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Acórdão 876/2023, de 5 de Fevereiro

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Sumário

Decide, com respeito às contas da campanha eleitoral apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores «Cidadãos Eleitores por Peniche» (GCEPP), relativas às eleições autárquicas realizadas a 1 de outubro de 2017: julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo primeiro proponente e mandatária financeira daquele grupo de cidadãos eleitores da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), de 19 de abril de 2023 e, em consequência: absolvê-los da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da Lei da Organização e Funcionamento da ECFP; admoestar, cada um dos arguidos, por incorrerem na prática, em concurso efetivo, das contraordenações previstas e punidas pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro, e pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho

Texto do documento

Acórdão 876/2023

Sumário: Decide, com respeito às contas da campanha eleitoral apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores «Cidadãos Eleitores por Peniche» (GCEPP), relativas às eleições autárquicas realizadas a 1 de outubro de 2017: julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo primeiro proponente e mandatária financeira daquele grupo de cidadãos eleitores da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), de 19 de abril de 2023 e, em consequência: absolvê-los da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da Lei da Organização e Funcionamento da ECFP; admoestar, cada um dos arguidos, por incorrerem na prática, em concurso efetivo, das contraordenações previstas e punidas pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro, e pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho.

Processo 683/23

Aos doze dias do mês de dezembro de dois mil e vinte e três, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros José Teles Pereira, António da Ascensão Ramos, João Carlos Loureiro, Maria Benedita Urbano, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Mariana Canotilho, Joana Fernandes Costa, Afonso Patrão, Rui Guerra da Fonseca e Carlos Medeiros Carvalho, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.

Após debate e votação, foi, pelo Exmo. Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Exmo. Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional - referida adiante pela sigla «LTC»), ditado o seguinte:

I. Relatório

1 - Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas de campanhas eleitorais, vindos da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante designada apenas por «ECFP»), em que são recorrentes Henrique Bertino Batista Antunes e Fernanda Beatriz Batista Lopes Antunes, foi interposto o presente recurso da decisão daquela Entidade, de 19 de abril de 2023, relativa às contas apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores "Cidadãos Eleitores por Peniche" (doravante designado somente por «GCEPP») pela participação na campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017, e que sancionou contraordenacionalmente os recorrentes, o primeiro na qualidade de primeiro proponente e a segunda na qualidade de mandatária financeira daquele grupo de cidadãos eleitores.

2 - Por decisão datada de 11 de novembro de 2020, tomada no âmbito do processo PA 89/AL/17/2018, a ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo GCEPP, relativas à campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017, nas quais Fernanda Beatriz Batista Lopes Antunes foi mandatária financeira (artigo 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de junho [Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, referida adiante pela sigla «LFP»] e artigo 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro [Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, referida adiante pela sigla «LEC»]).

3 - Na sequência dessa decisão, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra Henrique Bertino Batista Antunes e contra Fernanda Beatriz Batista Lopes Antunes, pela prática das irregularidades ali verificadas. Os arguidos foram notificados do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, n.º s 1 e 2, da LEC e no artigo 50.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações, referido adiante pela sigla «RGCO»), tendo apresentado a sua defesa.

4 - Por decisão de 19 de abril de 2023, a ECFP aplicou:

a) A Henrique Bertino Batista Antunes (i) a sanção de admoestação pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC; (ii) a coima no valor de 5 (cinco) IAS de 2008, perfazendo a quantia de (euro)2.144,50 (dois mil, cento e quarenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP;

b) A Fernanda Beatriz Batista Lopes Antunes (i) a sanção de admoestação pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC; (ii) a coima no valor de 5 (cinco) IAS de 2008, perfazendo a quantia de (euro)2.144,50 (dois mil, cento e quarenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

5 - Os arguidos recorreram, em conjunto, desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC), através de requerimento com o seguinte teor:

«1 - Perante a apresentação da documentação e historial no processo de apresentação de contas, constata-se que foi entendimento da mandatária e primeiro proponente que a lista de ações de campanha a declarar seriam as sessões, comícios ou intervenções similares que obrigassem a despesas superiores ao valor do salário mínimo nacional (SMN) por cada evento a realizar ou realizado.

2 - Razão pela qual não se apresentou inicialmente a lista de todas as sessões realizadas. [...]

4 - Quanto aos meios a declarar, entendeu-se que seriam aqueles em que as despesas da ação (evento, comício ou similar) ultrapassassem o referido valor.

5 - Este entendimento advém da interpretação do n.º 1 do artigo 16.º da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro.

6 - As estruturas para a colocação de outdoor no valor de 2,500 Eur. não correspondiam, no nosso entendimento, a ações de campanha, mas antes a meios de divulgação, pois nunca serviriam para divulgar ações ou eventos.

7 - Relativamente ao ponto "a.2. Brindes - Bonés, no valor de 3.265,65 Eur., não se tratou de ações de campanha, na consciência do que se tratava de uma ação e meios de campanha por parte dos aqui peticionados, porquanto estes brindes-bonés foram pensados e criados para distribuir pela generalidade dos nossos candidatos.

8 - Estes bens não se destinavam a ser oferecidos aos eleitores.

9 - Acresce que, à data da prestação das contas o entendimento das ações de campanha não era o mesmo de quando se pronunciaram em sede de direito de defesa.

10 - Pelo que, tanto a mandatária financeira como o primeiro proponente, pela inexperiência de apresentação de contas, não tinham consciência de que se tratava de ações de campanha, nem que tivessem de estar titulado em outros rubricas.

11 - Não houve qualquer consciência de que se estaria a omitir qualquer tipo de despesa.

12 - Mesmo na anterior campanha eleitoral organizada pelo arguido Henrique Bertino Batista Antunes a sua experiência não o levou a equacionar a hipótese sequer de estar a praticar qualquer infração, ainda que a título de negligência.

13 - No ponto b. do auto de notícia 51/2022 é indicado que "foram apresentadas as seguintes receitas de campanha, no valor de 27.420,00 Eur.", tratou-se de uma dotação provisória, visto haver necessidade de efetuar despesas e proceder ao respetivo pagamento no decorrer da campanha.

14 - A classificação contabilística adiantamentos/empréstimo foi escolhida pelos próprios com o objetivo de retratar fielmente a intenção da operação financeira.

15 - Independentemente da descrição e designação, esta operação financeira foi com recurso a transferência bancária para a conta de campanha a fim de ser possível a identificação do montante e a sua origem.

16 - Quanto ao ponto c. do referido auto de notícia, é indicada a "existência de um movimento a débito na conta bancária da campanha [...] sem que seja possível identificar o pagamento e sem o correspondente registo nas contas apresentadas", há a esclarecer que o valor a débito corresponde ao valor inicial a título de dotações provisórias efetuadas pela mandatária e pelo primeiro proponente, cujo objeto corresponde a empréstimo-adiantamento.

17 - Também aqui não houve qualquer consciência da ilicitude das suas ações, tanto mais:

18 - Considerou-se que o saldo das contas, após recebimento da subvenção estatal e o pagamento das despesas (de igual valor) correspondem ao pagamento do respetivo empréstimo-adiantamento efetuados pela mandatária e pelo primeiro proponente da lista, no valor de 27.420,00 Eur., tudo apresentado no Mapa de Receitas da Campanha enviado com as contas em 17 de maio de 2018, constituindo assim uma forma de financiamento da campanha permitida por lei.

19 - A subvenção pública ocorre em período pré-determinado que não possibilita o pagamento atempado das despesas, pelo que existe esta necessidade de recorrer a uma dotação provisória para que seja possível o pagamento das despesas nos prazos igualmente pré-estabelecidos.

20 - Assumiram os aqui mandatária financeira e primeiro proponente GCEPP que, sendo casados entre si, havendo subvenção pública insuficiente para o pagamento das despesas, assumiriam, os aqui requerentes, o pagamento da respetiva verba em falta. [...]

24 - Durante a campanha sempre que tiveram dúvidas foram estudar os assuntos ou mesmo questionado telefonicamente a Comissão Nacional de Eleições.

25 - Todos os atos e ações foram na consciência que estavam no cumprimento da lei.

Quanto à imputação (motivação)

A. Quanto ao direito referenciado no ponto A.:

B. No que respeita à culpa, a ECFP volta a imputar, vaga e genericamente, com formulação abstrata sem apresentar fundamentação das conclusões a que chega, designadamente quando afirma "Apurou-se ainda que os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo o arguido agido livre, voluntária e conscientemente" - mas como chegou à conclusão que o arguido sabia que a sua conduta era sancionável e porque afirma que agiu de forma consciente?

C. Não obstante o entendimento do Douto Tribunal Constitucional quanto aos deveres do mandatário financeiro e ao seu dever jurídico de evitar irregularidades, nada se subtraí das sentenças que o arguido colocou em causa que estaria a violar o dever de comunicação, tanto mais que referiu no seu direito de defesa o contrário, designadamente no seu ponto 10. "Não houve qualquer consciência de que se estaria a omitir qualquer tipo de despesa";

D. Ao contrário das conclusões da ECFP, nomeadamente quando refere "E com efeito, face à factualidade provada e elencada no ponto 8. dos factos provados, verifica-se a ocorrência de atuação dolosa, sob a modalidade de dolo eventual, uma vez que os Arguidos representaram que da sua conduta (omissiva) poderia resultar a violação do dever de comunicação, facto antijurídico com o qual se conformaram" - mas apurou-se a partir de que factos ou documentos? [...]

J. A ECFP não esclarece, nem justifica, como a partir de que factos provados concretos relativos aos Arguidos conclui a consciência da ilicitude da sua conduta, bem como que os mesmos colocaram a hipótese dessa ilicitude e ainda assim tinham avançado com o comportamento, quando não foi isso que aconteceu. [...]

O. Nem sequer colocaram em causa estarem a cometer infrações ainda que estas fossem por omissão. [...]

K. Trata-se de um elemento fundamental da decisão com o vício da nulidade por violação do artigo 58.º do RGCO. [...]

T. Da motivação apresentada pela ECFP constata-se que a prova resulta da prova documental, não se apresentando qualquer motivação para aferir da consciência da ilicitude dos arguidos, nem assim o poderia acontecer, pois não existiu". [...] Resta concluir que os arguidos não agiram com dolo em qualquer das suas modalidades, não lhes cabendo o ónus da sua demonstração negativa".

6 - Por deliberação de 14 de junho de 2023, a ECFP, ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional. Recebidos os autos no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho, datado de 10 de julho de 2023, pelo qual se admitiu liminarmente o recurso interposto pelos arguidos da decisão de 19 de abril de 2023.

7 - O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Notificados, os arguidos responderam, reafirmando os fundamentos aduzidos nas alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A. Considerações gerais

8 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que, à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, não havia ainda procedimento contraordenacional instaurado porquanto o prazo para prestação das contas estava ainda em curso, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica, por se tratar de processo novo.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer quanto ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa diz respeito à competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como aplicar as respetivas coimas que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Assim, nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).

No referido Acórdão 421/2020 esclareceu-se ainda, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que a apreciação a efetuar deverá obedecer a critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que o regime de financiamento dos partidos pretende tutelar, não se resumindo a uma aplicação mecânica de critérios de natureza estritamente financeira e contabilística (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 979/1996 e 563/2006).

B. Questões a decidir

9 - Em face do teor das alegações, as questões a decidir a respeito do recurso da decisão sancionatória da ECFP, datada de 19 de abril de 2023, são as seguintes:

a) Nulidade da decisão recorrida;

b) Subsunção dos factos dados como provados ao ilícito imputado;

c) Imputação subjetiva dos factos a título doloso ou negligente;

d) Medida concreta das coimas.

C. Questão Prévia

10 - Nulidade da decisão recorrida

Os recorrentes invocam a nulidade da decisão recorrida, sustentando, a este respeito, que «a ECFP não esclarece, nem justifica, como a partir de que factos provados concretos relativos aos Arguidos conclui a consciência da ilicitude da sua conduta» (v. o ponto J. das alegações) e que «da motivação apresentada pela ECFP constata-se que a prova resulta da prova documental, não se apresentando qualquer motivação para aferir da consciência da ilicitude dos arguidos [...]» (v. o ponto T. das alegações).

Saber se as provas constantes dos autos são suficientes para que se possa dar como provada a factualidade enunciada na decisão recorrida - em concreto, a consciência da ilicitude dos arguidos - não consubstancia um vício de conteúdo da decisão, por ausência dos elementos exigidos pelo artigo 58.º do RGCO, mas uma questão relativa ao juízo de apreciação da prova realizado pela ECFP, colocada no plano do mérito da decisão. Como se lê no Acórdão 260/2022, «o plano dos vícios intrínsecos de um determinado ato processual - neste caso, da decisão sancionatória - não se confunde com o plano do respetivo mérito, designadamente no que respeita ao acerto das operações de qualificação e subsunção indispensáveis para a recondução dos factos ao tipo contraordenacional. A eventual nulidade da decisão sancionatória impugnada coloca-se no primeiro dos planos enunciados, verificando-se quando esta não contenha factos que permitam sequer efetuar ou sindicar o juízo de tipicidade. Assim, a decisão de aplicação de uma coima, carecendo dos elementos referidos no artigo 58.º do RGCO, estará suficientemente fundamentada desde que se mostrem justificadas as razões pelas quais é aplicada determinada sanção ao(s) arguido(s), de modo que este(s), tomando conhecimento da decisão, possa(m) compreender, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais se tomou a decisão condenatória e, consequentemente, esteja(m) em condições de a impugnar».

Não resulta, pois, da alegação dos recorrentes, nenhum fundamento para a arguição de nulidade por ausência dos elementos exigidos pelo artigo 58.º do RGCO, devendo a questão relativa à suficiência da prova ser remetida para a apreciação do mérito da decisão recorrida.

11 - Mérito da decisão sancionatória

11.1 - Matéria de facto

11.1.1 - Factos provados

Com relevo para a decisão, provou-se que:

1 - O "Grupo de Cidadãos por Peniche" (GCEPP) apresentou lista de candidatos às eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais, realizadas em 1 de outubro de 2017.

2 - Henrique Bertino Batista Antunes foi o primeiro proponente da lista de candidatura apresentada pelo GCEPP.

3 - O GCEPP constituiu Fernanda Beatriz Batista Lopes Antunes como mandatária financeira das contas de campanha da referida candidatura.

4 - O GCEPP apresentou, em 18 de maio de 2018, junto da ECFP, as contas relativas à campanha para as eleições mencionadas no ponto 1.

5 - O GCEPP registou, nas contas da campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 1., as seguintes despesas, não tendo procedido à respetiva integração na Lista de ações e meios apresentada:

5.1. "Estruturas para outdoors", no valor de (euro) 2.500,00;

5.2. "Brindes - bonés", no valor de (euro) 3.265,65.

6 - O GCEPP registou, nas contas da campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 1., as seguintes receitas, no valor global de (euro) 27.420,00:

6.1 - Receita n.º 1, de 29 de março de 2017, no valor de (euro) 2.500,00, a título de "empréstimo/adiantamento", com origem em Henrique Bertino Batista Antunes, correspondente ao movimento a crédito, no mesmo valor, realizado para a Conta Bancária "Grupo de Cidadãos Eleitores por Peniche", Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, S. A., com IBAN PT50004552204028796990440;

6.2 - Receita n.º 2, de 16 de agosto de 2017, no valor de (euro) 2.000,00, a título de "empréstimo/adiantamento", com origem em Fernanda Beatriz Batista Lopes Antunes, correspondente ao movimento a crédito, no mesmo valor, realizado para a Conta Bancária "Grupo de Cidadãos Eleitores por Peniche", Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, S. A., com IBAN PT50004552204028796990440;

6.3 - Receita n.º 3, de 18 de agosto de 2017, no valor de (euro) 8.000,00, a título de "empréstimo/adiantamento", com origem em Fernanda Beatriz Batista Lopes Antunes, correspondente ao movimento a crédito, no mesmo valor, realizado para a Conta Bancária "Grupo de Cidadãos Eleitores por Peniche", Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, S. A., com IBAN PT50004552204028796990440;

6.4 - Receita n.º 4, de 15 de setembro de 2017, no valor de (euro) 10.000,00, a título de "empréstimo/adiantamento", com origem em Fernanda Beatriz Batista Lopes Antunes, correspondente ao movimento a crédito, no mesmo valor, realizado para a Conta Bancária "Grupo de Cidadãos Eleitores por Peniche", Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, S. A., com IBAN PT50004552204028796990440;

6.5 - Receita n.º 5, de 29 de setembro de 2017, no valor de (euro) 4.900,00, a título de "empréstimo/adiantamento", com origem em Henrique Bertino Batista Antunes, correspondente ao movimento a crédito, no mesmo valor, realizado para a Conta Bancária "Grupo de Cidadãos Eleitores por Peniche", Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, S. A., com IBAN PT50004552204028796990440;

6.6 - Receita n.º 6, de 31 de outubro de 2017, no valor de (euro) 20,00, a título de "empréstimo/adiantamento", com origem em Henrique Bertino Batista Antunes, correspondente ao movimento a crédito, no mesmo valor, realizado para a Conta Bancária "Grupo de Cidadãos Eleitores por Peniche", Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, S. A., com IBAN PT50004552204028796990440.

7 - O GCEPP emitiu, em 28 de fevereiro de 2018, um cheque no valor de (euro) 24.920,00, à ordem de Fernanda Beatriz Batista Lopes Antunes.

8 - O GCEPP não registou, nas contas relativas à campanha para as eleições mencionadas no ponto 1., o movimento a débito realizado em 1 de março de 2018, com o descritivo "Cheque 5365835662", no valor de (euro) 24.920,00, com origem na conta bancária "Grupo de Cidadãos Eleitores por Peniche", Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, S. A., IBAN PT50004552204028796990440.

9 - Ao agirem conforme descrito nos pontos 5.2., 6., 7. e 8., os Arguidos representaram como possível que as contas apresentadas não obedecessem integralmente às obrigações legalmente previstas, tendo ainda assim praticado os factos narrados e apresentado as contas nos termos descritos, conformando-se com aquela possibilidade.

10 - Os Arguidos sabiam que as condutas descritas nos pontos 5.2., 6, 7 e 8. dos factos provados eram proibidas e contraordenacionalmente sancionáveis, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

11 - O GCEPP, nas contas referidas em 4., registou receitas no valor total de (euro) 36.269,68 e despesas no valor total de (euro) 36.269,68.

12 - O GCEPP recebeu subvenção pública para a campanha relativa às eleições mencionadas em 1. no valor de (euro) 36.269,68.

13 - O Arguido Henrique Bertino Batista Antunes foi eleito pela Coligação CDU para a Assembleia de Freguesia da Ajuda, concelho de Peniche, nas eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais realizadas em 11 de outubro de 2009 e foi eleito pela mesma coligação para a Assembleia Municipal de Peniche, nas eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais, realizadas em 29 de setembro de 2013, sendo o atual Presidente da Câmara Municipal de Peniche.

11.1.2 - Factos não provados

Com relevância para a decisão, consideram-se os seguintes factos não provados:

1 - Ao agirem conforme descrito no ponto 5.1., os Arguidos representaram como possível que as contas apresentadas não obedeciam integralmente às obrigações legalmente previstas, tendo ainda assim praticado os factos narrados e apresentado as contas nos termos descritos, conformando-se com aquela possibilidade.

2 - Os Arguidos sabiam que as condutas descritas no ponto 5.1. dos factos provados eram proibidas e contraordenacionalmente sancionáveis, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

11.1.3 - Motivação da decisão sobre a matéria de facto

A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise conjugada da prova documental junta aos presentes autos, das regras da experiência e de inferências lógicas.

Para a prova da factualidade elencada no ponto 1. dos factos provados foi considerado o teor do Mapa Oficial 1-A/2017 da CNE, publicado no Diário da República n.º 231, Série I, 1.º Suplemento de 30 de novembro de 2017, da qual a mesma se extrai.

A prova dos factos descritos em 2. resulta do teor de fls. 55 do PA 89/AL/17/2018 e a prova dos factos constantes do ponto 3. dos factos provados resulta do teor de fls. 5 do PA. Para prova dos factos constante dos pontos 4. dos factos provados, teve-se por base os documentos constantes de fls. 19 a 43 do PA 89/AL/17/2018.

A prova da matéria factual descrita em 5. extrai-se do confronto da Lista de ações e meios apresentada pelo GCEPP (fls. 32 a 34 e 97 e 98 do PA) com o Mapa M10, fls. 25, e com o Mapa M12, fls. 27.

No que diz respeito aos factos descritos em 6., considerou-se o teor do Mapa M1, fls. 20 do PA 89/AL/17/2018, referente a receitas de campanha (empréstimos), conjugado com a ficha de identificação da conta bancária de campanha, a fls. 9, e, ainda, dos extratos bancários de fls. 38 a 40, todos daquele PA.

A prova do facto constante em 7. ateve-se ao teor de fls. 93 do PA 89/AL/17/2018, assim como ao documento constante de fls. 17, apresentado pelos Arguidos no âmbito da sua defesa.

A prova do facto descrito em 8. extrai-se dos extratos dos movimentos bancários constantes de fl. 38 a 40 do PA, conjugados com os elementos de prestação de contas de cuja análise resulta a ausência do referido registo.

A prova da factualidade enunciada em 9. extrai-se da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras de experiência comum e inferência lógicas. Tratando-se de estados mentais dos agentes, a prova dos factos que os consubstanciem pode ser alcançada, na ausência de confissão, através da interpretação exterior dos factos internos, que se realiza por meio de inferências, assentes em presunções judiciais apoiadas nas regras da experiência comum e/ou em abduções baseadas em factos apurados através de prova direta.

No caso vertente, tendo em conta que os recorrentes reconhecem que «pela inexperiência de apresentação de contas, não tinham consciência que se tratava de ações de campanha» (v. ponto 10 das alegações), não é crível que não tenham representado a possibilidade de a convicção formada a partir dessa pouca experiência poder não ser suficiente para afastar a possibilidade de prática do facto ilícito.

Desde logo, o alegado convencimento dos arguidos quanto à não integração dos «brindes-bonés» (facto 5.2. dos factos provados) no dever de comunicação imposto pelo artigo 16.º da LEC não serve para infirmar dolo imputado - que consiste na atuação com conhecimento de que daí pode resultar, como consequência, o facto punível, conformando-se o agente com tal possibilidade -, relevando no sentido oposto. Com efeito, o conteúdo mental plausível dos arguidos deve ser determinado a partir da matéria de facto dada como provada, sendo especialmente importante considerar, a este respeito, a inexperiência de apresentação de contas (v. ponto 10. das alegações) reconhecida pelos recorrentes. É precisamente a partir dessa assumida inexperiência que se pode inferir a impossibilidade de os arguidos desconhecerem a existência de risco de que as contas apresentadas contivessem irregularidades. Não se afigura plausível, por isso, que os arguidos, revelando consciência do risco inerente à sua inexperiência, não se tenham confrontado, pelo menos, com a dúvida de saber se a não comunicação daqueles factos violava a lei, circunstância que revela inequivocamente que os arguidos não só representaram a possibilidade de violar a lei, como se conformaram com ela. Em suma, da matéria objetiva dada como provada, examinada de acordo com as regras da experiência e inferências lógicas, resulta o preenchimento do elemento subjetivo do tipo contraordenacional, encontrando-se verificados, na modalidade de dolo eventual, o conhecimento e a vontade exigidos pelo tipo subjetivo previsto no artigo 31.º da LFP.

No que se refere à atuação dolosa dos arguidos na prática dos factos constantes de 6. a 8. dos factos provados, importa notar que o alegado pelos recorrentes nada diz acerca do dolo do tipo contraordenacional concretamente imputado. No essencial, o que resulta da alegação dos arguidos reconduz-se à afirmação de que as receitas no valor de (euro) 27.420,00 constituem «uma dotação provisória, visto haver necessidade de efetuar despesas e proceder ao respetivo pagamento no decorrer da campanha» (v. ponto 13 das alegações). Recorde-se que a decisão recorrida imputa aos arguidos, a título de dolo eventual, a violação do dever de organização contabilística, nomeadamente de adequada discriminação de receitas e despesas, nos termos do artigo 12.º, ex vi do artigo 15.º, da LFP, pela circunstância de terem os arguidos registado, nas contas de campanha, receitas no valor global de (euro) 27.420,00, a título de "Empréstimo-adiantamento" (v. 6 dos factos provados) e de não terem oferecido, nas contas de campanha, registo contabilístico ao valor de (euro) 24.920,00, correspondente a um movimento a débito (v. 7 e 8 dos factos provados). Ora, não se encontram no caso vertente, nem os recorrentes os apresentam, indícios concretos que sustentem probatoriamente a infirmação do dolo do tipo contraordenacional. Na verdade, estando em causa, na infração apontada, a inobservância de deveres de registo contabilístico com um substancial grau de complexidade técnica, é legítimo inferir que os recorrentes, conscientes do risco inerente à sua inexperiência, pelo menos suspeitassem que a sua conduta pudesse ser ilícita. Na ausência de motivos justificativos, que não foram apresentados, e que permitiriam afastar o conhecimento e a vontade exigidos pelo tipo subjetivo previsto no artigo 31.º da LFP, em termos tais que tolerassem a dúvida quanto ao facto de os recorrentes terem representado como possível o resultado da sua conduta, conformando-se com essa possibilidade, a infração não pode senão ser-lhes imputada a título de dolo eventual.

Quanto à consciência da ilicitude, constante do ponto 11. dos factos provados, refere a decisão recorrida que os arguidos sabiam que as condutas praticadas eram proibidas e sancionáveis como contraordenação, tendo agido livre, voluntária e conscientemente. Vêm indicadas, na motivação da decisão da matéria de facto, as razões para tal juízo, devendo recordar-se que, também aqui, a prova destes factos se faz por via indireta, repousando nas regras da experiência comum e processos inferenciais, designadamente de natureza abdutiva. Recorde-se ainda que, conforme decorre do artigo 9.º do RGCO, a falta de consciência da ilicitude do facto - que é, como se sabe, um problema de valoração do facto - não exclui o dolo, apenas podendo afastar a culpa quando o erro não for censurável ao agente. Ora, a exigibilidade do cumprimento dos deveres é um critério essencial para determinar a censurabilidade da falta de consciência da ilicitude dos arguidos. É precisamente pelas funções que desempenham os arguidos - enquanto primeiro proponente e mandatário financeira do MPP para as contas de campanha - que se lhes impunha uma exigibilidade reforçada enquanto destinatários especiais das normas de dever impostas em matéria de contas, sendo certo que, como o Tribunal Constitucional tem desde sempre afirmado (v. Acórdãos n.os 77/2011 e 86/2012), estando em causa a observância de regras específicas relativas ao financiamento e apresentação de contas das campanhas eleitorais, os responsáveis não podem, em consciência, deixar de conhecer as normas a que estão vinculados. Conclui-se, pois, que a prova da consciência da ilicitude (facto 11.) resulta da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras da experiência comum e de inferências lógicas.

A prova do facto 12. dos factos provados resulta do teor de fls. 22 e 36 do PA, e a prova do facto 13. extrai-se do teor do ofício da Assembleia da República, de fls. 11 a 14 do PA.

Para a prova da factualidade identificada em 14., considerou-se o teor do Mapa oficial dos resultados das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais publicado no Diário da República, 1.ª série - N.º 242 - 13 de dezembro de 2013 e no Diário da República, 1.ª série - N.º 49 - 11 de março de 2010, de cuja análise a mesma se extrai, bem como da informação constante do site público na internet da Câmara Municipal de Peniche.

Vejamos, agora, em que se motiva a decisão quanto aos factos não provados.

O facto não provado descrito em 1. resulta de, como se mostrará infra., a conduta objetiva à qual se refere, descrita em 5.1. dos factos provados, não consubstanciar infração. É certo que, na razão de ordem de uma decisão judicial, a apreciação jurídica, nomeadamente quanto ao preenchimento do tipo objetivo, é posterior ao julgamento da matéria de facto, pelo que se trata aqui da antecipação de uma conclusão ainda por obter. Sucede que a atribuição a um agente de um conteúdo mental representativo de um estado de coisas que consiste na divergência entre a sua conduta e um parâmetro - o elemento intelectual do dolo numa infração de dever - pressupõe logicamente, senão um juízo de ilicitude objetiva, pelo menos a verosimilhança desta. Isto é particularmente evidente quando a prova do elemento subjetivo do tipo se baseia em primeira linha, como é o caso das infrações que incidem sobre a violação de deveres funcionais, em presunções judiciais estabelecidas a partir de regras da experiência acerca da conduta e as atitudes dos portadores do estatuto relevante. Há, pois, uma certa e inevitável desarmonia entre a ordem expositiva e a ordem judicativa do processo decisório, atento o figurino linear da primeira e circular da última, desarmonia essa que é reveladora da conhecida aporia metodológica da dicotomia convencional entre questão-de-facto e questão-de-direito.

11.2 - Matéria de direito

11.2.1 - Considerações gerais

Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da LFP, «os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes», sendo que os n.os 2 a 4 do artigo 28.º impõem penas e os artigos 29.º a 32.º impõem coimas, restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Como se salientou no recente Acórdão 509/2023, decorre do cotejo entre as normas dos artigos 30.º a 32.º da LFP - os especialmente relevantes em matéria de contas de campanha eleitoral - e o regime jurídico traçado no seu capítulo III, que existe uma dicotomia fundamental no universo das infrações passíveis de sanção contraordenacional no âmbito das campanhas eleitorais. Temos, por um lado, infrações materiais, estas relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito e que se traduzem na obtenção de receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas pela lei, designadamente receitas não enquadráveis no artigo 16.º do mesmo diploma, ou na realização de despesas sem justificação legal, mormente por não dizerem respeito à campanha eleitoral ou que excedam os limites previstos no artigo 20.º

Temos, por outro lado, infrações formais, que dizem respeito à inobservância do dever de prestação de contas e, no âmbito destas, do dever de tratar contabilisticamente as despesas e receitas da campanha de acordo com as diretrizes do artigo 12.º da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º do mesmo diploma, de tal forma que essa representação contabilística viabilize a sindicância material das receitas percebidas e das despesas realizadas.

Atendendo ao conteúdo dos tipos contraordenacionais dos artigos 30.º a 32.º da LFP, são passíveis de sancionamento com coima em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais as seguintes condutas (v. o Acórdão 98/2016, § 6.2.):

a) O recebimento, por parte dos partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela LFP - artigo 30.º, n.º 1, ab initio;

b) A violação, por parte dos partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da LFP - artigo 30.º, n.º 1, in fine;

c) A inobservância, por parte de pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da LFP - artigo 30.º, n.os 2 a 4;

d) A ausência ou insuficiência de discriminação ou comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da LFP;

e) A inobservância do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 27.º da Lei 19/2003, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da LFP.

Como se afirmou no Acórdão 405/2009, a contraposição entre infrações materiais - as descritas nas alíneas a) a c) - e infrações formais - as descritas nas alíneas d) e e) - «tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respectiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada acto (cf. arts. 16.º, n.º 3, 19.º, n.º 3, e 20.º da Lei 19/2003) -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das despesas e receitas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos actos já realizados (cf. art. 12.º, ex vi do art. 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da Lei 19/2003)».

Tem interesse enunciar alguns corolários desta distinção fundamental.

Em primeiro lugar - e como se salientou no citado Acórdão 405/2009 -, a distinção releva para a determinação do momento em que deverá considerar-se praticado o facto típico e, nessa medida, para todos os efeitos jurídicos que dependam desse elemento, como sejam a determinação da lei temporalmente aplicável e a contagem do prazo de prescrição.

Em segundo lugar, dela decorre que ambas as categorias de infrações, pela sua distinta natureza, são mutuamente irredutíveis e cumuláveis. Irredutíveis, no sentido em que, embora as infrações formais tenham natureza instrumental face às materiais, dado que as exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais visam possibilitar um adequado escrutínio do cumprimento das regras substantivas sobre o regime das despesas e das receitas em sentido estrito, as duas categorias de infrações não se implicam, nem se excluem mutuamente. Com efeito, o cometimento de uma infração material não implica logicamente o cometimento de uma infração formal (nada obsta a que, por exemplo, a perceção de uma receita não permitida por lei esteja devidamente comprovada e discriminada nas contas da campanha), nem o seu contrário (por exemplo, a falta ou insuficiência da discriminação ou de comprovação contabilística de uma determinada receita nas contas da campanha não implica, por si só, que essa receita seja materialmente ilícita - ainda que dificulte tal avaliação). Cumuláveis, no sentido em que, relativamente ao mesmo facto, ambas as infrações podem coexistir e ser imputadas ao mesmo sujeito a título de concurso efetivo (por exemplo, nada obsta a que a perceção de uma receita proibida por lei seja objeto de uma representação contabilística deficiente, visando precisamente ocultar a sua ilicitude material).

Paralelamente a esta distinção, encontramos ainda alguns tipos contraordenacionais que se centram, não no financiamento das campanhas eleitorais ou na violação dos deveres de prestação de contas e da respetiva forma, mas na violação de deveres acessórios, atinentes ao relacionamento entre os partidos políticos e demais sujeitos participantes em campanhas eleitorais - designadamente grupos de cidadãos eleitores - e a ECFP. É o caso do artigo 47.º da LEC, que tipifica contraordenacionalmente a violação de deves de comunicação e de colaboração e que, nessa medida, visam facilitar o bom desempenho das funções de escrutínio das contas partidárias e das campanhas eleitorais por parte da entidade competente.

Traçado este quadro geral, apreciemos o caso vertente.

11.2.2 - Imputações aos recorrentes

11.2.2.1 - Da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da LEC.

Na decisão recorrida imputou-se, a cada um dos arguidos, a prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC, com fundamento na violação do dever de comunicação de dados previsto no artigo 16.º, n.º 1, deste diploma. Em causa está, em concreto, a ausência de comunicação, na "Lista de ações de campanha e de meios" de despesas realizadas com a aquisição de "estrutura para outdoors", no valor de (euro) 2.500,00 (facto 5.1. dos factos provado) e com "Brindes - bonés", no valor de (euro) 3.265,65 (facto 5.2. dos factos provados).

Os recorrentes contestam que as despesas descritas em 5. dos factos provados sejam objeto do dever de comunicação previsto no artigo 16.º, n.º 1, da LEC, considerando, por isso, não terem praticado a contraordenação prevista no artigo 47.º, n.º 1, da LEC. Sustentam ainda que a comunicação prevista no artigo 16.º, n.º 1, da LEC, se deverá considerar realizada, já que aquelas despesas foram comunicadas nas contas de campanha e a LEC não impõe uma forma própria de realização daquele dever de comunicação.

Ora, dispõe o artigo 16.º, n.º 1, da LEC, que «[o]s [...] grupos de cidadãos eleitores que apresentem candidatura às eleições dos órgãos das autarquias locais estão obrigados a comunicar à Entidade as ações de campanha eleitoral que realizem, bem como os meios nelas utilizados, que envolvam um custo superior a um salário mínimo». A inobservância deste dever é sancionada nos termos do artigo 47.º do mesmo diploma, que estabelece, no n.º 1, que «[o]s mandatários financeiros, [...] e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que violem os deveres previstos nos artigos 15.º, 16.º e 46.º-A são punidos com coima mínima no valor de 2 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 32 salários mínimos mensais nacionais».

O dever de comunicar as ações de campanha eleitoral, e os respetivos meios (artigo 16.º da LEC), não se confunde com o dever relativo à apresentação das contas de campanha eleitoral (artigo 18.º da LEC), o que resulta, desde logo, da autonomia sistemática conferida pela LEC a uma e outra normas de dever e às respetivas consequências sancionatórias. Embora exista, entre as duas realidades, uma parcial sobreposição, na medida em que os meios utilizados numa ação de campanha eleitoral serão concomitantemente objeto de integração nas contas de campanha, o artigo 16.º da LEC consagra um dever de comunicação especial, cujo sentido material se funda na garantia de sindicância de um subconjunto particular da atividade dos partidos políticos e dos demais sujeitos participantes eleitorais - as ações de propaganda política (v. artigo 16.º, n.º 3, da LEC).

É, pois, da natureza própria das ações de propaganda política que resulta a individuação do interesse protegido pela norma e, bem assim, se justifica a edição deste dever autónomo. Note-se que da comunicação prevista no artigo 16.º da LEC resultam dados que não seriam conhecidos no contexto geral da comunicação de despesas de campanha eleitoral (como, v.g., os relativos à identidade do organizador ou do número de participantes da ação de campanha). Como o Tribunal Constitucional tem, a este respeito, afirmado «[a] remessa da Lista de Ações e Meio assume [u]ma clara autonomia em face do puro cumprimento das regras contabilísticas respeitantes aos partidos políticos. Se é certo que a Lista de Ações e Meios pode também assumir uma vocação de apoio ao labor de controle de contabilidade a materializar em face das contas anuais, não se confunde, naturalmente, com estas» (v. Acórdão 233/2021). Refira-se ainda que o prazo de cumprimento da obrigação de comunicação prevista no artigo 16.º da LEC coincide com a data de entrega das contas (n.os 4 e 5 do artigo 16.º), o que não só reforça o que vem dito, como se conforma com o conteúdo das Recomendações emitidas pela ECFP, segundo as quais esta comunicação deve ser efetuada por meio de Lista própria constante do «Anexo IX - Lista de ações e meios de campanha». A argumentação aduzida pelos recorrentes constitui, pois, um evidente non sequitur, na medida em que pretende fazer decorrer da observância do dever contabilístico estabelecido em matéria de prestação de contas consequências quanto à observância de um dever de conteúdo e alcance bem diversos.

De resto, o artigo 16.º da LEC não consagra um dever de comunicação de toda a qualquer despesa realizada durante a campanha eleitoral superior a um salário mínimo nacional, mas apenas a comunicação das ações de campanha, e dos meios nelas utilizados, que envolvam um custo superior a um salário mínimo nacional. A circunstância de estas despesas constituírem despesas de campanha não determina, sem mais, que sejam meios de uma ação de campanha. Uma ação (de campanha), como evento complexo situado no tempo e no espaço, constitui apenas uma parte de toda atividade de propaganda realizada por um partido ou por outro sujeito eleitoral, sem que seja exigido, nos termos do artigo 16.º da LEC, a comunicação de todas essas despesas. A existência de uma obrigação de comunicação especial neste domínio justifica-se porque as ações de campanha são iniciativas relativamente complexas e alargadas, no âmbito das quais é previsível a realização de múltiplas despesas ou a angariação de receitas, as quais reclamam atenção específica e justificam, em alguns casos, particulares diligências por parte da ECFP.

No caso vertente, não se encontram elementos probatórios que apontem para que as despesas descritas no ponto 5.1. dos factos provados tenham sido meios de uma ação de campanha eleitoral. Não pode ser excluído que as despesas com estruturas de outdoors constituam meios utilizados em determinada ação de campanha eleitoral, mas, não estando tal facto descrito e provado, conclui-se que a conduta dos arguidos não integra, no que respeita aos factos descritos em 5.1., o elemento objetivo do tipo da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC.

Relativamente ao ponto 5.2. dos factos provados, deve notar-se que não colhem as justificações apresentadas pelos recorrentes quando referem que os bonés não se destinavam a ser distribuídos pelos eleitores, mas pela generalidade dos candidatos. O montante global despendido com a aquisição de bonés ((euro) 3.265,65), sopesado com o valor de referência para este bem - v.g., o valor por unidade constante da Listagem 2/2020 ((euro) 1,88) - aponta para que tenham sido adquiridos pelo GCEPP, pelo menos, 1737 bonés, o que torna manifestamente implausível que, conforme defendem os recorrentes, aqueles bonés se destinassem a ser distribuídos pelos candidatos dos GCEPP. Assim sendo, não é crível que os bonés adquiridos pelo GCEPP não se tenham destinado à divulgação de uma atividade de campanha, constituindo, por natureza, uma despesa própria de uma, ou mais do que uma, ações de campanha. Assim, apesar de não se poder afirmar em que concreta ação de campanha do GCEPP foram utilizados estes objetos, resulta da sua natureza a integração desta despesa no objeto do dever de comunicação imposto pelo artigo 16.º da LEC, o que não só vem reforçado pela descrição formal deste objeto («brinde»), como pela circunstância de os recorrentes não terem apresentado nenhuma razão que permitisse afastar a presunção gerada a partir da idoneidade abstrata desta despesa para constituir meio de uma ação de campanha.

Em face do exposto, da não inclusão da despesa referida em 5.2. dos factos provados na "Lista de Ações e Meios" enviada pelo GCEPP resulta o preenchimento do tipo objetivo da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC. Quanto ao elemento subjetivo, o respetivo preenchimento baseia-se nos factos provados nos pontos 9. e 11.

11.2.2.2 - Da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

O artigo 31.º, sob epígrafe «[n]ão discriminação de receitas e de despesas», prevê no seu n.º 1 que «[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS». O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos e as entidades concorrentes a eleições obedece, assim, a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza destas organizações e pela adstrição das contas da campanha eleitoral ao controlo público da respetiva conformidade legal, seja no que concerne às despesas de campanha, seja às respetivas receitas, nomeadamente no que concerne às fontes de financiamento. Nesse sentido, o artigo 15.º da LFP determina que as receitas e despesas da campanha eleitoral constam de contas próprias, as quais devem obedecer ao regime do artigo 12.º do mesmo diploma, onde se firma um conjunto de regras e deveres contabilísticos.

Contudo, nem toda e qualquer violação desses deveres releva para o tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP. Com efeito, o Tribunal tem reiteradamente sublinhado que «não há uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º, existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima» (Acórdão 98/2016). Só releva a inobservância de deveres que se traduza em não discriminação ou não comprovação devida das despesas e receitas da campanha eleitoral. A primeira constitui a omissão, incompletude ou imprecisão na descrição do facto sujeito a contabilização. A segunda constitui a ausência ou insuficiência da titulação ou suporte dos factos sujeitos a contabilização e que sustentam a sua inclusão numa dada conta (Acórdão 509/2023).

No caso vertente, a decisão recorrida identifica dois núcleos factuais suscetíveis de recondução ao tipo infracional previsto no artigo 31.º da LFP, devendo considerar-se, para efeitos de apreciação jurídica, a sua íntima conexão:

i. Existência de movimentos a crédito indevidamente registados, a título de receitas, nas contas de campanha do GCEPP (v. facto 6 dos factos provados);

ii. Existência de movimentos a débito na conta bancária da campanha eleitoral, no valor de (euro) 24.920,00, não registados nas contas de campanha (v. facto 7 e 8 dos factos provados).

Está em causa, na imputação referida em i., a circunstância de os arguidos terem apresentado, nas contas de campanha eleitoral, concretamente no M1 - Receitas de Campanha (empréstimos), receitas no valor global de (euro) 27.420,00, que, constituem, segundo os arguidos, «uma dotação provisória» (v. ponto 13 das alegações). Por sua vez, a imputação descrita em ii. refere-se à circunstância de o movimento a débito realizado pelo GCEPP, no valor de (euro) 24.920,00, que representa o reembolso do empréstimo/adiantamento descrito em i., não ter sido registado nas contas de campanha dos CGEPP, sustentando os arguidos que «o valor a débito corresponde ao valor inicial a título de dotações provisórias efetuadas pela mandatária e primeiro proponente» (v. ponto 16 das alegações).

Resulta do dever de organização contabilística consagrado no artigo 12.º, n.os 1 e 2, da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma, a obrigatoriedade de a contabilidade refletir as receitas e despesas da campanha eleitoral. Por sua vez, o artigo 15.º, n.º 3, da LFP, estabelece que todas as receitas e despesas de campanha têm de ser movimentadas através da conta bancária especificamente constituída para o efeito. Nessa medida, todo e qualquer movimento a débito e a crédito na conta bancária especificamente aberta para o tratamento das receitas e despesas da campanha eleitoral tem de estar refletido nas contas da campanha.

Ora, o registo, a título de receitas, dos seis movimentos bancários identificados no ponto 6. dos factos provados, sopesado com a ausência de registo contabilístico do movimento a débito reverso descrito em 7. e 8. dos factos provados, consubstancia uma violação do dever genérico de organização contabilística previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP, ex vi do artigo 15.º, na medida em que as contas apresentadas não evidenciam, de forma adequada e completa, a realidade descrita em i. e ii., que tinham por finalidade representar, razão pela qual se verifica o preenchimento do tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP. Quanto ao elemento subjetivo, o seu preenchimento baseia-se nos factos provados nos pontos 10. e 11.

11.2.3 - Consequências Jurídicas

Importa determinar em que medida as conclusões alcançadas quanto à imputação analisada nos pontos 11.2.2.1. supra, da qual resulta que o facto descrito em 5.1. dos factos provados não constitui um caso da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC, se refletem na decisão acerca da espécie e medida da sanção a aplicar aos arguidos. Considerando, nesta parte, que a decisão recorrida entendeu adequado, proporcional e ajustado aplicar aos arguidos, pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC, a sanção de admoestação, entendendo estarem verificados os critérios previstos no artigo 51.º do RGCO, num caso em que se imputava aos arguidos a prática dos factos descritos em 5.1. e 5.2. (duas condutas), por maioria de razão justifica-se reiterar tal juízo num caso, como o vertente, em que subsiste, para efeitos de imputação contraordenacional, o facto descrito em 5.2. dos factos provados (uma conduta).

Quanto às consequências sancionatórias pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP, cujas coimas se fixam entre 1 e 80 vezes o valor do IAS fixado para o ano de 2018 (no valor de (euro) 428,90), entendeu a decisão recorrida, ponderando o número de ocasiões em que o tipo contraordenacional foi violado, e a experiência do arguido Henrique Bertino Batista Antunes em matéria eleitoral, fixar a coima em 5 vezes o valor do IAS de 2018.

Não se pode confirmar a ponderação efetuada na decisão recorrida.

Segundo o disposto no artigo 51.º, n.º 1, do RGCO, quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifiquem, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. Assim, são requisitos cumulativos da aplicação da sanção de admoestação: (i) a reduzida gravidade da contraordenação; e (ii) a reduzida gravidade da culpa do agente. Ora, não obstante a elevada importância de que o regime legal do funcionamento e organização das contas dos partidos se reveste no quadro da democracia constitucional - o que se traduz na decisão legislativa de sancionar determinadas condutas praticadas nesse âmbito e na fixação das molduras abstratas -, a determinação da concreta medida das sanções implica a ponderação de todas as circunstâncias relevantes.

Note-se que, no caso vertente, estão em causa somente infrações de natureza formal, de cuja prática não resultou, para os arguidos, benefício económico algum. Acresce que, conforme resulta dos factos provados, na ponderação da culpa, importa relevar que estamos perante cidadãos que não beneficiam do enquadramento em estruturas partidárias - com experiência acumulada de controlo em matéria de contas e financiamentos de campanhas eleitorais -, antes concorrendo a eleições no âmbito de grupos de cidadãos eleitores, cuja constituição é casuística para cada ato eleitoral e que, por essa razão, enfrentam dificuldades acrescidas na observância da lei. Finalmente, da experiência política do arguido Henrique Bertino Batista Antunes não se retira um argumento decisivo quanto à sua culpa pela prática da infração formal prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP, já que a circunstância de ter desempenhado funções políticas não lhe confere, em si mesma, condições especialmente favoráveis para observar rigorosamente os deveres de organização contabilística impostos pela lei.

Pelo exposto, encontram-se reunidos os pressupostos de aplicação, a cada arguido, de uma sanção de admoestação única pela prática das contraordenações imputadas, constituindo tal sanção a justa medida reclamada pelo caso concreto.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se:

(a) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por Henrique Bertino Batista Antunes e da Fernanda Beatriz Batista Lopes Antunes da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 19 de abril de 2023 e, em consequência:

I. Absolvê-los da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da LEC, na parte relativa à despesa descrita no ponto 5.1. dos factos provados;

ii. Admoestar, cada um dos arguidos, aqui ora recorrentes, ante as condutas descritas sob os pontos 5.2., 6., 7. e 8. dos factos provados e motivação de direito desenvolvida sob n.os 11.2.2.1. e 11.2.2.2., por incorrerem na prática, em concurso efetivo, das contraordenações previstas e punidas pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro, e pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

Lisboa, 13 de dezembro de 2023. - Gonçalo Almeida Ribeiro - José Teles Pereira - António José da Ascensão Ramos - João Carlos Loureiro - Maria Benedita Urbano - Mariana Canotilho - Joana Fernandes Costa (com declaração) - Afonso Patrão - Rui Guerra da Fonseca - Carlos Medeiros de Carvalho - José João Abrantes.

Acórdão retificado pelo Acórdão 12/2024, de 9 de janeiro de 2024

Declaração de voto

Tendo votado o presente Acórdão, afasto-me, contudo, da justificação apresentada no ponto 11.1.3 para dar como não provados os factos descritos em 1. e 2. do ponto 11.1.2.. Ainda que os factos sujeitos a demonstração sejam os correspondentes aos elementos intelectual e/ou volitivo do dolo, creio que o juízo probatório que o Tribunal é solicitado a formular tanto para afirmá-los como para desmenti-los não pode assentar na antecipação do juízo subsuntivo que prevê vir a formular no momento em que tiver de decidir se o quadro factual traçado em juízo preenche ou não o tipo objetivo do ilícito em causa. Na verdade, não creio sequer que nessa antecipação resida a real explicação para a inclusão dos factos acima referidos no elenco daqueles que ficaram por demonstrar. Tal explicação é, quanto a mim, mais simples, decorrendo da mera circunstância de o Tribunal não se ter convencido, em face das máximas da experiência comum e na ausência de prova em contrário, que os bens a cuja aquisição respeitam as despesas referidas no ponto 5.1. dos factos provados tivessem sido efetivamente utilizados em ações de campanha eleitoral. E, não se provando que o tivessem sido, não pode ter-se por demonstrado na atuação dos arguidos qualquer estado mental que inclua a representação dessa utilização. Este juízo, que se situa exclusivamente no plano do julgamento da matéria de facto, não se estende, todavia, ao carácter livre, voluntário e consciente da atuação empreendida - a não integração de tais despesas na Lista de ações e meios -, atributos esses que, nada tendo a ver com a consciência da ilicitude (contrariedade à lei), não deveriam, quanto a mim, ter sido dados como não provados. - Joana Fernandes Costa.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5636229.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2017-11-30 - Mapa Oficial 1-A/2017 - Comissão Nacional de Eleições

    Mapa oficial dos resultados das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais de 1 de outubro de 2017

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

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