representando a contraprestação por essa utilização.
Mas a existência desse nexo sinalagmático não postula que tenha de haver forçosamente um exacto equilíbrio entre o valor económico de ambas as prestações, até porque nem sempre os bens utilizados são susceptíveis de ser aferidos segundo um valor económico preciso, como se passa, por exemplo, nas taxas devidas pela remoção de obstáculos jurídicos ao uso ou utilização de bens ou exercício de actividades.
A sinalagmaticidade pressuposta pela taxa basta-se com a existência de um mínimo de equilíbrio jurídico entre ambas as prestações.
Para além disto não se poderá esquecer que existem muitos bens por cuja utilização se exigem taxas que dificilmente poderiam ser economicamente valorados, por razões de ordem prática, como a constante necessidade de conservação, aperfeiçoamento ou grau de utilização.
5.1.4 - Diz a recorrente que, no caso, inexiste sinalagmaticidade, dado que o tributo, ao ser calculado sobre o valor patrimonial dos prédios, e não sobre o serviço efectivamente prestado, para além de contrariar a equivalência desejável entre as duas prestações, também propicia a ocorrência de situações em que o montante da taxa liquidada será marcadamente superior ao serviço prestado, e, como tal, o tributo deixa de se configurar como taxa e passa a assumir contornos de verdadeiro imposto, já que, ao ser manifestamente superior ao serviço prestado, pressupõe uma certa capacidade contributiva, característica essencial dos impostos.
Mas, como acima se disse, basta, para que ocorra o sinalagma, que a contraprestação se verifique, ainda que não em exclusivo benefício daquele que se encontra vinculado ao pagamento da taxa, mas também ou essencialmente de terceiros, desde que, àquele, seja conferida, também, a possibilidade da sua utilização, de forma individualizável e efectiva.
Ora, não suscita controvérsia que, em termos gerais, a simples possibilidade de utilização, por certo prédio, da rede geral de esgotos, utilização que é viabilizada pela ligação àquela mesma rede, constitui contrapartida de que beneficia o imóvel e, nessa medida, caracterizadora da quantia a que se reporta a liquidação em causa como taxa.
Falece, pois, a argumentação da recorrente, quanto à alegada inexistência do sinalagma, pois que como se aponta no citado Acórdão de 25 de Maio de 2004, recurso n.º 1115/03, do TCA, 'sempre se teria de concluir pela existência de tal sinalagma em resultado da simples possibilidade (no caso efectivamente exercida) de descarga e tratamento dos resíduos do ramal privado ao colector geral'.
E, pela mesma razão, carece, também, de relevância para a decisão a factualidade vertida pela recorrente nas conclusões 7 a 9 do recurso (que o tributo, ao ser calculado sobre o valor patrimonial dos prédios, e não sobre o serviço efectivamente prestado, contraria a equivalência desejável entre as duas prestações, propicia a ocorrência de situações em que o montante da taxa liquidada será marcadamente superior ao serviço prestado, e, como tal, pressupõe uma certa capacidade contributiva, característica essencial do imposto - e não já da taxa).
Como acima se disse, ainda que a invocação de tais factos tenha determinado a competência do TCA para conhecer do presente recurso, nem, por um lado, há nos autos elementos que comprovem esses factos, nem, por outro lado, os mesmos se mostram necessários para a decisão.
5.2.1 - Apreciada que está a questão do sinalagma, importa, quanto à questão da proporcionalidade, referir que o legislador ordinário goza de uma larga margem de discricionariedade constitutiva quanto ao montante das taxas.
Mas, tratando-se de uma receita estabelecida pela lei, ou seja, por forma imperativa, como retribuição dos serviços prestados individualmente aos cidadãos, ou seja, sempre de uma obrigação pública, é evidente que não se poderá afastar a sua subordinação aos princípios constitucionais da racionalidade e proporcionalidade.
Todavia, como, aliás, já foi admitido pelo Tribunal Constitucional (caso das portagens da ponte 25 de Abril), só poderá emitir-se um juízo de inconstitucionalidade por violação deste princípio em caso de existência de uma desproporção intolerável entre os bens opostos no concreto tipo de taxa. Ou seja, no caso, apenas se poderia falar de violação do princípio da proporcionalidade, se se verificasse 'a existência de uma desproporção intolerável [...]' - cf., v. g., Acórdão do STA de 2 de Maio de 2002, processo 26 472, entre o montante da taxa e o benefício.
5.2.2 - Resulta claro dos artigos 1.º e 10.º do citado Decreto-Lei 31674, a coberto dos quais o RGCECL foi emitido, que a taxa de conservação de esgotos visa compensar os encargos com a conservação da rede de esgotos, que é outro bem público. E ela não se confunde, sequer, com a taxa de ligação, pois esta visa compensar a utilização individual de outro bem semipúblico, que não é sequer a construção do ramal, e esse é a instalação da rede de esgotos: ela é cobrada, segundo os próprios termos legais, 'para fazer face aos encargos de instalação da rede'. Ela representa uma espécie de comparticipação individual a posteriori dos custos que a instalação da rede de esgotos à qual o ramal é ligado importou. A diferença entre elas tem tradução até no número de prestações que elas implicam: enquanto a de ligação é de prestação única, a de conservação é anual (cf. Acórdão do STA de 13 de Maio de 1992, recurso n.º 14 059).
Mas ambas as tarifas incidem sobre a utilização individual de diferentes bens jurídicos semipúblicos.
Isso mesmo se encontra realçado também no artigo 12.º na Lei das Finanças Locais (Lei 1/87, de 6 de Janeiro) quando prevê a existência de diferentes tarifas para 'a ligação, conservação e tratamento de esgotos'.
Segundo informam os autos, a tarifa de conservação que foi fixada pela citada alteração ao RGCECL cifra-se em 0,25% do valor patrimonial do prédio.
Ora, tomando em linha de conta, por um lado, o que já acima se disse quanto às extrapolações legítimas do valor patrimonial do imóvel e, por outro lado, que o benefício resultante da ligação consiste na faculdade, no caso efectivamente exercida, de descarga do esgoto privado no colector geral público, e por isso mesmo, e na linha do acima também referido, de difícil quantificação económica, sufragam-se por inteiro os parâmetros de aferição da conformidade da taxa com o princípio constitucional ora em análise mencionados no Acórdão do STA de 4 de Fevereiro de 1998, no sentido de que o coeficiente de 0,25 não tem praticamente relevo económico quando comparada com o valor do prédio: o seu custo não se revela suficientemente gravoso para desmotivar quem quer que seja que queira realizar um investimento de construção ou de compra de prédios nem tão-pouco minimamente desajustado com a mais valia que a ligação à rede de esgotos proporciona. Ora, a consequente e necessária conservação de uma rede de esgotos a que o prédio possa ser ligado implica, numa cidade como a de Lisboa (em que tal rede tem quilómetros de extensão e tem de propiciar o escoamento dos esgotos advenientes de cerca de um milhão de habitantes) notoriamente elevados custos (no mesmo sentido e entre outros, cf., também, os citados acórdãos do STA, processo 26 472, e do TCA de 25 de Maio de 2004, recurso n.º 1115/03).
5.2.3 - Por isso é que a recorrente também carece de razão quanto à alegação de que o tributo (pelo facto de ser calculado sobre o valor patrimonial dos prédios, e não sobre o serviço efectivamente prestado) contraria a equivalência desejável entre as duas prestações e propicia a ocorrência de situações em que o montante da taxa liquidada será superior ao serviço prestado, passando então a assumir contornos de imposto, já que, ao ser manifestamente superior ao serviço prestado, pressupõe uma certa capacidade contributiva.
Com efeito, por um lado, como se disse, a natureza de taxa não implica equivalência económica, mas equivalência jurídica e esta última existe no caso da tarifa de conservação de esgotos, porquanto são os proprietários dos prédios quem retira vantagem directa do facto de os seus prédios disporem da rede geral de esgotos em bom estado de conservação e manutenção, o que os valoriza pela comodidade que proporcionam, quer sejam habitados pelos próprios, quer sejam arrendados, quer façam muito ou pouco uso da rede. E, daí, a relevância do seu valor patrimonial como base tributável desta taxa/tarifa.
Por outro lado, a aplicação do coeficiente constante de 0,25% ao valor patrimonial do imóvel implica que o valor da taxa devida será tanto maior quanto maior for este valor, como factor de multiplicação. E, sendo assim, o que se pode concluir, desde logo, é que fica respeitado o princípio da proporcionalidade, numa das vertentes em que se pode equacionar o seu conteúdo: o de impor uma ponderação, entre si e sem excesso, dos interesses relevantes - no caso, de um lado, o interesse em o imóvel ficar servido da rede pública de esgotos e, do outro, o da autarquia em ver comparticipados os encargos inerentes à manutenção dessa mesma rede.
É que, influindo na determinação do valor patrimonial circunstâncias como o tipo, dimensão e localização do imóvel, então, quanto maior for o seu valor patrimonial, maior será, tendencialmente, a sobrecarga por ele aduzida ao colector geral de esgotos (desde logo, porque um imóvel de menor valor patrimonial, por contraposição com um outro de maior valor, terá, presumivelmente, menor capacidade de suporte de pessoas ou estará inserido em zona menos densamente povoada; e se maior é a sobrecarga, maior serão, consequentemente, os encargos com a manutenção e conservação, quando não, mesmo, com o reforço das infra-estruturas). Por isso, o cálculo da quantia da taxa a pagar pela ligação à rede de esgotos, em função do valor patrimonial dos imóveis, afigura-se como uma forma que contempla a correcta ponderação dos interesses relevantes.
Assim, é de concluir que não ocorre a violação do referido princípio constitucional da proporcionalidade, com base na argumentação da recorrente, ou seja, na falta da alegada correspectividade que teria de existir entre a taxa e o benefício da utilização do bem e é, também, de concluir que não existe qualquer degeneração do tipo tributário em causa de tarifa ou taxa para imposto.
Consequentemente, a sua fixação poderia ter sido definida, como foi, por simples regulamento local, ao abrigo do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, alínea h), e 12.º da Lei das Finanças Locais, 39.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei 100/84, de 29 de Março (lei das atribuições e competências das autarquias locais), 10.º e 11.º do citado Decreto-Lei 31 674.
Como simples taxa, o tributo não está sujeito ao princípio constitucional da legalidade tributária de reserva de lei formal da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização legislativa do Parlamento [artigos 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea i), da CRP em vigor ao tempo do regulamento municipal].
Acresce que os artigos 96.º e 97.º do Decreto-Lei 100/84, citado, dispõem que fica revogada a demais legislação contrária ao diploma e se mantém em vigor a legislação especial aplicável aos municípios de Lisboa e Porto apenas no que não contrarie o disposto nesse mesmo decreto-lei.
Ou seja: não há ilegalidade da alteração do artigo 76.º do RGCECL, face à redacção que lhe introduziu o edital 60/90, de 7 de Agosto, pois que por ele se harmonizaram apenas as normas de incidência do RGCECL, por referência ao novo Código da Contribuição Autárquica, estabelecendo a percentagem de 0,25% do valor patrimonial dos prédios, em substituição da taxa de 2% sobre o rendimento colectável e sendo que tais alterações caem no âmbito das competências da Assembleia Municipal, nos termos dos citados artigos 4.º, n.º 1, alínea h), e 12.º da Lei das Finanças Locais, 39.º do Decreto-Lei 100/84, de 29 de Março, e que a definição do preço ou tarifa da taxa é da competência da CML, ex vi artigo 51.º, n.º 1, alínea p), do mesmo Decreto-Lei 100/84, não ocorrendo assim violação do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei 31 674.
5.3 - Em suma, do que vem de dizer-se se conclui, portanto, que o tributo ora impugnado tem a natureza jurídica de taxa.
E, assim sendo, porque tal taxa (actualmente assim denominada) está prevista na Lei das Finanças Locais - Lei 42/98, de 6 de Agosto, no seu artigo 19.º, alínea l), não enfermando de inconstitucionalidade quer esta lei quer o Regulamento Geral das Canalizações de Esgotos da Cidade de Lisboa (aprovado em reunião da Câmara Municipal em 22 de Junho de 1960 e por despacho do Ministro das Obras Públicas e alterado através dos editais n.os 60/90, de 19 de Julho, e 76/96, de 13 de Agosto, no uso das competências da Lei das Autarquias Locais, e de harmonia com o disposto no Decreto-Lei 31 674, de 22 de Novembro de 1941, e ainda na Portaria 11 338, de 8 de Maio de 1946), a liquidação impugnada não sofre das ilegalidades que a recorrente lhe imputa. E a sentença, assim tendo decidido, também não sofre, consequentemente, dos erros de julgamento invocados pela mesma recorrente.
Improcedem, portanto, todas as conclusões do recurso."
2 - A recorrente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, para apreciação da conformidade constitucional do "artigo 77.º do Regulamento Geral das Canalizações de Esgoto da Cidade de Lisboa, edital 145/60, com redacção introduzida pelo edital 76/96". O recurso foi admitido e, a fechar as alegações que apresentou, disse a impugnante, repetindo em parte o que já antes alegara:
"A taxa a cobrar por um ente público é um preço autoritariamente estabelecido, embora pela sua natureza não sujeito aos mecanismos da oferta e procura, mas cujo valor deve respeitar um critério de reciprocidade face ao valor da contrapartida recebida pelo particular.
A tarifa de conservação estabelecida pelo artigo 77.º do edital 145/60, ao ser calculada com base no valor patrimonial do prédio e não nos efectivos encargos que os serviços municipais têm de suportar ao operar as obras de conservação da rede de esgotos, deixa de se configurar como uma taxa para se revelar um verdadeiro imposto.
Na redacção do artigo 4.º da lei geral tributária, são os impostos, e não as taxas, que 'assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada nos termos da lei através do rendimento ou da sua utilização e do património'.
Diversamente, o carácter sinalagmático da taxa exige que, perante a prestação do sujeito passivo, seja contraposta uma prestação individualizada do ente público.
Esta prestação do ente público, ao contrário do que vem sendo superiormente entendido, sempre estará na base da quantificação do valor da prestação a pagar pelo sujeito passivo.
Devendo o montante da taxa corresponder (na íntegra) ao custo do bem ou serviço integrador da contraprestação do ente público.
O tributo liquidado e cobrado a título de taxa de conservação, ao ser calculado sobre o valor patrimonial dos prédios, e não sobre o serviço colectivamente prestado, para além de contrariar a equivalência desejável entre as duas prestações:
Propicia a ocorrência de situações em que o montante da taxa liquidada será marcadamente superior ao serviço prestado;
A Câmara Municipal obriga-se a fornecer continuamente água e a recolher quer as águas residuais, quer os resíduos sólidos. Cada um destes três serviços tem um preço liquidado pela autarquia (preço esse que deve ser proporcional aos custos dos bens fornecidos e dos custos de funcionamento dos serviços e equipamentos necessários à prestação de cada um desses três serviços), conforme consta do tarifário de saneamento básico.
Qual é o serviço prestado para além dos supra-referidos que na área do saneamento básico possa justificar a liquidação e cobrança da 'taxa de conservação de esgotos'? E mais, que possa justificar o vínculo sinalagmático que caracteriza uma taxa?
Fica precludido o vínculo de reciprocidade da referida taxa.
A taxa apresenta um cariz genérico, incidindo sobre infra-estruturas e equipamentos destinados à satisfação das necessidades gerais da população da cidade de Lisboa.
O tributo liquidado apresenta-se como uma forma de autofinanciamento da autarquia, não se reportando directamente a qualquer prestação de serviço - o que implica a perda de relação entre a receita e a vantagem do particular - e sem estar concretamente definida qual a exacta utilização que será dada a essa verba no âmbito do saneamento básico.
Como tal, o tributo liquidado e cobrado pela Câmara Municipal de Lisboa deixa de se configurar como taxa e passa a assumir contornos de verdadeiro imposto, já que, conforme supra-referido, ao ser manifestamente superior ao serviço prestado, pressupõe uma certa capacidade contributiva, característica essencial desses mesmos impostos.
A receita em causa foi criada por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, que, ao estabelecer um verdadeiro imposto, é nula.
Podemos concluir que o montante liquidado e cobrado pela Câmara Municipal de Lisboa a título de 'taxa de conservação de esgotos' não é devido, por ser aquele acto de liquidação ilegítimo, dada a ilegalidade e inconstitucionalidade do preceito de que resulta a criação da receita respectiva as normas da tabela de taxas e outras receitas municipais que estabelecem o pagamento da taxa referida - vício que aqui se argui para todos os efeitos.
O acto em causa viola frontalmente os princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade, por exigir à impugnante o pagamento de tributo não previsto na lei.
É assim manifesto que o acto reclamado enferma de ilegalidade por violação de lei, inexistência de facto tributário e violação de princípios constitucionalmente consagrados."
A recorrida, por sua vez, disse nas suas alegações:
"Pretende a ora recorrente, por via do presente recurso, a declaração de ilegalidade e de inconstitucionalidade da taxa de conservação de esgotos que lhe foi aplicada e, consequentemente, a revogação da douta sentença.
Para tanto, afirma que '[...] a tarifa de conservação estabelecida pelo artigo 77.º do edital 145/60, ao ser calculada com base no valor patrimonial do prédio e não nos efectivos encargos que os serviços municipais têm de suportar ao operar as obras de conservação da rede de esgotos, deixa de se configurar como uma taxa para se revelar um verdadeiro imposto. O acto em causa viola frontalmente os princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade, por exigir à impugnante o pagamento de tributo não previsto na lei [...]'.
Não cremos, todavia, que assim seja. Vejamos então.
A definição de imposto é pacífica. Teixeira Ribeiro, in Lições de Finanças Públicas, 5.ª ed., a p. 258, define-o como uma 'prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos'.
Segundo Alberto Xavier, in Manual de Direito Fiscal, a pp. 42 e 43, as taxas individualizam-se, 'no terreno mais vasto dos tributos. por revestirem carácter sinalagmático, não unilateral, o qual, por seu turno, deriva funcionalmente da natureza do acto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública, ou na utilização de bens do domínio público, ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares'.
Em suma, temos como elementos essenciais do conceito de taxa: prestação pecuniária imposta coactiva ou autoritariamente; pelo Estado ou outro ente público; sem carácter sancionatório; utilização individualizada, pelo contribuinte; solicitada ou não, de bens públicos ou semipúblicos; com contrapartida numa actividade do credor especialmente dirigida ao mesmo contribuinte:
Ora, posto isto, e pondo em cotejo as definições atrás expostas, forçoso é que se conclua no sentido de que a denominada 'tarifa de conservação de esgotos' é uma taxa e não um imposto, taxa essa que representa a contrapartida pelo bem utilizado da ligação do prédio a uma rede de esgotos instalada.
Na verdade, nesta denominada 'tarifa' há uma utilização individualizada de bens públicos ou semipúblicos, característica da taxa, no seu carácter sinalagmático, não unilateral. E é, justamente, no carácter sinalagmático da taxa, por oposição ao carácter não sinalagmático do imposto, que nos devemos ater para os distinguir.
Há, na verdade, uma relação directa entre a importância paga e o serviço de saneamento prestado.
A este propósito convém trazer à colação o afirmado no Acórdão do Tribunal Constitucional de 7 de Abril de 1988 'a tarifa, se ao nível da lei ordinária pode ter significação própria, não releva, porém, numa perspectiva constitucional, como categoria tributária autónoma. Nesta óptica, ela constitui apenas uma modalidade especial de taxa e nada mais' - Boletim do Ministério da Justiça, n.º 376, p. 179.
Na verdade e, como já vimos, a taxa em questão é paga pelo contribuinte à Câmara por um específico serviço recebido: a conservação do prédio, em benefício do respectivo proprietário.
Não ocorre, por conseguinte, a invocada violação de lei constitucional pois que, como taxa que é, tal tributo não está sujeito ao princípio constitucional da legalidade tributária de reserva de lei formal da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido ao abrigo de autorização legislativa.
Termos em que:
Deve ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser mantida a douta decisão."
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos. - 3 - É a seguinte a redacção da norma impugnada, que é o artigo 77.º do Regulamento Geral das Canalizações e Esgotos da Cidade de Lisboa, constante do edital 145/60, com a redacção que lhe foi dada pelo edital 76/96:
"1 - A tarifa de conservação, de 0,25% do valor patrimonial do prédio, é devida pelo proprietário do mesmo ou, no caso de usufruto, pelo usufrutuário, em 31 de Dezembro do ano a que respeitar.
2 - A tarifa de conservação é anual sendo devida a partir do ano imediato ao da ligação do prédio à rede geral de esgotos."
O único segmento impugnado desta norma é, porém, o da primeira parte do n.º 1, na parte em que se refere ao valor da tarifa de conservação devida pelo proprietário ("0,25% do valor patrimonial do prédio"), devendo a referência ao artigo 77.º, sem distinção, ser assim entendida: não está em causa qualquer situação de usufruto, nem o momento de pagamento, nem a sua renovação anual, nem o momento a partir do qual é devida a tarifa aí prevista.
4 - A norma impugnada prevê uma "tarifa de conservação" anual de esgotos, que a recorrente entende não corresponder, designadamente pelo modo como é calculada, a uma taxa, que pode ser aprovada por um município, sendo antes um verdadeiro imposto, cuja aprovação está reservada a lei parlamentar (ou a decreto-lei autorizado).
No Acórdão 76/88 deste Tribunal (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol., pp. 331-359) abordou-se o posicionamento do conceito de "tarifa" face ao de "taxa" nos seguintes termos:
"[...] impõe-se afirmar, e sem delongas, que a tarifa, no campo das finanças locais, se não delineia como uma figura tributária em absoluto nova, ou seja, como uma espécie de tertium genus entre a taxa e o imposto. Ela, de facto, e sob todos os aspectos, apresenta-se como uma simples taxa, embora taxa sui generis cuja especial configuração lhe advém apenas da particular natureza dos serviços a que se encontra ligada. Como, a propósito, se nota em La Nuova Enciclopedia del Diritto e dell'Economia Garzanti, 2.ª ed., a p. 1265, a taxa 'diferencia-se da tarifa pública na medida em que o serviço a que corresponde o pagamento da taxa é efectuado pela administração do Estado no desempenho das suas funções institucionais fundamentais e em ordem à realização de fins estaduais primários. Trata-se, assim, de serviços administrativos, judiciários ou de utilidade pública, que o Estado presta na sua qualidade de ente soberano, dotado do poder impositivo'.
A tarifa, se ao nível da lei ordinária pode ter significação própria, releva, porém, numa perspectiva constitucional, como categoria tributária autónoma. Nesta óptica, ela constitui apenas uma modalidade especial de taxa e nada mais."
Se, portanto, nominalmente uma tarifa é uma taxa, importa, porém, aferir se essa qualificação formal é materialmente fundada, já que é essa a questão que a recorrente submeteu a este Tribunal: saber se estamos perante uma taxa ou um imposto.
Como se escreveu no Acórdão 1139/96 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º vol., pp. 314 e segs.), depois de se citar passos do Acórdão 76/88:
"Mister é que se analise a realidade das coisas, a fim de se concluir se, por um lado, com as tarifas em causa não estará a ser exigido um contributo que não corresponda a uma contraprestação ou a uma contrapartida de um serviço prestado pela autarquia, destinando-se, como equivalente jurídico, a financiar os custos acarretados pelo depósito, remoção e tratamento dos detritos sólidos e, por outro, para quem assim possa eventualmente entender, se o pressuposto ou, se se quiser, o índice que foi elegido como base da sua prestação, não tem suporte realista, escondendo uma real obtenção de receitas sem aquele princípio de contrapartida, dada a indeterminação resultante de tais pressuposto ou índice."
5 - É sabido que a distinção entre as figuras da taxa e do imposto tem sido objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Sobre o tema disse-se no Acórdão 610/2003 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 57.º vol., pp. 1171 e segs.):
"3 - Como se sabe, existe uma abundante jurisprudência constitucional sobre a distinção entre imposto e taxa (cf., para uma resenha, J. Casalta Nabais, 'Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria fiscal', in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1993, esp. pp. 254 e segs., Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra, 2003, pp. 24 e segs., e J. M. Cardoso da Costa, 'O enquadramento constitucional do direito dos impostos em Portugal: a jurisprudência do Tribunal Constitucional', in Jorge Miranda (org.), Perspectivas Constitucionais. Nos 20 Anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra, 1997, esp. pp. 401 e segs.).
Para extremar a noção de 'imposto' constitucionalmente relevante da de 'taxa', o Tribunal tem-se socorrido essencialmente de um critério que pode qualificar-se como 'estrutural', porque assente na 'unilateralidade' dos impostos (cf., por exemplo, os Acórdãos n.os 76/88, 412/89, 382/94, publicados respectivamente no Diário da República, 1.ª série, n.º 93, de 21 de Abril de 1988, e 2.ª série, n.os 213, de 15 de Setembro de 1989, e 208, de 8 de Setembro de 1994), admitindo ainda, porém, como factor adicional de ponderação, que se tome em consideração a 'razão de ser ou objectivo das receitas em causa', quer para recusar a certas receitas o carácter de imposto, quer como argumento ponderoso para afastar o carácter de taxa a uma dada prestação pecuniária coactiva (elemento, este, finalístico, que transparece, por exemplo, nos Acórdãos n.os 7/84, 497/89 ou 70/92, publicados respectivamente no Diário da República, 2.ª série, n.os 102, de 3 de Maio de 1984, 27, de 1 de Fevereiro de 1990, e 189, de 18 de Agosto de 1992).
Esta orientação jurisprudencial não foi, aliás, alterada nos mais recentes arestos sobre a matéria, podendo citar-se, a título exemplificativo, os Acórdãos n.os 558/98 (taxas de publicidade em veículos particulares, in Diário da República, 2.ª série, n.º 261, de 11 de Novembro de 1998), 621/98 (taxas do IROMA, in Diário da República, 2.ª série, n.º 65, de 18 de Março de 1999), 747/98 (direitos compensadores, inédito), 63/99 (taxa de publicidade, in Diário da República, 2.ª série, n.º 76, de 31 de Março de 1999), 307/99 (taxa de radiodifusão, in Diário da República, 2.ª série, n.º 166, de 19 de Julho de 1999), 357/99 (regulamento da taxa municipal de urbanização de Amarante, in Diário da República, 2.ª série, n.º 52, de 2 de Março de 2000), 369/99 (Diário da República, 2.ª série, n.º 58, de 9 de Março de 2000), 370/99 (inédito), 473/99 (Diário da República, 2.ª série, n.º 262, de 10 de Novembro de 1999), 481/99, 512/99, 581/99 (inéditos), e 130/2000 (taxa da peste suína, inédito), 582/99 (regulamento municipal de obras da Câmara Municipal do Porto, inédito), 515/2000 (taxas da Câmara Municipal de Sintra, in Diário da República, 2.ª série, n.º 19, de 23 de Janeiro de 2001), 346/2001 (inédito) e 96/2000 (taxa de publicidade, in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 65, de 17 de Março de 2000), 143/2002 (estampilha da Liga dos Combatentes, in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 107, de 9 de Maio de 2002), 273/02 (inédito), 274/2002, 286/2002, 305/2002 (inéditos) e 308/2002 (tabela de emolumentos notariais, inédito), 306/2002 (tabela de emolumentos do registo predial, inédito), 336/2002 (emolumentos do Tribunal de Contas, in Diário da República, 2.ª série, n.º 237, de 14 de Outubro de 2002), 349/2002 (custas judiciais, in Diário da República, 2.ª série, n.º 264, de 15 de Novembro de 2002) ou 415/2002 (regulamento de obras na via pública da Câmara Municipal de Lisboa, in Diário da República, 2.ª série, n.º 291, de 17 de Dezembro de 2002).
Assim, assinalou-se no Acórdão 143/2002 (Diário da República, 1.ª série-A, n.º 107, de 9 de Maio de 2002), quanto àquele primeiro critério:
"[...] tanto na jurisprudência uniforme do Tribunal, como na orientação unânime da doutrina, um elemento ou pressuposto estrutural há-de, desde logo e necessariamente, verificar-se, para que determinado tributo se possa qualificar como uma 'taxa', qual seja o da sua 'bilateralidade': traduz-se esta no facto de ao seu pagamento corresponder uma certa 'contraprestação' específica, por parte do Estado (ou de outra entidade pública). Se tal não acontecer, teremos um 'imposto' (ou uma figura tributária que, do ponto de vista constitucional, deve, pelo menos, ser tratada como tal).
Se se não divisarem características de onde decorra a 'bilateralidade' da imposição pecuniária, nada mais será preciso indagar para firmar a conclusão de harmonia com a qual é de arredar a qualificação dessa imposição como 'taxa'.
Quanto às modalidades de que a 'contraprestação' de uma 'taxa' pode revestir-se, entre elas incluem-se, seguramente, a da prestação de um serviço e a da possibilidade de utilização de um bem semipúblico, a quem ou por quem a paga. Parte da doutrina e, agora, a lei geral tributária (artigo 4.º, n.º 2) acrescentam a modalidade da remoção de um limite (ou obstáculo) jurídico à possibilidade da prática de certa actividade ou gozo de certa situação; mas uma outra parte da doutrina - que o Tribunal tem acompanhado (cf., por último, o citado Acórdão 115/2002) - considera que, nesta última hipótese, só há 'taxa', se a remoção do limite respeitar ao uso de um bem público."
Por outro lado, a propósito do elemento relativo à 'razão de ser ou objectivo das receitas em causa', pode recordar-se o que se afirmou em algumas das citadas decisões relativas à denominada 'taxa da peste suína'. Assim, nos citados Acórdãos n.os 369/99 (Diário da República, 2.ª série, de 9 de Março de 2000) e 370/99 (não publicado), por exemplo, disse-se:
"[...] no caso da taxa da peste suína não se está perante uma contraprestação de um serviço prestado, mas antes perante uma forma de financiar uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas em geral ou de uma certa categoria abstracta de pessoas, não se verificando, no caso, os elementos definidores de uma taxa, pelo que o 'tributo' em questão é um imposto ou, pelo menos, tem de ser considerado como se de um imposto se tratasse. O que vale por dizer que não pode deixar de se considerar como integrando a reserva da lei fiscal."
E no citado Acórdão 473/99 reconheceu-se constituir 'objecção de peso' à perspectivação desse tributo como uma verdadeira taxa o facto de 'uma das finalidades dessa imposição ser a de custear despesas do Estado que, directamente, não têm uma relação com vantagens imediatas dos a ela sujeitos, ou seja, as actividades ligadas à polícia sanitária, algumas despesas com o pessoal e material e investigação e produção dos meios de luta'.
Afirmações semelhantes encontram-se, por exemplo, no citado Acórdão 96/00, que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas sobre a 'taxa' da peste suína.
Por outro lado, não é suficiente para pôr em causa o carácter sinalagmático do tributo que não exista uma equivalência rigorosa de valor entre ambos, ou qualquer desproporção entre a quantia a pagar e o valor do serviço prestado - seja com o seu custo, seja com a sua utilidade para o particular. Mesmo a falta de equivalência ou essa desproporção não afecta a relação sinalagmática existente e a bilateralidade da taxa.
É, porém, necessário que a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente a tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe. Assim, por exemplo, no Acórdão 640/95 (in Diário da República, 2.ª série, n.º 17, de 20 de Janeiro de 1996), a propósito das portagens na ponte 25 de Abril, o Tribunal Constitucional questionou-se se 'num caso de uma taxa de valor manifestamente desproporcionado, completamente alheio ao custo do serviço prestado, não deverá entender-se que tal taxa há-de ser tratada, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como um verdadeiro imposto, de tal forma que tenha de ser o órgão parlamentar a decidir sobre o seu quantum', prosseguindo a indagação para averiguar se tal desproporção manifesta existia (e concluindo que não) - cf. igualmente, os Acórdãos n.os 410/2000, 1108/96, 1140/96 e 354/98 (publicados respectivamente no Diário da República, 2.ª série, n.os 270, de 22 de Novembro de 2000, 294, de 20 de Dezembro de 1996, 34, de 10 de Fevereiro de 1997, e 161, de 15 de Julho de 1998).
Tal desproporção intolerável, ou montante manifestamente excessivo, da quantia pode resultar, designadamente, de os critérios de determinação desta serem inteiramente alheios ao montante desse custo do serviço - ou, como se admitiu no Acórdão 115/2002, também em relação à sua utilidade - , e relevará, pois, em primeira linha, em sede de inconstitucionalidade orgânica, quando o tributo não tenha sido criado (ou autorizado) por lei parlamentar (podendo deixar-se em aberto a questão de saber se, qualificado o tributo como taxa, existirá ainda espaço para intervenção autónoma do princípio da proporcionalidade, em termos de a sua violação determinar uma inconstitucionalidade material).
5 - Na doutrina nacional encontram-se também contributos relevantes para a delimitação dos conceitos constitucionais de 'taxa' e de 'imposto'.
Assim, afirma-se que o 'imposto é uma prestação unilateral, o que significa que ao pagamento do respectivo montante - que é um pagamento definitivo, quer dizer, não dando lugar a uma ulterior restituição - não corresponde nenhuma contraprestação específica por parte do Estado. [...] Sendo pois o imposto uma prestação unilateral, não se confunde com outras receitas coactivas do Estado a que falta essa característica. Assim, e desde logo, não se confunde com as taxas, as quais, sendo preços autoritariamente estabelecidos pagos pela utilização individual de bens semipúblicos, têm a sua contrapartida numa actividade do Estado especialmente dirigida ao respectivo obrigado' (J. M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2.ª ed. actualizada, Coimbra, 1972, pp. 10 e 11; e cf. ainda 'O enquadramento constitucional ...', cit., pp. 401-402).
Em sentidos próximos, escreve-se também que, a propósito da noção de taxas, que as mesmas têm 'contrapartida numa actividade do Estado especialmente dirigida àquele que está obrigado a pagá-las, pelo que é da sua essência o nexo sinalagmático' (Carlos Pamplona Corte-Real, Curso de Direito Fiscal, I vol., Lisboa, 1982, p. 162), e que o elemento caracterizador das taxas é a sua natureza sinalagmática, que 'deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública, ou na utilização de bens do domínio público, ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares' (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 1983, pp. 42 e segs.).
Escrevendo especificamente sobre o conceito jurídico de taxa, Maria Margarida Mesquita Palha observa que 'essencial à definição desta figura é a ideia de um tributo devido por ocasião da prestação de um serviço dirigido directamente ao contribuinte ou da utilização de um bem do domínio público' ('Sobre o conceito jurídico de taxa', in Centro de Estudos Fiscais. Comemoração do XX Aniversário. Estudos, vol. II, Lisboa, 1983, p. 586).
Segundo António Braz Teixeira, '[D]a observação das duas espécies tributárias ressalta que, de um ponto de vista jurídico, o elemento que fundamentalmente as distingue é a existência ou inexistência de uma contraprestação por parte do sujeito activo da respectiva relação, é o carácter unilateral do imposto e a natureza bilateral da taxa, os quais resultam de, num caso, o facto gerador do tributo consistir na mera revelação de determinada capacidade contributiva, e, no outro, de tal facto se traduzir numa ocorrência directamente ligada a uma actividade específica do sujeito activo, de que beneficia individualmente o sujeito passivo' (Princípios de Direito Fiscal, vol. I, 3.ª ed., actualizada e revista, Coimbra, 1985, p. 43).
Também concedendo relevo à sinalagmaticidade da taxa, salienta-se que 'atendendo à diversidade da estruturação legal, o vínculo jurídico de taxa tem por causa a prestação por uma entidade pública de utilidades individualizadas. Quer dizer que a taxa, como, aliás, o preço também, apresenta origem sinalagmática. É este aspecto precisamente que separa com nitidez a taxa do imposto. Porque a taxa tem por causa a realização de uma utilidade individualizada, ela depende de outro vínculo jurídico, o que não acontece com o imposto' (Pedro Soares Martinez, Manual de Direito Fiscal, 3.ª reimp., Coimbra, 1989, p. 35). E Nuno Sá Gomes escreve, a este propósito: '[E]m meu critério, o que caracteriza definitivamente a taxa em face do imposto é o carácter sinalagmático, bilateral, desta última e o carácter unilateral, não sinalagmático, do primeiro' (Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1993, p. 74).
Por seu turno, António Sousa Franco sustenta que, entre outros traços fundamentais, o imposto se caracteriza por ser uma receita unilateral, 'pois não existe qualquer contrapartida específica, em virtude de uma relação concreta com bens ou serviços públicos; ele terá apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços públicos estaduais' (Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4.ª ed., vol. II, Coimbra, 1992, p. 73). Ao analisar o princípio da legalidade fiscal, Ana Paula Dourado afirma, a propósito das taxas, que, 'ao caracterizarem-se pela existência de um vínculo sinalagmático, as taxas pressupõem uma contraprestação pública individualizada, que pode traduzir-se, para o particular, quer numa utilidade quer no pagamento de custos [...] e o montante a pagar não deverá ultrapassar essa contraprestação [...]' ('O princípio da legalidade fiscal na Constituição portuguesa', in Perspectivas Constitucionais, cit., vol. II, Coimbra, 1997, p. 439).
Depois de caracterizar o imposto como uma prestação unilateral, J. J. Teixeira Ribeiro afirma: '[...] logo se vê onde ele se distingue da taxa: também é prestação coactiva; mas já não é prestação unilateral, uma vez que ao seu pagamento corresponde a contraprestação de um serviço por parte do Estado' (Lições de Finanças Públicas, 5.ª ed., refundida e actualizada, Coimbra, 1995, p. 258; cf. ainda 'Noção jurídica de taxa', Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 117.º). Aníbal Almeida refere que a figura da taxa detém 'como differentia specifica em relação à figura do imposto, o seu carácter bilateral' (Estudos de Direito Tributário, Coimbra, 1996, p. 62). Também num sentido próximo, Camilo Cimourdain de Oliveira escreve que as 'taxas são [...] cobradas em contrapartida da prestação de serviços públicos' (Lições de Direito Fiscal, Porto, 1997, 6.ª ed., p. 107). E Diogo Leite de Campos e Mónica Leite de Campos observam que 'o imposto é uma prestação unilateral, no sentido de que ao seu cumprimento não corresponde uma contraprestação específica por parte do Estado' e, mais adiante, que 'a distinção entre taxas e impostos estará [...] no carácter bilateral das primeiras, e no carácter unilateral dos impostos' (Direito Tributário, Coimbra, 1996, pp. 26 e 28).
Por seu lado, J. L. Saldanha Sanches define o imposto como 'uma prestação pecuniária, singular ou reiterada, que não apresenta qualquer conexão com qualquer contraprestação retributiva e de que é titular uma entidade pública que utiliza as receitas assim obtidas para a cobertura das suas despesas e que surge quando a lei liga a uma determinada fattispecie um dever de prestar', aludindo, a propósito das taxas, à exigência de um sinalagma (Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1998, p. 13 e pp. 18 e segs.).
José G. Xavier de Basto e António Lobo Xavier entendem que, para a caracterização do conceito de taxa, é essencial identificar a contrapartida pública que anda ligada ao seu pagamento e, por outro lado, a proporção adequada entre o seu montante e o valor do serviço prestado, subscrevendo o conceito de 'taxas fiscais' (taxes fiscales), cunhado pela doutrina francesa, e que corresponde a receitas coactivas cobradas a favor do Estado, de colectividades locais ou de organismos públicos administrativos, em razão do funcionamento de um serviço público, sem que o respectivo montante esteja em correlação com esse serviço ('Ainda a distinção entre taxa e imposto: a inconstitucionalidade dos emolumentos notariais e registrais devidos pela constituição de sociedades e pelas modificações dos respectivos contratos', Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXVI, 1994, n.os 1, 2 e 3, esp. pp. 6 e segs.). Salientam, ainda (p. 26), que hão-de ter-se por impostos, para o efeito da aplicação do princípio da legalidade tributária, 'as receitas coactivas que, cobradas aquando da prestação de serviços públicos individualizados, não se relacionam, na determinação do seu montante, nem com o custo nem com o valor desse serviço, antes com elementos relativos à capacidade contributiva dos utentes'.
Por fim, José Casalta Nabais (Direito Fiscal, 2.ª ed., 2003, cit., pp. 20 e segs.), depois de falar de uma 'verdadeira summa divisio, [...] divisão dicotómica ou binária dos tributos, sendo estes, independentemente do nome que ostentam, ou tributos unilaterais que integram a figura dos impostos, ou tributos bilaterais que se reconduzem à figura das taxas', sustenta que, 'perante um tributo, para sabermos se, do ponto de vista jurídico constitucional, estamos perante um tributo unilateral ou um imposto, ou perante um tributo bilateral ou uma taxa, o que há a fazer é o teste da sua medida ou do seu critério, estando pois perante um imposto se apenas pode ser medido ou aferido com base na capacidade contributiva do contribuinte, ou perante uma taxa se é susceptível de ser medido ou aferido com base na referida ideia de proporcionalidade' - e acrescenta (nota 38) que, '[e]m rigor há aqui dois testes: o da bi/unilateralidade do tributo e, se neste se concluir pelo seu carácter bilateral, o da sua medida ou critério de justiça, muito embora seja este último teste o decisivo, já que, se a proporcionalidade entre o tributo e a respectiva contraprestação específica estiver ausente, então estaremos perante um tributo cujo regime constitucional não pode deixar de ser o dos impostos'. Noutra obra, já observara J. Casalta Nabais que o imposto, do ponto de vista objectivo, é uma prestação pecuniária unilateral, pois não lhe corresponde nenhuma específica contraprestação em favor do contribuinte, definitiva e coactiva (O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra, 1998, p. 224; cf. ainda Jurisprudência ..., cit., p. 254);
Na doutrina fiscalista está, pois, com algumas variações, assente a ideia de que o conceito de taxa, por oposição ao de imposto, se caracteriza a partir da 'bilateralidade' ou 'natureza sinalagmática', ou seja, pela existência de uma contraprestação, por parte do Estado ou demais entidades públicas, que justifica o seu pagamento.
Por outro lado, há também um sector que aponta, como indício relevante, a existência de uma quantificação do tributo a partir da capacidade contributiva. Assim [...], segundo Casalta Nabais (Direito Fiscal, cit., p. 22; cf. ainda Margarida Mesquita Palha, ob. cit., 587), 'na anterior disciplina dos emolumentos, contida na Portaria 996/98, a maneira como o montante de alguns desses emolumentos era definido e determinado levava-nos a concluir que não estávamos perante taxas, mas antes face a verdadeiros impostos. Na verdade, [...] numa tal configuração, esses emolumentos eram função, não dos custos do serviço de registo ou do serviço notarial prestado, mas sim função da capacidade contributiva revelada na solicitação desses serviços pelos respectivos requerentes. Tratava-se, por isso, de impostos e de impostos inconstitucionais, desde logo porque a definição da sua taxa não respeitava o princípio constitucional da legalidade fiscal, que reserva tal matéria ao legislador parlamentar ou parlamentarmente autorizado.'.
Como quer que se deva concluir quanto à relevância do critério que concede relevância ao princípio da capacidade contributiva, pode, porém, notar-se que o critério fixado no artigo 5.º da referida tabela de emolumentos é, ao menos, perfeitamente coerente com tal lógica da determinação do montante do tributo em função da capacidade contributiva - revelando, por exemplo, uma nítida semelhança com o critério de determinação do montante do imposto de sisa."
Anteriormente, escreveu-se no Acórdão 200/2001 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50.º vol., pp. 326 e 327):
"Na distinção entre taxa e imposto, o Tribunal Constitucional tem, pois, seguido o critério da sinalagmaticidade: a taxa constitui, não uma receita unilateral, mas um preço, autoritariamente fixado, correspondente a um bem ou serviço, e mesmo que este seja de procura obrigatória (v., como exemplos referidos em J. J. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5.ª ed., Coimbra, 1995, pp. 255-257, a hipótese das propinas no ensino obrigatório e o caso dos emolumentos dos serviços de registo e do notariado, mesmo quando a sua procura é obrigatória); o imposto constitui uma receita coactiva unilateral do Estado, sem correspectividade num bem ou serviço.
Tal distinção não implica, porém, que o valor da taxa haja de corresponder economicamente ao valor ou ao custo do bem ou serviço em questão - que tenha que existir tal correspectividade económica para se poder afirmar a bilateralidade da receita, enquanto taxa. Na verdade, através da imposição de uma taxa podem prosseguir-se finalidades de interesse público (como a limitação da procura de um bem) conducentes a um montante diverso do correspondente a tal valor ou custo. E ainda nesta hipótese ao pagamento da taxa corresponde a contraprestação de um bem ou serviço por parte do Estado. Daí que, como escrevia Teixeira Ribeiro (op. cit., p. 258), 'quando a taxa exceda o custo dos bens, nem por isso tenhamos imposto na parte sobrante, uma vez que, apesar de ser coactiva, ela mantém o seu carácter de prestação bilateral'.
Aliás, mesmo sem se excluir que a forma de determinação do montante do tributo em causa possa funcionar como indício para a sua qualificação como taxa ou imposto, entende este Tribunal que apenas a manifesta desproporcionalidade entre o montante do tributo, por essa forma determinado, e o custo do serviço público (o carácter 'completamente alheio' a este) poderá levar a que o tributo em questão deva ser encarado, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto. Foi justamente isto que, afirmando a desnecessidade de correspondência económica entre o custo do serviço e o montante da taxa, este Tribunal disse também no citado Acórdão 410/2000 [publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48.º vol., pp. 141-163]: 'para a função da taxa pode ser menos relevante o custo e, por exemplo, mais relevante a contenção da utilização de um serviço - o que significa (e a jurisprudência constitucional tem-se comprometido nesse sentido) que o carácter sinalagmático da taxa não exige a correspondência do seu montante ao custo do bem ou serviço prestado: a bilateralidade que a caracteriza mantém-se, mesmo na parte excedente ao custo' (cf., v. g., o Acórdão 205/87, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 3 de Julho de 1987); não é, por si só, de qualificar a taxa como imposto, ou de lhe conceder tratamento constitucional de imposto, se o respectivo montante exceder o custo dos bens e serviços prestados ao utente (cf., v. g., o Acórdão 640/95, publicado naquele Jornal Oficial, 2.ª série, de 20 de Janeiro de 1996).
Já se o valor da taxa for manifestamente desproporcionado, 'completamente alheio ao custo do serviço prestado', então pode duvidar-se se a taxa não há-de ser encarada de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto (citado Acórdão 640/95), porque desse modo, e nessa medida, se afectaria a correspectividade. Assim, a desproporcionalidade, desvirtuante da correspectividade, lesaria o critério legitimante da taxa, enquanto a adequação à capacidade contributiva é característica do imposto (cf. Acórdão 1108/96).
Ou seja - e para acompanhar mais uma vez este último aresto - '[a] base funcional da distinção entre taxa e imposto não impõe [...] uma sinalagmaticidade pré-jurídica, mas sim uma sinalagmaticidade construída juridicamente e um sentido de correspectividade susceptível de ser entendido e aceite como tal pelos cidadãos atingidos'."
6 - Também especificamente quanto à tarifa de conservação prevista no artigo 77.º do Regulamento Geral das Canalizações de Esgoto da Cidade de Lisboa - embora na época tomando como base o rendimento colectável do prédio, e não o seu valor patrimonial - , este Tribunal já se pronunciou, embora o fizesse a propósito de uma outra tarifa de saneamento que a Câmara Municipal de Lisboa tinha deliberado lançar em 1985, e como orbiter dictum. Pode ler-se, com efeito, no citado Acórdão 76/88:
"11 - Há que ver agora o que se passa com o sistema de águas residuais. Neste terreno, tem também a Câmara Municipal de Lisboa vindo a prestar aos munícipes, desde há muito, através da rede geral de esgotos existente na cidade, um serviço de escoamento, não só das águas residuais domésticas ou industriais como das pluviais caídas nas coberturas, terraços e logradouros dos prédios urbanos.
Quanto a este sistema de águas residuais, e sempre segundo o mencionado estudo do Gabinete de Estudos e Planeamento, há, todavia, que distinguir "à partida duas parcelas: a relativa aos encargos de manutenção, conservação e reconstrução da rede de esgotos e a referente aos encargos com o projecto 'interceptor e de tratamento de esgotos'", a integrar, mais tarde, na rede existente.
Relativamente à primeira parcela, escreve-se ainda nesse estudo que 'os seus custos deverão ser suportados pelas actuais taxas de conservação e ligação', da responsabilidade dos proprietários dos imóveis. Na realidade, e segundo os artigos 75.º, 76.º e 77.º do Regulamento Geral das Canalizações de Esgoto da Cidade de Lisboa, publicitado através do edital 145/60, de 17 de Setembro, a respectiva Câmara Municipal, com vista a fazer face aos encargos com a instalação e conservação da rede geral de esgotos da capital, tem direito a cobrar, por cada prédio, e do respectivo proprietário, uma taxa de ligação (devida uma vez) e uma taxa de conservação (devida anualmente).
No que toca à segunda parcela, e ainda segundo o mesmo estudo, os seus encargos, referentes ao financiamento do 'novo sistema interceptor de esgotos', deveriam ser suportados pelos consumidores de água. E assim veio a suceder, já que o segmento restante da 'tarifa de saneamento' criada pela deliberação 17/CM/85 destinado foi, e tão-somente, a cobrir os encargos com a construção desse 'sistema interceptor de esgotos da cidade de Lisboa', até hoje não construído.
[...]
Nesta perspectiva, o que é exigido pela deliberação 17/CM/85, mais tarde completada pela deliberação camarária publicitada pelo Edital 37/86, é que os consumidores de água da EPAL (excepção feita aos consumidores referidos na 4.ª norma da deliberação 17/CM/85) 'paguem o custo de um serviço que, com ressalva de um particular grupo de consumidores (aqueles cuja residência ou estabelecimento não esteja ligado à rede de esgotos), lhes é efectivamente proporcionado: o serviço de drenagem de águas residuais'.
[...]
Este serviço, convém precisá-lo, não se confunde, porém, com o serviço que, algo paralelamente, é prestado aos proprietários de imóveis e consistente na manutenção, em bom estado, da ligação dos seus prédios à rede geral de esgotos, e pelo qual eles pagam a devida taxa (artigos 75.º, 76.º e 77.º do Regulamento Geral das Canalizações de Esgoto da Cidade de Lisboa)."
E concluiu-se então assim:
"Prestado este esclarecimento, impõe-se pois, concluir - quanto aos consumidores de água da EPAL que beneficiem in loco de ligação ao sistema de esgotos - que a parte ora em análise da prestação por eles devida, segundo a deliberação 17/CM/85, é indiscutivelmente uma taxa.
De toda a exposição antecedente é, enfim, de tirar a ilação de que na 'tarifa de saneamento', criada pela deliberação 17/CM/85, são destacáveis dois segmentos: o primeiro, destinado a retribuir o serviço de recolha, depósito e tratamento de lixos, serviço efectivamente prestado a todos os consumidores de água da EPAL, e que, por isso, deve ser considerado como taxa em toda a sua extensão, e o segundo, destinado a retribuir o serviço de drenagem de águas sujas e pluviais, de procedência doméstica ou industrial, serviço só verdadeiramente prestado àqueles consumidores de água cujas casas ou estabelecimentos estejam ligados à rede de esgotos, e que, dessa maneira, só em relação a tais consumidores pode ser havido como taxa.
[...]
13 - Ao invés, para aquelas mesmas normas - e enquanto elas se referem aos consumidores de água da EPAL que não gozem nos seus domicílios ou estabelecimentos de tal ligação ao sistema de esgotos - já a solução terá de ser diferente. Desde logo, porque a parte da 'tarifa de saneamento' destinada a custear o serviço de drenagem de águas residuais, e já que, nesse campo, nenhum serviço lhes é realmente prestado, não pode deixar de ser tida, quanto a eles, como um verdadeiro imposto. De facto, é aqui patente o carácter da unilateralidade, isto é, da ausência de vantagens ou utilidades correspectivas, carácter que claramente distingue esta espécie tributária da taxa."
Qualificado que foi como taxa o pagamento anual, à Câmara Municipal de Lisboa, de um tributo pela conservação de esgotos, por, na sua origem, se encontrar a prestação de um serviço ao utente, o Tribunal não chegou então, porém, a analisar especificamente o critério de fixação do montante da taxa, designadamente para apurar se, pela sua relação com os custos do serviço ou com a utilidade que dele extrai o particular devedor, esse critério é incompatível com a qualificação como taxa, por ser "completamente alheio" a tais custos e utilidade.
É, porém, justamente este o problema que se põe no presente recurso.
7 - O problema não reside - importa precisar - na inexistência de qualquer contraprestação ou serviço a favor do utente, em si mesma considerada, a qual não está em causa.
Mesmo no caso dos tributos que incidem, a nível municipal, sobre a recolha e o tratamento de resíduos sólidos, por exemplo, o Tribunal firmou orientação no sentido de que, ainda que nem todos os munícipes aproveitem desses serviços de recolha, depósito e tratamento de lixos, os mesmos podem ainda ser reconduzidos ao conceito de taxa por, na sua origem, lhes assistir o fundamento sinalagmático que é a característica distintiva desse tributo (cf., v. g., os Acórdãos n.os 1139/96, 1140/96 e 1223/96, os dois primeiros já citados, e o terceiro publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º vol., pp. 591-598). No presente caso não há dúvida, porém, de que é prestado ao particular devedor, e mais precisamente à recorrente, um serviço de que esta também aproveita individualmente, consistente na instalação e (especificamente para o que está em causa) na manutenção, em bom estado, da ligação dos prédios à rede geral de esgotos da cidade de Lisboa, e desta mesma rede, pelo qual é paga a taxa em questão (artigos 75.º, 76.º e 77.º do Regulamento Geral das Canalizações de Esgoto da Cidade de Lisboa). A natureza sinalagmática do tributo não está, pois, em questão, já que ele é pago como contrapartida da prestação daquele serviço.
Mas põe-se o problema de saber se, pelo critério de determinação do montante do tributo em causa, este não vem a tornar-se flagrantemente desproporcionado a esse serviço, de tal forma que se revela "completamente alheio" ao custo da prestação deste ou à utilidade que o particular dele retira.
8 - Se o montante do tributo se torna, devido ao critério utilizado para a sua fixação, "completamente alheio" ao custo da prestação deste ou à utilidade que o particular dele retira, tem de concluir-se que não estamos já perante uma taxa, sendo esta qualificação infirmada pelo próprio critério de fixação do respectivo montante, e seus resultados. Mas é necessário que se trate de um critério que, pelos seus resultados, seja "completamente alheio" ao custo ou à utilidade do serviço, não bastando, para tal alteração de qualificação, o facto de se recorrer, na fixação do montante da taxa, a elementos que são também indícios de capacidade contributiva (e, portanto, característicos de uma técnica própria dos impostos), se a esses índices estiver associada ainda uma tendencial ligação àqueles custos e utilidade.
Recorde-se, a propósito da relevância do critério de fixação do montante da taxa, o que se afirmou no caso de uma norma que previa emolumentos cobrados por notários, apreciada no citado Acórdão 610/2003:
"9 - Efectivamente, pode dizer-se que, na fundamentação do citado Acórdão 115/2002 quanto ao montante da taxa a pagar, se refere, como critério decisivo para a noção de taxa, a relação entre esse montante e a presumível utilidade, para o particular, do bem ou serviço, e não já apenas a relação entre aquele e o custo - mesmo que apenas em termos de aquele não ser 'totalmente alheio' a este. Afirma-se, assim, que a 'lógica da fixação da taxa [...] é ditada através da utilidade' que do serviço se retira, não se estando perante uma 'concepção parametrizada apenas pela equivalência ao valor de custo do serviço prestado, mesmo que flexivelmente entendida'.
Por outras palavras, fundamento para a delimitação da noção de taxa, entendida como preço de um bem ou serviço público, não é apenas um 'princípio de cobertura de custos' (Kostendeckungsprinzip), para passar a ser um 'princípio de equivalência' (Äquivalenzprinzip) com a utilidade do bem ou serviço.
Ora, entende-se que a adopção deste critério de equivalência não é, em tese geral, constitucionalmente censurável, não existindo qualquer vinculação constitucional à observância de um estrito princípio de cobertura dos custos. Não se exclui, pois, que na fixação do quantum de uma taxa possa ter-se em conta a utilidade que a pessoa obrigada ao seu pagamento retira - cf., por exemplo, os já citados Acórdãos n.º 357/99 e 200/2001 (embora este último referindo-se à relação com a 'intensidade de utilização do serviço', e, por essa via, com os seus custos).
Não pode, porém, aceitar-se que se submeta ao regime constitucional da taxa uma figura em que tal utilidade presumível é o único critério utilizado para a sua determinação, designadamente, quando se trata de serviços de utilização necessária - para quem pretenda, ou tenha de, praticar validamente uma série de actos legalmente sujeitos a escritura pública (como, por exemplo, adquirir e alienar imóveis ou alterar o capital de uma sociedade) -, e que são prestados exclusivamente, em regime de monopólio, pela Administração Pública."
9 - Ora, tem de concordar-se com o acórdão recorrido, quando este conclui que a fixação do montante da "tarifa de conservação" de esgotos tendo como base o valor patrimonial do prédio se não baseia num critério que seja completamente alheio ao custo ou à utilidade extraída pelo contribuinte do serviço em questão.
A determinação da quantia a pagar depende exclusivamente do valor patrimonial do prédio, e não directamente do custo do serviço prestado pela Câmara. Quanto à relação com o custo do serviço a que se dá causa, pela maior intensidade da utilização ou pela maior carga sobre a rede de esgotos de Lisboa, lê-se, porém, na decisão recorrida que "influindo na determinação do valor patrimonial, circunstâncias como o tipo, dimensão e localização do imóvel, então, quanto maior for o seu valor patrimonial, maior será, tendencialmente, a sobrecarga por ele aduzida ao colector geral de esgotos (desde logo, porque um imóvel de menor valor patrimonial, por contraposição com um outro de maior valor, terá, presumivelmente, menor capacidade de suporte de pessoas ou estará inserido em zona menos densamente povoadas; e se maior é a sobrecarga, maior serão, consequentemente os encargos com a manutenção e conservação, quando não, mesmo, com o reforço das infra-estruturas)". Por isso - conclui-se - o cálculo da quantia da taxa a pagar pela ligação à rede de esgotos, em função do valor patrimonial dos imóveis, contemplaria ainda uma correcta ponderação dos interesses relevantes.
Estas considerações depõem, pois, no sentido de que, tendencialmente, os custos para a conservação da ligação à rede de esgotos, e desta rede, a que dá causa um prédio com elevado valor patrimonial - e a intensidade de utilização dos correspondentes serviços de manutenção - sejam maiores do que num prédio com baixo valor patrimonial, pois a fixação do valor patrimonial depende de factores aos quais anda associada também esta maior utilização.
É claro que não será sempre assim. Se casos há, como o dos autos, em que uma ligação íntima entre, por um lado, valor patrimonial do imóvel, em que funcionam unidades de hotelaria, e, por outro lado, pressão sobre o sistema municipal de esgotos, permitirá estabelecer um sinalagma claro entre prestações camarárias e montante pago, ou, pelo menos, uma ligação entre esse valor patrimonial e a intensidade de utilização do serviço, são concebíveis outras situações em que tal ligação é ténue (v. g., palacetes, segundas habitações, etc.) ou mesmo praticamente inexistente (v. g., igrejas, imóveis encerrados, etc.). Situações estas que, aliás, se podem ter agravado com a alteração da base de incidência da taxa, operada em 1990 (pelo edital 60/90, de 7 de Agosto), que deixou de ser o rendimento colectável do prédio para passar a ser o seu valor patrimonial. É que o valor patrimonial do prédio depende de factores que podem também não ter relação com a intensidade de utilização do serviço ou os custos a que o prédio dá causa. E o montante de "tarifa de conservação" de esgotos devido pelos diferentes proprietários pode ser diverso, em razão exclusiva do valor patrimonial dos seus prédios não ser idêntico.
Não interessa, porém, levar mais longe estas considerações, por, como referido na decisão recorrida, ser, por outra via, de concluir que "não ocorre a violação do referido princípio constitucional da proporcionalidade, com base na argumentação da recorrente, ou seja, na falta da alegada correspectividade que teria de existir entre a taxa e o benefício de utilização do bem" - e por ser, assim, "também, de concluir que não existe qualquer degeneração do tipo tributário em causa de tarifa ou taxa para imposto".
Com efeito, não pode dizer-se que o critério de determinação do montante do tributo - o valor patrimonial do prédio - seja completamente alheio à utilidade que o particular dele retira, justamente por evitar a depreciação do valor patrimonial elevado do prédio. Recorde-se, também a este propósito, que, como se disse na decisão recorrida, "são os proprietários dos prédios quem retira vantagem directa do facto de os seus prédios disporem da rede geral de esgotos em bom estado de conservação e manutenção, o que os valoriza pela comodidade que proporcionam, quer sejam habitados pelos próprios, quer sejam arrendados, quer façam muito ou pouco uso da rede". E, daqui, "a relevância do seu valor patrimonial como base tributável desta taxa/tarifa", não de acordo com um "princípio de cobertura de custos", mas segundo uma ideia de equivalência em relação à utilidade extraída do serviço, reflectida em parte do valor patrimonial. Não pode, efectivamente, negar-se que a diminuição do valor de um prédio pelo facto de não possuir ligação à rede de esgotos tende a ser maior para prédios com elevado valor patrimonial do que para prédios com baixo valor patrimonial - e, inversamente, pode dizer-se que a valorização do prédio por essa ligação, tornada possível pelo serviço de conservação da rede de esgotos, é também maior quanto mais elevado for o valor patrimonial do prédio. Tanto basta - conjugado com o que se disse para parte das hipóteses em que existe uma variação da intensidade de utilização, e dos custos, do serviço, que tende a acompanhar o valor patrimonial - para se poder concluir (como se fez, a propósito de uma outra taxa, no citado Acórdão 200/2001) que o critério de fixação do montante do tributo em causa não é "completamente alheio" ao seu custo ou à utilidade para o devedor.
Aliás, também face à natureza do negócio, de hotelaria, a que a recorrente afectou os prédios que estão na origem da receita camarária impugnada, tem-se por seguro que se pode estabelecer, no caso, uma equivalência jurídica mínima, se é que não mesmo uma "equivalência económica entre o seu montante e o valor do serviço prestado" (equivalência esta que, como se referiu no Acórdão 49/92, e se repetiu, por exemplo, no Acórdão 115/2002, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21.º vol., pp. 187-204, e 52.º vol., pp. 515-550, respectivamente, não é necessária para o conceito de taxa).
E que assim possa eventualmente não ser em outras circunstâncias não releva para a presente decisão, condicionada que está à aplicação da norma num específico contexto, em que esses outros argumentos não valem.
10 - Resulta do que ficou dito que a norma do artigo 77.º do edital 145/60, com a redacção dada pelo edital 76/96 da Câmara Municipal de Lisboa - que prevê a tarifa de conservação de esgotos - , prevê, não um imposto, mas um tributo que é ainda de qualificar como taxa. Pelo que a aprovação dessa norma, que se não enquadrava na reserva relativa de competência legislativa parlamentar, podia ser efectuada por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, que a criou, e tal norma não padece da inconstitucionalidade orgânica que lhe é assacada, devendo ser negado provimento ao presente recurso.
III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 77.º do edital 145/60, com a redacção dada pelo edital 76/96 da Câmara Municipal de Lisboa;
b) Em consequência, confirmar a decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita;
c) Condenar a recorrente em custas, com 20 unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2007. - Paulo Mota Pinto - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma - Rui Manuel Moura Ramos.