Acórdão 695/2005/T. Const. - Processo 14/2005. - Acordam no Tribunal Constitucional:
1.1 - Pedido. - O Procurador-Geral da República requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 281.º, n.os 1, alínea a), e 2, alínea e), da Constituição, 51.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de Novembro) e 12.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto do Ministério Público (Lei 60/98, de 27 de Agosto), que declare com força obrigatória geral a inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002, de 25 de Novembro, diploma que disciplina o processo de extinção da Administração Geral Tributária, imposta pelo artigo 2.º da Lei 16-A/2002, de 31 de Maio. O preceito tem a seguinte redacção:
"Artigo 6.º
Transição de pessoal
1 - Os funcionários a exercerem funções na AGT à data da sua extinção regressam aos respectivos serviços de origem na categoria, escalão e índice a que têm direito.
2 - O pessoal que se encontre a prestar serviço no Centro de Estudos Fiscais e Apoio às Políticas Tributárias e no Serviço de Auditoria Interna é afecto, respectivamente, ao Centro de Estudos Fiscais e ao Gabinete de Auditoria Interna da DGCI, na situação jurídica que actualmente detém, sendo candidato obrigatório ao primeiro concurso externo que venha a realizar-se para ingresso na carreira que integre as funções que desempenha.
3 - A situação transitória do pessoal a que se refere o número anterior cessa com a nomeação dos candidatos aprovados para os quadros de pessoal do Centro de Estudos Fiscais ou do Gabinete de Auditoria Interna da DGCI, ou com a sua exclusão ou não candidatura ao referido concurso.
4 - Caduca o contrato individual de trabalho do restante pessoal contratado com este vínculo jurídico."
1.2 - Fundamentos do pedido. - O Procurador-Geral da República alegou, em suma, o seguinte:
O artigo 6.º deste decreto-lei contém normas atinentes à "transição de pessoal", dispondo - n.os 2 e 3 - que o pessoal afecto a certos serviços da AGT (Centro de Estudos Fiscais e Apoio às Políticas Tributárias e Serviço de Auditoria Interna) transita para os serviços correspondentes da DGCI, na situação jurídica que detinha, sendo, porém, candidato obrigatório ao primeiro concurso externo que se realize para ingresso na carreira que integre as funções que desempenha e cessando tal situação transitória ou com a nomeação, se aprovado for no concurso, ou com a respectiva exclusão ou não candidatura ao mesmo.
Por outro lado, dispõe o n.º 4 do citado artigo 6.º - quanto ao pessoal que estivesse sujeito ao regime do contrato individual de trabalho (cf. artigo 26.º, n.º 2, do Decreto-Lei 376/99, de 21 de Setembro) - que a extinção da AGT determina a caducidade de tal vínculo.
Tendo o Decreto-Lei 262/2002, de 25 de Novembro, sido editado no exercício da competência legislativa própria do Governo, estava-lhe vedado dispor inovatoriamente sobre o regime da relação de emprego público, bem como sobre o destino das relações laborais privadas existentes no âmbito da entidade pública extinta, já que tais matérias se situam na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por incidirem sobre direitos fundamentais dos trabalhadores e respeitarem às bases do regime e âmbito da função pública [alíneas b) e t) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa].
Assim - no que respeita ao regime estatuído nos n.os 2 e 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002 -, verifica-se que se criou, para todo o pessoal que estivesse a prestar serviço no Centro de Estudos Fiscais e no Serviço de Auditoria Interna e que não devesse regressar aos respectivos serviços de origem, nos termos do n.º 1 - sem qualquer distinção no que toca à concreta situação jurídica do agente e à natureza do vínculo existente com a Administração -, um ónus de submissão ao primeiro concurso público de ingresso para funções equiparáveis, sendo "sancionada" com a cessação da relação jurídica de emprego quer a não candidatura quer a exclusão no referido concurso.
Ora à data da edição do Decreto-Lei 262/2002, de 25 de Novembro, a problemática da colocação e afectação de pessoal, no caso da extinção de serviços, estava já prevista e regulada no Decreto-Lei 193/2002, de 25 de Setembro, regulando os artigos 8.º, 9.º e 10.º e seguintes os mecanismos de colocação, afectação ou integração do pessoal no "quadro de supranumerários", não se prevendo aqui qualquer "dever de apresentação" a concurso de ingresso cujo incumprimento fosse sancionado com a perda ou extinção da relação de emprego com a Administração [cumprindo, aliás, notar que o artigo 12.º, alínea h), desse diploma legal apenas prevê um "direito de apresentação a concurso", mesmo em relação a agentes inseridos nos quadros de supranumerários].
Deste modo - após a vigência do Decreto-Lei 193/2002, de 25 de Setembro (que se iniciou no dia seguinte ao da sua publicação) -, não é lícito ao Governo, em diploma que opera e regula a extinção de certo serviço ou organismo administrativo, afastar-se - no que toca ao regime de colocação, afectação ou reintegração de pessoal - do quadro normativo básico traçado no referido Decreto-Lei 193/2002, publicado no exercício da autorização legislativa outorgada pela Lei 16-A/2002 de 31 de Maio.
Pelo que os n.os 2 e 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002, ao instituírem um mecanismo de "concurso obrigatório" para todos os agentes de certos serviços extintos, cujo insucesso é susceptível de ditar o termo da relação de emprego público, inova no quadro normativo criado pelo Decreto-Lei 193/2002, padecendo, desde logo, de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto nas alíneas b) e t) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado - no que respeita ao regime de caducidade "automática" das relações laborais de direito privado, existentes no âmbito dos serviços e organismos extintos, instituída pelo n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002 - , ocorre idêntica violação de normas e princípios constitucionais.
Na verdade - tendo este regime sido editado antes da vigência da Lei 23/2004, de 22 de Junho, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública -, estava o Governo, ao regular o processo e os efeitos da extinção de qualquer ente público, vinculado à disciplina do contrato individual de trabalho, não podendo criar um regime de verdadeiro despedimento "colectivo" específico e sem contemplação da indemnização devida, nos termos gerais da legislação laboral, aos trabalhadores afectados.
1.3 - Resposta do autor da norma. - Notificado do pedido, veio o Primeiro-Ministro responder, alegando, no que respeita à pretensa inconstitucionalidade dos n.os 2 e 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002, substancialmente o seguinte:
A arguição de inconstitucionalidade orgânica carece manifestamente de procedência, já que o requerente terá procedido a uma interpretação incorrecta das normas em causa.
O sentido que decorre do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002, conjugado com o n.º 2 da mesma disposição, consiste, muito simplesmente, na regra segundo a qual a aprovação no concurso mencionado no número anterior constitui um requisito obrigatório não para a manutenção da relação de emprego público mas sim para o ingresso definitivo do pessoal oriundo da extinta AGT nas correspondentes carreiras do Centro de Estudos Fiscais e do Gabinete de Auditoria Interna da DGCI.
Se, de acordo com as referidas normas, a afectação do sobredito pessoal aos mencionados serviços da DGCI assume carácter transitório até à realização do concurso, verifica-se que o único efeito que pode resultar para aqueles que se não candidatarem ou que, candidatando-se, ficaram excluídos desse concurso é a sua dispensa do exercício de funções nesses serviços e o seu ingresso no quadro de supranumerários.
Isto porque, sendo as duas normas sindicadas omissas sobre as consequências da não candidatura ou da não exclusão do mesmo pessoal no concurso externo que venha a ser realizado, haverá que buscar essas mesmas consequências.
O Decreto-Lei 193/2002, de 25 de Setembro, abrange, de acordo com o disposto no seu artigo 3.º, "os funcionários e agentes dos serviços que sejam objecto de extinção, fusão ou reestruturação, independentemente de se encontrarem em exercício transitório de funções noutros serviços", situação aplicável ao pessoal oriundo da extinta AGT e que tenha sido afecto ao Centro de Estudos Fiscais e Gabinete da Auditoria Interna da DGCI.
De acordo com o artigo 7.º do mesmo diploma: "É criado junto da secretaria-geral de cada ministério ou do departamento de recursos humanos, quando exista, um quadro de supranumerários, para afectação de pessoal que, em resultado da extinção, fusão ou reestruturação de serviços, não seja directamente colocado noutro serviço."
Por outro lado, o n.º 2 do artigo 8.º desse decreto-lei reza que "nos casos de extinção ou fusão de serviços em que haja transferência de atribuições, no todo ou em parte, a transição do pessoal para os novos serviços faz-se na medida das necessidades destes e em lugares automaticamente aditados aos respectivos quadros de pessoal, quando não existam vagas disponíveis para o efeito".
Ora, no caso concreto, verificam-se os pressupostos fixados na primeira parte do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei 193/2002, já que a extinção da AGT implicou, por força do n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei 366/99, de 18 de Setembro, e nos termos da redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 262/2002, que as áreas da investigação tributária e da auditoria interna passassem a ser respectivamente prosseguidas em termos funcionais pelo Centro de Estudos Fiscais e pelo Gabinete de Auditoria Interna da DGCI.
A transição do pessoal foi regulada de modo a processar-se:
a) Na "medida das necessidades" destes serviços, medida essa que foi limitada na discricionariedade da decisão correspondente pelos n.os 2 e 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002 quando os mesmos condicionaram a nomeação definitiva para os quadros de pessoal desses dois serviços à sua aprovação no primeiro concurso externo que viesse a realizar-se;
b) Por forma que o pessoal que viesse a ser aprovado no concurso fosse colocado nas vagas existentes ou em lugares automaticamente aditados aos quadros existentes, quando não existam vagas para o efeito;
c) De modo que o pessoal que não se candidate, ou não seja aprovado no concurso previsto pelas normas sindicadas, passe a integrar o quadro de supranumerários criado no Ministério das Finanças, nos termos do disposto nos artigos 3.º e 7.º do Decreto-Lei 193/2002.
Se os n.os 2 e 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002 não determinaram a cessação do vínculo à função pública do pessoal oriundo da extinta AGT que não venha a ser nomeado definitivamente para os quadros de pessoal do Centro de Estudos Fiscais e pelo Gabinete de Auditora Interna da DGCI, e se, ao invés, resulta da aplicação supletiva dos artigos 3.º e 7.º e do n.º 2 do artigo 8.º que o mesmo pessoal passaria a integrar o quadro de supranumerários do Ministério das Finanças, não podem colher os fundamentos da arguição da inconstitucionalidade dessas normas, pois:
a) As referidas normas, ao não determinarem a cessação da relação jurídica de emprego do pessoal, não podem ser consideradas restringentes dos respectivos direitos, liberdades e garantias, mormente no que respeita à segurança no emprego, pelo que nada obsta que as mesmas constem de decreto-lei aprovado ao abrigo da competência legislativa concorrencial do Governo com a Assembleia da República;
b) As normas impugnadas não excepcionam o regime substantivo do Decreto-Lei 193/2002, já que este último regime, relativo à integração do pessoal não directa ou definitivamente colocado num determinado serviço, num quadro de supranumerários, em razão da extinção do serviço originário, se aplica subsidiariamente ao pessoal que não se candidatou ou que não foi aprovado em concurso externo;
c) A subsistirem dúvidas sobre o destino do pessoal referido na alínea anterior, como efeito de uma lacuna regulatória constante das normas impugnadas, deverá prevalecer uma interpretação conforme com a Constituição, a qual pressupõe a aplicação do regime geral do Decreto-Lei 193/2002, sobre uma interpretação que conduza à inconstitucionalidade das mesmas normas, a qual seria tanto mais inadmissível quanto o facto de nas mesmas não se poder identificar uma regra sobre a cessação do vínculo à função pública, a qual consistiria no fundamento principal da invalidade invocada.
Nem se invoque a falta de competência do Governo para aprovar uma regra que determine a realização de um concurso externo obrigatório como condição para o ingresso definitivo de pessoal em transição nos quadros de pessoal de um determinado serviço público, já que:
a) Não envolvendo essa regra qualquer configuração ou restrição ao direito de acesso à função pública, ou ao direito à segurança no emprego, a mesma não respeitará à esfera de reserva relativa de competência da Assembleia da República, mormente no que concerne à alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, podendo ser aprovada por decreto-lei não autorizado;
b) A determinação de um concurso externo, tal como se encontra estabelecida nas normas sindicadas, constitui uma regra sobre gestão do pessoal de serviços que foram objecto de extinção, a qual se mostra conforme com o n.º 3 do artigo 2.º da Lei 16-A/2002 e não contraria os princípios do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, mormente quanto ao disposto no seu artigo 28.º;
c) O regime de "direito de apresentação a concurso", previsto no artigo 12.º do Decreto-Lei 193/2002, não é contrariado pela regra da aprovação em concurso externo obrigatório prevista nas normas impugnadas, já que, enquanto o primeiro se aplica ao pessoal afecto aos quadros de supranumerários sem colocação, a segunda aplica-se ao pessoal colocado em afectação transitória aos dois serviços, como pressuposto da sua nomeação para os respectivos quadros.
Do exposto, conclui o Primeiro-Ministro pela improcedência da inconstitucionalidade orgânica invocada relativa aos n.os 2 e 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002.
No que toca à questão suscitada a propósito do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002, o Primeiro-Ministro veio invocar falta de interesse processual no conhecimento desta parte do pedido - o que conduziria à sua não apreciação pelo Tribunal Constitucional -, em virtude de nunca ter existido pessoal contratado com o vínculo jurídico referido no preceito impugnado cujo contrato individual de trabalho tenha cessado ou deva cessar por força do mesmo preceito; a referida norma teria, por isso, esgotado a oportunidade da sua aplicação.
Ora, o Tribunal Constitucional já recusou tomar conhecimento de pedidos de fiscalização da constitucionalidade de normas com fundamento em falta de utilidade ou interesse processual sempre que as mesmas não tenham aplicabilidade concreta, ou quando a sua aplicabilidade tenha acabado por ser muito circunscrita e os interessados tenham disposto da possibilidade de eliminar os efeitos dessas normas através de outros meios.
Conclui, por isso, o Primeiro-Ministro que, verificando-se, no caso sub iuditio, essa falta de interesse processual, em razão da inaplicabilidade da norma sindicada a qualquer destinatário, se encontram reunidos os requisitos para que o Tribunal Constitucional não tome conhecimento desta parte do pedido.
Tal conclusão impor-se-ia ainda, por outra via, em virtude de o requerente não ter indicado as normas ou princípios constitucionais violados, assim contrariando o disposto no artigo 51.º, n.º 1, da LTC.
2 - Fundamentos. - Cumprido o disposto no artigo 63.º da Lei do Tribunal Constitucional e mostrando-se fixada a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver, importa apreciar e decidir.
2.1 - Questão prévia: não conhecimento do pedido quanto à norma do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002, de 25 de Novembro. - Como se deixou relatado, o Primeiro-Ministro, na sua resposta, pretende que o Tribunal não conheça do pedido relativamente à norma do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002, alegando dois fundamentos distintos que, a procederem, determinariam aquela solução: a norma esgotara a sua virtualidade normativa sem produzir efeitos em qualquer caso concreto; além disso, o requerente não indicou as normas ou princípios constitucionais pretensamente violados pela norma, ao contrário do que impõe o artigo 51.º da LTC.
Vejamos o primeiro fundamento.
Como se verá adiante com maior detalhe, o citado artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002 estabelece as regras de transição dos funcionários que exerciam funções na AGT, extinta em obediência ao disposto na Lei 16-A/2002, de 31 de Maio.
O questionado n.º 4 do preceito em causa reporta-se, exclusivamente, ao pessoal em regime de contrato individual de trabalho e impõe a caducidade do contrato em resultado da aludida extinção.
Segundo o esclarecimento prestado pelo Primeiro-Ministro, não existe pessoal cujo contrato individual de trabalho tenha caducado por este motivo.
Ora, tendo em conta que a extinção da AGT ocorre no dia subsequente à entrega das contas do serviço extinto e que estas devem ser apresentadas no prazo de 90 dias a contar da publicação do diploma (artigos 14.º, n.º 1, e 16.º do Decreto-Lei 262/2002), a informação prestada cerca de três anos depois da entrada em vigor do Decreto-Lei 262/2002 só pode querer dizer que a norma não produziu quaisquer efeitos, nem os produzirá já no futuro: ela não teve, nem terá, qualquer aplicação; o seu comando normativo nunca funcionou, portanto. Sendo assim, torna-se manifesto que não há qualquer interesse processualmente atendível na pretendida declaração de inconstitucionalidade.
Afigura-se desta forma inútil apreciar o segundo fundamento invocado pelo Primeiro-Ministro para o mesmo efeito.
O Tribunal decide, em suma, não conhecer do pedido na parte relativa à norma do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002.
2.2 - A questão da inconstitucionalidade dos n.os 2 e 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002, de 25 de Novembro.
2.2.1 - Sustenta o requerente que as normas contidas no artigo 6.º, n.os 2 e 3, do Decreto-Lei 262/2002 violam as alíneas b) e t) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, que integram, na reserva relativa de competência da Assembleia da República, o poder de legislar em matéria de "direitos, liberdades e garantias" [alínea b)] e de "bases do regime e âmbito da função pública" [alínea t)].
O vício de inconstitucionalidade orgânica assim alegado pressupõe uma interpretação daquelas normas no sentido de que elas determinam a quebra do vínculo de emprego público do pessoal que, transitoriamente afecto ao Centro de Estudos Fiscais (o que pertencia ao Centro de Estudos Fiscais e Apoio às Políticas Tributárias) e ao Gabinete de Auditoria Interna DGSI (o que pertencia ao Serviço de Auditoria interna da AGT), se não apresente ao primeiro concurso externo para ingresso na carreira que integra as funções que desempenha ou seja excluído desse concurso.
Neste entendimento, as normas teriam disposto inovatoriamente em matéria de colocação, afectação ou integração de pessoal no caso de extinção de serviços públicos, matéria essa que estava já regulada no Decreto-Lei 193/2002, de 25 de Setembro, que não previa qualquer obrigação de apresentação a concurso de ingresso cujo incumprimento fosse sancionado com a perda ou extinção de relação jurídica de emprego público.
Vejamos, porém, se é assim.
A solução da questão de constitucionalidade passa necessariamente pela interpretação das normas infraconstitucionais em causa, interpretação que, no caso, aliás, vem controvertida.
O Decreto-Lei 262/2002 veio regular o processo de extinção da AGT, decretada pelo artigo 2.º da Lei 16-A/2002, de 31 de Maio, e a transferência das respectivas competências e recursos para outros serviços e organismos (artigo 1.º).
Da nova redacção dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 262/2002 ao artigo 9.º do Decreto-Lei 366/99, de 18 de Setembro, decorre que as funções exercidas pelo Centro de Estudos Fiscais e Apoio às Políticas Tributárias e pelo Serviço de Auditoria Interna no âmbito da extinta AGT passaram para o Centro de Estudos Fiscais e para o Gabinete da Auditoria Interna, como unidades de apoio aos serviços centrais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
É neste contexto que o artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002 dispõe sobre a transição do pessoal que exercia funções na AGT, particularizando, nos n.os 2 e 3, o destino do pessoal que se encontrava afecto aos referidos serviços da AGT.
Esse pessoal começa por ser afecto ao Centro de Estudos Fiscais e ao Gabinete de Auditoria Interna "na situação jurídica que actualmente detém". Tal situação é, porém, transitória, pois o n.º 2 estabelece a obrigatoriedade de apresentação ao primeiro concurso externo que venha a realizar-se para ingresso na carreira que integra as funções que o funcionário desempenha.
E, então, poderão configurar-se duas situações: ou o funcionário é aprovado no concurso para os quadros do Centro de Estados Fiscais ou do Gabinete de Auditoria Interna ou é excluído do mesmo concurso (ou a ele se não apresenta).
Em qualquer dos dois casos, aquela situação transitória cessa.
Mas, enquanto, para o primeiro, a lei é expressa no sentido de que a cessação ocorre com a nomeação para os quadros do Centro de Estudos Fiscais ou do Gabinete de Auditoria Interna, já, quanto ao segundo, o mesmo não acontece; a lei é, na verdade, omissa quanto ao destino (afectação) do pessoal em causa.
Ora, face ao silêncio da lei, o que não pode seguramente concluir-se é que a norma vise determinar a quebra do vínculo de emprego público, pois o certo é que quando o legislador, no n.º 4 do mesmo artigo 6.º, pretendeu um tal resultado, claramente o prescreveu, determinando de modo expresso a quebra do vínculo laboral do pessoal em regime de contrato individual de trabalho.
A interpretação que se afigura correcta deve ter em consideração o regime que então vigorava sobre o destino do pessoal de organismos do Estado extintos e que fora objecto de legislação editada pelo Governo, ao abrigo de autorização legislativa da Assembleia da República, cerca de dois meses antes da publicação do Decreto-Lei 262/2002 - o Decreto-Lei 193/2002, de 25 de Setembro.
2.2.2 - Este diploma veio, com efeito, estabelecer "o regime de colocação e afectação dos funcionários e agentes integrados em serviços e organismos que sejam objecto de extinção, fusão ou reestruturação" (artigo 1.º), revendo e alterando o que a este respeito se dispunha, também com carácter geral, no Decreto-Lei 535/99, de 13 de Dezembro.
Para o que agora nos importa, o diploma criou, nos termos do seu artigo 7.º, junto da secretaria-geral ou do departamento de recursos humanos de cada ministério, "um quadro de supranumerários para afectação do pessoal que, em resultado da extinção, fusão ou reestruturação de serviços, não seja directamente colocado noutro serviço".
Para esse quadro transitará, desde logo, o pessoal dos serviços que forem extintos "sem qualquer transferência de atribuições para outro serviço existente" (artigo 8.º, n.º 1), bem como o pessoal de serviços reestruturados que, face às atribuições a desenvolver, seja excessivo ou qualitativamente desajustado (artigo 8.º, n.º 3).
Para os casos de extinção ou fusão de serviços em que haja transferência, total ou parcial, de atribuições, o artigo 8.º, n.º 2, prevê a transição do pessoal para os novos serviços "na medida das necessidades destes". O artigo 9.º regula o processo de integração do pessoal, "sempre que houver lugar à extinção, fusão ou reestruturação de serviços que dê origem à colocação ou afectação de pessoal" (n.º 1).
Está prevista a constituição de um grupo de trabalho ao qual competirá definir os critérios a aplicar na identificação do pessoal a afectar ou colocar, quando estes não estejam fixados nos diplomas orgânicos que operarem a extinção (artigo 9.º, n.º 1); a esse grupo caberá elaborar as listas contendo a identificação e respectiva situação jurídico-funcional do pessoal que transita para o novo quadro, "bem como do pessoal a afectar ao quadro de supranumerários".
Na falta de uma norma que, no Decreto-Lei 262/2002, de forma expressa ou até implícita, disponha sobre o destino do pessoal transitoriamente afecto aos serviços que vieram a absorver as atribuições do Centro de Estudos Fiscais e Apoio às Políticas Tributárias e ao Serviço de Auditoria Interna e que, em resultado da exclusão do concurso externo previsto no artigo 6.º, n.º 2, ou da não apresentação a esse mesmo concurso, não é nomeado para o quadro de pessoal dos novos serviços, há-de procurar-se aquele destino no regime geral estabelecido no Decreto-Lei 193/2002. Ora, face ao disposto nos artigos 7.º a 9.º do Decreto-Lei 193/2002, afigura-se inequívoco que o resultado final só poderá ser o da afectação do funcionário ao quadro de supranumerários, e nunca o da cessação da relação jurídica de emprego público que ele mantinha com a Administração.
Sendo assim, há que reconhecer, desde já, que soçobra o pilar essencial da argumentação do requerente para justificar a violação quer da alínea b) quer da alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição - a inovação que consistiria na quebra do vínculo de emprego público do pessoal afecto a serviços extintos da Administração Pública.
2.2.3 - A verdade, contudo, é que o requerente parece também ligar a arguição de inconstitucionalidade orgânica ao "ónus" que impenderia sobre o pessoal transitoriamente afecto aos novos serviços de se apresentar a concurso, ao contrário do que, de acordo com o regime geral, se dispõe para o pessoal integrado no quadro de supranumerários, a quem se conferiria um "direito" à apresentação a concursos, mas sem a mencionada contrapartida, a "sanção" da quebra da relação jurídica de emprego público.
Será, pois, também nesta perspectiva que se passa a abordar a questão de constitucionalidade.
A argumentação do requerente assenta, também aqui, num equívoco, pois não se afigura adequado chamar à colação o regime geral do pessoal afecto ao quadro de supranumerários para se considerar inovatória a disciplina jurídica constante do Decreto-Lei 262/2002 - cuja constitucionalidade se questiona.
É que o "direito" invocado - que o referido "dever" ou "ónus" supostamente contrariaria - reporta-se ao pessoal já afecto ao quadro de supranumerários (é um direito do pessoal nessa situação), enquanto o "dever" de sujeição a concurso impende sobre pessoal que ainda não foi afecto ao mesmo quadro e se encontra transitoriamente no quadro dos novos serviços. São, assim, situações jurídicas distintas e, como tal, incomparáveis.
De todo o modo, uma vez que se mostra alegada a inconstitucionalidade orgânica da suposta inovação do regime previsto no artigo 6.º, n.os 2 e 3, do Decreto-Lei 262/2002, cumprirá ao Tribunal averiguar, em primeiro lugar, se a edição das normas reguladoras da situação do pessoal de serviços extintos estava sujeita ao disposto sobre a matéria no Decreto-Lei 193/2002, sob pena de se atingir a esfera de competência reservada da Assembleia da República e, depois, em caso de resposta positiva, se aquele regime contraria o citado decreto-lei.
2.2.4 - Nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea t), da Constituição, é da competência da Assembleia da República legislar em matéria de "bases e âmbito da função pública".
Sobre esta competência e, em particular, sobre o que deve entender-se como "bases e âmbito" da função pública, tem o Tribunal Constitucional [e, já antes, a Comissão Constitucional, embora sobre o conceito de "regime e âmbito da função pública", então utilizado no artigo 167.º, alínea m), da Constituição, na sua versão originária - cf. Parecer 22/79, in Pareceres da Comissão Constitucional, 9.º vol., pp. 39 e segs.] uma sólida jurisprudência.
Escreveu-se no Acórdão 142/85 (in Diário da República, 2.ª série, de 7 de Setembro de 1985, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6.º vol., pp. 81 e segs.):
"A reserva estabelecida [...] no artigo 168.º, n.º 1, alínea u), abrange unicamente o estatuto geral da função pública e o delineamento geral do seu âmbito, mas não a particularização e concretização desse estatuto e o traçado do respectivo âmbito de aplicação no concernente a quaisquer sectores concretos e individualizados da Administração Pública. Mais: essa reserva não se reporta sequer a um tratamento normativo desenvolvido da matéria em causa, mas tão-só à definição dos seus princípios fundamentais."
E no Acórdão 340/92 (Diário da República, 2.ª série, de 17 de Novembro de 1992, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 23.º vol., pp. 59 e segs.):
"Na imediata dependência de um debate e de uma decisão parlamentar [...] encontra-se apenas o estabelecimento do quadro dos princípios básicos fundamentais daquela regulamentação, dos seus princípios reitores ou orientadores, princípios esses que caberá depois ao Governo desenvolver, concretizar e mesmo particularizar, em diplomas de espectro mais ou menos amplo, e princípios que constituirão justamente o parâmetro e o limite desse desenvolvimento e particularização."
A mesma orientação continuou a ser seguida em decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, como é o caso dos Acórdãos n.os 494/99, 65/2000 e 4/2003, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 44.º vol., pp. 25 e segs., 46.º vol., pp. 351 e segs., e 55.º vol., pp. 33 e segs., respectivamente.
Conforme o Tribunal Constitucional tem evidenciado nas suas decisões, a Assembleia da República não aprovou, até hoje, uma lei quadro na qual se contenham, na sua globalidade, as bases gerais da função pública. Tal circunstância não poderá, todavia, levar a concluir que "fica aberta ao Governo a possibilidade de livremente legislar sobre a respectiva matéria, já que entretanto faltaram os parâmetros materiais e os limites a que [...] deverá subordinar-se a sua actividade normativa no domínio em causa" (citado Acórdão 142/85).
A reserva parlamentar implicará, outrossim, "a necessidade de, a partir dos numerosos textos legais regulamentadores da função pública, e sem, naturalmente, perder de vista o respectivo contexto, maxime institucional e histórico, averiguar e estabelecer as linhas de força estruturais dessa regulamentação, os princípios básicos que a informam e caracterizam, pois aí se situará o limite de fronteira entre o que pertence e o que não pertence à competência legislativa exclusiva da Assembleia da República" (citado Acórdão 142/85).
O Decreto-Lei 193/2002 foi editado no uso de autorização legislativa concedida pela Assembleia da República nos termos do artigo 9.º da Lei 16-A/2002.
Este preceito autorizou o Governo "a rever o Decreto-Lei 535/99, de 13 de Dezembro, respeitante ao regime de colocação de funcionários e agentes pertencentes a serviços e organismos que sejam objecto de extinção, fusão ou reestruturação, no sentido de flexibilizar a reafectação do pessoal cuja colocação seja directamente determinada pelos diplomas legais que procedam à extinção, fusão ou reestruturação desses serviços e organismos" (n.º 1).
No n.º 2 do mesmo preceito, a legislação a adoptar pode estabelecer:
"[...]
b) A possibilidade de os diplomas legais que extingam, fundam ou reestruturem serviços ou organismos definirem critérios de colocação de pessoal a transferir para os serviços que absorvam total ou parcialmente as atribuições e competências dos serviços abrangidos, com respeito pelos princípios da transparência, equidade e prevalência do interesse público;
c) A criação junto da secretaria-geral de cada ministério de um quadro de supranumerários que integre o pessoal que não haja sido directamente colocado nos novos serviços."
Foi, pois, o Decreto-Lei 193/2002 que, no uso desta autorização legislativa, revogou o Decreto-Lei 535/99, estabelecendo um novo regime de colocação e de afectação de funcionários e agentes pertencentes a serviços e organismos que sejam objecto de extinção, fusão ou reestruturação.
Trata-se, precisamente, de um diploma que estabelece princípios básicos de uma matéria atinente ao estatuto do pessoal da função pública e em que o Governo, a descoberto de autorização parlamentar, não pode ultrapassar o desenvolvimento legislativo do regime naquele definido.
Evoca-se, a propósito, o que se escreveu no citado Acórdão 340/92 sobre um diploma legal (o Decreto-Lei 43/84, de 3 de Fevereiro), também autorizado, que definiu os princípios do regime do pessoal da administração central e das autarquias locais considerado excedentário em resultado de medidas de racionalização global ou parcial das estruturas e dos quadros ou efectivos dos organismos públicos:
"[...] contém, manifestamente, uma regulamentação de princípio, na medida em que a quase totalidade das suas normas constitui ou co-envolve uma definição de princípios jurídicos relativos ao regime de pessoal excedentário da função pública, com directa incidência no âmbito do seu estatuto próprio e no acervo de direitos e garantias que nele se compreendem."
O mesmo se poderá dizer do Decreto-Lei 193/2002, razão pela qual o Tribunal entende que as normas em causa, integrando um diploma legal editado pelo Governo sem autorização parlamentar, não poderiam contrariar os princípios naquele consagrados, sob pena de atingirem a esfera de competência reservada da Assembleia da República.
2.2.5 - Já atrás se definiu o conteúdo dispositivo dos n.os 2 e 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002 e se assinalou a divergência interpretativa que separa o entendimento do Tribunal face ao que consta do pedido do requerente.
O que importa agora decidir é se as normas em causa contrariam os princípios básicos constantes do Decreto-Lei 193/2002 ou, diferentemente, se limitam a desenvolver esses princípios num espaço que o diploma autorizado deixa à livre conformação do legislador, ou a dispor sobre matéria que, mesmo regulada naquele decreto-lei mas não constituindo base do regime da função pública, se não insere na competência reservada da Assembleia da República [saliente-se, a propósito, que o Decreto-Lei 193/2002 é também emitido ao abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, o que só pode significar que algumas das suas normas versam matéria da competência concorrencial do Governo].
É no capítulo II do Decreto-Lei 193/2002 que se consagram os "princípios" do novo regime de colocação e de afectação dos funcionários e agentes integrados em serviços e organismos que sejam objecto de extinção, fusão e reestruturação.
O artigo 5.º estabelece os "princípios organizativos" e o artigo 6.º os "princípios referentes a pessoal". São três os princípios que se consagram no artigo 6.º:
A impossibilidade de redução dos direitos e deveres, designadamente o direito à promoção e à formação, do pessoal abrangido pelas medidas de extinção, fusão ou reestruturação dos serviços;
A manutenção, para esse pessoal, da natureza do vínculo, carreira, categoria, escalão e índice detidos à data da entrada em vigor dos diplomas que adoptem as referidas medidas;
O recurso prioritário ao pessoal proveniente dos serviços extintos ao fundidos no preenchimento das necessidades de pessoal dos serviços para onde sejam transferidas as atribuições de outros.
Sobre a "mobilidade de pessoal" (capítulo III), o artigo 7.º começa por criar junto da secretaria-geral de cada ministério ou do departamento de recursos humanos, quando exista, um quadro de supranumerários; a esse quadro será afectado o pessoal que, em resultado da extinção, fusão ou reestruturação de serviços, não seja directamente colocado noutro serviço.
O artigo 8.º estabelece regras de colocação e afectação de pessoal relativas aos casos de: i) extinção de serviços sem qualquer transferência de atribuições para outro serviço; ii) extinção ou fusão de serviços em que haja transferência, total ou parcial, de atribuições; e iii) reestruturação de serviços.
No primeiro caso, o pessoal transita para o quadro de supranumerários do respectivo ministério; no segundo, o pessoal transita para os novos serviços "na medida das necessidades destes", em lugares automaticamente aditados aos respectivos quadros de pessoal, quando não existam vagas disponíveis para o efeito; no terceiro, o pessoal será afectado ao quadro de supranumerários quando da reestruturação dos serviços resultar um número excessivo ou qualitativamente desajustado de funcionários.
O artigo 9.º regula o "processo de integração", estabelecendo algumas regras para os casos em que a extinção, fusão ou reestruturação dos serviços dê lugar à colocação ou afectação do pessoal. Está prevista a constituição de um grupo de trabalho, a nomear por despacho do membro do Governo da tutela, com a composição estabelecida no n.º 1, a quem compete propor os critérios a aplicar na escolha do pessoal a afectar ou a colocar; homologados estes critérios, o grupo de trabalho elabora as listas do pessoal que transita para o novo quadro e daquele que é afectado ao quadro de supranumerários.
O n.º 3 do mesmo preceito aponta a finalidade daqueles critérios - a necessidade de garantir a melhor adequação entre o perfil profissional do pessoal abrangido e as necessidades inerentes aos postos de trabalho a prover - e vincula a selecção dos mesmo critérios à ponderação: i) da identidade entre o conteúdo funcional das funções desempenhadas e a desempenhar; ii) das habilitações literárias legalmente fixadas para as desenvolver; e iii) da formação e qualificação profissionais, podendo ainda ser adoptados outros critérios complementares.
De particular relevo neste regime é a previsão de os critérios (sempre com observância da ponderação dos referidos factores) serem fixados nos diplomas orgânicos que operarem a extinção, fusão ou reestruturação. A constituição do "grupo de trabalho" só, aliás, se verificará nas situações em que os diplomas forem omissos em tal matéria.
Atente-se agora no Decreto-Lei 262/2002, que "concretizou" a extinção da AGT, tendo especialmente em conta que - como já se referiu - os n.os 2 e 3 do artigo 6.º se reportam a pessoal de serviços extintos (Centro de Estudos Fiscais e Apoio às Políticas Tributárias e Serviço de Auditoria Interna) cujas atribuições, no todo ou em parte, passaram para o Centro de Estudos Fiscais e Gabinete de Auditoria Interna.
Está, pois, em causa a situação prevista no artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei 193/2002, em que a transição do pessoal para os novos serviços se faz "na medida das necessidades destes", regra que, manifestamente, não é atingida pelo artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei 262/2002 - a abertura do concurso aí estabelecida só poderá compreender-se na medida em que os novos serviços careçam de pessoal.
Mas será que os critérios de selecção do pessoal a afectar ou a colocar, previstos no artigo 9.º, n.º 3, do Decreto-Lei 193/2002, são igualmente respeitados?
A resposta a esta questão passa desde logo pela consideração do disposto no n.º 2 do mesmo artigo 9.º, onde, tal como estabelecia o artigo 9.º, n.º 2, alínea b), da Lei da Assembleia da República que autorizou o Governo a legislar (a Lei 16-A/2002), se admite a possibilidade de os diplomas que extingam serviços ou organismos definirem, eles próprios, os "critérios de colocação do pessoal a transferir para os serviços que absorvam total ou parcialmente as atribuições e competências dos serviços abrangidos".
Foi o que, afinal, fez o artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei 262/2002, estabelecendo o concurso como critério de selecção do pessoal a colocar nos novos serviços, critério esse que, pela sua própria natureza, respeitará os princípios de transparência, equidade e prevalência do interesse público.
Não bastará, porém, esta conclusão para se afirmar a estrita observância do Decreto-Lei 193/2002 pelo n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002.
Com efeito, não obstante a liberdade que o Decreto-Lei 193/2002 concede ao legislador no sentido de definir os critérios de selecção do pessoal, o mesmo diploma condiciona como se disse já esses critérios à ponderação obrigatória dos factores enunciados nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 9.º
Ora, no pressuposto seguro de que o referido concurso obedecerá às regras gerais constantes do Decreto-Lei 204/98, de 11 de Julho, não pode deixar de se concluir que ele terá em conta aqueles factores.
E estará igualmente garantida a observância dos "princípios referentes a pessoal" estabelecidos no artigo 6.º do Decreto-Lei 193/2002?
A dúvida colocar-se-á apenas quanto ao respeito pelo princípio constante do n.º 4 daquele preceito, onde se prescreve que "o preenchimento das necessidades de pessoal dos serviços para onde sejam transferidas atribuições de outros é feito por recurso prioritário ao pessoal proveniente dos serviços extintos ou fundidos".
E isto porque a modalidade de concurso prevista no artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei 262/2002 é a de "concurso externo", que, de acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei 204/98, é aberto "a todos os indivíduos".
A verdade, porém, é que não pode afirmar-se uma incompatibilidade absoluta e essencial entre o concurso externo e o "recurso prioritário" - aliás, não densificado no citado artigo 5.º, n.º 4, do Decreto-Lei 193/2002 - aos funcionários dos serviços extintos na colocação nos novos serviços.
Resta afirmar que a afectação ao quadro de supranumerários (e não, como atrás se disse, a alegada quebra da relação de emprego público), como resultado da exclusão ou não apresentação a concurso, também não infringe o disposto no Decreto-Lei 193/2002 - o artigo 7.º deste diploma legal, ao criar um quadro de supranumerários, prevê que a ele seja afecto o pessoal que, "em resultado da extinção [...] de serviços, não seja directamente colocado noutro serviço", como é, precisamente, o caso.
2.2.6 - Como se deixou relatado, o requerente fundamenta também o seu pedido na violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
Não se apresenta claramente definido o entendimento do requerente quanto a uma tal violação, em particular sobre se ela se reporta apenas à norma do n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002, cuja constitucionalidade, pelas razões já expostas, o Tribunal não vai conhecer.
Mas, seguramente, a reportar-se às normas dos n.os 2 e 3 daquele artigo, ele tem por base a análise que o requerente lhes dá no sentido de a exclusão ou não apresentação a concurso determinarem a quebra do vínculo de emprego público, interpretação que, todavia, o Tribunal não acolheu.
Tanto bastaria ou para não conhecer do alegado vício ou para o julgar improcedente.
Sempre se dirá, no entanto, que, na interpretação adoptada, quer a sujeição a concurso quer a afectação ao quadro de supranumerários do pessoal dos serviços extintos, na medida em que, tal como ficou demonstrado, se comportam no conteúdo prescritivo do Decreto-Lei 193/2002, emitido no uso de autorização legislativa conferida pela Assembleia da República, são medidas insusceptíveis de invadir a reserva de competência legislativa parlamentar em matéria de "direitos, liberdades e garantias", mesmo admitindo que elas a esta respeitassem, questão que, por ser aqui inútil, o Tribunal se dispensa de apreciar.
Pode, pois, concluir-se que as normas ínsitas nos n.os 2 e 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002 não violam qualquer das disposições do Decreto-Lei 193/2003 - independentemente de saber se todas as que foram citadas se podem integrar no conceito de "bases" da função pública -, pelo que, ao editá-las, no uso de competência própria, sem inovação/contradição relativamente ao diploma autorizado, o Governo não invadiu a esfera de competência da Assembleia da República.
As normas dos n.os 2 e 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002, de 25 de Novembro, não violam, assim, o disposto nas alíneas b) e t) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
3 - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não conhecer da inconstitucionalidade da norma contida no n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002, de 25 de Novembro;
b) Não declarar a inconstitucionalidade das normas contidas nos n.os 2 e 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei 262/2002, de 25 de Novembro.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2005. - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Mário José de Araújo Torres - Vítor Gomes - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos - Gil Galvão - Bravo Serra - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Maria Helena Brito - Paulo Mota Pinto - Artur Maurício.