Assento 1/96
Processo 80682 - 1.ª Secção. - Acordam, em tribunal pleno, no Supremo Tribunal de Justiça:
1 - No Tribunal do Funchal, em autos de remição de colonia, accionados pelos colonos João de Sousa ou João de Sousa Henriques, entretanto falecido, e mulher, Filomena dos Santos Gouveia de Sousa, a quem as benfeitorias vieram a ser adjudicadas, em partilha, por pretenderem remir a propriedade do solo que benfeitorizaram, e senhorios Isabel Teles de Vasconcelos da Cunha Santos e Tomás António de Vasconcelos da Cunha Santos, em recurso por estes interposto quanto ao valor do terreno fixado em arbitragem, em 1881210$00, foi proferida sentença, que determinou o valor da indemnização a pagar pelos colonos, em 3156830$00, depois de adjudicar a propriedade do terreno aos autores.
Nela considerando que o cálculo do valor da indemnização deve reportar-se à data da arbitragem e não a qualquer momento posterior, nomeadamente à data da avaliação, decidiu-se que o critério seguido pelos peritos é correcto e daí o valor de 3156830$00.
Apelaram os senhorios, alegando que o valor actual do solo seria de 4187625$00, frente ao actual, em 1990, preço da banana de 65$00/kg, não sendo de atender o preço de 49$00, reportado a 1985 e que determinou o valor de recurso.
O douto Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Dezembro de 1990, de fl. 103 a fl. 106, confirmou o decidido.
Mas fê-lo por razões diversas.
Nele se considerou provado:
a) Os requeridos são donos de um prédio rústico e urbano em parte colonizado por diversos, situado na Nazaré, ao Ribeiro Seco, freguesia de São Martinho, descrito sob o n.º 3954, a fl. 200 do livro B-8 da extinta Conservatória da comarca oriental do Funchal e inscrito actualmente na matriz cadastral com o n.º 12/48, secção P.
b) Os requerentes então e hoje, apenas a requerente é colona, possuindo e sendo proprietária de uma porção de benfeitorias rústicas e urbanas, com a área de 4295 m2, feitas no prédio mencionado na alínea anterior, confrontado pelo norte com João Gonçalves, pelo sul com Manuel Gomes Ferreira e outros, pelo este com Germano Correia e pelo oeste com Maria José Correia, inscrito sob o n.º 56326, a fl. 20 do livro G-84 da referida Conservatória e inscrita na matriz cadastral com o artigo 12/48 da parte urbana com o artigo 1728.
c) Realizada a arbitragem em 10 de Outubro de 1985, os Srs. Árbitros, por unanimidade, atribuíram ao terreno o valor de 1881210$00, correspondente ao preço de 438$00/m2, para o preço de remição da terra.
d) Em 20 de Fevereiro de 1990, na avaliação, em recurso de arbitragem, os Srs. Peritos, por unanimidade, atribuíram ao terreno o valor de 3156830$00, resultando daqui o preço de 735$00/m2.
e) Na avaliação os Srs. Peritos referiram que se reportavam ao preço de 1985, em que o preço da banana (produção do terreno) pago ao produtor era de 49$00/kg.
f) Referiram ainda que, na data da avaliação, esse preço era de 65$00, pelo que a indemnização a preços actuais ascenderia a 4187625$00.
No douto acórdão em apreço considerou-se que a arbitragem é o momento atendível para a fixação do valor, mas confirmou o decidido em 1.ª instância - o valor da avaliação de 3156830$00 - uma vez que os requerentes da remição o aceitaram expressamente nas suas alegações em 1.ª instância, a funcionar como tribunal de recurso.
Dele foi interposto oportuno recurso para o Supremo, funcionando em tribunal pleno - artigos 764.º e 765.º do Código de Processo Civil -, dado que, por motivos estranhos à alçada do Tribunal, não é admissível recurso deste acórdão, em face do estatuído nos artigos 46.º, n.º 1, e 83.º, n.º 4, do Código das Expropriações, ex vi artigo 9.º do Decreto Regional 16/79/M, de 14 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Regional 7/80/M, de 20 de Agosto.
2 - Indicou-se como acórdão fundamento o proferido pela Relação de Lisboa em 18 de Outubro de 1990 e certificado de fl. 117 a fl. 121.
Nele em acção, visando os mesmos objectivos, deu-se como provado:
a) O valor do terreno foi fixado, em arbitragem, no total de 658515$00, ou seja, à razão de 214$50/m2.
b) Tendo os requeridos recorrido de arbitragem, na peritagem - com o valor reportado a 1986 - foi estabelecido o valor de 921000$00, ou seja, à razão de 300$00/m2.
c) Em alegações os mesmos requeridos pediram que esse valor fosse actualizado em 30%, na base do preço médio dos produtos hortícolas de 1989, ano da sentença a proferir.
d) Esclarecendo a peritagem, os seus autores, por unanimidade, atribuíram ao terreno o valor de 1535000$00, ou seja, à razão de 500$00/m2.
e) Foi então proferida sentença que fixou aquele valor em 1535000$00.
E o douto acórdão confirmou-o.
Socorreu-se dos princípios constitucionais insertos:
No artigo 62.º - o direito da propriedade privada (o que dá lugar a que, nos termos do n.º 2, a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas na base da lei, e, fora dos casos previstos na Constituição, mediante pagamento de justa indemnização);
No artigo 13.º - princípio de igualdade dos cidadãos perante a lei para solucionar o conflito de interesses entre o senhorio e o colono.
Daí considerar, a fls. 120 e 120 v.:
«O artigo 7.º do Decreto Regional 13/77/M, de 18 de Outubro, estabelece que o valor da indemnização deve fixar-se em função do 'valor actual do solo'. Ora, tendo em conta o valor da arbitragem (ainda na fase administrativa) e o da peritagem (ou 2.ª avaliação) é obviamente a este que deverá atender-se, mas não pode esquecer-se que a peritagem (2.ª avaliação) deverá reportar-se à data em que é efectuada, assim como também a haver hiato temporal significativo entre aquela peritagem (ou 2.ª avaliação) e a prolação da sentença, deverá, em relação ao cálculo levado a cabo pelos peritos, adoptar-se uma atitude de correcção do valor encontrado, seja pelo recurso dos índices de inflação, seja pela utilização dos dados estatísticos relativos aos índices de preços ao consumidor, seja pelo lançar mão das taxas de juros.»
3 - A secção, por unanimidade, decidiu existir a alegada oposição - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 1992, fls. 138 e 139.
A requerida na sua contra-alegação entende que não estão preenchidos os requisitos que permitam a este Tribunal conhecer de eventual oposição de acórdãos e proferir subsequente assento.
Para si, em primeiro lugar, não é correcta a afirmação de que o acórdão recorrido não é passível de recurso por razões estranhas à alçada da Relação.
Havendo que interpretar restritivamente a parte final do n.º 1 do artigo 46.º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro, ex vi Assento 7/79, de 24 de Julho, o que se discute, no presente caso, não é, em rigor, o valor da indemnização, mas sim se na sua fixação deve ser tomado em consideração o momento de arbitragem ou o momento da avaliação.
Em segundo lugar, em bom rigor, não constitui decisão, mas mero considerando, a afirmação contida no acórdão recorrido de que o momento atendível para a fixação do valor da indemnização é o da arbitragem.
Tudo porque, naquele acórdão mantém-se o valor indemnizatório fixado na 1.ª instância, não por o mesmo se reportar à data da arbitragem, mas por ter havido uma aceitação de tal valor pela recorrida.
Quando ainda é certo, por outro lado, que o acórdão fundamento envolve uma decisão complexa, que tem em consideração o próprio momento de prolação da sentença e o recurso ao índice de inflação e de preços ao consumidor e, até, a taxas de juros envolvendo outras disposições legais que não, apenas, os referidos no acórdão recorrido.
4 - Não tem razão.
a) Na vigência do Código de Processo Civil de 1939 só havia recurso para o tribunal pleno frente a uma oposição entre acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação.
E nunca entre acórdãos proferidos pelas Relações.
Dr. Lopes Navarro no seu projecto de revisão do Código de Processo Civil pretendeu alargar aos acórdãos proferidos pelas Relações a possibilidade de recurso para tribunal pleno, desde que estes acórdãos não admitissem recurso ordinário por causa estranha à alçada.
Tendo vencido maioritariamente, esta linha de pensamento passou para o texto do artigo 764.º do Código de Processo Civil.
Admitiu-se legalmente, desta forma, uma espécie de recurso per saltum dos acórdãos proferidos pelas Relações para o tribunal pleno - Conselheiro Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, 2.ª ed., 3.º vol., p. 414, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Julho de 1981, Boletim, n.º 309, p. 314.
Pretendeu-se evitar que as decisões contraditórias das instâncias fossem subtraídas ao conhecimento do Supremo frente ao requisito de irrecorribilidade, por causa estranha à alçada da Relação.
Se esta é a ratio do artigo 764.º do Código de Processo Civil, há que concluir que tal há-de operar-se, quer no acórdão recorrido, quer no acórdão fundamento - Prof. A. Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 116.º, p. 96.
E nenhum dos acórdãos aqui em oposição sobre a mesma questão fundamental de direito admite recurso para o Supremo por motivo estranho à alçada do tribunal, ex vi segunda parte do n.º 1 do artigo 46.º do Código das Expropriações.
Irrelevante é que só um deles - o fundamento fosse proferido dentro da alçada.
b) No n.º 1 daquele artigo 46.º estatui-se: «Na falta de acordo sobre o valor global da indemnização [...]»
O que está em discussão é, pois - artigo 9.º do Decreto Regional 16/79/M, que mandou aplicar ao processo de remição de colonia a forma de processo urgente, regulada no Código das Expropriações, por utilidade pública, com as necessárias adaptações e determinadas modificações -, o valor global da indemnização.
E para se chegar lá, ao interpretarem o artigo 7.º do Decreto Regional 13/77/M, de 18 de Outubro, os acórdãos em confronto percorreram vias diversas para surpreender o momento a considerar para a obtenção do «valor actual» que cimente a indemnização: um pauta-se pela data da arbitragem e o outro pelo da avaliação pelos peritos.
As considerações complementares sobre os valores assim apurados são simples índices correctivos permitidos por lei, que não alteram a essência do problema em questão.
c) Desta forma confirma-se a alegada oposição entre os acórdãos.
5 - Nas suas alegações a recorrente conclui pela revogação do acórdão recorrido e que se lavre assento com a seguinte redacção:
«Na remição de colonia, o valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar, a que se refere o n.º 2 do artigo 7.º do Decreto Regional 13/77/M, de 18 de Outubro, é reportado à data em que se procede à avaliação do mesmo pelos peritos designados na acção judicial.»
E isto porque:
a) O regime de colonia, na Região Autónoma da Madeira, foi extinto pela Constituição da República Portuguesa, artigo 101.º, n.º 2, o mesmo dispondo a Lei de Bases da Reforma Agrária (n.º 77/77, de 29 Setembro), artigo 55.º
b) O Decreto Regional 13/77/M, de 18 de Outubro, no artigo 3.º, n.º 1, estabelece que o colono-rendeiro tem o direito de remir a propriedade do solo onde possua benfeitorias.
c) O artigo 7.º, n.º 1, desse diploma, prescreve que o senhorio tem direito a indemnização, acrescentando o n.º 2 que, caso não se verifique acordo entre as partes, o valor de tal indemnização corresponde ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar.
d) Segundo o Decreto Regional 16/79, de 14 de Setembro - que regulou as operações jurídicas necessárias à execução do referido Decreto Regional 13/77/M -, as remições de colonia, quando não resultem de negócios titulados por escritura pública, devem ser feitas em acção judicial, que seguirá a forma de processo urgente, regulada no Código das Expropriações, por utilidade pública (Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro, então em vigor).
e) A teoria baseada nas disposições contidas nesse Código de que o momento para determinar o valor do bem expropriado deve ser o da arbitragem - teoria, aliás, não pacífica - não é aplicável ao regime de remição de colonia, dadas as características especiais deste, que marcam diferença assinalável em relação ao da expropriação.
f) Enquanto, no processo de expropriação, o direito à indemnização nasce logo na fase administrativa, no processo de remição de colonia a declaração desse direito só surge durante a acção judicial, quando da respectiva sentença, longo tempo após a arbitragem, efectuado na fase administrativa.
g) No processo de expropriação, a importância estabelecida pela arbitragem é imediatamente depositada na Caixa Geral de Depósitos, acompanhando a respectiva guia de remessa do processo ao tribunal (artigo 70.º, n.º 1, do Código das Expropriações); em processo de remição de colonia, a indemnização só é depositada em data muito posterior à da arbitragem, depois de proferida a decisão na acção judicial [alínea e) do Decreto Regional 16/79/M, de 14 de Setembro, com a redacção dada pelo Decreto Regional 7/80/M, de 20 Agosto].
h) Conforme dispõe o citado artigo 7.º, n.º 2, do Decreto Regional 13/77/M, o cálculo da indemnização, a atribuir ao senhorio, feito na acção judicial, terá em atenção o «valor actual» - do que resulta esse cálculo dever ser contemporâneo da decisão que fixa tal indemnização, e isto só é possível através da avaliação pelos peritos, na acção judicial, e com referência à data em que ela teve lugar.
i) Sendo uma indemnização em dinheiro, há também a considerar o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil e no artigo 663.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que mandam atender à situação existente no momento da decisão judicial.
j) A argumentação apresentada é reforçada se for ponderado que a transmissão da propriedade da terra, das benfeitorias ou de ambas só ocorre após o depósito da indemnização que, por sua vez, só pode efectuar-se depois do trânsito em julgado da sentença - alínea f) do Decreto Regional 7/89/M.
l) Apenas reportando-se o cálculo do valor dos bens remido à data da avaliação feita pelos peritos, se poderá dar cumprimento às prescrições do artigo 62.º da Constituição - que determina o pagamento de «justa indemnização» - e do artigo 13.º, que consagra os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
m) Uma interpretação que não respeita o valor real, actual do solo remido, no momento da decisão que fixa a indemnização ao senhorio, preferindo um valor antiquado, desactualizado, desvalorizado em relação a esse momento, não poderá, pois, deixar de ser considerado inconstitucional.
O recorrido sustenta que, se vier a ser proferido assento, seria no sentido de o momento a ter em consideração na fixação da indemnização, tal como acontece no processo de expropriação urgente, ser o da arbitragem.
O Ministério Público é do parecer que o acórdão recorrido deve ser revogado, formulando-se o seguinte assento:
«Nas acções judiciais para remição de colonia, o momento a atender para fixar o valor da indemnização, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto Regional 13/77/M, de 18 de Outubro, é o da avaliação efectuada pelos peritos.»
6 - Cumpre decidir.
7 - Após o lançamento do fogo, que dizem que durou sete anos, logo após a descoberta, em 1420, a ilha da Madeira ficou terra de pousio na parte incendiada e ainda matos virgens no restante.
Terra de grande fertilidade - plantação de cana-doce vinda da Sicília e da vinha Malvasia - que lutava com enorme falta de pessoas para a cultivarem.
Aproveitada a terra da parte baixa da ilha, mais acessível, haveria que ir povoar e utilizar a montanha.
Não sendo possível pagar salários minimamente compatíveis, a solução encontrada foi interessar o trabalhador-colono na produção das terras.
E directamente.
A colonização da Madeira foi um reflexo da lei chamada «das Sesmarias», de 1375.
Esta lei tinha por fim obrigar o senhor da terra a semeá-la ou entregá-la a outrem que a semeasse, mediante o pagamento de uma pensão.
As alterações impostas pelas Ordenações Manuelinas e Filipinas foram afastando o contrato assim desenhado com características de arrendamento para uma enfiteuse.
Numa primeira fase na colonia o senhor morgado entregava ao colono a terra para ele a cultivar, ficando com o direito de receber metade do fruto produzido - demídia.
A reciprocidade de direitos era uma realidade: o terreno era do senhor e as benfeitorias do colono, que poderia aliená-las ou transmiti-las aos seus herdeiros.
Só que ao desenvolvimento da instituição do morgadio ocorreu paralelamente o crescimento da população, com o correlativo aumento da procura das terras.
Daí a nova fase da colonia, com melhoria para a posição do senhorio e maior onerosidade para a do colono.
E aquela reciprocidade de direitos volatizou-se.
Mantém-se a cisão entre a propriedade do chão e a das benfeitorias.
Mantém-se a partilha do produto cultivado, por metade.
Mas passam a ser variáveis, de localidade para localidade, as condições de rega, adubação e profilaxia.
Partilha-se agora só a cultura rica: cana-de-açúcar, banana e vinha.
Frente ao restante o colono passa a pagar uma «renda».
O dono da terra pode em qualquer altura fazer reverter para si o direito do colono, indemnizadas as benfeitorias realizadas, respeitando o fim do ano agrícola ou do ano civil, no caso de estipulação de «renda».
O senhorio pode alienar a terra, sem que o colono tenha direito de preferência nessa aquisição.
Mas o colono não pode dar por findo o contrato e tem de pagar as benfeitorias que recebe.
Pobre colono que teve de construir socalcos se quis agricultar as montanhas e que irrigou através de canais: as levadas.
E tudo isto sem legislação a regular expressamente o contrato de colonia.
Daí as tentativas para o aproximar da superfície - Dr. Cunha Gonçalves, Tratado, XI, n.º 1674, e Prof. O. Ascensão, Direitos Reais, p. 514 - ou para o aproximar da enfiteuse - Prof. Paulo Cunha, Direitos Reais, p. 255.
8 - A legislação pós-25 de Abril não poderia consentir que este contrato perdurasse.
Assim, a Constituição da República Portuguesa de 1976 proibiu pelo n.º 2, artigo 101.º o regime de colonia e também o artigo 101.º, n.º 2, na versão de 1982.
O artigo 55.º da Lei 77/77, de 29 de Setembro (primeira lei de reforma agrária), repetiu que os contratos de colonia seriam extintos, passando as situações daí decorrentes a reger-se pelas disposições do arrendamento rural e por legislação estabelecida em decreto da assembleia regional.
Na sua esteira surge naturalmente o Decreto Regional 13/77/M, de 18 de Outubro, que se reportou aos aspectos substantivos da extinção do direito de colonia, pela primeira vez contemplando norma a consagrar um critério de cálculo de indemnização devida pelo remidor de colonia ao remido senhorio.
No seu elucidativo preâmbulo, depois de caracterizar o contrato de colonia, foca três pontos essenciais justificativos da sua regulamentação:
1 - Ditames constitucionais:
a) N.º 2 do artigo 101.º, que declarou extinto o regime de colonia;
b) N.º 1 do artigo 101.º, que manda regular as formas de exploração de terra alheia de modo a garantir a estabilidade e os legítimos interesses do cultivador;
c) Artigo 62.º, que garante o direito à propriedade privada;
d) N.º 2 do artigo 13.º - princípio de igualdade, dado que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
2 - A solução dos problemas derivados da extinção do regime de colonia terá de ter em conta as condições específicas da Madeira e assentar em duas bases: prioridade na justiça social e não perder de vista a necessidade de uma imprescindível rentabilidade da empresa agrícola.
3 - O colono é, de uma maneira geral, a parte mais desfavorecida do contrato.
O Decreto Regional 13/77/M, depois de conferir ao colono-rendeiro o direito de remir a propriedade do solo onde possua benfeitorias - n.º 1 do artigo 3.º -, atribui ao senhorio o correlativo direito de indemnização - n.º 1 do artigo 7.º
E estipulou - n.º 2 do artigo 7.º - que «o valor da indemnização, caso se não verifique acordo entre as partes, corresponde ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar».
Em contrapartida o senhorio poderá remir as benfeitorias - n.º 1 do artigo 8.º - só nestes casos muito especiais.
Nesse caso a indemnização devida aos colonos-rendeiros não poderá ser inferior ao valor real e actual das benfeitorias, gozando aquele do direito de retenção até que ela seja integralmente paga - n.º 1 do artigo 10.º
Conferindo direito a indemnização todas as benfeitorias feitas pelo colono-rendeiro, designadamente a arroteia dos terrenos e todos os trabalhos que o colono-rendeiro ou os anteriores donos da colonia exe-cutaram para a formação ou constituição do solo arável - n.º 1 do artigo 11.º
Seguiu-se o Decreto Regional 16/79/M, de 14 de Setembro, alterado pelo Decreto Regional 7/80/M, de 20 de Agosto, que regulamentou a extinção do regime de colonia.
O seu artigo 9.º mandou aplicar ao processo de remição de colonia a forma do processo urgente, regulada no Código das Expropriações, por utilidade pública com as necessárias adaptações e apontadas modificações.
O Código das Expropriações então vigente era o aprovado pelo Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro.
Estabelecidos os princípios indemnizatórios (na esteira do princípio formulado no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição, o n.º 1 do artigo 27.º atribui ao expropriado, por força da expropriação, o direito a receber uma justa indemnização, que é calculada com base no valor real dos bens expropriados - n.º 2 do artigo 27.º), o Código previu duas fases para a expropriação litigiosa.
Uma primeira administrativa, onde a indemnização é fixada por arbitragem, e uma segunda para a qual se recorre, a judicial, onde ocorre obrigatoriamente uma avaliação - artigos 46.º, 73.º, n.º 1, e 77.º
9 - Da conjugação de todo este legislar nasce a dúvida jurisprudencial quanto ao momento a atender para fixar o valor da indemnização.
10 - A expropriação por utilidade pública é «a relação jurídica pela qual o Estado provoca a extinção de direitos subjectivos sobre certos bens e a sua transferência para o património de outra pessoa, a fim de nele produzirem maior utilidade» - Prof. M. Caetano, Manual, 9.ª ed., p. 1020.
Há que ser sindicado pelo tribunal o binómio expropriação/justa indemnização.
Daquela definição resulta que na expropriação há uma extinção de direitos e uma constituição de um direito novo na esfera do expropriante - M. Caetano, ob. cit., p. 996, e Prof. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 2.º vol., 1979, p. 802.
Afastadas estão as teses que sustentam que a entrada do direito na esfera do expropriante se faz a título derivado por transmissão (sufragada por certo sector doutrinário italiano) ou que a expropriação se reconduz a uma venda forçada, sendo a indemnização um preço (Cunha Gonçalves, Tratado, vol. XII, pp. 189 e 190).
«A ciência do Direito actual inclina-se para fazer derivar a indemnização do princípio da igualdade.
A indemnização visa, pois, estabelecer a igualdade perdida, colocando o expropriado na precisa situação em que se encontram os seus concidadãos que, tendo bens idênticos, não foram atingidos.» (Prof. Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 804, e «Parecer», Colectânea de Jurisprudência, XV, 1990, t. V, p. 23).
O momento do cálculo indemnizatório tem sido fixado:
a) Na data da arbitragem - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 1970, Boletim, n.º 200, p. 168, de 8 e 15 de Março de 1974, Boletim, n.º 235, pp. 148 e 156, e de 19 de Abril de 1974, Boletim, n.º 236, p. 79, Acórdão da Relação de Évora de 29 de Março de 1979, Colectânea de Jurisprudência, IV, t. 2, p. 389, Acórdão da Relação do Porto de 7 de Junho de 1983, Colectânea de Jurisprudência, VIII, t. 3, p. 259, e de certo modo Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Abril de 1986, Colectânea de Jurisprudência, XI, t. 2, p. 129.
Assenta fundamentalmente no facto de a decisão arbitral constituir o resultado de um julgamento, uma verdadeira decisão e não um arbitramento, sujeito, na parte possível, às normas estabelecidas no Código de Processo Civil.
É a tese do acórdão recorrido em apreço.
Em circunstâncias excepcionais determinadas pelo longo decurso de tempo entre a arbitragem e a decisão, deverá atender-se a este momento - n.º 1 do artigo 663.º do Código de Processo Civil - para corrigir aquele valor, defendem alguns daqueles arestos.
b) Na data da posse administrativa - Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Fevereiro de 1988 e Acórdão da Relação do Porto de 1 de Abril de 1986 -, por ser momento de transferência de posse.
c) Na data da avaliação dos peritos - Acórdãos da Relação do Porto de 18 de Fevereiro de 1986, Colectânea de Jurisprudência, XI, t. 1, p. 187, e de 22 de Maio de 1986, Colectânea de Jurisprudência, XI, t. 3, p. 199, Acórdãos da Relação de Lisboa de 23 de Junho de 1987, Colectânea de Jurisprudência, XII, t. 3, p. 120, e de 18 de Fevereiro de 1988, Colectânea de Jurisprudência, XIII, t. 1, p. 138.
Havendo omissão quanto ao momento, há que supri-la pelo princípio geral posto no Código Civil para a obrigação de indemnização em dinheiro, que manda atender à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal - artigo 566.º, n.º 2, que é a do encerramento de discussão em 1.ª instância, visto se tratar de matéria essencialmente de facto.
O momento de avaliação é o que, como processual instrutório, fica mais perto do pagamento de indemnização, tendo as alegações mencionadas no artigo 82.º, dado o seu fim, a mesma natureza das escritas referidas no artigo 657.º do Código de Processo Civil.
d) Data da sentença - Acórdãos da Relação de Lisboa de 24 de Fevereiro de 1986, Colectânea de Jurisprudência, XI, t. 2, p. 129, e de 5 de Março de 1987, Colectânea de Jurisprudência, XII, t. 2, p. 133, Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Fevereiro de 1987, Colectânea de Jurisprudência, XII, t. 1, p. 58, e Acórdão da Relação do Porto de 1 de Abril de 1986, Colectânea de Jurisprudência, XI, t. 2, p. 184.
É a tese anterior corrigida - artigos 566.º, n.º 2, e 551.º - para evitar o injusto locupletamento do expropriante à custa do expropriado, frente à depreciação da moeda derivada do lapso de tempo que decorre até ser proferida decisão judicial.
Tudo porque o elemento fundamental passa pela medição da indemnização pelo valor real e corrente dos bens - artigo 28.º - que será aferido no momento do pagamento.
No mesmo sentido, Prof. M. Cordeiro, «Parecer», cit., p. 25:
«A indemnização terá de ser referida no momento em que o expropriado a vai, efectivamente, receber. O Tribunal deverá, pois, atender ao mais recente valor possível, normalmente, o indicado pelos peritos; quando, porém, tenha outros elementos atendíveis actuais, poderá ir mais alem, até ao momento da decisão.»
É a tese do acórdão fundamento.
11 - É extremamente difícil ao legislador erigir a unidade do instituto indemnizatório ao ter de harmonizar o que poderá parecer inconciliável: reparar o lesado, repartir perdas, distribuir riscos, punir o lesante, prevenir comportamentos ilícitos, controlar o item do bem produzido e introduzir o elemento fundamental da pessoa humana ao atentar para o factor culpa.
Quando a indemnização se fixa em dinheiro, o n.º 2 do artigo 566.º aponta um critério geral para o seu cálculo: a teoria da diferença; diferença entre a situação real e a hipotética actual do património do lesado, tudo aferido ao último momento possível, o do encerramento da discussão em 1.ª instância - n.º 1 do artigo 663.º do Código de Processo Civil.
Pretende-se que com a compensação do dano o lesado «possa agora conseguir as mesmas vantagens e utilidades que facto constitutivo de responsabilidade lhe fez perder» - Prof. P. Coelho, Problema Causa Virtual, p. 274.
Só que imediatamente o legislador, sentindo o peso daquelas dificuldades, logo começou por introduzir excepções «sem prejuízo do preceituado noutras disposições».
E são muitas, principalmente:
a) Artigo 494.º - diminuição equitativa, havendo mera culpa;
b) Artigos 508.º e 510.º - plafond estabelecido por lei, com responsabilidade pelo risco, devido a considerações de equidade - dada a falta de culpa do lesante - e de conveniência;
c) Artigo 570.º - levando à redução ou até à exclusão por um critério de justiça quando o comportamento do lesado seja concausa do dano;
d) Artigos 442.º, n.º 2, e 810.º, n.º 1 - sinal e cláusula penal, quando os próprios interessados fixam o limite por acordo;
e) Artigos 491.º, 492.º e 493.º, n.º 1 - relevância negativa à causa virtual ou hipotética do dano.
12 - A lei tem ainda, excepcionalmente, de admitir que a obrigação de indemnização possa resultar de uma conduta lícita do agente: aquilo que a literatura italiana designa «dano não antijurídico».
É igualmente uma situação de responsabilidade: situação em que se encontra uma pessoa que por causa de um dano - supressão ou diminuição de uma situação favorável - vê entrar na sua esfera jurídica o dever de indemnizar, cujo conteúdo se traduz no dever de praticar actividade destinada a fazer desaparecer aquele dano - De Cupis, II danno, teoria generale della responsabilità civile, 2.ª ed., 1970, p. 93.
Antijuridicidade traduz-se numa expressão de prevalência concedida pelo direito a um interesse oposto.
Mas pode acontecer que o direito considere certo interesse digno de prevalecer, com a correlativa preocupação em compensar o titular do interesse sacrificado.
Aqui o dano que afecta o interesse sacrificado pelo direito não é antijurídico - Toregrossa, Il problema della responsabilità da ato lecito, Milão, 1964, pp. 71 e 127.
Entre nós o «Anteprojecto» - Vaz Serra, Boletim, n.º 101, p. 160 - no seu artigo 784.º e o «Projecto» que surgiu da 1.ª revisão ministerial no artigo 490.º - Boletim, n.º 119, p. 80 - admitiam a responsabilidade por intervenções lícitas, a seguir à responsabilidade por actos ilícitos e à responsabilidade pelo risco.
Contudo, este princípio da responsabilidade por intervenções lícitas na esfera alheia, à semelhança do direito italiano, não está formulado no Código Civil.
É muito importante notar que «o legislador entendeu preferível não unificar num regime comum as diversas situações que traduzem a aplicação do mencionado princípio» - Prof. A. Costa, Obrigações, p. 423.
E o legislador unificou os efeitos da responsabilidade civil, contratual e extracontratual, ou seja, a determinação dos danos indemnizáveis, as formas de indemnização e o seu cálculo, a propósito da obrigação de indemnizar - artigos 562.º a 572.º do Código Civil.
Na responsabilidade por actos lícitos estes produzem obrigações «porque estão previstas na lei como factos jurídicos stricto sensu» - Prof. M. Cordeiro, Obrigações, vol. II, 1986, p. 273.
Ela está prevista em situações descritas no Código Civil e em diplomas avulsos.
Poderemos dizer que são situações em que a lei permite lesar a propriedade alheia contra a imposição do ressarcimento do dano - artigos 339.º, n.º 2, 1322.º, n.º 1, 1347.º, n.os 2 e 3, 1348.º, n.º 2, 1349.º, n.º 3, e 1367.º
São exemplos legais de responsabilidade por factos lícitos a expropriação por utilidade pública e os casos em que o direito atribui a um contraente a possibilidade de pôr termo ao contrato; denúncia do arrendamento para habitação do senhorio, mandato civil ou comercial, agência e colonia.
13 - Daqui resulta que a obrigação de indemnizar por expropriação engloba apenas a compensação pela parte patrimonial suportada e tem como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de igual valor (Garantia do Particular ..., Fernando Alves Correia, pp. l28 e 129).
É diferente, como vimos, do dever de indemnizar emergente de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual.
Ali o expropriado tem de entregar um bem e recebe em troca o que a Constituição e a lei chamam «justa indemnização», ou seja, o valor real e corrente desse bem, isto é, a importância que nas condições normais de mercado um comprador prudente pagaria por esse bem, mantendo a aplicação que lhe estava destinada.
Há aqui duas linhas distintas, mas complementares.
Uma a de que a justa indemnização visa apenas reparar o prejuízo sofrido pelo expropriado proprietário e não atribui a este o equivalente do benefício alcançado pela entidade expropriante com a aquisição do bem, o que afasta a ideia de não locupletamento à custa alheia.
Com efeito, diversos são os interesses de expropriante e expropriado: o daquele passa pela legal conveniência em fazer nascer no bem uma maior utilidade social do que aquela que estava a prestar no domínio do proprietário, tudo consequente de um juízo de valor que afere aquele maior ganho para a colectividade.
Outra, como vimos, a de que o prejuízo do proprietário é aferido pelo valor real e corrente do bem.
Em conclusão: «não se trata de uma verdadeira indemnização, uma vez que não deriva do funcionamento do instituto da responsabilidade civil» - «Parecer», Prof. M. Cordeiro, Colectânea de Jurisprudência, XV, 90, t. V, p. 25.
14 - A norma consagradora de expropriação é, simultaneamente, uma norma de autorização, ao conceder ao poder público inerente à soberania do Estado o poder de expropriar e uma norma de garantia ao reconhecer ao expropriado princípios de legalidade, de utilidade pública e de indemnização justa.
E esta será justa se respeitar os princípios materiais da Constituição de igualdade e proporcionalidade.
A efectivação destes aponta necessária e imperativamente para que a indemnização tenha de referir-se ao momento em que o expropriado a vai efectivamente receber.
E como a indemnização é uma dívida de valor, isto é, dívida cujo objecto não é directamente uma soma em dinheiro, mas uma prestação de outra natureza, intervindo o dinheiro apenas como meio de liquidação - está subtraída ao princípio nominativo, pelo que pode, pois, ser actualizada até ao momento da decisão.
15 - E o que se passa, finalmente, com a remição de colonia?
O legislador ao mandar aplicar a forma de processo urgente de expropriação por utilidade pública ao processo para o exercício de remição de colonia, adaptou-o e modificou-o por razões de ordem adjectiva.
Assim, por exemplo, na remição de colonia a indemnização é depositada só após o trânsito em julgado da sentença, enquanto na expropriação é depositado imediatamente após a arbitragem, devendo a guia de depósito respectiva acompanhar a remessa do processo ao tribunal.
Desta diferença não se podem, como se escreveu, tirar argumentos para discutir o cerne da questão.
As diferenças são consequências.
E é nas causas, na razão de ser, que se deve procurar a justificação do regime.
Por isso serão verdadeiras razões de ordem substantiva que terão de ser surpreendidas para originar as adaptações e modificações.
Tudo principia por o regime de colonia emergir de um contrato, que nem sequer está regulado na lei.
Não existe, por isso, o reflexo positivo e benéfico, do sempre presente e actual crescimento da área injuntiva na sua regulamentação: imposição de modelos de justiça em nome de um desejável equilíbrio de prestações, defesa da parte socialmente mais débil, admissão de crescente controlo judicial do conteúdo dos contratos.
Lei e vontade das partes entram na formação do conteúdo contratual.
O fundamento objectivo do negócio jurídico está na coordenação de vários princípios ordenadores: autodeterminação, segurança de tráfico, equivalência das prestações, força ética da fidelidade ao contrato.
Na extinta colonia, como vimos, nada disto existia.
Tal obrigou agora o legislador a traçar um quadro onde a remição pelo colono e a remição pelo senhorio se harmonizassem correctivamente frente ao nascimento e vivência atentatória de todos aqueles princípios, durante a pendência do contrato.
Partiu de uma verdade: o colono é a parte mais desfavorecida.
Mas soube ter em conta também o caso do senhorio pobre e o grave problema social de habitação de senhorio e colono em relação ao prédio sujeito a remição.
Reconheceu só nos casos especiais vasados no artigo 8.º do Decreto Regional 13/77/M o direito de o senhorio poder remir as benfeitorias, indemnizando o colono.
Querendo atribuir vantagens a quem as criou, pautou o quantitativo a indemnizar pelo valor «real e actual» - n.º 1 do artigo 10.º - das benfeitorias, considerando nestas a arroteia dos terrenos e todos os trabalhos que o colono-rendeiro ou os anteriores donos da colonia executaram para a formação ou constituição do solo arável - n.º 1 do artigo 11.º
Aqui constata-se uma identificação com o regime traçado para expropriação.
Estando a trabalhar com um contrato e querendo excluir qualquer locupletamento de uma parte à custa da outra, traçou uma regra para o que era nuclear neste decreto regional: o direito de o colono-rendeiro remir a propriedade do solo onde possua benfeitorias, mediante uma constitucional justa indemnização ao senhorio.
Direito só exercitável, o que é muito importante frisar, só até certa data.
Hoje já não é possível.
Mas que justa indemnização?
É fulcral focar uma ideia que até aqui não foi aflorada: o princípio constitucional que preside à colonia é o do artigo 83.º, correspondente ao artigo 82.º, na versão da Constituição de 1982, e não o sempre mencionado do n.º 2 do artigo 62.º
Estipulava o então artigo 82.º: «A lei determinará os meios e as formas de intervenção e de nacionalização e socialização de meios de produção, bem como os critérios de fixação de indemnização.»
É que trata-se de matéria sediada no âmbito da Constituição económica - Acórdão 14/84 do Tribunal Constitucional, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, II vol., p. 339, Acórdão 67/92 do Tribunal Constitucional, de 17 de Dezembro de 1992, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 8 de Abril de 1993, e Acórdão 34/93 do Tribunal Constitucional, de 26 de Abril de 1994, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 4 de Novembro de 1994.
A indemnização está inserida no n.º 2 do artigo 7.º: o valor da indemnização corresponde ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar. Semelhantemente no artigo 1.º, n.º 2, da Lei 62/91, de 13 de Agosto, que afastou a inconstitucionalidade orgânica daquele artigo 7.º Ou seja, valor de terra agrícola não desbravada, dado que quem nela trabalhou, desde a arroteia, foi o colono.
Há uma separação nítida entre a terra e o que se lá plantou.
Mas o valor da terra é actual: não o que ela tinha quando foi arroteada.
Actual equiparado e identificado a hoje, ainda e sempre, para a hipótese anterior à arroteia.
Mas como a remição da propriedade do solo, por extinção da colonia, se inscreve no âmbito da reforma agrária, foi uma opção político-legislativa fazer corresponder o cálculo da indemnização, que assim é sempre justa, ao valor actual do solo para fins agrícolas e por desbravar.
Trata-se de norma que regula a indemnização a pagar ao proprietário de um terreno que é objecto de uma medida de reordenação fundiária «de uma medida ou forma de intervenção num meio de produção (um solo, que era objecto de um contrato de colonia, entretanto constitucionalmente extinto)».
Daí resulta a exclusão do valor do solo para outros fins, como, por exemplo, a edificação.
Há aqui proporcionalidade de indemnização frente ao valor do direito do senhorio, que é extinto.
Não são, assim, coincidentes os critérios que pautam a indemnização quanto à expropriação e quanto à remição da colonia.
Dado o quadro traçado quanto ao regime que envolve a remição pelo colono como acto lícito, o «actual», o «hoje» circunscreve-se ao momento de avaliação, reportado à data em que o colono suscitou o seu direito.
«De resto a existência de tribunais arbitrais está prevista no artigo 211.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. E, tal como dispunha o artigo 1522.º do Código de Processo Civil, estabelece agora o artigo 26.º, n.º 2, da Lei 31/86, de 29 de Agosto, que a decisão arbitral tem a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de 1.ª instância» - fundamentação do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 1995.
E nunca à data mais próxima da decisão quanto ao seu direito.
Tal até o impõe a ética.
Jurisprudência ética, analítica e problemática são hoje vectores de particular influência na panorâmica metodológica.
A moral, como fenómeno de cultura, como organização global, como finalidade, é elemento suprapositivo que, jurisprudência deve atender.
Dir-se-á, a latere, sem repercussão no assento, que, a haver um hiato temporal significativo entre a arbitragem e a prolação da sentença, deverá adoptar-se uma atitude correctiva legal do valor encontrado.
Termos em que se decide:
a) Formular o seguinte assento: «Na remição de colonia, o valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar a que se referem o n.º 2 do artigo 7.º do Decreto Regional 13/77/M, de 18 de Outubro, e o n.º 2 do artigo 1.º da Lei 62/91, de 13 de Agosto, é reportado à data em que se procede à arbitragem, na fase administrativa.»
b) Negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 22 de Novembro de 1995. - Armando Torres Paulo - Herculano de Lima - Pedro Marçal - Miguel Montenegro - Costa Pereira - Fernando Fabião - César Marques - Sá Nogueira - Fernandes de Magalhães - Roger Lopes - Ramiro Vidigal - Martins da Costa (vencido, conforme declaração que junto) - Pais de Sousa - Sá Couto - Sousa Guedes - Cardona Ferreira - Santos Monteiro - Silva Reis - Oliveira Branquinho - Carlos Caldas - Sá Ferreira - Silva Cancela - Miranda Gusmão (vencido, subscrevendo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Martins da Costa) - Costa Marques - Sampaio da Novóa - Sousa Inês (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) - Henrique de Matos - Costa Soares - Machado Soares - Metello de Nápoles - Carvalho Pinheiro - Araújo dos Anjos - Lopes Pinto - -Cortez Neves - Almeira Deveza - Andrade Saraiva - Amado Gomes - Correia de Sousa - Costa Figueirinhas - Castro Ribeiro - Matos Canas - Pereira da Graça - Almeida e Silva - Augusto Alves - Loureiro Pipa.
Declaração de voto
Apenas se discute aqui o momento que se deve ter como relevante para efeito de fixação da indemnização ao senhorio pela extinção de colonia requerida pelo colono.
O «valor actual do solo» e «o valor real e actual das benfeitorias», referidas nos artigos 7.º, n.º 2, e 10.º, n.º 1, do Decreto Regional 13/77/M, são expressões equivalentes para o aspecto em apreciação.
A remição de colonia é uma forma de expropriação e, dado o disposto no artigo 9.º do Decreto Regional 16/79/M, deve aplicar-se o princípio da «justa indemnização», válido em matéria de expropriação por utilidade pública.
Tratou-se ainda de uma dívida de valor, actualizável em relação ao momento mais recente que puder ser atendido pelo tribunal, nos termos do artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil.
Por isso, entendo que, em rigor, a indemnização deve ser fixada com referência à data da própria decisão final, como sustentei, para o caso da expropriação por utilidade pública, no Acórdão da Relação do Porto de 1 de Abril de 1986, na Colectânea, XI, 2.º, p. 184.
Assim, no caso presente, seria de lavrar assento no sentido de o valor actual do solo se reportar à data da avaliação, sem prejuízo da sua actualização em relação à data da decisão final.
Pelo menos, a referência feita, a latere, na parte final do texto do acórdão, a «uma atitude correctiva legal do valor encontrado», deveria constar do próprio assento, o que conduziria a resultado idêntico ou próximo daquele. - José Martins da Costa.
Declaração de voto
Não acompanho o raciocínio do acórdão onde entendeu que o valor «actual» do solo possa ser o determinado no passado, há muitos anos (ver nota 1); e isto apesar de a quantia em dinheiro em que a indemnização se expressa ser apenas um meio de liquidação do valor forçadamente transferido do proprietário para o colono.
Este «valor» é o do solo por desbravar, considerado para fins agrícolas cuja propriedade se transfere.
Assim, valor «actual» é, não pode deixar de ser, o contemporâneo daquela transferência, da sua efectivação.
Pode é acontecer, como acontece, que a transmissão do direito de propriedade só se venha a efectivar em momento posterior à decisão que a determinou mediante a sua adjudicação.
Por isto, a decisão deverá reportar-se à data mais recente a que puder atender, de modo que a quantia mediante a qual a indemnização se expressa corresponda ao valor actual à data do encerramento da discussão perante o tribunal que profere a decisão [artigos 566.º, n.º 2, do Código Civil e 663.º, n.º 1, aplicável no julgamento da apelação por força do disposto no artigo 713.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (ver nota 2)].
Não fica excluído o direito de o expropriado pretender e haver a actualização, em função da inflação, entre a data da decisão e a data da transmissão da propriedade e levantamento da indemnização (e pode acontecer vir a tratar-se de um lapso de tempo apreciável, sem culpa do expropriado).
O instituto da expropriação é uno e caracteriza-se pelos seguintes elementos:
a) Apropriação autoritária de bens, em benefício ou por intermédio do Estado;
b) Existência de uma causa de utilidade pública;
c) Realização mediante um processo capaz de garantir ao expropriado a legalidade da expropriação e a correcta fixação da indemnização;
d) Atribuição de uma indemnização adequada ao expropriado como contrapartida da expropriação.
No artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República determina-se expressamente que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de «justa» indemnização.
O legislador ao Decreto Regional 13/77/M, de 18 de Outubro, arrima-se expressamente a este artigo 62.º da Constituição, pois que escreve no respectivo relatório:
«[...] sem no entanto ser esquecido o direito de propriedade privada, nos termos do artigo 62.º da Constituição.»
O artigo 83.º da mesma Constituição respeita especialmente à reforma agrária em cujo âmbito se insere a extinção da colonia (mas sem se esquecer não ser esta nem «nacionalização», nem «apropriação colectiva»).
Todavia, esta norma não afasta o princípio do pagamento de adequada indemnização (ainda que abra espaço a que na petição da indemnização adequada se não tome em consideração a capacidade do solo para nele se edificarem construções urbanas).
O pagamento de uma indemnização adequada é o princípio que estabelece a fronteira entre a expropriação e o confisco (na espécie, uma estranha forma de confisco porque em benefício de um particular).
O pagamento de uma indemnização adequada é imposto pelo respeito devido ao princípio da justiça que está implicado na ideia de Estado de direito democrático acolhida no artigo 2.º da Constituição; tal como é imposto pelo princípio da proporcionalidade, que é o fiel da balança da justiça.
Daqui que esteja vedado ao direito acolher um critério de fixação da indemnização susceptível de conduzir ao pagamento de uma indemnização irrisória, manifestamente desproporcionada ou tão diferida no tempo que seja equivalente ao irrisório e desproporcionado (ver nota 3).
Pode, como acima escrevi, no seio do artigo 83.º da Constituição, encontrar-se justificação no sentido de a indemnização devida ao senhorio só abranger o valor actual do solo, por desbravar, para fins agrícolas.
Mas o que este preceito de modo algum autoriza é que se vá ainda mais além, é que o desvio à regra da justa indemnização consagrada no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição vá até ao ponto de afastar a atribuição de uma indemnização adequada, transformando a remição da colonia em parcial confisco em benefício de um privado.
A adequação da indemnização postula que a expressão monetária desse valor seja actual, como se diz na própria letra da lei, em relação ao momento da transmissão do direito expropriado (ou, ao menos, em relação à data mais recente que possa ser atendida, deixando-se aberta a porta a uma posterior correcção, em caso de necessidade, até ao momento da transmissão).
Só essa paridade temporal é capaz de garantir a adequação, a proporcionalidade, a observância do princípio de justiça próprio do Estado de direito democrático.
Só essa paridade temporal é capaz de evitar que o decurso do tempo entre a fixação da expressão monetária do valor e o seu recebimento pelo expropriado transforme a indemnização em algo de irrisório, absolutamente desproporcionado, inadequado.
Escreveu o Tribunal Constitucional:
«A nossa Constituição impõe, assim, no domínio da indemnização por expropriação [...], uma paridade temporal entre a aquisição pelo expropriante do bem e o pagamento da indemnização ao expropriado, impedindo que entre os dois momentos se intercale um lapso temporal de certa duração» (ver nota 4).
O que se escreveu a respeito do pagamento vale, por identidade de razão, para a própria fixação do montante da indemnização.
É a esta luz que votei que fosse tirado assento no sentido de que, na remição da colonia, o valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar, a que se referem o n.º 2 do artigo 7.º do Decreto Regional 13/77/M, de 18 de Outubro, e o n.º 2 do artigo 1.º da Lei 62/91, de 13 de Agosto, é reportado à data mais recente a que o tribunal possa atender. E, consequentemente, votei que se concedesse provimento ao recurso. - Sousa Inês.
(nota 1) Vem referido que a arbitragem é de 10 de Outubro de 1985 e que a avaliação é de 20 de Fevereiro de 1990. Entre os dois anos o índice de preços do ITE, com base em 1983, salta de 154,3 para 263,7. Isto significa que em 1990 eram precisos 263700$00 para adquirir os mesmos bens que em 1985 se adquiriam com 154300$00.
(nota 2) Na verdade, a discussão acerca da matéria de facto é reaberta perante a Relação onde é objecto do respectivo acórdão.
(nota 3) Cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional de 26 de Abril de 1994, no Diário da República, 2.ª série, n.º 255, de 4 de Novembro de 1994, pp. 11141 e segs., precisamente a respeito de um caso de remição de colonia.
(nota 4) Acórdão de 19 de Março de 1992, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 415, pp. 244 e segs.