Processo 10/CPP - Plenário
Acta
Aos 31 dias do mês de Maio do ano de 2006, achando-se presentes o Exmo. Conselheiro Vice-Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmo.s Conselheiros Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, Maria João da Silva Baila Madeira Antunes, Vítor Manuel Gonçalves Gomes, Mário José de Araújo Torres, Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, Maria Helena Barros de Brito, Maria Fernanda dos Santos Martins Palma Pereira, Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza, Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto, José Manuel de Sepúlveda Bravo Serra e Benjamim Silva Rodrigues, foram trazidos à conferência os presentes autos, para neles ser apreciado o que o Ministério Público nos mesmos promove, em matéria de responsabilidade contra-ordenacional dos dirigentes partidários pelas ilegalidades das contas dos partidos políticos, relativas ao ano de 2002.
Após debate e votação, foi ditado o seguinte:
I - Relatório. - 1 - O Acórdão 288/2005 deste Tribunal aplicou aos partidos políticos coimas pelas infracções cometidas por estes em matéria de financiamento e organização contabilística, no ano de 2002, e determinou a continuação dos autos com vista ao Ministério Público, de forma a promover o que tivesse por conveniente relativamente à responsabilidade pessoal dos dirigentes dos partidos políticos pelas ditas infracções, em conformidade com o preceituado nos artigos 14.º, n.º 3, e 14.º-A, n.º 1, da Lei 56/98, de 18 de Agosto (com as alterações resultantes da Lei 23/2000, de 23 de Agosto), e no artigo 103.º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
2 - Na sequência dessa decisão, veio o Ministério Público, em 7 de Julho de 2005, promover, em suma, o seguinte:
a) As contas dos partidos do ano de 2001 foram as primeiras a que foi aplicado o regime legal decorrente das alterações introduzidas na Lei 56/98 pela Lei 23/2000, no que respeita à previsão da responsabilidade pessoal dos dirigentes dos partidos políticos que participem no não cumprimento das obrigações legalmente impostas àquelas entidades colectivas, em sede de organização das respectivas contas, colocando-se, no essencial, problemas semelhantes quanto ao ano de 2002;
b) A circunstância de os resultados da auditoria e diligências complementares promovidas não serem inteiramente concludentes quanto à cabal imputação de todas as infracções e irregularidades financeiras cometidas - bem como a eventual insuficiência dos estatutos e regulamentos financeiros então em vigor nos partidos, quanto à precisa e categórica delimitação dos vários níveis de responsabilidade pelas infracções cometidas - não pode conduzir a uma sistemática e inaceitável diluição das possíveis e plausíveis responsabilidades dos dirigentes partidários nas infracções que motivaram a condenação dos partidos, já que tal implicaria a evidente frustração dos objectivos prosseguidos pela Lei 23/2000;
c) Os elementos coligidos nos autos não permitem responsabilizar, a título de dolo, dirigentes partidários determinados, quanto às infracções ao dever genérico de os partidos possuírem contabilidade organizada (violado pelo facto de ocorrer falta de suficiente ou adequado suporte ou informação documental, justificativa de receitas, despesas e mapas contabilísticos) e quanto às infracções aos deveres específicos consistentes: i) na não adopção do procedimento de depósito integral dos donativos de natureza pecuniária em contas exclusivamente destinadas a esse efeito; ii) na não adopção da prática do pagamento de despesas superiores a dois salários mínimos nacionais por cheque ou outro meio de pagamento que permita a identificação do montante e da entidade destinatária e a não realização das necessárias reconciliações bancárias; iii) na não realização das necessárias reconciliações bancárias; bem como iv) na não apresentação da lista de receitas decorrentes das actividades de angariação de fundos;
d) O mesmo não ocorre, porém, com outras infracções que, por estarem inquestionavelmente ligadas a aspectos estruturais e essenciais da organização financeira e contabilística dos partidos, não poderiam, ao menos numa análise liminar e indiciária, deixar de ter escapado ao controlo dos titulares dos órgãos a quem estava cometido, segundo os estatutos e regulamentos financeiros em vigor, o domínio da gestão financeira dos partidos, nomeadamente:
i) A falta de apresentação de contas (verificada quanto ao PSN e ao PDA);
ii) A ausência de contas abrangendo todo o universo partidário (verificada quanto ao PPD/PSD, ao PS e ao CDS-PP); e iii) As deficiências ou insuficiências na organização e actualização do inventário do património do partido (verificadas quanto ao CDS-PP);
e) Relativamente à imputação ao PSN da não apresentação de contas, trata-se de uma infracção que, pela sua essencialidade, relevância e reiteração (já que ocorreu também nos anos de 2000 e 2001), não poderá deixar de imputar-se - pelo menos - ao presidente do próprio Partido, enquanto preside à direcção nacional, órgão a que está cometida a elaboração do orçamento e contas do Partido [artigos 33.º, n.º 1, alínea a), e 34.º, n.º 7, dos estatutos]. No ano de 2002, a função de presidente era exercida, conforme os registos existentes neste Tribunal Constitucional, por António Barbosa da Costa. Este, presidindo à direcção nacional, não elaborou nem apresentou, nesse ano, a respectiva conta, apesar de bem saber, face ao teor da lei e aos precedentes jurisprudenciais, resultantes de acórdãos já anteriormente proferidos pelo Tribunal Constitucional, que estava obrigado a apresentá-las, nos termos legais. Participou, pois, com dolo, no cometimento da infracção prevista no artigo 14.º, n.º 2, da Lei 56/98 (na redacção resultante da Lei 23/2000), decorrente da omissão de cumprimento, quanto ao ano de 2002, da obrigação consignada no artigo 13.º, n.º 1, da mesma lei, indiciando-se que seja pessoalmente responsável - na qualidade de presidente do Partido e da respectiva direcção nacional - por tal infracção, pelo que se promove a aplicação da coima prevista no artigo 14.º, n.º 3, da referida lei;
f) O mesmo ocorre com a falta de apresentação de contas, em 2002, pelo PDA, afigurando-se que tal infracção será de imputar ao presidente da comissão política nacional, tendo em conta que a comissão política nacional é o mais elevado órgão "directivo e executivo do Partido" (artigo 43.º dos estatutos), cabendo ao respectivo presidente, como "chefe supremo do executivo do Partido", a principal responsabilidade pela orientação, disciplina e acção partidária, competindo-lhe, nomeadamente, "cumprir e fazer cumprir as normas legais e estatutárias", bem como "a representação suprema do Partido" (artigo 50.º) - e cabendo a tal órgão a "administração dos fundos" partidários (artigo 70.º). No ano de 2002, a função de presidente da comissão política nacional era exercida por José Francisco Nunes Ventura, que deixou, nesse ano, de elaborar e apresentar as contas do PDA, apesar de bem saber, face ao teor da lei, às disposições legais e aos precedentes jurisprudenciais, que estava obrigado a apresentá-las. Participou, pois, com dolo, no cometimento da infracção prevista no artigo 14.º, n.º 2, da Lei 56/98 (na redacção resultante da Lei 23/2000), decorrente da omissão de cumprimento, quanto ao ano de 2002, da obrigação consignada no artigo 13.º, n.º 1, da mesma lei, indiciando-se que seja pessoalmente responsável - na qualidade de presidente da comissão política nacional - por tal infracção, pelo que se promove a aplicação da coima prevista no artigo 14.º, n.º 3, da referida lei;
g) Quanto ao CDS-PP, os responsáveis das suas estruturas, organizações e organismos estão obrigados a prestar informação regular das suas contas aos responsáveis nacionais, bem como a acatar as respectivas instruções e inspecções, sob pena de responsabilização individual e pessoal pelas infracções ao regulamento financeiro, cumprindo a cada nível organizatório um processo faseado de prestação das contas resultantes da sua actividade financeira ao nível subsequente, de modo a permitir a apresentação de "contas consolidadas" (artigos 10.º, 15.º e 21.º, n.º 1, do regulamento financeiro), sendo ainda as comissões políticas distritais e regionais responsáveis pela actualização do inventário das estruturas concelhias, cabendo-lhes remeter o respectivo inventário actualizado ao secretário-geral (artigo 14.º, n.os 1 a 3, do dito regulamento) - e resultando, aliás, idêntico dever expressamente do preceituado no artigo 11.º, n.º 2, da Lei 56/98. Exerciam, em 2002, as funções de presidentes das comissões políticas distritais de Bragança, Castelo Branco e Leiria, respectivamente, António Mário Pegado Lemos Mendonça, João Manuel Próspero dos Santos e Isabel Maria Gonçalves dos Santos. O incumprimento por tais responsáveis dos deveres estatutários que os oneravam, no que respeita às obrigações de execução financeira a que estavam vinculadas segundo o regulamento financeiro do Partido, por parte do órgão a que presidiam, impossibilitou os órgãos nacionais de apresentarem uma conta consolidada, bem como o inventário devidamente organizado e actualizado. Estes titulares dos órgãos descentralizados do CDS-PP bem sabiam, face ao teor dos preceitos legais e das disposições estatutárias, que estavam vinculados ao cumprimento tempestivo e adequado das obrigações de execução financeira por parte das estruturas a que presidiam, pelo que, não o tendo feito, participaram, com dolo, no cometimento das infracções previstas nos artigos 10.º, n.os 3, alínea a), e 4, conjugados com os n.os 4 e 5 do mesmo preceito legal, promovendo-se a aplicação da coima prevista no artigo 14.º, n.º 3, da citada lei;
h) Quanto ao PPD/PSD, compete ao secretário-geral elaborar e submeter à comissão política nacional o orçamento e as contas do Partido, podendo ser coadjuvado por secretários-gerais-adjuntos [artigo 25.º, n.º 1, alíneas c) e e), dos estatutos]. O regulamento financeiro do Partido também regula a apresentação de contas (artigo 2.º), prevendo os artigos 11.º a 13.º a responsabilidade pessoal e funcional dos titulares de órgãos ou estruturas sujeitos à sua disciplina. Os responsáveis da sede nacional, em 2002, eram o secretário-geral, José Luís Fazenda Arnaut Duarte, e o secretário-geral-adjunto para a área financeira, José Manuel de Matos Rosa. Tais responsáveis financeiros bem sabiam, face ao teor dos preceitos legais, das disposições estatutárias e à reiterada jurisprudência deste Tribunal Constitucional, que estavam vinculados à apresentação de uma conta consolidada, que abrangesse o universo das estruturas partidárias, devendo ter adoptado tempestivamente as providências adequadas para que tal tivesse ocorrido no exercício de 2002, pelo que, não o tendo feito, se mostra indiciado que participaram, com dolo, no cometimento da infracção prevista no artigo 10.º, n.º 4, promovendo-se a aplicação da coima prevista no artigo 14.º, n.º 3, da citada lei;
i) Quanto ao PS, a comissão nacional de fiscalização económica e financeira tem uma função particularmente relevante no controlo da gestão financeira do Partido, já que lhe compete assegurar a legalidade, o respeito pelos estatutos, o rigor e a transparência da gestão administrativa e financeira do Partido, fiscalizar a fidedignidade das contas e dos respectivos documentos justificativos e emitir parecer sobre o relatório e a conta geral do Partido (artigo 84.º dos estatutos) - exercendo tais competências após audição do secretário nacional que detiver o pelouro da administração e das finanças do Partido (cargo que, conforme informação prestada pelo próprio Partido, "não existiu de facto" no período de 2001 a 2003). Os membros daquele órgão de controlo de gestão financeira do Partido foram, no exercício de 2002, António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, José Manuel Serra Andrade, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria Teresa Magno Heimans e Rodrigo Vieira Oliveira. Tais responsáveis pelo controlo da legalidade e exactidão das contas do Partido bem sabiam, face ao teor dos preceitos legais, das disposições estatutárias e à reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional, que o Partido estava vinculado à apresentação de uma conta consolidada, que abrangesse o universo das estruturas partidárias, devendo ter adoptado as providências adequadas para que tal tivesse ocorrido nas contas referentes ao exercício de 2002. Assim, ao não terem adoptado as providências adequadas para que a conta de 2002 abrangesse o universo do Partido, mostra-se indiciado que participaram, com dolo, no cometimento da infracção prevista no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, promovendo-se, consequentemente, a aplicação da coima prevista no artigo 14.º, n.º 3, da mesma lei.
3 - Não responderam à promoção do Ministério Público António Barbosa da Costa (PSN), António Mário Pegado Lemos Mendonça e João Manuel Próspero dos Santos (ambos do CDS-PP ).
Em resposta à promoção do Ministério Público, vieram pronunciar-se José Francisco Nunes Ventura (PDA), Isabel Maria Gonçalves dos Santos (CDS-PP), José Luís Fazenda Arnaut Duarte e José Manuel de Matos Rosa (ambos do PPD/PSD), António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, José Manuel Serra Andrade, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria Teresa Magno Heimans e Rodrigo Vieira Oliveira (todos do PS), alegando, em suma, o seguinte:
a) José Francisco Nunes Ventura salientou que o PDA é um pequeno partido sem dinheiros públicos e sem profissionais ao seu serviço; invocou que a realização de obras no edifício sede do Partido (em que participou pessoalmente) causou perturbações no normal desenvolvimento das actividades partidárias e das tarefas e organização interna do Partido; realçou ter assumido as funções de presidente da comissão política apenas em 4 de Julho de 2002; referiu que quando se deu conta da gravidade da falta cometida (a não apresentação atempada das contas de 2002 e 2003) já tinham passado irremediavelmente os prazos legais; informou que o problema já não se verificou com as contas de 2004, tendo estas sido entregues atempadamente; sustentou que a infracção à obrigação de entrega das contas de 2002 não foi intencional mas sim fruto da ignorância, uma vez que não possui formação jurídica, julgou "que a consequência dessa falha seria igual à que ocorre em idênticas circunstâncias nas empresas particulares" e se pautou "pela legislação aplicável à sociedade civil, onde as consequências dos atrasos são diferentes das que a lei (sabe agora) impõe aos partidos políticos"; alegou ter sofrido de problemas de saúde durante essa altura, e afirmou ter feito os melhores esforços para cumprir as funções que lhe foram cometidas e respeitar a legalidade e as instituições democráticas. Juntou quatro documentos (uma informação clínica prestada por um médico especialista em psiquiatria e psicoterapia, um artigo de imprensa, da sua autoria, intitulado "A Pátria, os seus símbolos e o respeito devido", e os relatórios das contas do PDA relativas aos anos de 2002 e 2003) e indicou duas testemunhas (Carlos Eduardo da Silva Melo Bento e Edmundo Pacheco do Rego);
b) Isabel Maria Gonçalves dos Santos arguiu a nulidade da promoção do Ministério Público de 7 de Julho de 2005, por não conter os elementos essenciais de uma "nota de culpa" (indicação do ano a que respeita a conta e actualização do inventário, bem como da data em que a conta consolidada foi apresentada, ou se, sendo-o atempadamente, da data em que se verificaram omissões ou deficiências posteriormente sanadas), não podendo assim a arguida apreender cabalmente a conduta que lhe é imputada; sustentou que o regulamento financeiro do CDS-PP, pelo seu carácter interno e orientador, apenas visa responsabilizar disciplinarmente os seus associados e, se for caso disso, exercer sobre eles o direito de regresso por factos com a sua génese em conduta que lhe possa ser atribuída; sustentou que, sendo a arguida uma pessoa singular, o processo de contra-ordenação contra ela instaurado não se encontra previsto no artigo 103.º-A da LTC; afirmou não ter tido um comportamento doloso, uma vez que é dirigente em regime de voluntariado, sem funcionários e sem qualquer apoio logístico, e, apesar de atempadamente ter fornecido à sede nacional os elementos de que dispunha, só mais tarde veio a tomar conhecimento de que deveria juntar outros que até ali desconhecia (por exemplo, o saldo de abertura de 2002, que corresponde ao saldo de fecho do exercício de 2001 - exercício este que, por não exercer tais funções, a arguida desconhecia); sustentou a incompetência do Tribunal Constitucional para aplicar coimas no presente processo, visto que a violação da obrigação de apresentação de contas não é punível com coima mas apenas com suspensão de subvenção estatal, por ser esta a única sanção prevista no artigo 103.º-B da LTC, e que a responsabilidade pessoal dos dirigentes dos partidos políticos se restringe às condutas previstas nos artigos 4.º e 4.º-A da Lei 56/98, com as alterações introduzidas pela Lei 23/2000, de 23 de Agosto, e considerou que mesmo que houvesse infracção, esta já teria prescrito, em face do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro. Requereu a audição de duas testemunhas (José António Maurício Valadas e Eunice Maria Paulo Tinta);
c) José Luís Fazenda Arnaut Duarte e José Manuel de Matos Rosa referiram que a manifesta insuficiência do regulamento financeiro do PPD/PSD (aprovado em 1997 e em vigor à data dos factos) para cumprir as exigências legais (introduzidas quer pela Lei 56/98, quer, sobretudo, pela Lei 23/2000) e a consequente incapacidade de algumas estruturas locais apresentarem contas impossibilitaram a direcção nacional de consolidar as contas de 2002, de forma a abranger o universo das estruturas partidárias; justificaram só ter sido possível iniciar em 2002 a alteração do regulamento financeiro por ter ocorrido nesse ano um congresso do partido com eleição de novos órgãos nacionais, e afirmaram ter tomado todas as providências possíveis para cumprir a lei e não ter actuado com dolo. Requereram a audição de uma testemunha (Pedro Nuno Xavier);
d) António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, José Manuel Serra Andrade, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria Teresa Magno Heimans e Rodrigo Vieira Oliveira afirmaram que as irregularidades verificadas ultrapassam o domínio da vontade dos dirigentes individuais, não sendo possível identificar as pessoas a quem as infracções podem ser pessoalmente imputadas; referiram que a comissão nacional de fiscalização económica e financeira do PS sempre funcionou de forma muito esporádica (reunindo uma vez por ano, nas vésperas da comissão nacional, e na sequência da convocatória para emissão de parecer sobre a conta geral do Partido) e sem qualquer apoio logístico ou administrativo (nunca foi dotada dos meios necessários e adequados para o seu exercício pleno e integral); salientaram que a conta do Partido não é aprovada pela comissão e que esta se assumia como um órgão meramente político (a sua composição privilegia mais critérios de militância e capacidade de intervenção política do que a preparação técnica dos seus membros para o cabal desempenho das funções atribuídas pelo estatuto), que a comissão não tem assento no secretariado nacional, nem em qualquer outro órgão de gestão do partido, assistindo apenas como observadora às reuniões da comissão nacional; sustentaram que o único comportamento que pode ser questionado é o parecer sobre a conta do partido dado pela comissão, mas essa função não é susceptível, por natureza, de comportar uma actuação dolosa que possa consubstanciar a prática das contra-ordenações imputadas. Requereram a inquirição de duas testemunhas (António Carlos Bexiga e Rosa Maria Freitas).
4 - Notificadas as pessoas cujo testemunho foi requerido pelos arguidos, vieram pronunciar-se, por escrito:
a) Carlos Eduardo da Silva Melo Bento e Edmundo Pacheco do Rego, pronunciando-se acerca das declarações de José Francisco Nunes Ventura. Carlos Eduardo da Silva Melo Bento afirmou ter conhecimento pessoal de que o arguido sempre se dedicou a causas cívicas (designadamente a cooperação com Timor), desempenhou praticamente sozinho as actividades partidárias (campanha eleitoral) e as tarefas de organização interna do partido, realizou pessoalmente obras de melhoramento do edifício da sede e ainda tentou entregar as contas em falta, deslocando-se a Lisboa a suas expensas. A testemunha concluiu que terá sido humanamente impossível ao arguido elaborar e entregar atempadamente as contas de 2002 e 2003. Edmundo Pacheco do Rego também confirmou que o arguido teve falta de apoio na realização das actividades partidárias mas que exerceu essas e outras actividades cívicas com seriedade e dedicação;
b) José António Maurício Valadas e Eunice Maria Paulo Tinta, pronunciando-se acerca das declarações de Isabel Maria Gonçalves dos Santos. Ambas as testemunhas declararam que a arguida aceitou o cargo voluntariamente, que a maioria das distritais e concelhias não tem um regime certo de funcionamento, nem funcionários ou apoio logístico, e que pode ser verdade a arguida não ter recebido o saldo de fecho do exercício de 2001;
c) Pedro Nuno Xavier (director financeiro do PPD/PSD), confirmando as declarações de José Luís Fazenda Arnaut Duarte e José Manuel de Matos Rosa, sobretudo no que toca às diligências dos arguidos junto das estruturas regionais, distritais e especiais, no sentido de solicitar a entrega das contas nos termos exigidos pelo regulamento financeiro do PPD/PSD em vigor à data;
d) António Carlos Bexiga (director-geral do PS entre 1996 e 2004) e Rosa Maria Freitas (chefe da contabilidade do PS em 2002), confirmando integralmente as declarações de António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, José Manuel Serra Andrade, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria Teresa Magno Heimans e Rodrigo Vieira Oliveira.
5 - Cumpre, agora, a este Tribunal, decidir da punição ou não dos dirigentes partidários acima identificados, face à legislação em vigor.
II - Fundamentos. - 6 - Compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a regularidade e a legalidade das contas dos partidos políticos e apurar a respectiva responsabilidade contra-ordenacional, nos termos previstos na lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (Lei 56/98, de 18 de Agosto) e nos artigos 103.º-A e 103.º-B da Lei do Tribunal Constitucional.
A Lei 56/98 sofreu diversas alterações com a Lei 23/2000, a qual produziu efeitos, no tocante ao financiamento dos partidos políticos, a partir de 1 de Janeiro de 2001 (v. o artigo 4.º da Lei 23/2000). Assim sendo, as alterações por ela aprovadas foram aplicadas, pela primeira vez, às contas dos partidos políticos relativas ao ano de 2001.
Refira-se, ainda, que a Lei 56/98 foi igualmente alterada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, e, finalmente, foi revogada pela Lei 19/2003, de 20 de Junho, que passou a regular a matéria de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. Contudo, a alteração efectuada pela Lei Orgânica 1/2001 é circunscrita ao financiamento das campanhas eleitorais e a generalidade das disposições da Lei 19/2003 (incluindo a norma revogatória) só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2005, pelo que nenhum dos diplomas assinalados releva para o presente processo.
Entre as alterações ao regime do financiamento dos partidos introduzidas pela Lei 23/2000 conta-se a consagração da responsabilidade pessoal de dirigentes partidários, nos seguintes termos:
"Artigo 14.º
Sanções
1 - Sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal a que nos termos gerais de direito haja lugar, quem violar as regras contidas no presente capítulo fica sujeito às sanções previstas nos números seguintes.
2 - Os partidos políticos que não cumprirem as obrigações impostas no presente capítulo são punidos com coima mínima no valor de 10 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 400 salários mínimos mensais nacionais, para além da perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos.
3 - Os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem na infracção prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 5 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 200 salários mínimos mensais nacionais.
4 - ...
5 - ...
6 - ...
7 - ..."
Com a entrada em vigor da Lei 23/2000, de 23 de Agosto, alargou-se, portanto, a responsabilidade contra-ordenacional decorrente do incumprimento das obrigações respeitantes ao financiamento dos partidos políticos (artigo 14.º, n.os 1 a 3, da Lei 56/98) aos dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem nessas infracções.
Os dirigentes a que se refere o artigo 14.º, n.º 3, da Lei 56/98 são, como o próprio nome indica, as pessoas que exerçam funções de direcção no partido, individualmente ou enquanto membro de um órgão colegial. Uma vez que se trata de matéria atinente à organização interna dos partidos, só por via dos respectivos estatutos é que se pode apurar quem são as pessoas com funções de direcção.
Por outro lado, importa ter em conta que só pode ser imputada responsabilidade contra-ordenacional aos dirigentes "que tenham participado pessoalmente" nas infracções verificadas relativamente às contas dos partidos. Assim, tal responsabilidade fica limitada aos dirigentes com responsabilidades no âmbito da elaboração, fiscalização e aprovação das contas do partidos, pois só esses podem ter tido participação pessoal no incumprimento das obrigações impostas aos partidos em matéria de financiamento e organização contabilística.
Mais uma vez, há que recorrer aos estatutos de cada partido para verificar a quem foram atribuídas competências nesse domínio, sendo certo que a Lei 56/98 obriga os partidos a terem "órgãos de fiscalização e controlo interno das contas" (artigo 11.º, n.º 1) e obriga "os responsáveis das estruturas descentralizadas dos partidos [...] a prestar informação regular das suas contas aos responsáveis nacionais, bem como a acatar as respectivas instruções [...], sob pena de responsabilização pelos danos causados" (artigo 11.º, n.º 2).
7 - No que toca ao PSN, está em causa o incumprimento da obrigação legal de apresentação de contas, no ano de 2002. De acordo com a promoção do Ministério Público, deveria responder pessoalmente pela prática dessa infracção António Barbosa da Costa, na qualidade de presidente do PSN na data em questão (uma vez que é o presidente que preside aos trabalhos da direcção nacional, órgão a quem compete "elaborar o orçamento e as contas do Partido" e respectivos relatórios - artigos 33.º, 34.º, n.º 7, 35.º, n.º 4, e 95.º dos estatutos).
Sucede que, posteriormente à promoção do Ministério Público, o PSN foi judicialmente extinto, através do Acórdão 28/2006 (Diário da República, 2.ª série, n.º 33, de 15 de Fevereiro de 2006), precisamente numa acção cuja causa petendi era integrada pela não prestação de contas durante três anos consecutivos. Em face dessa circunstância, deixou de fazer sentido a punição do PSN pela omissão do cumprimento do dever imposto pelo artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98, dado que a extinção do Partido faz cessar o procedimento contra-ordenacional pelo incumprimento da Lei 56/98-
Com efeito, com a extinção dos partidos extingue-se também a correspondente responsabilidade contra-ordenacional. Trata-se de uma situação idêntica à verificada, quanto a outros partidos extintos, nos Acórdãos n.os 522/98 e 551/2000 e, mais recentemente, no Acórdão 288/2005 (publicados no Diário da República, 2.ª série, de 10 de Outubro de 1998, de 24 de Janeiro de 2001 e de 11 de Julho de 2005, respectivamente).
Esta solução vai ao encontro do preceituado no artigo 127.º do Código Penal (aplicável ao processo contra-ordenacional por via do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), que consagra como causa da extinção da responsabilidade contra-ordenacional a morte do agente. Tendo em conta que a morte das pessoas singulares é equiparável, para este efeito, à extinção das pessoas colectivas (designadamente as associações, caso dos partidos políticos), conclui-se que a extinção do PSN fez cessar o procedimento contra-ordenacional por incumprimento da Lei 56/98.
Ora, não é líquido que a extinção da responsabilidade do PSN se repercuta também na responsabilidade dos respectivos dirigentes partidários que tenham pessoalmente participado nas infracções ao disposto na Lei 56/98, sendo certo que a conduta dos dirigentes é tratada em preceito próprio para efeitos contra-ordenacionais (artigo 14.º, n.º 3, da Lei 56/98).
Independentemente, porém, do esclarecimento da questão acima mencionada, e embora o arguido não tenha apresentado resposta, a verdade é que o presente processo e o relativo às contas de 2001 foram instruídos quase simultaneamente, tendo o arguido alegado neste último que a direcção do PSN, até à extinção do Partido (o que abrange o ano de 2002), era assegurada por outrem. Tal facto não pode deixar de ser aqui relevado, em termos de suscitar idêntica dúvida à que se dá conta no Acórdão 250/2006 quanto à responsabilidade do arguido.
E esta circunstância do caso é suficiente para determinar o arquivamento do procedimento contra-ordenacional contra António Barbosa da Costa.
8 - Quanto ao PDA, está também em causa o incumprimento da obrigação legal de apresentação de contas, no ano de 2002. De acordo com a promoção do Ministério Público, deve responder pessoalmente pela prática dessa infracção José Francisco Nunes Ventura, na qualidade de presidente da comissão política nacional à data da prática dos factos. Efectivamente, de acordo com o disposto nos estatutos do PDA, a referida comissão é o "mais elevado órgão directivo e executivo do Partido" (artigo 43.º), e é responsável pela "administração dos fundos" partidários (artigo 70.º). Por outro lado, o presidente da dita comissão é o chefe supremo do Partido e o principal responsável "pela orientação, disciplina e acção partidárias", competindo-lhe "cumprir e fazer cumprir as normas legais e estatutárias", representar o Partido e superintender a actuação partidária (artigo 50.º).
Em face desse enquadramento estatutário, não pode deixar de se considerar que o presidente da comissão política nacional do PDA deveria ter assegurado, no ano 2002, o cumprimento das regras de financiamento e organização dos partidos políticos contidas na Lei 56/98 (na redacção da Lei 23/2000), designadamente a obrigação de entrega da contabilidade partidária ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 13.º, n.º 1, desse diploma.
O arguido alega em sua defesa, desde logo, a pequena dimensão do PDA e a escassez de meios de apoio económicos e humanos de que o Partido dispõe (esta última circunstância foi confirmada pelas testemunhas Carlos Eduardo da Silva Melo Bento e Edmundo Pacheco do Rego). Trata-se de circunstâncias intimamente ligadas, uma vez que a falta de recursos económicos e humanos é uma normal decorrência de o Partido ser pouco representativo e não beneficiar de subvenções estatais.
Todavia, como já se disse no Acórdão 288/2005, exactamente a propósito do incumprimento da obrigação legal de entrega das contas de 2002 por parte do PDA, a pequena dimensão ou ausência de actividade bem como a falta de representação parlamentar e a ausência de apoios estatais não eximem o partido da obrigação de apresentação de contas. Designadamente, não há que fazer nenhuma distinção entre "grandes" e "pequenos" partidos, entre partidos com ou sem representação parlamentar, com intensa ou esporádica actividade, porquanto os partidos políticos ficam, desde o momento da sua inscrição no registo próprio existente neste Tribunal, necessariamente adstritos às obrigações decorrentes da lei do financiamento partidário em vigor.
A explicação para a imposição de tal obrigação a todos os partidos inscritos radica no facto de a inscrição conferir aos partidos políticos, para além das faculdades de intervenção política, também um conjunto de direitos e prerrogativas, em razão da sua específica função no sistema político, e que são independentes das tais "diferenças" referidas, tendo o legislador optado por não efectuar aí quaisquer distinções, antes considerando como iguais todos os partidos como tal registados. Justifica-se, assim, que também no tocante ao cumprimento das respectivas obrigações - designadamente, à de apresentação de contas -, seja aplicável o mesmo regime a todos os partidos, igualmente sem quaisquer distinções.
De referir, no entanto, que, apesar de a dimensão do partido não relevar para efeitos da obrigação de apresentação de contas, poderá influir na determinação da medida da coima, como se verá mais adiante.
No que toca às obras realizadas pelo arguido na sede do PDA (facto confirmado pela testemunha Carlos Eduardo da Silva Melo Bento), apesar de demonstrarem a sua dedicação e empenho relativamente à actividade partidária, não justificam o incumprimento da obrigação de entrega das contas de 2002.
De igual modo, a circunstância de o arguido apenas ter iniciado funções como presidente da comissão política nacional do PDA em 4 de Julho de 2002 em nada altera a sua participação pessoal no incumprimento da obrigação de entrega das contas desse ano. Com efeito, esta obrigação deveria ter sido cumprida entre 1 de Janeiro e 31 de Maio de 2003 (artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98), período durante o qual apenas e só o arguido exerceu o cargo de presidente da comissão política nacional do PDA.
No que toca ao facto de o arguido ter anexado à sua resposta as contas do PDA relativas aos anos de 2002 e 2003, bem como à circunstância de terem sido entregues atempadamente ao Tribunal as contas de 2004, não afastam a sua responsabilidade por participação pessoal no cometimento da infracção ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98, no tocante às contas de 2002. Com efeito, a entrega das contas de 2003 e 2004 é irrelevante para o presente processo, uma vez que só diz respeito a factos autónomos e posteriores à prática da infracção em análise, sobre os quais o Tribunal ainda não se pronunciou. Quanto à entrega das contas de 2002, em anexo à resposta do arguido, por ter sido tardia, implicou que o Tribunal as não pudesse apreciar e exercer o controlo previsto na Lei 56/98.
Quanto aos problemas de saúde que o arguido alegou ter sofrido ("ansiedade e depressão", segundo a informação médica anexa à resposta), não o eximem da responsabilidade pela participação pessoal no incumprimento da obrigação de entrega das contas de 2002. Desde logo, a informação clínica é de 12 de Julho de 2001 (data em que o arguido ainda não exercia as funções de presidente da comissão política do PDA), desconhecendo-se até quando se manteve a situação de doença. Por outro lado, ainda que os problemas de saúde se tenham prolongado no tempo, a verdade é que o arguido assumiu as funções de presidente da comissão política nacional do PDA desde 4 de Julho de 2002 e não deixou de desempenhar o cargo durante o período (entre 1 de Janeiro e 31 de Maio de 2003) em que o partido deveria ter cumprido a obrigação de entrega das contas de 2002.
Em face do exposto, há que concluir que o arguido José Francisco Nunes Ventura, na qualidade de presidente da comissão política nacional - chefe supremo executivo do PDA e principal responsável pela actuação partidária, a quem compete cumprir e fazer cumprir as normas legais e estatutárias (artigo 50.º dos estatutos), e dirigente máximo da comissão política nacional, a quem compete a administração dos fundos do partido (artigo 70.º dos estatutos) -, bem sabia que o Partido estava obrigado à entrega das contas, devendo ter adoptado as providências adequadas para que tal tivesse ocorrido quanto ao exercício de 2002. Com efeito, o próprio arguido admitiu, na sua resposta, que sabia estar legalmente obrigado à apresentação das contas do Partido e procedeu, no ano subsequente (2003), à entrega das respectivas contas.
Assim, ao não ter adoptado as providências adequadas para que as contas de 2002 fossem atempadamente entregues ao Tribunal Constitucional, o arguido participou, com dolo, no cometimento da infracção ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98.
Nos termos previstos no artigo 14.º, n.º 3, da Lei 56/98, a coima aplicável aos dirigentes dos partidos políticos que participem pessoalmente nas infracções previstas no capítulo II varia entre 5 e 200 salários mínimos mensais nacionais. Estando em causa a participação pessoal do arguido numa só infracção (ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98), é essa a moldura da coima a aplicar.
Quanto à determinação da medida da coima, há que ter em conta, designadamente, a gravidade da contra-ordenação e a culpa do agente (artigo 18.º do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro).
Quanto à gravidade da infracção, importa considerar que se trata do incumprimento de um dever imposto pelo regime legal do financiamento e organização das contas dos partidos que reveste um carácter estruturante e essencial para o controlo e fiscalização destas últimas.
No que toca à culpa, deve, desde logo, ponderar-se a circunstância de a responsabilização pessoal dos dirigentes partidários pelas infracções cometidas pelos partidos em sede de financiamento e organização contabilística ser muito recente (começou a ser aplicada no exercício do ano anterior, de 2001) e que esta é a primeira vez que se imputa ao arguido a participação pessoal em infracções dessa natureza.
Por outro lado, apesar de a falta de meios económicos e humanos do PDA não eximir este último da responsabilidade pela apresentação das contas do partido, tal circunstância é relevante para a graduação da culpa.
Com efeito, nas decisões relativas ao sancionamento das infracções cometidas pelos partidos políticos em matéria de financiamento e organização contabilística, o Tribunal tem salientado reiteradamente que, na determinação da medida da coima, devem ser tidas em conta "as dificuldades que os partidos políticos vêm tendo na implementação das estruturas internas necessárias ao completo cumprimento da lei, principalmente considerando a pequena dimensão de alguns dos partidos políticos em causa, já que da mesma decorrerá, compreensivelmente, uma menor exigência quanto à complexidade e completude da sua organização" (Acórdão 288/2005).
No caso em apreço, a escassez de meios do Partido não pode ser imputada à responsabilidade do arguido e certamente que dificulta o cumprimento das obrigações que a lei impõe aos partidos em matéria de financiamento e organização contabilística. Deve, portanto, considerar-se atenuada a culpa do arguido pela participação pessoal no incumprimento do dever legal de apresentação das contas de 2002 ao Tribunal Constitucional.
Levando em conta a gravidade das infracções e a culpa (atenuada) do arguido, aplica-se-lhe, pela participação pessoal na infracção ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98, a coima de cinco salários mínimos mensais nacionais.
Considerando que, de acordo com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei 320-C/2002, de 30 de Dezembro, em 31 de Maio de 2003 (último dia do prazo de cumprimento do disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98), o salário mínimo mensal nacional tinha o valor de Euro 356,60, a coima a aplicar ao arguido é de Euro 1783 (5 x Euro 356,60).
9 - Quanto ao CDS-PP, as infracções à Lei 56/98, cuja responsabilidade pessoal dos dirigentes partidários está agora em causa, consistem na ausência de contas abrangendo todo o universo partidário e na incompletude do inventário do património do Partido, durante o ano de 2002 (infracções pelas quais o CDS-PP foi condenado no Acórdão 288/2005).
De acordo com a promoção do Ministério Público, devem responder pela prática das infracções acima mencionadas os militantes que exerceram, durante o ano de 2002, as funções de presidente das comissões políticas distritais de Bragança, Castelo Branco e Leiria, respectivamente António Mário Pegado Lemos Mendonça, João Manuel Próspero dos Santos e Isabel Maria Gonçalves dos Santos.
Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, alínea f), dos estatutos do CDS-PP (aprovados em Março de 2000, cf. fls. 590 e segs.), compete à comissão directiva, órgão nacional, "elaborar [...] [as] contas do Partido". Todavia, o regulamento financeiro do CDS-PP, que visa definir regras do Partido relativas à apresentação de contas (artigo 2.º), estabelece, no artigo 15.º (com a epígrafe "Processo de prestação de contas"), uma "cadeia de sucessão/transmissão de responsabilidades", dos "presidentes das comissões políticas concelhias" perante as "comissões políticas distritais e regionais" e destas perante o "secretário-geral", tendo como objecto a "veracidade das informações prestadas, incluindo as prestadas pelas respectivas estruturas concelhias".
Ainda à luz do mesmo preceito, "as contas referentes à execução financeira de todas as estruturas descentralizadas do Partido [...] são remetidas ao conselho nacional de jurisdição competente para apreciação" (cf. artigo 15.º, n.º 4). Este órgão pode ainda, com a comissão política nacional, segundo o artigo 15.º, n.º 5, deliberar a realização de auditorias às contas das estruturas regionais, distritais ou concelhias.
Finalmente, da leitura dos artigos 43.º, n.º 1, alínea e), e 59.º dos estatutos do CDS-PP resulta que as contas anuais do Partido são aprovadas pelo conselho nacional, sendo posteriormente enviadas para apreciação ao Tribunal Constitucional.
Face ao exposto, fica claro que na elaboração material das contas do CDS-PP intervém um vasto conjunto de órgãos e pessoas. Agrava-se, assim, a dificuldade em determinar a identidade dos dirigentes do Partido com efectiva actuação e consequente responsabilidade na prestação irregular de contas. Respondendo ao pedido de esclarecimentos sobre esta questão, o CDS-PP veio pronunciar-se, por carta de "Abel Pinheiro, comissão executiva", indicando os nomes dos presidentes das comissões políticas distritais que, segundo afirma o subscritor, "não procederam à prestação de contas do ano de 2002".
A responsabilidade imputada aos citados dirigentes corresponde, aliás, à relevância das suas obrigações estatutárias, decorrentes do disposto no artigo 15.º, n.os 2, e 15.º, 3, do regulamento financeiro do Partido, que prevêem que "as comissões políticas distritais e regionais conferem as contas enviadas pelas respectivas concelhias e integram estas numa única conta que traduza a execução financeira de todo o distrito ou região", sendo "responsáveis [...] pela veracidade das informações prestadas [...] bem como pelo cabal cumprimento dos deveres prescritos no presente regulamento".
Analisemos, então, a situação de cada um dos arguidos:
a) António Mário Pegado Lemos Mendonça e João Manuel Próspero dos Santos:
Notificados para responder, estes arguidos optaram por não se pronunciar sobre a promoção do Ministério Público, não tendo, igualmente, juntado ao processo quaisquer provas em sua defesa.
Nestes termos, a única prova de que este Tribunal dispõe para fundamentar a responsabilização destes arguidos pelas irregularidades das contas do CDS-PP, em causa no caso em análise, é a declaração de Abel Pinheiro, em nome da comissão executiva nacional do Partido. Este imputa aos responsáveis das estruturas locais os comportamentos que conduziram às infracções sancionadas no Acórdão 288/2005, nomeadamente, a "não apresentação do universo de todas as estruturas organizativas do Partido, e as suas correspondentes actividades de financiamento e funcionamento, bem como a incompleta organização e actualização do inventário anual do património".
Todavia, devemos ter em conta que, à luz do artigo 343.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável por força do artigo 41.º do regime geral das contra-ordenações, o silêncio dos arguidos não pode ser valorado contra eles, nem tido como confissão dos factos alegados. E a verdade é que idêntica imputação foi feita pelo mesmo dirigente nacional (no presente processo e no processo relativo às contas de 2001, que conduziu ao Acórdão 250/2006), a dirigentes locais e a ela não foi dada força probatória suficiente para a condenação dos arguidos, o que, de algum modo, não deixa de fragilizar, também para estes casos e em termos probatórios, tal imputação. Por outro lado - e decisivamente -, a relativa fluidez e indeterminação na concretização dos comportamentos que geraram as irregularidades nas contas do CDS-PP, sem uma precisa localização no espaço e no tempo, muito dificulta a sua imputação, a título de dolo, a quem quer que seja, sendo, pois, inaceitável fundamentar uma eventual condenação dos arguidos do CDS-PP apenas nas declarações dos responsáveis nacionais do partido.
Face ao exposto, determina-se, pois, em relação aos arguidos António Mário Pegado Lemos Mendonça e João Manuel Próspero dos Santos o arquivamento do processo.
b) Isabel Maria Gonçalves dos Santos:
Na sua resposta à promoção do Ministério Público, a arguida veio alegar a omissão de elementos essenciais na promoção, nomeadamente a não indicação do ano a que respeita a conta e a actualização do inventário em causa nem a data de apresentação da conta consolidada. No seu entender, "tais elementos devem constar obrigatoriamente da douta promoção - sob pena de nulidade, pois que equivalente a nota de culpa".
Em seguida defende que, por ser pessoa singular, "o processo de contra-ordenação contra ela instaurado não se encontra previsto no artigo 103.º-A" da LTC (Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro). Invoca igualmente a inexistência de uma infracção punível com coima, por esta não se encontrar prevista na LTC.
Mais alega que o regulamento financeiro do CDS-PP "pelo seu carácter interno e orientador apenas tem [...] por objectivo responsabilizar disciplinarmente os seus associados e, se for caso disso, exercer sobre eles o direito de regresso".
Invoca ainda a arguida que, enquanto "mero dirigente político em regime de voluntariado, sem funcionários e sem qualquer apoio logístico, teve de aprender e ir encontrando tudo quanto necessário para responder às solicitações da sede do Partido. Assim, apesar de atempadamente ter fornecido os elementos de que dispunha, só mais tarde veio a tomar conhecimento de que deveria relacionar outros que até ali desconhecia", como é o caso do "saldo de abertura de 2002".
Finalmente, vem invocar a prescrição do procedimento contra-ordenacional, face ao disposto no artigo 5.º do regime geral das contra-ordenações.
A arguida requereu também a inquirição de duas testemunhas, José António Maurício Valadas e Eunice Maria Paulo Costa Tinta, que, notificados para se pronunciarem, corroboraram os factos por ela narrados, tal como anteriormente se descreveu.
Face ao exposto, cabe analisar a pertinência dos argumentos utilizados pela arguida.
Em primeiro lugar, no que respeita às alegadas omissões da promoção do Ministério Público, é falso que esta não mencione o ano a que se referem as contas. De facto, afirma-se repetidamente ao longo da promoção (v., a título de exemplo, as fls. 581, 583 e 589) que estão em causa as contas relativas ao ano de 2002- Quanto aos restantes elementos alegadamente em falta, note-se que estes resultam da promoção do Ministério Público, por remissão para o Acórdão 288/2005.
Em segundo lugar, e quanto à existência de uma infracção imputável à arguida, enquanto pessoa singular, punível com coima, cabe dizer que, efectivamente, nem o processo de contra-ordenação nem a competência do Tribunal Constitucional se encontram previstos na LTC. Encontram-se, sim, na Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000, respectivamente nos artigos 14.º, n.º 3, e 14.º-A, n.º 1. De facto, as mencionadas disposições normativas dispõem que "os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem na infracção prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 5 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 200 salários mínimos mensais nacionais", e que "a competência para a aplicação das coimas é do Tribunal Constitucional, sendo a decisão tomada nos termos do artigo 103.º-A, n.º 3, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei 88/95, de 1 de Setembro" (LTC).
Com efeito, e apesar de a LTC prever a maior parte das competências do Tribunal Constitucional, nada impede o legislador de atribuir, noutros diplomas, novas competências a este Tribunal. Foi o que se fez na Lei 56/98, à semelhança de outros diplomas legais.
Nestes termos, não procedem as alegações da arguida quanto à inexistência de uma infracção imputável a pessoas singulares, punível com coima. Como se explicou, a infracção e respectiva sanção, bem como a competência, na matéria, do Tribunal Constitucional decorrem dos artigos 14.º, n.º 3, e 14.º-A, n.º 1, da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000.
Face ao exposto, é, igualmente, irrelevante o argumento da arguida, segundo o qual "o regulamento financeiro do CDS-PP [...] apenas tem [...] por objectivo responsabilizar disciplinarmente os seus associados". De facto, como se viu, não é das disposições do mencionado regulamento que decorrerá, no presente caso, a eventual responsabilização da arguida, visto que a infracção de que é acusada e respectiva sanção estão previstas na lei. As previsões do regulamento financeiro do CDS-PP foram tidas em conta apenas para determinar quem, no quadro da organização interna do Partido, tem responsabilidades e obrigações estatutárias relativas à prestação de contas.
A arguida invocou ainda, em sua defesa, por um lado, a escassez de meios humanos e logísticos do Partido no seu distrito e o carácter voluntário da sua actividade partidária. Por outro lado, alegou um desconhecimento parcial da lei. Todavia, tais factos não são susceptíveis de afastar a sua responsabilidade pelo incumprimento da obrigação de entrega das contas de 2002. Efectivamente, a obrigação de os partidos entregarem as suas contas ao Tribunal é uma das regras mais elementares do controlo do financiamento dos partidos políticos. A pequena dimensão de um partido ou, no caso, de uma distrital e a escassez de meios de apoio económicos e humanos de que o partido dispõe não podem, como antes se explicou, justificar o incumprimento dos deveres legais dos dirigentes partidários. Além disso, a própria arguida admite, ao afirmar que remeteu à sede nacional os elementos de que dispunha, ter consciência de que tinha uma obrigação de elaboração e prestação das contas da distrital de Leiria do CDS-PP. Acrescente-se ainda que o cargo de presidente da comissão política distrital do CDS-PP é uma actividade específica, cujas regras o seu titular não pode ignorar.
Finalmente, a arguida invoca a prescrição do procedimento contra-ordenacional, face ao disposto no artigo 5.º do regime geral das contra-ordenações (aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis 356/89, de 17 de Outubro e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro). Vejamos se procede tal argumentação.
A arguida foi acusada de violação dos artigos 10.º, n.os 3, alínea a), e 4, da Lei 56/98. Ora, o diploma em questão nada dispõe em matéria de prazo de prescrição das irregularidades das contas dos partidos políticos, do financiamento de campanhas eleitorais e da responsabilidade pessoal dos dirigentes dos partidos políticos decorrente da não apresentação ou apresentação deficiente das contas.
No seu silêncio, valem, pois, as disposições constantes do regime geral das contra-ordenações.
Tendo em vista determinar a lei aplicável e fixar o respectivo prazo de prescrição, há que determinar qual a lei em vigor no momento da prática do facto.
O Tribunal Constitucional considerou já várias vezes, designadamente nos Acórdãos n.os 361/2003 e 423/2004, que o momento da prática das infracções ao artigo 10.º, n.os 3, alínea a), e 4, da Lei 56/98 é o final do ano a que se reportam as contas dos partidos políticos. Efectivamente, o Acórdão 361/2003, relativo às contas dos partidos políticos do ano de 2000, referindo-se, entre outras, às infracções resultantes "da falta de integração da contabilidade [...] da insuficiência de suporte documental de certas receitas, despesas ou rubricas contabilísticas e da não elaboração, em termos satisfatórios, do inventário anual do património imobiliário e mobiliário sujeito a registo", determinou que "a coima a aplicar [...] deverá ser fixada no valor de [...] salários mínimos nacionais correspondentes ao ano de 2000 (já que a infracção se consumou no final desse ano)" [itálico nosso]. No presente caso, o momento da prática das infracções é, assim, o final do ano de 2002. Tal raciocínio justifica-se, aliás, pelo facto de as obrigações previstas naquelas disposições legais terem de ser cumpridas até ao final do ano a que as contas dizem respeito.
Para efeitos da contagem do prazo de prescrição, considera-se, pois, momento da prática da contra-ordenação o fim do ano de 2002.
Ora, no final de Dezembro de 2002 - momento da prática das contra-ordenações em análise -, o regime das contra-ordenações constava do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção dada pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro. Nos termos do artigo 27.º, n.º 1, do referido diploma, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é de "cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a Euro 49 879,79".
À luz do artigo 14.º, n.º 3, da Lei 56/98, a coima aplicável aos dirigentes dos partidos políticos que participem pessoalmente nas infracções previstas no capítulo II varia entre 5 e 200 salários mínimos mensais nacionais. Considerando que, de acordo com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei 325/2001, de 17 de Dezembro, em 31 de Dezembro de 2002 (último dia da prática dos factos), o salário mínimo mensal nacional tinha o valor de Euro 348, o montante máximo da coima a aplicar é de Euro 69 600. A contra-ordenação em causa cabe, pois, na previsão do artigo 27.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações, sendo o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional de cinco anos.
Ora, é inequívoco que o prazo não decorreu ainda, findando somente em 31 de Dezembro de 2007. É, por isso, dispensável a averiguação da eventual ocorrência, no caso, de causas de suspensão da prescrição.
Afastadas as objecções da arguida, há, agora, que determinar se, face à prova produzida no processo, lhe são, efectivamente, imputáveis, a título de dolo, as infracções de que é acusada.
Ora, atentando nas declarações contraditórias prestadas pelo responsável nacional e pela dirigente local do CDS-PP, não parece possível determinar com exactidão a que nível (nacional ou distrital) ocorreram as deficiências dos procedimentos contabilísticos que geraram as irregularidades nas contas no caso em análise. Efectivamente, a relativa fluidez e indeterminação na concretização e densificação de tais comportamentos, sem uma precisa localização no espaço e no tempo se em nada preclude a sua imputação ao Partido, como ente colectivo -, inviabiliza a determinação de quais terão sido os dirigentes (nacionais, locais) a que tais irregularidades serão de imputar, a título de dolo.
Assim, determina-se, em relação à arguida Isabel Maria Gonçalves dos Santos, o arquivamento do processo.
10 - Quanto ao PPD/PSD, a infracção à Lei 56/98 cuja responsabilidade pessoal dos dirigentes partidários se pretende apurar consiste na ausência de contas abrangendo todo o universo partidário, durante o ano de 2002 (infracção pela qual o PPD/PSD foi condenado no Acórdão 288/2005).
Segundo o Ministério Público, devem responder pela prática da infracção acima mencionada o secretário-geral (José Luís Fazenda Arnaut Duarte) e o secretário-geral-adjunto para a área financeira (José Manuel de Matos Rosa), à data da prática dos factos.
De acordo com os estatutos do PPD/PSD, o secretário-geral dirige o funcionamento dos serviços centrais do Partido e é responsável por elaborar e submeter à comissão política nacional o orçamento e as contas do Partido - artigo 25.º, n.º 1, alíneas d) e e). À data da prática dos factos, a comissão política nacional tinha nomeado um secretário-geral-adjunto para a área financeira - nos termos previstos nos artigos 21.º, n.º 2, alínea d), e 25.º, n.º 1, alínea, c), dos estatutos - sendo este cargo exercido por José Manuel de Matos Rosa. Por outro lado, e de acordo com o regulamento financeiro de 1997, os titulares dos órgãos e estruturas partidários estão sujeitos a responsabilidade pessoal e funcional pela execução financeira e pelas contas (capítulo IV). Dispõe ainda o regulamento que a responsabilidade última nesta matéria é do secretário-geral, uma vez que, "quando não se verifique a existência de escalão superior, as estruturas respondem perante o secretário-geral" (artigo 12.º).
Tendo em conta esse enquadramento estatutário, os arguidos José Luís Fazenda Arnaut Duarte e José Manuel de Matos Rosa participaram pessoalmente na prática da infracção consistente na não apresentação de contas abrangendo todo o universo partidário, verificada relativamente ao exercício contabilístico de 2002.
Analisando as declarações dos arguidos, não se encontraram factos ou circunstâncias que pudessem afastar a sua responsabilidade.
Os arguidos não contestam ter havido violação da obrigação de apresentação de contas consolidadas, abrangendo o universo das estruturas partidárias, mas justificaram tal situação com a insuficiência do regulamento financeiro do Partido vigente em 2002 (aprovado em 1997) para cumprir as exigências legais relativas ao financiamento e organização contabilística dos partidos políticos. Segundo os arguidos, essa circunstância terá impossibilitado às estruturas descentralizadas reunir os elementos necessários à consolidação das contas partidárias, apesar dos esforços feitos pelos arguidos para obter a documentação em falta (esforços confirmados pela testemunha Pedro Nuno Xavier, director financeiro do PPD/PSD à data da prática dos factos).
Tal argumentação não pode considerar-se procedente.
Desde logo, o dito regulamento previa um procedimento de prestação de contas (artigos 15.º a 17.º), cuja responsabilidade última era do secretário-geral (artigo 12.º), e concedia a este competência para a integração de lacunas do regulamento tendo presente a lei de financiamento dos partidos políticos e campanhas eleitorais (artigo 18.º). Assim, não pode o secretário-geral refugiar-se na ausência ou inadequação das normas internas do Partido para justificar o incumprimento da obrigação legal de apresentação de contas consolidadas, verificado no exercício de 2002- O mesmo sucede quanto ao secretário-geral-adjunto, uma vez que este partilha as competências do secretário-geral em matéria financeira, coadjuvando-o nesta área - artigo 25.º, n.º 1, alínea c), dos estatutos.
Por outro lado, no exercício de 2002, o quadro das obrigações que a Lei 56/98 veio impor aos partidos políticos em matéria de consolidação das contas já se encontrava bem desenhado e esclarecido, nomeadamente com a prolação, a notificação e a publicação dos Acórdãos n.os 453/99, 578/2000, 371/2001 (Diário da República, 1.ª série-A, de 24 de Outubro de 2001) e 361/2003. Assim, não podiam os arguidos ignorar, enquanto dirigentes do PPD/PSD, que da Lei 56/98 decorria a indispensabilidade de o Partido possuir uma contabilidade que abrangesse todo o universo das suas estruturas e actividades, não podendo a correspondente falta deixar de lhes ser imputada a título de dolo.
A circunstância de os arguidos terem diligenciado junto das estruturas descentralizadas no sentido de obter os dados necessários ao integral cumprimento das obrigações impostas pela Lei 56/98 apenas releva para a graduação da culpa, atenuando-a.
Em face do exposto, considera-se que os arguidos José Luís Fazenda Arnaut Duarte (responsável por elaborar e submeter à comissão política nacional o orçamento e as contas do Partido) e José Manuel de Matos Rosa (enquanto responsável pela coadjuvação do secretário-geral na área financeira) bem sabiam, face ao teor do artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98 e da reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional, que o Partido estava vinculado à consolidação das contas, de forma a abranger o universo das estruturas partidárias, devendo ter adoptado as providências adequadas para que tal tivesse ocorrido nas contas referentes ao exercício de 2002.
Assim, ao não terem adoptado as providências adequadas para que as contas de 2002 abrangessem o universo do Partido, os arguidos participaram, com dolo, no cometimento da infracção prevista no mencionado preceito da Lei 56/98, conduta que consubstancia a contra-ordenação prevista no artigo 14.º, n.º 3, da mesma lei.
Nos termos previstos nesse preceito legal, a coima aplicável aos dirigentes dos partidos políticos que participem pessoalmente nas infracções previstas no capítulo II varia entre 5 e 200 salários mínimos mensais nacionais.
A determinação da medida da coima a aplicar deve ter em conta, designadamente, a gravidade da contra-ordenação e a culpa do agente (artigo 18.º do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro).
Quanto à gravidade da infracção, importa ter em conta que se trata do incumprimento de um dever imposto pelo regime legal do financiamento e organização das contas dos partidos, de carácter estruturante.
No que toca à culpa, importa considerar, por um lado, que se trata da segunda vez em que se responsabilizam os dirigentes partidários pela participação pessoal em infracções cometidas pelos partidos em matéria de financiamento e organização contabilística (não a primeira, como invocam os arguidos na sua resposta) e, por outro lado, que os arguidos diligenciaram junto das estruturas descentralizadas do Partido no sentido de os elementos necessários à consolidação das contas. Tais circunstâncias contribuem para atenuar a culpa dos arguidos, em igual medida.
Acresce que, apesar de um dos arguidos (José Luís Fazenda Arnaut Duarte) já ter sido condenado pela participação pessoal nas infracções cometidas pelo PPD/PSD relativamente às contas de 2001, tal condenação carecerá de força agravante pelo facto de o respectivo processo ter sido decidido em momento muito posterior ao da elaboração e apresentação das contas de 2002.
Finalmente, importa considerar que, ao contrário do que sucedeu com o processo relativo às contas de 2001, no processo sub iudice está apenas em causa o incumprimento de uma das obrigações legais impostas ao financiamento e organização contabilística dos partidos.
Levando em conta a gravidade das infracções e a culpa (atenuada) dos arguidos, aplica-se, a cada um dos arguidos, pela participação pessoal na infracção ao disposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, a coima de sete salários mínimos mensais nacionais.
Considerando que, de acordo com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei 325/2001, de 17 de Dezembro, em 31 de Dezembro de 2002 (último dia da prática dos factos), o salário mínimo mensal nacional tinha o valor de Euro 348, a coima a aplicar a cada um dos arguidos é de Euro 2436 (7 x Euro 348).
11 - Quanto ao PS, a infracção à Lei 56/98 cuja responsabilidade pessoal dos dirigentes partidários se pretende apurar consiste na ausência de contas abrangendo todo o universo partidário, durante o ano de 2002 (infracção pela qual o PS foi condenado no Acórdão 288/2005).
Segundo o Ministério Público, devem responder pela prática da infracção acima mencionada os membros da comissão nacional de fiscalização económica e financeira (CNFEF) do PS, à data da prática dos factos: António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, José Manuel Serra Andrade, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria Teresa Magno Heimans e Rodrigo Vieira Oliveira.
Reiteram-se as considerações da promoção do Ministério Público relativamente à função particularmente relevante da CNFEF no controlo da gestão financeira do PS. Com efeito, compete a este órgão nacional "defender o património do Partido e pugnar pela exactidão das suas contas", "fiscalizar e assegurar a verdade e a actualização do inventário dos bens do Partido", "fiscalizar a legalidade, o respeito pelos estatutos, o rigor e a transparência da gestão administrativa e financeira do Partido", "fiscalizar a fidedignidade das contas e dos respectivos documentos justificativos" e emitir "parecer sobre o relatório e a conta geral do Partido" (artigo 84.º, n.os 1 e 2, dos estatutos).
Para o bom exercício de tais competências, a CNFEF pode "solicitar reuniões conjuntas ao secretariado nacional" e a "audição do secretário nacional que detiver o pelouro da administração e das finanças do Partido" (artigo 84.º, n.º 3, dos estatutos). Segundo informação prestada pelo próprio Partido, durante o ano de 2002 não existiu um secretário nacional com esse pelouro. De todo o modo, essa circunstância não influencia a responsabilidade contra-ordenacional que recai sobre a CNFEF, em vista das competências a esta atribuídas pelo estatuto.
Defendem-se os arguidos invocando que só lhes pode ser assacada responsabilidade pelo parecer emitido sobre o relatório e a conta geral do Partido - competência prevista no artigo 84.º, n.º 2, alínea d), dos estatutos.
Assim seria se a intervenção da CNFEF na organização económica e financeira do PS se resumisse à emissão do dito parecer. Todavia, essa competência é apenas uma entre muitas e reveste um carácter secundário (ou instrumental) relativamente a outras.
Com efeito, de acordo com os estatutos do PS, a CNFEF é o órgão nacional responsável por assegurar e fiscalizar a exactidão das contas (artigo 84.º, n.º 1) e a legalidade e conformidade aos estatutos da gestão administrativa e financeira do Partido [artigo 84.º, n.º 2, alínea b)].
A emissão de parecer é apenas um dos instrumentos de que a CNFEF dispõe para prosseguir a missão de assegurar a regularidade e fiscalizar as contas do Partido, juntamente com outros previstos nas alíneas e) a g) do n.º 2 do artigo 84.º dos estatutos.
Neste contexto, não é determinante que a CNFEF não seja responsável pela aprovação do relatório e da conta geral do Partido [competência pertencente à Comissão Nacional - artigo 65.º, n.º 2, alínea j), dos estatutos], mas apenas pela emissão de parecer sobre esses documentos. Muito menos releva a circunstância de a CNFEF não ter assento no secretariado nacional, nem em qualquer outro órgão de gestão do Partido, assistindo apenas como observadora às reuniões da comissão nacional. O que releva é que a CNFEF é o órgão de controlo interno das contas do PS, estando-lhe cometida a responsabilidade de velar pelo cumprimento da lei e dos estatutos em matéria de contas do Partido.
Se a CNFEF tivesse dado parecer negativo ao relatório e à conta geral do Partido por incumprimento das regras de financiamento e organização contabilística da Lei 56/98 (em concreto, por ausência de contas abrangendo todo o universo partidário), poderiam os seus membros eximir-se da responsabilidade que agora lhe é assacada. Mas tal não sucedeu, pelo que não pode deixar de se concluir que eles participaram pessoalmente na infracção à obrigação de apresentação de contas consolidadas que abranjam o universo das estruturas do Partido.
Também não procede o argumento aduzido pelos arguidos, de que a CNFEF funciona de forma muito esporádica (reunindo uma vez por ano, nas vésperas da comissão nacional) e sem apoio logístico ou administrativo. Essas deficiências de funcionamento não eximem a responsabilidade daquele órgão pela fiscalização e controlo interno das contas, competências que lhe são atribuídas pelos estatutos e por via das quais o Partido cumpre o disposto no artigo 11.º da Lei 56/98.
O mesmo sucede com a circunstância, invocada pelos arguidos, de a escolha dos membros da CNFEF privilegiar critérios de militância e capacidade de intervenção política, em detrimento da preparação técnica para o cabal desempenho das funções atribuídas pelos estatutos.
Tanto as deficiências de funcionamento da CNFEF como a eventual falta de preparação técnica dos seus membros não eximem aquele órgão partidário da responsabilidade pela regularidade das contas e do inventário patrimonial do PS, à luz do disposto no artigo 84.º dos estatutos. A primeira dessas circunstâncias apenas poderá relevar na graduação da culpa dos arguidos, atendendo a que teve na sua origem circunstâncias estranhas à vontade destes.
As testemunhas arroladas pelos arguidos (António Carlos Bexiga e Rosa Maria Freitas) vieram confirmar as declarações destes, invocando as circunstâncias já analisadas. Uma vez que se consideraram irrelevantes tais circunstâncias para afastar a responsabilidade dos arguidos pela sua participação pessoal na infracção ao disposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, nada mais há a acrescentar a este respeito.
Em face do exposto, há que concluir que os arguidos António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, José Manuel Serra Andrade, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria Teresa Magno Heimans e Rodrigo Vieira Oliveira, na qualidade de membros da CNFEF - responsáveis pelo controlo da legalidade e exactidão das contas do PS (artigo 84.º dos estatutos e artigo 11.º da Lei 56/98) -, bem sabiam, face ao teor do artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, e da reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional, que o Partido estava obrigado à consolidação das contas, de forma a abranger o universo das estruturas partidárias, devendo ter adoptado as providências adequadas para que tal tivesse ocorrido nas contas referentes ao exercício de 2002.
Assim, ao não terem adoptado as providências adequadas para que a conta de 2002 abrangesse o universo do Partido, os mencionados membros da CNFEF participaram, com dolo, no cometimento das infracções previstas neste preceito e nos referidos artigos 10.º, n.os 3, alínea a), e 4, da Lei 56/98.
As imposições legais infringidas pelos arguidos reportam-se a aspectos estruturantes e essenciais do financiamento e organização das contas dos partidos.
Tais aspectos, pelo seu relevo, não poderiam ter escapado ao controlo dos titulares do órgão a quem estava cometido, segundo os estatutos do PS, o controlo e fiscalização da gestão financeira e patrimonial do Partido.
Em face do exposto, deve concluir-se pela imputação da prática das infracções acima mencionadas aos arguidos, a título doloso. Em face dos elementos constantes do processo, os arguidos tiveram o mesmo grau de participação no processo de fiscalização e controlo das contas do PS relativas ao ano de 2002. Daí que a imputação a título de dolo seja comum a todos eles.
Nos termos previstos no artigo 14.º, n.º 3, da Lei 56/98, a coima aplicável aos dirigentes dos partidos políticos que participem pessoalmente nas infracções previstas no capítulo II varia entre 5 e 200 salários mínimos mensais nacionais. Estando em causa a participação pessoal dos arguidos numa só infracção (ao disposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98), é essa a moldura da coima a aplicar.
Quanto à determinação da medida da coima, há que ponderar, designadamente, a gravidade da contra-ordenação e a culpa do agente (artigo 18.º do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro).
Relativamente à gravidade da infracção, importa ter em conta que se trata do incumprimento de um dever imposto pelo regime legal do financiamento e organização das contas dos partidos que reveste um carácter estruturante e essencial para o controlo e fiscalização destas últimas.
No que toca à culpa, releva, desde logo, o facto de a responsabilização dos dirigentes partidários pela participação pessoal nas infracções dos partidos às regras de financiamento e organização contabilística previstas na Lei 56/98 ser muito recente, tendo apenas sido iniciada no ano transacto (exercício contabilístico de 2001). Tal circunstância beneficia todos os dirigentes indiciados no presente processo.
Por outro lado, apesar de as deficiências de funcionamento da CNFEF (alegadas pelos arguidos e confirmadas pelas respectivas testemunhas) não eximirem os seus membros da responsabilidade pela regularidade das contas do PS, tal circunstância é relevante para a graduação da culpa dos arguidos. Com efeito, o funcionamento deficiente da CNFEF parece dever-se a circunstâncias estranhas aos seus membros, designadamente por não terem sido proporcionadas a esse órgão as condições necessárias ao seu regular funcionamento (apoio logístico e administrativo).
Assim sendo, as deficiências de funcionamento da CNFEF contribuem para atenuar a culpa dos seus membros, na medida que aquelas não são da responsabilidade destes. Estas circunstâncias beneficiam de igual forma todos os membros da CNFEF arguidos no presente processo.
Acresce que, apesar de um dos arguidos (Carlos Alberto Clemente Frazão) já ter sido condenado pela participação pessoal nas infracções cometidas pelo PS relativamente às contas de 2001, tal condenação carecerá de força agravante pelo facto de o respectivo processo ter sido decidido em momento muito posterior ao da elaboração e apresentação das contas de 2002.
Finalmente, importa considerar que, ao contrário do que sucedeu com o processo relativo às contas de 2001, no processo sub iudice está apenas em causa o incumprimento de uma das obrigações legais impostas ao financiamento e organização contabilística dos partidos.
Levando em conta a gravidade das infracções e a culpa (atenuada) dos arguidos, aplica-se, a cada um deles, pela participação pessoal na infracção ao disposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, a coima de sete salários mínimos mensais nacionais.
Considerando que, de acordo com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei 325/2001, de 17 de Dezembro, em 31 de Dezembro de 2002 (último dia da prática dos factos), o salário mínimo mensal nacional tinha o valor de Euro 348, a coima a aplicar a cada um dos arguidos é de Euro 2436 (7 x Euro 348).
III - Decisão. - 12 - Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
1.º Arquivar o procedimento contra-ordenacional contra o arguido António Barbosa da Costa pela participação pessoal na omissão do cumprimento, por parte do PSN, da obrigação prevista no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98, relativamente ao ano de 2002;
2.º Condenar o arguido José Francisco Nunes Ventura, pela participação pessoal na infracção, cometida pelo PDA, ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98, relativamente ao ano de 2002, em coima no valor de cinco salários mínimos mensais nacionais correspondentes ao mesmo ano, ou seja, no valor de Euro 1783;
3.º Arquivar o procedimento contra-ordenacional relativamente aos arguidos António Mário Pegado Lemos Mendonça, João Manuel Próspero dos Santos e Isabel Maria Gonçalves dos Santos pela participação pessoal nas infracções, cometidas pelo CDS-PP, ao disposto nos artigos 10.º, n.os 3, alínea a), e 4, da Lei 56/98, relativamente ao ano de 2002;
4.º Condenar os arguidos José Luís Fazenda Arnaut Duarte e José Manuel de Matos Rosa pela participação pessoal na infracção, cometida pelo PPD/PSD, ao disposto nos artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, relativamente ao ano de 2002, em coima no valor de sete salários mínimos mensais nacionais correspondentes ao mesmo ano, ou seja, no valor de Euro 2436;
5.º Condenar os arguidos António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, José Manuel Serra Andrade, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria Teresa Magno Heimans e Rodrigo Vieira Oliveira pela participação pessoal na infracção, cometida pelo PS, ao disposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, relativamente ao ano de 2002, em coima no valor de sete salários mínimos mensais nacionais correspondentes ao mesmo ano, ou seja, no valor de Euro 2436.
Lisboa, 31 de Maio de 2006. - Gil Galvão - Maria João Antunes - Vítor Gomes - Mário José de Araújo Torres - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria Helena Brito - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto aposta ao Acórdão 250/2006, de 9 de Maio, relativamente às situações semelhantes referidas no presente acórdão). - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Paulo Mota Pinto - Bravo Serra - Benjamim Rodrigues (com declaração anexa) - Rui Manuel Moura Ramos. (Tem voto de conformidade do Exmo. Conselheiro presidente Artur Joaquim de Faria Maurício, que não assina por não estar presente) - Rui Manuel Moura Ramos.
Declaração de voto. - 1 - Voto vencido quanto às decisões constantes dos n.os 1 e 3 do acórdão e com declaração de voto quanto ao mais.
2 - Na declaração de voto aposta ao Acórdão 250/2006, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Maio de 2006, escrevi o seguinte, a propósito de questões idênticas:
"Decorre do artigo 127.º do CPP que a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente. Mas livre apreciação da prova implica a obediência a critérios que, no plano da racionalidade, se mostrem ajustados em face das máximas de experiência comum, da lógica e dos conhecimentos técnicos e científicos, para evidenciar, no plano da plausibilidade e previsibilidade normais, a existência dos factos. A maior ou menor aptidão de cada um destes critérios depende da natureza do facto. Se estão em causa factos de natureza técnica, como são os que suportam as omissões da contabilidade dos partidos, a sua determinação terá de ser feita em face dos instrumentos materiais em que os comportamentos devem ser corporizados ou constem de suportes que a lei manda que sejam adoptados (v. g. registo dos dirigentes no Tribunal Constitucional).
Num dizer actual, estamos perante contra-ordenações que, tal como as contra-ordenações fiscais, se fundam na violação de deveres que tendem à conformação de um certo resultado técnico (por isso a aplicação, na parte pertinente, do POC), deveres esses em cuja modelação interferem elementos de simples aptidão técnico-científica para adequadamente poderem induzir o resultado querido ou não querido, conforme os casos pela ordenação social, e, por isso apelidadas, hodiernamente, de 'contra-ordenações de formatação técnica'.
Assim sendo, a autoria do facto técnico cabe à pessoa singular ou colectiva a quem a lei comete o dever de levar a cabo os comportamentos ou atitudes técnicas que tendam objectivamente a evitar o resultado socialmente não querido ou, em outro pólo possível, a obter certo resultado relevado socialmente desejado.
Por seu lado, o dolo, no caso, tem de ser surpreendido a partir da verificação de que o resultado proibido se verificou ou deixou de ocorrer o resultado legalmente querido e de que esse resultado adveio como simples consequência adequada da violação dos deveres técnicos cujo cumprimento a lei atribuiu a certas pessoas por força do próprio cargo que exercem e que estas não podem desconhecer por integrantes do mesmo cargo - os deveres técnicos, porque associados directamente ao próprio cargo pelo legislador, integram o seu conteúdo funcional, nunca podendo o seu desconhecimento ser relevado como negligência".
3 - Vindo assente do Acórdão 288/2005 que o PSN, tal como já acontecera no ano anterior, não apresentou quaisquer contas relativas ao ano de 2002 e que, nesse ano, o cargo de presidente do Partido cabia, segundo os registos do Tribunal Constitucional, ao cidadão António Barbosa da Costa, não se vê como é que, do ponto de vista das regras de experiência comum e de plausibilidade técnicas, ajustadas à específica natureza técnica dos factos em causa, não se lhe possa imputar, directamente, tal resultado da falta de apresentação das contas, enquanto consequência meramente adequada, resultante da violação directa dos deveres que cabiam ao seu cargo.
Na verdade, de acordo com os respectivos estatutos partidários, cabia-lhe a responsabilidade última pelo pelouro financeiro. A circunstância de o arguido ter vindo dizer, no processo relativo à falta de apresentação de contas do ano de 2001, que o "único responsável por eventuais incumprimentos relativos às contas seria o capitão Joaquim Pereira da Rocha" não tem a potencialidade para afastar a plausibilidade de o resultado advir, também, directamente de facto seu, em virtude de o mesmo estar associado, directamente, ao seu cargo e de, segundo os registos existentes no Tribunal Constitucional, continuar a ser ele o dirigente partidário, sem que, podendo fazê-lo, tenha cancelado esse registo.
Num domínio, como o da vida dos partidos políticos, em que as pessoas participam por iniciativa própria, não é de admitir, segundo aqueles critérios, que as pessoas que integram esses órgãos não saibam, pelo menos, que devem formalizar a renúncia aos seus órgãos de representação e que, enquanto tal não acontecer, estão adstritos ao cumprimento do dever legal de prestar contas perante o Tribunal Constitucional, decorrente, estatutária e legalmente, do cargo que exercem.
É, ainda, de notar, no mesmo pendor, que a citação - na acção judicial instaurada pelo Ministério Público para a extinção do Partido, com fundamento na falta de apresentação de contas durante três anos consecutivos (entre os quais se inclui o que está em causa nestes autos), que foi julgada procedente pelo Acórdão 28/2006 - foi efectuada na sua pessoa como presidente (e legal representante) do Partido e que não se suscitaram, então, ao Tribunal Constitucional quaisquer dúvidas quanto à sua legitimidade de representação.
Acresce que conferir à sua alegação - feita, de resto, em outro processo, e, mesmo aí, sem a mínima demonstração probatória - a virtualidade de fundamentar um estado de dúvida no julgador, neste outro processo, equivale a aceitar que os dois factos se não distinguem, na sua materialidade histórica, e que basta uma simples negação de um dos factos para ter por contrariados, relativamente ao outro, os critérios de plausibilidade assentes na consideração de específicas regras técnicas e deveres inerentes aos cargos partidários.
Por outro lado, repetem-se aqui as considerações tecidas no voto de vencido aposto ao Acórdão 250/2006, a respeito da admitida extinção da responsabilidade contra-ordenacional:
"Por último, rejeita-se, de todo, que a extinção da responsabilidade contra-ordenacional dos partidos implique a extinção da responsabilidade dos seus dirigentes. As infracções são autónomas, quer ao nível da sua conformação normativa quer no da imputação da factualidade que as integram e, consequentemente, no plano da responsabilidade. Solução oposta conduz a que, não obstante a falta de apresentação de contas durante três anos consecutivos resultante da violação de deveres legais e estatutários dos dirigentes dos partidos possa determinar, em momento posterior a sua extinção e daí, também, a extinção da sua responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade pessoal se extinguiria igualmente como mera consequência da extinção do partido, com a mesma sorte das coimas aplicadas directamente ao sujeito jurídico extinto, mas continuando viva a pessoa física que praticou os actos que responsabilizaram a pessoa moral ...
Tudo funcionava como um sistema que se autodestruiria fora do sentido responsabilizador do direito, sendo certo que os partidos não estão obrigados a existir nem as pessoas e dirigentes de pertencer a eles."
4 - Sendo assim - e ao contrário do concluído -, teria considerado que o arguido António Barbosa da Costa praticou os factos integradores da contra-ordenação que o Ministério Público lhe imputou, razão pela qual o teria condenado na correspondente coima.
5 - Divergi ainda da solução a que o acórdão chegou no n.º 3.º da decisão.
Na verdade, consubstanciando-se as infracções por que o CDS-PP foi condenado no Acórdão 288/2905, relativas ao ano de 2002, nomeadamente, na "não apresentação do universo de todas as estruturas organizativas do Partido, e as suas correspondentes actividades de financiamento e funcionamento, bem como a incompleta organização e actualização do inventário anual do Partido", é de concluir, de acordo com os referidos critérios de experiência comum e de natureza técnica, adequados às infracções em causa, que tal resultado, censurável, não tenha advindo da falta de síntese ou da falta de consolidação das contas a nível nacional, mas resulte antes de omissões de comportamentos, verificadas a nível das estruturas locais.
Nesta perspectiva, não se vê razão para, à face dos mesmos critérios de razoabilidade, não conferir credibilidade à declaração de Abel Pinheiro, feita em nome da comissão executiva nacional do Partido, que imputa os comportamentos geradores de um tal resultado ilícito aos dirigentes locais que identificou.
Se é certo que, como bem se diz no acórdão, não pode o silêncio dos arguidos António Mário Pegado Lemos Mendonça e João Manuel Próspero dos Santos "ser valorado contra eles, nem ser tido como confissão dos factos alegados", também não é menos certo que esse silêncio não tem qualquer idoneidade para destruir ou apoucar a convincência que merece a declaração do referido Abel Pinheiro, em face dos aludidos critérios de formação da livre convicção do juiz.
Concluiria, assim, que os arguidos praticaram os factos contra-ordenacionais imputados e cometeram as respectivas contra-ordenações.
Por seu lado, no que diz respeito à arguida Isabel Maria Gonçalves dos Santos, não posso deixar de referir que a sua alegação não destrói, por qualquer modo, a imputação que lhe faz o referido dirigente nacional, mas antes, ao contrário, acaba por confirmá-la.
A alegação de ser (como em regra o são os demais dirigentes locais dos partidos) "mero dirigente político em regime de voluntariado e sem qualquer apoio logístico [...] que teve de aprender e ir encontrando tudo quanto necessário para responder às solicitações da sede do Partido" vem exactamente na linha da declaração do referido Abel Pinheiro.
Todavia, ao aceitar o cargo de dirigente local, não é de admitir, em face dos referidos critérios, que a arguida desconhecesse, até por inerentes ao cargo, os deveres de prestar contas perante os órgãos nacionais, nos termos legais e estatutários, e de obstar ao respectivo resultado ilícito.
Assim, independentemente de concordar com as soluções dadas pelo acórdão às restantes questões que esta arguida suscita, consideraria, todavia, que a mesma praticara os factos imputados pelo Ministério Público e praticara as correspondentes contra-ordenações.
6 - Finalmente, não posso deixar de repetir, aqui, o que escrevi no voto de vencido anexado ao Acórdão 250/2006:
"A lógica que o [acórdão] leva a julgar improcedente a imputação relativamente aos dirigentes do CDS deveria conduzir o julgador a um estado de dúvida séria quanto à imputação do resultado ilícito aos dirigentes políticos do PSD e PS. Também eles, além de explicarem a possibilidade da verificação do facto por razões de algum défice na normação e funcionamento internos dos respectivos partidos, de matriz financeira, mesmo a nível nacional (caso do PS), não deixam de dizer que esse resultado é devido, igualmente, às estruturas locais ou a outros órgãos partidários. Ora, se a falta de consolidação das contas abrangendo todo o universo dos partidos pressupõe, em termos de normalidade, que os factos omissivos se verifiquem fora do âmbito da estrutura nacional, não se vê razão para formar um juízo probatório em termos chocantemente diferentes daquele que foi feito, inclusivamente, para quem nem sequer enjeitou a responsabilidade imputada e com suporte nos instrumentos materiais de prova, tomados em conta no referido Acórdão 423/2004 e nos elementos constantes do registo existente no Tribunal Constitucional (caso do secretário-geral do PSD) ou na identificação dos dirigentes responsáveis pelo respectivo pelouro, feita pelo partido respectivo, como aconteceu relativamente ao CDS.
Um juízo de coerência (igualdade na jurisdição) na ponderação da prova deveria conduzir, então, à absolvição de todos os arguidos."
Por outro lado, atendendo aos referidos critérios pelos quais se deve orientar a formação da convicção probatória do juiz, maior razão teria o acórdão em considerar, igualmente, que o arguido José Francisco Nunes da Cruz não teria cometido a infracção do que decidiu relativamente ao citado arguido António Barbosa da Costa.
E se, como bem diz o acórdão, o silêncio dos arguidos (do CDS) não pode ser valorado contra eles, mandaria o princípio da coerência que as declarações do mesmo arguido Nunes da Cruz não fossem entendidas para além da medida do confessado, na ausência de outras provas do facto.
Mas sendo assim, o acórdão deveria ter concluído, no mínimo, pela falta do dolo deste agente.
7 - Do mesmo passo, mantenho as dúvidas, aí também expressadas, "sobre se a estrutura da contra-ordenação definida no n.º 3 do artigo 14.º da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000, de 23 de Agosto, não é a de uma contra-ordenação que visa punir, como constituindo uma única entidade jurídica, todas as pessoas-dirigentes dos partidos de cujo comportamento concorrente tenham advindo as infracções.
No mesmo local escrevi:
"Trata-se de uma construção normativa aparentada com a responsabilização das pessoas colectivas, nada impedindo o legislador de tomar todos os dirigentes dos partidos como responsáveis a título de 'sociedade de facto' pela produção de certo resultado socialmente não querido. Estamos perante uma contra-ordenação paralela à prevista no número anterior, mas aí para a pessoa colectiva 'partido', sendo até de notar que as coimas estão reduzidas a metade. Aqui o responsável é 'o conjunto das pessoas' que, agindo de forma objectivamente concordante no plano da adequação dos deveres técnicos criados ao nível dos diversos patamares das estruturas partidárias, acabam, pela violação desses seus deveres legais e estatutários, susceptíveis de acontecer em diferentes níveis da estrutura partidária, por dar azo ao incumprimento da obrigação, ao nível do partido onde a obrigação a cumprir exista. Todos eles seriam indistintamente responsáveis por uma única coima. Anote-se, de resto, que o legislador relevou como constituindo uma única coima todas as infracções que possam verificar-se nas contas do partido e independentemente do lugar e vezes em que se situe a sua origem. Não vemos que no plano contra-ordenacional em que o que se procura obviar ou alcançar são certos resultados do ponto de vista da ordenação social da comunidade o legislador esteja impedido de adoptar contra-ordenações deste tipo, com base em uma qualquer refracção dos princípios da dignidade humana, da liberdade, da culpa, etc., seguramente válidos no domínio penal.
A principal objecção residiria no domínio da culpa: no entanto, não será de olvidar que a culpa, seguramente exigida, acaba por poder ser surpreendida relativamente a todos os dirigentes responsáveis pela infracção nos níveis em que ocorra o incumprimento dos seus deveres técnicos e que conquanto se possa diluir em intencionalidade material na escada da estrutura partidária também vai aumentando em intencionalidade representativa."
Na linha do já dito, tendo a considerar, agora mais convincentemente, que não descortino impedimento constitucional a que o legislador ordinário, dentro da sua discricionariedade normativa, constitua todos os dirigentes partidários, de cuja concorrência de acções ou omissões resulte a verificação do resultado ofensivo da ordenação social definida, como um único centro autónomo de imputação de relações jurídicas, de natureza ordenacional.
Seguramente que não são transponíveis para as infracções de natureza administrativa, como são as que estão aqui em causa, as objecções que se levantaram, no domínio criminal, contra o abandono do princípio da pessoalidade das penas e a admissibilidade da responsabilização penal das colectivas. - Benjamim Rodrigues.