Acórdão 72/90
Processo 182/89
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1.º O procurador-geral-adjunto em exercício no Tribunal Constitucional veio requerer, como representante do Ministério Público, nos termos do que se dispõe no artigo 281.º, n.º 2, da Constituição da República e no artigo 82.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 25.º do Decreto-Lei 401/79, de 21 de Setembro.
Para tanto, alega que tal norma foi já julgada inconstitucional, por violação do artigo 176.º, alínea j), da Constituição, na sua versão originária, em três casos concretos, através dos seguintes acórdãos, de que junta cópia:
Acórdão 115/89, de 12 de Janeiro de 1989, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 96, de 26 de Abril de 1989;
Acórdão 310/89, de 9 de Março de 1989, publicado no Diário da República, 2.ª entidades série, n.º 136, de 16 de Junho de 1989;
Acórdão 421/89, de 15 de Junho de 1989, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 213, de 15 de Setembro de 1989 (os dois primeiros da 1.ª Secção e o último da 2.ª Secção).
Notificado para se pronunciar sobre o pedido, nos termos do artigo 54.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção, o Sr. Primeiro-Ministro veio fazê-lo, oferecendo o merecimento dos autos.
Cumpre, pois, decidir.
II - Fundamentação
1.º Os pressupostos.
De acordo com o actualmente preceituado no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (na versão originária tratava-se do n.º 2 do mesmo preceito), cabe ao Tribunal Constitucional «apreciar e declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos».
Esta apreciação e declaração podem ter lugar desde que venha a ser promovida a organização de um processo com a cópia das correspondentes decisões por qualquer dos juízes do Tribunal ou pelo Ministério Público (artigo 82.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro).
Este processo foi, de facto, promovido pelo magistrado do Ministério Público em exercício neste Tribunal, e pelas cópias dos acórdãos juntas se verifica que em todos eles foi julgada inconstitucional a norma do artigo 25.º do Decreto-Lei 401/79, de 21 de Setembro.
Estão, assim, preenchidos os pressupostos legais da admissibilidade do pedido de apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, pedida nos autos.
2.º A norma.
O Decreto-Lei 401/79, de 21 de Setembro, estabelece disposições relativas à cobrança de taxas da RTP (Radiotelevisão Portuguesa, E. P.) e entre estas disposições encontra-se a norma constante do artigo 25.º, relativa à cobrança coerciva de taxas e cuja declaração de inconstitucionalidade se pede.
Determina-se no referido preceito:
São competentes para a cobrança coerciva das taxas e sobretaxas em dívida, bem como para aplicação de multas, quando não pagas voluntariamente, os tribunais comuns da comarca do domicílio ou sede dos infractores.
O decreto-lei em questão veio substituir o regime fixado pelo Decreto-Lei 41 484, de 30 de Dezembro de 1957 (Lei Orgânica da Emissora Nacional), e pelo Decreto-Lei 41 486, da mesma data, pelo qual era aos tribunais fiscais que competia proceder à cobrança coerciva das taxas de televisão.
De facto, o artigo 43.º daquele primeiro diploma legal estabelecia:
Para efeitos de cobrança coerciva de taxas, multas ou quaisquer outras dívidas à Emissora Nacional, terão força executiva, nos termos e para os efeitos do Código das Execuções Fiscais, as certidões passadas pela direcção dos Serviços Administrativos da Emissora Nacional, extraídas dos livros ou documentos donde constavam as importâncias em dívida e autenticadas com o respectivo selo branco.
Pelo seu lado, o Decreto-Lei 41 486, referido (Regulamento das Instalações Receptoras de Radiodifusão), estabelece no artigo 57.º:
As taxas, multas e adicionais que não foram pagos nos prazos devidos serão relaxados aos juízos das execuções fiscais.
Posteriormente foi publicado o Decreto-Lei 353/76, de 13 de Maio, sobre o sistema de controlo de aquisição e posse ou detenção de aparelhos receptores de televisão, que estabelece o valor da respectiva multa e a forma da sua cobrança, mas que, relativamente à cobrança coerciva, nada alterou no sistema em vigor.
Assim, verifica-se que o Decreto-Lei 401/79 veio - através do seu artigo 25.º - transferir da competência dos tribunais fiscais para a competência dos tribunais comuns a cobrança coerciva das taxas de televisão.
Os diplomas legais posteriormente publicados sobre o assunto não modificaram a situação inovatória criada pelo preceito em causa. De facto, quer o Decreto-Lei 483/79, de 14 de Dezembro, quer a Portaria 26-NI/80, de 9 de Janeiro, que aprovou o regulamento relativo à cobrança de taxas de televisão, quer o Decreto-Lei 472/82, de 16 de Dezembro, que alterou vários artigos do Decreto-Lei 401/79, quer, finalmente, o Decreto-Lei 38/88, de 6 de Fevereiro, que revogou o Decreto-Lei 472/82 e alterou o Decreto-Lei 401/79, mantiveram a situação definida pelo artigo 25.º deste último diploma.
3.º O enquadramento constitucional.
Embora se mantenha ainda a situação inovatória criada pelo artigo 25.º questionado, o certo é que a compatibilidade constitucional deste preceito tem de ser aferida perante a versão da Constituição da República (CRP) vigente na data da publicação da norma cuja constitucionalidade se pretende apreciar e declarar.
Ora, na versão originária da CRP (1976), o artigo 167.º, que delimitava a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, determinava na sua alínea j) que era da competência exclusiva daquela Assembleia a «organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, salvo quanto aos tribunais militares sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 218.º».
Nas revisões constitucionais de 1982 e de 1989 manteve-se na Assembleia da República a reserva de competência relativa quanto à organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados [artigo 168.º, n.º 1, alínea q)].
O artigo 25.º do Decreto-Lei 401/79, ao determinar a transferência da competência para a cobrança coerciva das taxas e multas para a televisão dos tribunais fiscais para os tribunais «comuns», está a legislar sobre matéria da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República, sem que o Governo, seu autor, previamente, se tivesse munido da respectiva autorização legislativa.
De facto, o legislador do diploma em causa não invoca qualquer lei da Assembleia da República que o autorize a legislar sobre a competência dos tribunais, e nenhuma dúvida se suscita ao afirmar-se que retirar a possibilidade de conhecer determinadas matérias a certos tribunais para a atribuir a outros é modificar a competência de tais órgãos, o que estava vedado ao Governo fazer no uso da sua competência legislativa própria, única que vem invocada no diploma.
O que vale por dizer que o preceito do artigo 25.º do Decreto-Lei 401/79, de 21 de Setembro, viola o artigo 167.º, alínea j), da Constituição da República (versão de 1976), sendo, por isso, inconstitucional.
Neste mesmo sentido concluíram os acórdãos deste Tribunal juntos pelo requerente com o pedido, inexistindo qualquer razão válida para que não se adopte esta jurisprudência do Tribunal, uma vez que a mesma está inteiramente conforme com os princípios e regras decorrentes da lei fundamental.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 167.º, alínea j), da Constituição da República (versão de 1976), da norma constante do artigo 25.º do Decreto-Lei 401/79, de 21 de Setembro.
Lisboa, 21 de Março de 1990. - Vítor Nunes de Almeida - Alberto Tavares da Costa - Fernando Alves Correia - Messias Bento - Armindo Ribeiro Mendes - Maria da Assunção Esteves - Antero Alves Monteiro Dinis - José de Sousa e Brito - Luís Nunes de Almeida - Bravo Serra - Mário de Brito - José Manuel Cardoso da Costa.