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Desvalorização da Moeda

Assento 16/94, de 19 de Outubro

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Sumário

NA VIGÊNCIA DO CODIGO DAS EXPROPRIAÇÕES, APROVADO PELO DECRETO LEI 845/76, DE 11 DE DEZEMBRO, E DEVIDA INDEMNIZAÇÃO, EM SEDE DE EXPROPRIAÇÃO, PELO PREJUÍZO QUE EFECTIVAMENTE RESULTE, NA PARTE SOBRANTE DOS PRÉDIOS EXPROPRIADOS, DA SERVIDÃO NON AEDIFICANDI DECORRENTE DA IMPLANTAÇÃO DE UMA AUTO-ESTRADA. (ESSA INDEMNIZAÇÃO DECORRE DA OBRIGAÇÃO, ASSUMIDA PELO ESTADO E TRANSMITIDA A CONCESSIONARIA DAS AUTO-ESTRADAS, DE 'INDEMNIZAR OS PARTICULARES A QUEM TENHAM IMPOSTO ENCARGOS OU CAUSADO PREJUÍZOS ESPECIAIS OU ANORMAIS E CONSTITUI UMA DAS VERBAS QUE DISCRIMINADAMENTE COMPOEM A INDEMNIZAÇÃO GLOBAL A ATRIBUIR AO EXPROPRIADO EM PROCESSO EXPROPRIATIVO).

Texto do documento

Assento 16/94
Processo 84409
Acordam, em plenário, no Supremo Tribunal de Justiça:
I
BRISA - Auto-Estradas de Portugal, S. A., interpôs recurso para o tribunal pleno do Acórdão de 28 de Fevereiro de 1991 do Tribunal da Relação do Porto, fotocopiado a fls. 101/106 e proferido no recurso de apelação, em que é recorrente, sendo recorridos José dos Santos Silva Barros e mulher, invocando oposição com o Acórdão de 31 de Janeiro de 1991 do mesmo Tribunal, fotocopiado a fls. 42/48. Naquele acórdão, confirmando a sentença recorrida, a Relação decidiu que a desvalorização de um prédio expropriado para a construção de uma auto-estrada, resultante da inerente criação de uma zona non aedificandi, dá lugar a indemnização.

A fls. 76/77, a Secção reconheceu a existência de oposição e mandou prosseguir o recurso.

Alegando, a recorrente formula as seguintes conclusões:
1.ª A servidão non aedificandi que afecta a faixa sobrante de um terreno expropriado com potencialidades para construção, quando essa faixa fica afectada pela passagem de uma auto-estrada, resulta de uma previsão geral e abstracta, portanto directamente da lei (Decretos-Leis n.os 13/71 e 341/86), e não da própria lei;

2.ª Tanto mais que incide, do mesmo modo, sobre os prédios confinantes com a auto-estrada, independentemente de terem ou não sido expropriados;

3.ª Assim, o artigo 3.º, n.º 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro (a designar adiante por CE 76), tem aplicação ao caso das faixas sobrantes de um terreno expropriado, com potencialidades para construção, quando essa faixa fica afectada por servidão non aedificandi provocada pela passagem de uma auto-estrada;

4.ª Como tal, a eventual desvalorização de tal faixa, pela referida restrição, não dá direito a indemnização, em sede de expropriação por utilidade pública;

5.ª E isso porque tal restrição se insere na função social do direito de propriedade, não assegurado em termos absolutos, e que justifica, em sede de prevalência do interesse público, que a lei imponha limitações de índole diversa;

6.ª Destarte, o acórdão recorrido violou, por incorrecta interpretação, o artigo 3.º, n.º 2, do CE 76, bem como o artigo 8.º, n.º 5, do Decreto-Lei 13/71, de 23 de Janeiro, e o Decreto-Lei 341/86, de 7 de Outubro;

7.ª Deve ser provido o recurso, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que concedeu indemnização pela desvalorização da parte sobrante, afectada por uma servidão non aedificandi de protecção à auto-estrada;

8.ª Em consequência, deve lavrar-se assento em que se fixe que:
a) Aquele artigo 3.º, n.º 2, tem aplicação ao caso em apreço, por isso que a servidão resulta directamente de uma previsão legal genérica e abstracta, independentemente da expropriação; e

b) A eventual desvalorização resultante de tal servidão não dá direito a indemnização, em sede de expropriação por utilidade pública.

Contra-alegando, os recorridos sustentam ser de negar provimento ao recurso, pelo seguinte:

1.º A servidão non aedificandi que afecta a faixa sobrante de um terreno expropriado com potencialidades para construção resulta directamente do acto administrativo que expropria o terreno para nele fazer passar a auto-estrada e que a faz ficar na alçada da lei;

2.º Os proprietários de prédios confinantes, não expropriados, que são afectados pela servidão têm também direito a ser indemnizados;

3.º A desvalorização resultante de uma servidão non aedificandi criada por uma auto-estrada dá direito a indemnização em sede de expropriação;

4.º O artigo 3.º, n.º 2, do CE 76 é inconstitucional.
Os recorridos formulam ainda uma conclusão acerca da actualização da indemnização, mas essa matéria está fora do âmbito do recurso, como resulta da leitura das conclusões da recorrente.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal emitiu o parecer a fls. 156/171, terminando as suas doutas considerações por propor a formulação de assento no sentido de que o sempre citado artigo 3.º, n.º 2, se aplica à servidão non aedificandi imposta como zona de protecção de auto-estrada sobre a parcela sobrante de terreno expropriado.

Colhidos os vistos, porque nada temos a dizer contra o decidido pela Secção quanto à existência de oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, cumpre decidir.

II
A lei a ter em vista para a solução do problema do presente recurso é a que vigorava em 28 de Fevereiro de 1991, data do acórdão recorrido: o Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro, já que o actual Código só foi aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro.

Naquele Código, o problema sub judice, sabido que, nos termos da Constituição (artigo 62.º, n.º 2) e do próprio Código (artigos 1.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1), a expropriação por utilidade pública só pode ter lugar mediante o pagamento de uma justa indemnização, traz à colação o artigo 3.º, que dispõe:

1 - Poderão constituir-se sobre imóveis as servidões necessárias à realização de fins de utilidade pública.

2 - As servidões derivadas directamente da lei não dão direito a indemnizacão, salvo quando a própria lei determinar o contrário.

3 - As servidões constituídas por acto administrativo dão direito a indemnizacão quando envolverem diminuição efectiva do valor dos prédios servientes.

E deriva ainda da regra do artigo 35.º, que transcreveremos na íntegra:
No caso de expropriação parcial, calcular-se-ão separadamente o valor total do prédio e os valores da parte compreendida e da não compreendida na expropriação. Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou da expropriação resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo o custo de novas vedações, especificar-se-ão, também em separado essa depreciação e esses prejuízos ou encargos, correspondendo a indemnização ao valor da parte expropriada acrescida destas últimas verbas.

III
Como nota prévia, diremos que o desenvolvimento deste acórdão será sempre feito em função do princípio, que não é de modo nenhum posto em causa, de que a indemnização pela criação de uma servidão non aedificandi só poderá admitir-se nos casos em que dela resulte uma efectiva diminuição do valor da parte sobrante: só isto se discute e só nesta hipótese pode pôr-se o problema.

E damos também como assente, por isso resultar do acórdão recorrido, que sobre uma certa área da parte sobrante do prédio de que é destacada a parcela expropriada impende a proibição legal de construção (zona non aedificandi), o que a desvaloriza, dadas as suas potencialidades construtivas.

A lei de que resulta a incidência dessa proibição sobre o prédio expropriado é o Decreto-Lei 341/86, de 7 de Outubro. Mas nem valeria a pena referi-la, não só porque aquilo que está em causa é a proibição legal de construir e não o seu exacto conteúdo, como porque, na parte em que considera essa incidência, o acórdão da Relação transitou em julgado.

IV
Discutiu-se já a verdadeira natureza da limitação do conteúdo do direito de propriedade de que nos ocupamos. Para uns, tratar-se-ia de uma verdadeira servidão; para outros, de uma restrição que não merece aquele qualificativo. Mas pode hoje considerar-se pacífica a doutrina no sentido de que, com o estabelecimento de uma zona de proibição de edificar, se está a criar uma verdadeira servidão administrativa, tomada esta como um encargo imposto sobre um imóvel em benefício de uma coisa, por virtude da utilidade pública desta (Dr. António Pereira da Costa, in Servidões Administrativas, p. 22), referindo-se o Prof. Marcelo Caetano a esta limitação ao conteúdo do direito de propriedade como uma servidão administrativa (Manual de Direito Administrativo, 7.ª ed., p. 628).

E que a sua constituição pode obrigar ao pagamento de indemnização resulta da própria distinção que o legislador faz no Código, ao prever as expropriações no artigo 1.º e as servidões no artigo 3.º, tendo a referência às servidões administrativas neste preceito "uma dupla finalidade: determinar que, quando outro modo de constituição não esteja previsto, elas se constituam pelo processo de expropriação; dar mais relevância ao princípio do mínimo sacrifício, no sentido de impor a servidão como mal menor em relação à expropriação, quando, com ela, o interesse público fique devidamente satisfeito" (primeira ob. cit., p. 25).

V
Passamos agora a analisar mais directamente o problema fulcral deste recurso, começando por salientar dois aspectos:

O primeiro é o de que inúmeros autores põem em causa a justiça da não indemnização pelos prejuízos inerentes às servidões administrativas, sobretudo perante a dualidade, de que é reflexo o artigo 3.º do CE 76, da servidão derivada da lei, por um lado, e da que é criada por um acto administrativo, por outro: assim, Freitas do Amaral ("Opções políticas subjacentes à legislação urbanística", in Direito do Urbanismo, INA, p. 101), José Gabriel Queirós (Enciclopédia Polis, 2.º, cols. 1343 a 1346), Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, IV, p. 436) e Oliveira Ascensão (Expropriações e Nacionalizações, p. 64), todos citados por A. Pereira da Costa, op. cit., pp. 56 e segs.

O segundo aspecto é o carácter restritivo das limitações aos direitos fundamentais, expresso no artigo 18.º da Constituição da República: na dúvida, como salienta Jorge Miranda (op. cit., p. 308), os direitos devem prevalecer sobre as restrições (in dubio pro libertate), devendo as leis restritivas ser interpretadas, se não restritivamente, pelo menos sem recurso à interpelação extensiva e à analogia.

No caso de a servidão em apreço resultar da implantação de uma auto-estrada, a injustiça da não indemnização torna-se flagrante, por duas razões elementares.

A primeira é que se trata de uma via que ao expropriado não traz qualquer vantagem, porque não tem acesso a ela a partir do seu prédio (e, adicionalmente, é perturbadora, porque ruidosa).

A segunda tem a ver com os fins do próprio estabelecimento da servidão, que é, mais que a influência de construções sobre a via (que é vedada), a previsão de futura alteração das características da via: imaginemos que, dentro de alguns anos, se decide o alargamento das faixas de rodagem em mais uma via cada, ou a implantação de uma área de serviço; nesse caso, o Estado (ou a concessionária) vão pagar como terreno inapto para construção aquilo que em tal converteram sem contrapartida. Ou seja: com a expropriação, transformaram uma área edificável mais ou menos vasta em zona sem aptidão legal para tanto, desvalorizando-a sem compensarem o proprietário por isso; no futuro vão comprar como terreno agrícola ou florestal o que nisso mesmo converteram gratuitamente, por obra e graça do não ressarcimento de qualquer prejuízo decorrente do esclarecimento da servidão.

Note-se, a este respeito, que as hipóteses de construção de áreas de serviço e de alargamento da via estão previstas nos diplomas de concessão, o que significa que não lidamos com hipóteses meramente académicas, mas reais possibilidades: vejam-se, no Decreto Regulamentar 5/81, de 23 de Janeiro, as bases XIV e XX e, no Decreto-Lei 458/85, de 30 de Outubro, as bases XXVI e XXXI, sendo de notar que o aumento do número de vias é, em dadas condições, obrigação da concessionária, e que, como recentemente foi noticiado, ele vai efectivamente ser executado em breve num lanço da auto-estrada Porto-Braga.

Também não será inoportuno notar a diferença entre as servidões non aedificandi resultantes da construção de uma auto-estrada e as relacionadas com a implantação de um oleoduto ou gasoduto, como resulta da leitura dos artigos 11.º do Decreto-Lei 374/89, de 25 de Outubro, e 4.º do Decreto-Lei 152/94, de 26 de Maio.

VI
A servidão non aedificandi deve considerar-se como uma das que o legislador considera "derivada directamente da lei" (artigo 3.º, n.º 2, do CE 76), como se vê do Decreto-Lei 181/70, de 28 de Abril, em cujo relatório a servidão non aedificandi é referida como exemplo das servidões que resultam directamente da lei, em contraposição com aquelas outras "cuja constituição exige a prática de um acto da Administração, quer apenas pelo reconhecimento da utilidade pública justificativa da servidão, quer ainda pela definição de certos aspectos do respectivo regime, designadamente que se refere à área sujeita à servidão e aos encargos por ela impostos". Depois, os preceitos legais constantes do diploma estatuem em conformidade com a distinção conceitual expressa no relatório e que ficou referida.

É com este entendimento que o Tribunal Constitucional tem vindo a julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do preceito, "na medida em que não consente a indemnização do prejuízo resultante da imposição de uma servidão non aedificandi sobre parcela sobrante de terreno expropriado, por violação dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da Constituição". São, neste sentido, os Acórdãos n.º 262/93, de 30 de Março, proferido no processo 167/93, e o de 28 de Outubro de 1993 (n.º 594/93, processo 397/92), publicado no Diário da República, 2.ª série, de 29 de Abril de 1993.

VII
Passando agora directamente ao nosso problema, podemos recorrer ao Decreto-Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967, que rege sobre a responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, cujo artigo 9.º, n.º 1, dispõe:

O Estado e demais pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais ou anormais.

Quando uma auto-estrada é construída em zona sem potencialidade urbanística, ou de pouco provável potencialidade, os proprietários de terrenos expropriados não ficam colocados em situação de sensível desigualdade em relação à generalidade dos proprietários de prédios rústicos, nem o sacrifício que para eles resulta da zona non aedificandi assume relevância. Mas não é assim quando essa zona abrange terrenos com potencialidade urbanística, principalmente se coincide com zona urbana, já que os respectivos proprietários ficam sujeitos a um prejuízo tão considerável quanto é certo existir normalmente grande diferença entre os terrenos com potencialidade urbanística e os que dela carecem.

Nestes casos, à incidência de uma zona de proibição de edificar corresponde um real prejuízo, que, em tese geral, deverá ser compensado com a justa indemnização, por força daquele artigo 9.º, pois que é essa a solução que corresponde à letra e à razão de ser do preceito.

Dizemos em tese geral porque, no caso vertente, está em causa uma auto-estrada de que é concessionária uma empresa privada, uma sociedade comercial, pelo que o preceito não é directamente aplicável.

Mas, se as coisas são assim para as auto-estradas (e, de um modo geral, outras vias de comunicação) construídas pelo Estado, não o são menos em relação a uma auto-estrada concessionada, cuja utilização é remunerada - aliás em termos que para muitos são dissuasores dessa mesma utilização. Não faz sentido, com efeito, que se queira impor um sacrifício mais ou menos pesado (e pode mesmo ser muito pesado!) aos particulares, quando em última análise se tem em vista um fim lucrativo e quando nem o próprio Estado se arroga esse poder.

Importa de resto salientar que logo no primeiro diploma que concessionou a construção e exploração das auto-estradas (Decreto-Lei 467/72, de 22 de Novembro) se impôs à concessionária (a recorrente) a obrigação de suportar as indemnizações pelas expropriações, na base XVII. Além disso (base XLII), "serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações decorrentes da concessão que, por direito, sejam devidas a terceiros". Os diplomas legais que vieram alterar ou substituir aquele não modificaram este regime. Veja-se o Decreto Regulamentar 5/81, de 23 de Janeiro, e os Decretos-Leis n.os 458/85, de 30 de Outubro (neste, base XXIX), 315/91, de 20 de Agosto, e 12/92, de 4 de Fevereiro.

Ora, sendo a compensação devida pela incidência da servidão non aedificandi, não a indemnizacão pela expropriação propriamente dita, mas uma parcela do respectivo montante global, correspondente à desvalorização da parte sobrante, e, sendo este um dos prejuízos que advêm aos expropriados, a obrigação da concessionária deriva até da mera aplicação da regra do já citado artigo 35.º

Por outras palavras: a obrigação, assumida pelo Estado, de "indemnizar os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais ou anormais" é acessória do dever de indemnizar pela expropriação em sentido restrito e, como tal, transmite-se com esta.

VIII
Contra a solução propugnada tem-se argumentado, como agora faz a recorrente, que ela coloca em situação de desigualdade os proprietários de terreno que, atingidos pela proibição de edificar resultante da implantação de uma auto-estrada (ou simples estrada) nas imediações dos seus prédios, não são, todavia, atingidos pela expropriação.

Efectivamente, tais proprietários não podem ser indemnizados no processo expropriativo comum (regulado no Código), mas a situação de inferioridade em que ficam, sendo de índole meramente processual, só pode conduzir ao estudo da "acção que corresponde ao seu direito" (artigo 2.º do Código de Processo Civil) e não a que, por causa dessa dificuldade, se negue aos onerados-expropriados o direito a serem compensados, como é de justiça.

IX
Sintetizando:
1.º Para realização do princípio da justa indemnização, os proprietários expropriados devem ser indemnizados pelo prejuízo resultante, na parte sobrante do seu prédio, da incidência da servidão non aedificandi inerente à construção da estrada;

2.º Essa indemnização decorre da obrigação, assumida pelo Estado e transmitida à concessionária das auto-estradas, de "indemnizar os particulares a quem tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais ou anormais";

3.º E constitui uma das verbas que discriminadamente compõem a indemnização global a atribuir ao expropriado em processo expropriativo.

X
Decidindo, confirma-se o acórdão recorrido e formula-se o seguinte assento:
Na vigência do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro, é devida indemnização, em sede de expropriação, pelo prejuízo que efectivamente resulte, na parte sobrante dos prédios expropriados, da servidão non aedificandi decorrente da implantação de uma auto-estrada.

Condena-se a recorrente nas custas.
Lisboa, 15 de Junho de 1994. - Mário de Magalhães Araújo Ribeiro (vencido quanto à fundamentação, pois considero que é sustentável - e sustentava-o, no projecto inicial - que a servidão aqui em causa resulta de um acto administrativo concreto, que é o que faz nascer as servidões) - Gelásio Rocha - Mário Sereno Cura Mariano - Miguel de Mendonça e Silva Montenegro - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva - Carlos da Silva Caldas - Fernando Adelino Fabião (com a declaração de voto do Exmo. Relator) - José Sarmento da Silva Reis (com a declaração de voto do Exmo. Relator) - António Alves Teixeira do Carmo (subscrevo a declaração do Exmo. Relator) - Manuel da Rosa Ferreira Dias (subscrevo a declaração do Exmo. Relator) - António Manuel Guimarães de Sá Couto - Jaime Octávio Cardona Ferreira - João José Sequeira de Faria Sousa - José Henriques Ferreira Vidigal - Fernando Dias Simão - José Miranda Gusmão de Medeiros - Joaquim Fonseca Henriques de Matos - Sebastião Duarte Vasconcelos da Costa Pereira (subscrevo a declaração do Exmo. Relator) - António de Sousa Guedes - Mário Horácio Gomes de Noronha (com a declaração idêntica à do relator) - Augusto José Mendes Calixto Pires - Roger Bennett da Cunha Lopes (com a declaração do Exmo. Relator) - José Maria Gonçalves Pereira - Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo (vencido quanto a um dos fundamentos, concordando assim com a posição do Exmo. Conselheiro Araújo Ribeiro) - José Santos Monteiro - Manuel Luís Pinto de Sá Ferreira - José António Lopes Cardoso Bastos - Fernando Machado Soares - Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira - Rogério Correia de Sousa - Agostinho Manuel Pontes de Sousa Inês - António Joaquim Coelho Ventura - Francisco José Galrão de Sousa Chichorro Rodrigues - Humberto Carlos Amado Gomes (vencido quanto à fundamentação nos termos expressos pelo Exmo. Relator) - Raul Domingos Mateus da Silva - Adriano Francisco Pereira Cardigos - António Pais de Sousa (vencido, considerando que a servidão non aedificandi resulta directamente da lei; para proferir assento no caso sub iudice, haveria que conhecer da inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 3.º do Código das Expropriações de 1976) - José Joaquim Martins da Fonseca (vencido, de harmonia com a declaração do colega Pais de Sousa) - Pedro de Lemos e Sousa Macedo (conforme declaração de voto anterior, vencido) - Francisco Rosa da Costa Raposo (conforme declaração de voto anterior, vencido) - António César Marques (vencido, nos termos do voto do Exmo. Conselheiro Pais de Sousa) - Mário Fernandes da Silva Cancela (vencido, de harmonia com a declaração do Exmo. Conselheiro Pais de Sousa) - José Joaquim Martins da Costa (vencido, nos termos da declaração do Exmo. Conselheiro Pais de Sousa) - Fernando Jorge Castanheira da Costa (vencido, nos termos da declaração de voto do Sr. Conselheiro Pais de Sousa) - Ramiro Luís d'Herbe Vidigal (vencido, nos termos da declaração do Exmo. Conselheiro Pais de Sousa) - José Joaquim de Oliveira Branquinho {vencido nos termos seguintes:

1 - Como se reconhece no texto que fez vencimento, a servidão de que se trata resulta directamente na lei, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro, não é indemnizável.

Só seria indemnizável se houvesse norma excepcionante desta regra, como resulta da parte final da mesma disposição.

Com todo o respeito, não é possível sustentar a indemnizabilidade por apelo ao artigo 1.º do Decreto-Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967, pois esta norma refere-se ao instituto da responsabilidade por actos ilícitos, que se não confunde com o instituto da expropriação por utilidade pública. De resto, ainda que assim não fosse, o que só por hipótese de argumentação se configura, sempre a lei especial posterior - que seria o Decreto-Lei 845/76 - prevaleceria sobre a lei geral anterior - que seria o Decreto-Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967 (artigo 7.º, n.º 3, a contrario).

O assento que, em meu entender, caberia tirar era precisamente no sentido contrário ao que fez vencimento.

2 - A norma que caberia invocar e interpelar no assento - o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei 845/76 - é, certamente, inconstitucional, pelas razões expendidas nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, tirados em fiscalização concreta, n.os 262/83 (processo 167/90), de 30 de Março de 1993 (Diário da República, 2.ª série, n.º 169, de 21 de Julho de 1993), e 594/93, processo 397/92 (Diário da República, 2.ª série, de 29 de Abril de 1994), de 28 de Outubro de 1993.

A inconstitucionalidade detectada não originou ainda a erradicação da norma do sistema jurídico porque tal só poderia resultar de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, de exclusiva competência do Tribunal Constitucional [cf. artigos 281.º, n.os 1, alínea a), e 3, da Constituição da República e 62.º, n.º 1, 66.º e 70.º, n.º 1, alíneas a), b) e f), da Lei 28/82, de 15 de Novembro - organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional].

Por isso, porque a norma subsiste e sobre ela houve conflito na jurisprudência, sempre o Supremo Tribunal de Justiça deveria tirar assento sobre ela, como lhe compete, nos termos dos artigos 763.º, n.º 1, e 768.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

3 - Não poderia, todavia, aplicá-la ao caso concreto, se a decisão recorrida estivesse em desconformidade com ela, visto que deve prevalecer sobre a norma do artigo 768.º, n.º 3, do Código de Processo Civil a norma do artigo 207.º da Constituição, segundo a qual "nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição e os princípios nela consignados".

Sendo assim, e revendo a posição que exprimi no voto de vencido que emiti no recurso para o tribunal pleno n.º 74071 (2.ª Secção), de 17 de Fevereiro de 1994, a implicabilidade do assento que tiraria, decorrente da inconstitucionalidade da norma, teria de deixar intocado o acórdão recorrido.

De contrário, o Supremo Tribunal de Justiça, aplicando as normas que considerasse conformes à Constituição, volver-se-ia num novo grau de recurso e de recurso de constitucionalidade, que lhe não compete.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/62315.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1967-11-21 - Decreto-Lei 48051 - Ministérios do Interior e da Justiça

    Regula em tudo o que não esteja previsto em Leis especiais a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domímio dos actos de gestão pública.

  • Tem documento Em vigor 1970-04-28 - Decreto-Lei 181/70 - Presidência do Conselho

    Determina que a constitutição de uma servidão administrativa, desde que exija a prática de um acto da Administração, deve ser precedida de aviso público e ser facultada audiência aos interessados.

  • Tem documento Em vigor 1971-01-23 - Decreto-Lei 13/71 - Ministério das Obras Públicas - Gabinete do Ministro

    Insere disposições relativas à simplificação dos serviços da Junta Autónoma de Estradas, alterando assim o Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei nº 2037 de 19 de Agosto de 1949.

  • Tem documento Em vigor 1976-12-11 - Decreto-Lei 845/76 - Ministérios da Justiça e da Habitação, Urbanismo e Construção

    Aprova o Código das Expropriações.

  • Tem documento Em vigor 1981-01-23 - Decreto Regulamentar 5/81 - Ministérios das Finanças e do Plano e da Habitação e Obras Públicas

    Altera as bases constantes do Decreto nº 467/72, de 22 de Novembro (concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas à Brisa - Auto-Estradas de Portugal, S.A.R.L.), que passarão a ter a redacção constante do anexo ao presente diploma, o qual procede a republicação integral das referidas bases. as citadas bases inserem, entre outras, disposições sobre os seguintes aspectos: - objecto de concessão (com indicação das auto-estradas e respectivos lanços e sublanços), financiamento, prazo, fisca (...)

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-10-30 - Decreto-Lei 458/85 - Ministério do Equipamento Social

    Outorgada à BRISA - Auto-Estradas de Portugal, S.A.R.L., a concessão da construção, conservação e exploração dos lanços Porto (via de cintura interna)-Cruz (proximidades de Braga), da auto-estrada Porto-Braga, e Porto (nó de Águas Santas)-Campo (proximidades de Valongo), da auto-estrada Porto-Amarante, nos termos das bases a que se refere o artigo 2.º do presente diploma. Aprova as bases anexas ao presente diploma que regularão a concessão acima referida, bem como a concessão outorgada pelo Decreto n.º 467/ (...)

  • Tem documento Em vigor 1986-10-07 - Decreto-Lei 341/86 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    Define as zonas non aedificandi nos novos lanços que passaram a integrar a concessão outorgada à BRISA, nos termos do Decreto-Lei n.º 458/85, de 30 de Outubro.

  • Tem documento Em vigor 1989-10-25 - Decreto-Lei 374/89 - Ministério da Indústria e Energia

    Aprova o regime do serviço público de importação de gás natural liquefeito e gás natural, da recepção, armazenagem e tratamento do gás natural liquefeito, da produção de gás natural e dos seus gases de substituição e do seu transporte e distribuição.

  • Tem documento Em vigor 1991-11-09 - Decreto-Lei 438/91 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    Aprova o Código das Expropriações.

  • Tem documento Em vigor 1994-05-26 - Decreto-Lei 152/94 - Ministério da Indústria e Energia

    DEFINE O REGIME JURÍDICO DA IMPLANTAÇÃO E EXPLORAÇÃO DE OLEODUTOS E GASODUTOS PARA O TRANSPORTE DE GÁS PETRÓLEO LIQUEFEITO (GPL) E OU DE PRODUTOS REFINADOS, COM EXCEPÇÃO DO GÁS NATURAL. PREVÊ A EXPROPRIAÇÃO DE IMÓVEIS ABRANGIDOS E A CONSTITUICAO DE SERVIDOES PARA O RESPECTIVO ATRAVESSAMENTO, BEM COMO O PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO NOS PARTICULARES AFECTADOS.

Ligações para este documento

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