Acórdão 805/93
Processo 690/92
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1 - Em 7 de Dezembro de 1992, o procurador-geral-adjunto em exercício no Tribunal Constitucional veio requerer, na sua qualidade de representante do Ministério Público e ao abrigo dos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição e 82.º da Lei do Tribunal Constitucional, que este órgão apreciasse e declarasse, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 1.º do Decreto-Lei 315/89, de 21 de Setembro, na parte em que alterou a redacção do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei 272-A/81, de 30 de Setembro.
Invocou que tal norma fora já julgada inconstitucional, por violação do disposto na alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, através dos Acórdãos n.os 139/92, 374/92 e 375/92, o primeiro publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 192, de 21 de Agosto de 1992, e os dois restantes ainda inéditos. Com o pedido, foram juntas fotocópias deste três decisões.
2 - Admitido o pedido, foi notificado o Primeiro-Ministro, nos termos dos artigos 54.º e 55.º da Lei do Tribunal Constitucional, para se pronunciar sobre o mesmo, querendo, no prazo legal. Não foi recebida nesse prazo qualquer resposta.
3 - Foi elaborado memorando pelo primitivo relator no qual, considerando-se não existir qualquer obstáculo processual ao conhecimento do pedido, se propôs que o Tribunal dele tomasse conhecimento e não declarasse a inconstitucionalidade da referida norma.
Na sequência da discussão desse memorando, não logrou colher vencimento a proposta dele constante quanto ao objecto do processo, pelo que ocorreu mudança de relator.
Importa, assim, conhecer do pedido.
II
4 - O Decreto-Lei 315/89, de 21 de Setembro, foi publicado pelo Governo, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, tendo o seu artigo 1.º introduzido alterações na redacção dos artigos 21.º, 26.º e 36.º do CPT vigente, aprovado pelo Decreto-Lei 272-A/81, de 30 de Setembro.
Constitui objecto do presente processo a questão de constitucionalidade do artigo 1.º daquele primeiro decreto-lei, apenas na parte em que introduziu uma nova redacção do artigo 26.º do CPT.
A versão originária deste artigo 26.º do CPT de 1981, com a epígrafe «Citações, notificações e outras diligências em comarca alheia», dispunha da seguinte forma:
As citações e notificações que não possam ou não devam ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências, quando tenham de ser efectuadas em comarca diferente daquela em que o tribunal da causa tem a sua sede, são solicitadas ao tribunal competente em matéria de trabalho na respectiva área ou à autoridade administrativa ou policial territorialmente competente.
O preâmbulo do Decreto-Lei 315/89 esclarece as razões que levaram o legislador a intervir, nos seguintes termos:
Aproveita-se também a oportunidade para esclarecer as dúvidas que têm surgido relativamente à questão da competência para o cumprimento de deprecadas, cujas diligências devem ter lugar em comarcas onde não haja tribunais de trabalho.
Assim, o artigo 26.º do CPT passa a ter a seguinte redacção:
1 - As citações e notificações que não devam ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências, quando tenham de ser efectuadas em comarca diferente daquela em que o tribunal tem a sua sede, são solicitadas ao tribunal de trabalho sediado naquela comarca, se o houver, e, não o havendo, ao tribunal de competência genérica com sede naquela mesma comarca ou ainda, em qualquer destes casos, à autoridade administrativa ou policial territorial competente.
2 - No caso de existir mais de um tribunal do trabalho na mesma comarca, a competência de cada um, para cumprimento do referido no número anterior, é determinada de acordo com a área de jurisdição dentro dessa comarca.
5 - Para compreender plenamente o sentido da alteração legislativa introduzida em 1989 no artigo 26.º do CPT, confessadamente feita com o propósito de esclarecimento de dúvidas surgidas na interpretação da versão originária desse artigo, importa atentar na evolução legislativa ocorrida no que toca à solução de cumprimento de notificações ou diligências requeridas por tribunais de trabalho, tendo em conta a variação da própria natureza dos tribunais de trabalho desde a publicação do CPT de 1963.
Descreveu-se tal evolução legislativa no Acórdão 139/92 do Tribunal Constitucional. Pode ler-se aí:
No último período de vigência da Constituição Política de 1993, os tribunais do trabalho constituíam uma ordem autónoma de tribunais, que não se confundia com a ordem dos tribunais judiciais. No seu topo, encontrava-se a 3.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, a Secção do Contencioso do Trabalho e Previdência Social. Os tribunais do trabalho de 1.ª instância integravam-se na orgânica do então existente Ministério das Corporações e Previdência Social.
O Código de Processo do Trabalho de 1963, aprovado pelo Decreto-Lei 45497, de 30 de Dezembro de 1963, dispunha no seu artigo 34.º:
1 - As citações e notificações que não possam ou não devam ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências quando tenham de ser efecutadas em comarca diferente daquela em que o tribunal da causa tem a sua sede serão solicitadas ao tribunal do trabalho que tenha sede nessa comarca ou, não o havendo, ao respectivo tribunal de comarca ou julgado municipal, dentro da esfera da sua competência, ou à autoridade administrativa ou policial territorialmente competente.
2 - Na falta de tribunal de trabalho com sede na comarca, as citações e notificações serão, em princípio, requisitadas à autoridade administrativa ou policial.
Se se atentar na redacção deste n.º 2, podia verificar-se que a intervenção das autoridades policiais ou administrativas constituía a regra, se não houvesse tribunal de trabalho na sede da respectiva comarca. Entendia-se então que, quando qualquer diligência fosse deprecada a uma autoridade judicial, se tinha de averiguar se, na comarca em que a diligência se devesse efectuar, havia ou não tribunal do trabalho. Se não houvesse, a diligência podia ser pedida ao tribunal da comarca respectiva ou ao julgado municipal, dentro da esfera da sua competência. Não havendo tribunal do trabalho na comarca, o tribunal deprecante devia em regra solicitar a cooperação de autoridades administrativas ou policiais para o efeito (cf. Alberto Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho Anotado, Coimbra, 1989, p. 114). Na prática, porém, os tribunais do trabalho enviavam as deprecadas em regra aos tribunais judiciais e não às autoridades administrativas ou policiais.
A Constituição de 1976 passou a dispor no seu artigo 212.º, n.os 1 e 2, que haveria tribunais judiciais de 1.ª instância, de 2.ª instância e o Supremo Tribunal de Justiça, tribunais militares e um Tribunal de Contas. No n.º 3 deste artigo previa-se a possibilidade de haver «tribunais administrativos e fiscais». Por força deste artigo, desde logo se concluiu que os tribunais do trabalho não podiam «subsistir como órgãos separados da ordem judiciária, podendo, contudo, funcionar como tribunais judiciais especializados» (Cunha Rodrigues, A Constituição e os Tribunais, Lisboa, 1977, p. 49).
Dando execução a este preceito constitucional, a primeira Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei 82/77, de 6 de Dezembro), considerou que os tribunais judiciais de 1.ª instância seriam em regra de competência genérica, podendo haver «tribunais ou juízes de competência especializada e de competência específica» (artigo 45.º, n.º 2). Nos tribunais de competência específica, a jurisdição seria limitada em função da forma do processo. Nos tribunais ou juízos de competência especializada em função da matéria, previam-se, entre outros, os tribunais do trabalho [artigo 56.º, n.º 1, alínea f)], os quais exerciam a jurisdição social (artigos 65.º a 68.º).
O primeiro Código de Processo do Trabalho pós-constitucional foi aprovado pelo Decreto-Lei 537/79, de 31 de Dezembro, mas não chegou a entrar em vigor. Nos termos do seu artigo 25.º, as citações e notificações que não pudessem ou não devessem ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências, quando tivessem de ser efectuadas em comarca diferente daquela em que o tribunal da causa tivesse a sua sede, seriam solicitadas «ao tribunal competente em matéria de trabalho na respectiva área ou à autoridade administrativa ou policial territorialmente competente».
O Código de 1963 só veio a ser substituído em 1 de Janeiro de 1982, em virtude da entrada em vigor nessa data do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 272-A/81, de 30 de Setembro.
Passou então a dispor este Código no seu artigo 26.º:
As citações e notificações que não possam ou não devam ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências, quando tenham de ser efectuadas em comarca diferente daquela em que o tribunal da causa tem a sua sede, são solicitadas ao tribunal competente em matéria de trabalho na respectiva área ou à autoridade administrativa ou policial territorialmente competente.
A coincidência entre a redacção do artigo 25.º do Código de 1979 - que, repete-se, não chegou a vigorar - e a do artigo 26.º do Código de 1981 é total.
Relativamente à vigência desta redacção e da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1977 e seu regulamento, refere Alberto Leite Ferreira o seguinte:
Na primeira fase (isto é, até à publicação do Decreto-Lei 214/88, de 17 de Junho, que regulamentou a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1987), duas situações havia ainda a considerar:
a) Na comarca alheia onde a diligência tinha de efectuar-se havia tribunal competente em matéria de trabalho; ou
b) Não havia tribunal com competência em matéria de trabalho. Verificada a primeira situação, a citação, notificação ou outra qualquer diligência - penhora, por exemplo -, que não pudesse ser feita por via postal, tinha de ser efectuada, a solicitação do juízo da causa:
1) Pelo tribunal com jurisdição na área em matéria laboral; ou
2) Pela autoridade administrativa ou policial com competência na mesma área.
Se, porém, se verificava a segunda situação - na área onde a diligência devia ser cumprida não havia tribunal com competência em matéria de trabalho -, o cumprimento da diligência, porque não havia aí tribunal competente em matéria de trabalho e não era legalmente possível fazer intervir tribunal desprovido dessa competência, teria de ser pedido à autoridade administrativa ou policial que, do ponto de vista do território, fosse competente. [Ob. cit., p. 116].
Na jurisprudência eram sustentadas duas teses divergentes: uma considerava competentes os tribunais de competência genérica, salvo se na sua sede houvesse um tribunal de trabalho; outra defendia a competência do tribunal de trabalho em cuja área de competência territorial se incluísse a comarca onde devia ser realizada a diligência.
A segunda Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais publicada em 1987 (Lei 38/87, de 23 de Dezembro) só entrou em vigor em 1988, salvo o caso de certos artigos que entraram imediatamente em vigor (artigo 108.º, n.º 5). Essa entrada em vigor coincidiu com a publicação do seu regulamento, aprovado pelo Decreto-Lei 214/88, de 17 de Junho. Os tribunais de trabalho continuaram a ser caracterizados como tribunais judiciais de competência especializada (artigos 64.º a 67.º). O Decreto-Lei 214/88 veio, porém, a conferir maior autonomia aos tribunais do trabalho, os quais passaram a funcionar «como tribunais de competência especializada em todo o País e com uma área de jurisdição tendencialmente idêntica à do respectivo círculo judicial, à excepção da Região Autónoma dos Açores, cuja especificidade geográfica não aconselhou a autonomização destes tribunais» (preâmbulo desse diploma).
A partir desta solução legislativa, Alberto Leite Ferreira sustentou que os tribunais judiciais de competência genérica deixavam de poder executar cartas precatórias emitidas pelos tribunais do trabalho ou praticar outras diligências, a solicitação destes. Tal posição permitia a este comentador afirmar o seguinte:
Em face destas novas realidades, o problema das notificações ou realização de outras diligências, a que se refere o artigo 26.º em nota, sofre, naturalmente, algumas alterações.
E isto porque na interpretação daquele preceito, as expressões «quando tenham de ser efectuadas em comarcas diferentes daquela em que o tribunal da causa tem a sua sede» devem ser entendidas como se dissessem «quando tenham de ser efectuadas em área de jurisdição diferente daquela em que o tribunal da causa tem a sua sede»; e, depois, porque as expressões «tribunal competente em matéria de trabalho» devem tomar-se no seu sentido restrito de «tribunal de trabalho» propriamente dito ou stricto sensu.
Desta maneira, a autonomização dos tribunais do trabalho como tribunais de competência especializada em todo o País e a coincidência tendencial das áreas dos tribunais do trabalho e dos círculos judiciais encontram plena satisfação.
Tudo se passará, agora, como se o artigo 26.º em nota tivesse a seguinte redacção:
As citações e notificações que não possam ou não devam ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências, quando tenham de ser efectuadas em área de jurisdição diferente daquela em que o tribunal da causa tem a sua sede, são solicitadas ao tribunal de trabalho na respectiva área ou a autoridade administrativa ou policial territorialmente competente.
Assim sendo, se uma qualquer diligência das previstas no preceito em nota tiver de ser efectuada em área alheia à jurisdição do tribunal da causa, a sua realização terá de ser feita, a solicitação deste juízo:
a) Pelo tribunal do trabalho com jurisdição sobre essa área;
b) Pela autoridade administrativa ou policial territorialmente competente.
Embora de aplaudir, a nova orientação ainda não é aquela que melhor pode corresponder às exigências da justiça e ao respeito pelo acesso dos trabalhadores aos tribunais e ao direito do trabalho. [Ob. cit., p. 117.]
Daí que este autor preconizasse «uma medida legislativa urgente que ponha termo a tais situações (referência a casos em que a sede do tribunal de trabalho está situada a distância considerável do lugar onde deve ser praticada a diligência requerida por outro tribunal de trabalho), o que poderá conseguir-se se aos tribunais do trabalho for atribuída competência para solicitar aos tribunais da comarca o cumprimento, em determinadas circunstâncias, de diligências de citação e notificação. O que poderá conseguir-se se ao artigo 26.º em anotação se der uma redacção semelhante à do correspondente artigo 34.º do Código de 1963» (ob. cit., p. 118).
6 - De facto, na evolução legislativa traçada no texto transcrito importa acentuar, no que toca aos tribunais do trabalho, três períodos distintos: um primeiro período, anterior à Constituição de 1976 e à Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (LOTJ) de 1977, esses tribunais eram tribunais integrados numa ordem própria, podendo qualificar-se como tribunais especiais, face aos tribunais comuns de competência-regra, que eram os tribunais judiciais (v. a terminologia acolhida nos artigos 66.º, 67.º, 102.º, n.º 2, e 115.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); num segundo período, o da vigência da Lei 82/77 e do Decreto-Lei 269/78, de 1 de Setembro (regulamento da LOTJ), os tribunais do trabalho passaram a ser tribunais judiciais de competência especializada, que coexistiam com os tribunais judiciais «comuns», de comarca, de competência genérica, tendo um âmbito de competência material territorialmente delimitado, que não cobria todo o território nacional, mas apenas as «áreas de acentuada densidade laboral» (expressão constante do preâmbulo do regulamento da LOTJ). Neste segundo período, certos tribunais de comarca mantinham competências materiais em matéria laboral, na medida em que a sua área territorial não se achava integrada na área de nenhum tribunal do trabalho. Finalmente, num terceiro período, iniciado com a publicação do Decreto-Lei 214/88, de 17 de Junho, (regulamento da LOTJ de 1987) e que se estende até ao presente, os tribunais do trabalho passaram a repatir entre si toda a área do continente e da Região Autónoma da Madeira (na Região Autónoma dos Açores, manteve-se a solução de 1977, em virtude de se ter ponderado que a «especificidade geográfica» não aconselhava a autonomização destes tribunais), deixando os tribunais de comarca de exercer competências em matéria laboral.
Ora, o artigo 26.º do CPT de 1981 foi publicado durante o segundo período acima referido, numa altura em que o tribunal de comarca, dispondo de uma competência genérica, podia exercer competências em matéria laboral, desde que não houvesse tribunal do trabalho com competência no território comarcão.
A partir de 1988 e com excepção da Região Autónoma dos Açores, os tribunais do trabalho passaram a dispor de um competência territorial tendencialmente coincidente com a dos tribunais de círculo, deixando os tribunais de comarca de poder exercer competências em matéria laboral. Desde então, acentuou-se a dificuldade interpretativa de reconduzir os tribunais de comarca à categoria de tribunais com competência em matéria de trabalho, no âmbito do artigo 26.º do CPT.
Importa referir que ocorreram divergências jurisprudenciais nos dois últimos períodos referidos, a propósito do alcance do artigo 26.º do CPT. Como se escreveu no Acórdão 118/93 deste Tribunal, ainda inédito:
O sentido e alcance da norma do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho, na sua versão originária, foi entendido divergentemente pela jurisprudência, que acabou por se dividir em duas linhas interpretativas: uma sustentava que o cumprimento de deprecadas extraídas de processo do foro laboral e expedidas pelo tribunal da causa para fora da comarca da sua sede competia ao tribunal de competência genérica da comarca em cuja área jurisdicional houvesse de praticar-se o acto deprecado, salvo se nessa comarca estivesse sediado um tribunal de trabalho (neste sentido, pronunciara-se o Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 11 de Junho de 1986, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, p. 444, e o Tribunal da Relação de Évora, Acórdãos, de 15 de Outubro de 1987 e de 2 de Fevereiro de 1988, Colectânea de Jurisprudência, ano XII, 1987, t. 4, p. 322, e ano XIII, 1988, t. I, p. 296, respectivamente); outra defendia que o cumprimento daquelas deprecadas competia ao tribunal do trabalho em cuja área territorial de jurisdição estivesse incluída a comarca onde tivesse de ser praticado o acto deprecado [cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 1986 e do Tribunal da Relação de Coimbra (de 19 de Maio de 1987), Boletim do Ministério da Justiça, n.os 358, p. 420, e 367, p. 580, respectivamente].
A partir do terceiro período referenciado, porém, passou a ser mais difícil sustentar a tese da competência dos tribunais de comarca para o cumprimento de deprecadas expedidas pelos tribunais laborais.
Bem se compreende, por isso, a premência de uma alteração legislativa, que veio a ser feita pelo Governo em 1989, através do artigo 1.º do citado decreto-lei, já que a alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º da Lei 38/87 não se afigurava como base normativa suficiente para conseguir o fim pretendido, atento o disposto no artigo 26.º do CPT, em conjugação com o disposto nos artigos 64.º a 66.º daquela lei e com o mapa VI anexo ao Decreto-Lei 214/78.
7 - Nos três acórdãos indicados no pedido da entidade requerente - como em numerosíssimos outros entretanto proferidos e que se mantêm inéditos, podendo-se destacar entre esses os n.os 118/93, 119/93, 122/93, 128/93, 129/93, 130/93, 131/93, 157/93, 191/93, 192/93, 193/93, 198/93 a 200/93, 244/93, 245/93, 250/93, 272/93, 279/93, 335/93 a 340/93, 343/93, 354/93 e 369/93 - embora com vozes discordantes, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional o artigo 1.º do Decreto-Lei 315/89, de 21 de Setembro, na parte em que alterou a redacção do artigo 26.º do CPT por violação da alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
No já citado Acórdão 139/92, fundamentou-se este juízo de inconstitucionalidade nos seguintes termos:
O Decreto-Lei 315/89 foi publicado pelo Governo no uso da competência legislativa atribuída pela alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, isto é, no uso da competência de elaboração de «decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República». Porém, deve ter-se em conta que cabe na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a elaboração de leis sobre «organização e competência dos tribunais» [primeira parte da alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição].
O diploma de 1989, na parte em que altera o artigo 26.º, assume confessadamente natureza interpretativa, pretendendo determinar autenticamente o sentido da versão anterior do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho de 1981. Simplesmente, tal interpretação autêntica só poderia ser empreendida pela Assembleia da República ou pelo Governo autorizado por esta, se a matéria de competência dos tribunais constituir, toda ela, reserva relativa daquele órgão parlamentar. É que, como se escreveu no Acórdão 32/87 deste Tribunal:
Basta considerar que, seja qual for a índole da lei interpretativa em causa, a interpretação autêntica, isto é, a fixação obrigatória (para todos os operadores jurídicos) do sentido de uma norma, feita pelo «legislador», é algo que integra o próprio exercício da função normativa, e portanto, tratando-se de leis em sentido formal, da função legislativa (era neste sentido que nos velhos diplomas constitucionais portugueses se definia esta função como a de «fazer as leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las». Assim, só tem legitimidade para tal interpretação - ou seja, para impor a injunção nesta contida - o próprio autor da norma interpretada, isto é, o órgão que detém competência para, ab initio, produzi-la. O que significa - necessária e obviamente - que, em se tratando de normas que versem sobre matéria da competência reservada da Assembleia da República, só esta ou o Governo por ela autorizado podem interpretá-las autenticamente (in Diário da República, 2.ª série, n.º 81, de 7 de Abril de 1987; a mesma doutrina foi reafirmada nos Acórdãos n.os 157/88 e 372/91, ambos publicados na 1.ª série do jornal oficial, n.os 171, de 26 de Julho de 1988, e 256, de 7 de Novembro de 1991, respectivamente).
Assim sendo, terá de se averiguar se as soluções inovatórias em matéria de competência dos tribunais cabem ou não na competência reservada da Assembleia da República, visto que, em caso de interpretação autêntica, existe por natureza inovação, uma vez que o legislador pretende ultrapassar, em regra, divergências interpretativas, fixando, em qualquer caso, sentido normativo que deve valer desde o início da vigência da norma interpretada (cf. artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil). Tal carácter inovatório é, aliás, acentuado nas alegações do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto:
Embora a norma em causa se arrogue a natureza de norma interpretativa, é irrecusável que a solução legislativa nela consagrada envolve alteração quer da competência material dos tribunais comuns quer da competência territorial dos tribunais de trabalho.
Enquanto, por força do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho, na sua versão originária, o tribunal competente para o cumprimento de deprecadas emanadas de processos do foro laboral era o tribunal competente em matéria de trabalho com jurisdição na área onde devesse ser praticado o acto deprecado, o n.º 1 do artigo 26.º do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei 315/89, veio atribuir competência para o cumprimento de deprecadas ao tribunal de competência genérica sediado na comarca onde tiver de praticar-se o acto, excepto se nessa comarca estiver sediado um tribunal de trabalho. [A fls. 10 e 31 dos autos.]
Importa, por isso, ver qual o âmbito coberto pela reserva relativa da Assembleia da República, em matéria de competência dos tribunais [alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição].
Decorre da formulação utilizada por esta alínea do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição - quando confrontada com outras alíneas do mesmo número e artigo, nomeadamente com as alíneas d), e), f) ou g) - que cabe na competência reservada da Assembleia toda a matéria de organização e competência dos tribunais. Nesse sentido se tem pronunciado sempre a jurisprudência do Tribunal Constitucional, embora não de forma unânime, a qual não tem aceite a formulação mais restritiva sugerida no parecer 4/81 da Comissão Constitucional, segundo a qual poderia estar «reservada à Assembleia da República apenas a fixação dos princípios básicos de competência, os grandes quadros de competência que integram a organização judiciária» (in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 14.º, p. 259). Em numerosos acórdãos do Tribunal Constitucional tem sido acolhida a interpretação dos comentadores Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 2.º vol., Coimbra, 1985, pp. 197 a 199 e 202), de que na reserva relativa cabe toda a matéria de organização e competência dos tribunais (cf. Acórdãos n.os 25/88, 3/89 e 356/89, publicados no Diário da República, 2.ª série, n.º 106, de 7 de Maio de 1988, n.º 85, de 12 de Abril de 1989, e 1.ª série, n.º 118, de 23 de Maio do mesmo ano, respectivamente), só não cabendo na reserva as modificações de competência judiciária que decorrem da adopção de uma certa forma processual (Acórdão 404/87, in Diário da República, 2.ª série, n.º 202, de 21 de Dezembro de 1987, solução adoptada subsequentemente em múltiplos arestos tirados em matéria de colonia).
Explicando a opção do legislador constituinte, escreveu-se no Acórdão 367/92 do Tribunal Constitucional - aresto que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 5.º do Decreto-Lei 214/88, de 17 de Junho, conjugado com o mapa VI anexo àquele diploma, na parte em que estabelece que o Tribunal de Família e de Menores de Faro, na área do círculo judicial daquela cidade, com exclusão da comarca de Faro, apenas tem competência para o julgamento de questões de facto nas acções que, sendo-lhe pertinentes, tenham valor superior à alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância - que a jurisprudência do Tribunal Constitucional sustenta, «quando em causa estiver a repartição de competências entre tribunais, [que] há aí um relevo ou importância bastante justificadores da existência de um debate parlamentar sobre a matéria, subordinando a solução às regras entendidas serem de perfilhar pela maioria, pelo que, neste contexto, a questão não poderá deixar de se inscrever como estando inserida no âmbito da reserva de lei formal» (in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 290, de 17 de Dezembro de 1989).
8 - Entende-se que é de manter por inteiro esta orientação jurisprudencial sedimentada, que conduz ao juízo de inconstitucionalidade feito nos acórdãos que deram origem ao presente pedido de fiscalização abstracta.
De facto, não pode sustentar-se - como se fez na declaração de voto do Conselheiro Vítor Nunes de Almeida anexa ao Acórdão 139/92 - que a nova redacção do artigo 26.º do CPT não tem carácter inovatório. Segundo tal tese, não existiria inovação, na medida em que a possibilidade de os tribunais de comarca «cumprir[em] os mandados, cartas, ofícios e telegramas que lhe sejam dirigidos pelos tribunais competentes» [formulação constante da alínea e) do artigo 55.º da Lei 38/87], já constaria da Lei Orgânica de 1987. Se esta posição fosse correcta, dever-se-ia estranhar, antes de tudo, a desatenção do legislador de 1989. Mas uma análise mais detalhada logo mostra que tal norma da LOTJ não é aplicável às deprecadas emitidas pelos tribunais do trabalho: é que, a partir de 1988, todo o território nacional (com excepção da Região Autónoma dos Açores) passou a estar simultaneamente dividido em comarcas e em áreas de competência de tribunais do trabalho, sobrepondo-se as áreas de umas e de outros, embora possa não haver coincidência total entre os dois tipos de área, em cada circunscrição territorial. Tal situação não se confunde com a prevista na lei para os tribunais de família e de menores ou para os tribunais cíveis, visto que o território nacional não se acha totalmente repartido em áreas de competência de cada um desses tribunais especializados. Não existe, aí, uma sobreposição integral, considerando todo o território nacional. Assim sendo, os tribunais cíveis ou de família e de menores não podem enviar deprecadas para outros tribunais da mesma natureza, quando estes não existem em certas áreas territoriais, sendo certo que em tais circunscrições os tribunais de comarca dispõem de competência em matérias cíveis, de família e de menores.
O mesmo sucedia com os tribunais de trabalho no segundo período atrás considerado (de 1978 a 1988). A inovação legislativa corresponde precisamente à necessidade de manter uma solução tida por boa, que a repartição integral do território do País por áreas de competência de diferentes tribunais de trabalho, em 1988, pôs em causa. Existe inovação e a mesma nada tem a ver com qualquer, aparente ou real, «marginalização» - presume-se que operada pelos tribunais comuns - dos tribunais de competência especializada que são os tribunais de trabalho.
9 - Tão-pouco se pode aceitar que a modificação de 1989 se revista de simples carácter processual. Não obstante a alteração de redacção ter sido feita numa lei processual, é manifesto que não tem nada a ver com matéria de processo laboral de qualquer natureza. A redacção de 1989 do artigo 26.º do CPT visou determinar que qualquer tribunal do trabalho pudesse solicitar o cumprimento de cartas precatórias a tribunais de comarca cuja área de competência territorial seja coincidente com a do próprio tribunal deprecante ou com a de outro tribunal do trabalho. Trata-se de uma norma de competência em matéria laboral. Se, quanto à realização de citações e notificações, meros actos de comunicação de actos processuais, se pode dizer que a competência material não se reveste de especial relevância, o mesmo já não se pode dizer quando as cartas precatórias visem a produção de prova testemunhal numa acção pendente no foro laboral (v. o artigo 62.º do CPT), a efectivação de penhoras ou a realização de vendas executivas ordenadas em processo executivo laboral. Como se escreveu no Acórdão 139/92, «mesmo nesta questão tão restrita de execução de cartas precatórias para citações ou notificações e outros actos processuais, sempre se há-de considerar relevante que a norma desaplicada pelo tribunal recorrido modifique regras de competência em razão da matéria, afectando tribunais de competência genérica e tribunais especializados, do mesmo passo que é também modificada a área territorial de competência dos próprios tribunais de trabalho, fixada anteriormente à modificação de 1989 pela Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1987 e seu regulamento».
10 - Por último, não se aceita que, em matéria de competência de tribunais, se possa distinguir, à luz da Constituição, um plano legal e um plano regulamentar, no que toca à definição da competência material dos diferentes tipos de tribunais, e que se circunscreva a reserva parlamentar a definição das matérias em que as opções legislativas se revistam de especial relevância. A alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º não fornece qualquer critério para a distinção de questões mais ou menos relevantes, no que toca à competência material dos diferentes tribunais. Como se escreveu no Acórdão 271/92 deste Tribunal:
[...] para editar normas que visem modificar as regras de competência judicial material (ou seja: para modificar as regras atinentes à distribuição das matérias pelas diversas espécies de tribunais) que o mesmo é dizer pelos diferentes tribunais dispostos horizontalmente (no mesmo plano), sem que, por conseguinte, haja entre eles relação de supraordenação e subordinação, o Governo tem de estar munido de autorização legislativa.
É que, seja qual for o alcance a atribuir à reserva legislativa, no ponto em que ela tem por objecto a definição de «competência dos tribunais», há-de incluir-se, aí, sem dúvida, a definição da competência dos tribunais (máxime, dos tribunais judiciais) ratione materiae, (in Diário da República, 2.ª série, n.º 271, de 23 de Novembro de 1992).
Não é, por isso, correcto dizer que se esteja aqui perante uma mera alteração da definição de área geográfica a que cada concreto tribunal judicial estende a sua competência, visto que se trata de substrair uma competência material aos tribunais do trabalho, atribuindo-a aos tribunais de comarca, de competência genérica, sendo certo que, repete-se, a partir de 1988 tinham deixado de ter tal competência (ressalva-se, claro, a situação excepcional da Região Autónoma dos Açores).
11 - Acrescente-se que não constituem objecto deste processo normas do Decreto-Lei 214/88, pelo que não tem de discutir-se agora a constitucionalidade de qualquer das opções em matéria de competência material eventualmente feitas nesse diploma, cabendo notar-se, em todo o caso, que aquele diploma foi publicado «no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei 38/87, de 23 de Dezembro, e nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição», isto é, de forma a conter normação de carácter legal e não meramente regulamentar (sobre a possibilidade, tida por problemática, de o Governo determinar a criação e extinção de tribunais em concreto, na base de lei, através de decreto-lei não autorizado, v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 675, e, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, o já citado Acórdão 367/92).
III
12 - Pelos fundamentos expostos, decide o Tribunal Constitucional declarar a insconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 1.º do Decreto-Lei 315/89, de 21 de Setembro, na parte em que dá nova redacção ao artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho, por violação do disposto na alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.
Lisboa, 30 de Novembro de 1993. - Armindo Ribeiro Mendes - Antero Alves Monteiro Dinis - António Vitorino - Alberto Tavares da Costa - Guilherme da Fonseca - Maria da Assunção Esteves - Luís Nunes de Almeida - Fernando Alves Correia (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - José de Sousa e Brito (vencido, pelas razões da declaração de voto do Conselheiro Alves Correia) - Vítor Nunes de Almeida (vencido, pelos fundamentos constantes da declaração de voto aposta ao Acórdão 139/92 e dos constantes da declaração do Exmo. Conselheiro Alves Correia, agora junta) - Messias Bento (vencido nos mesmos termos do Exmo. Conselheiro Alves Correia, primitivo relator) - Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) - José Manuel Moreira Cardoso da Costa (vencido, conforme declaração junta ao Acórdão 139/92, e acompanhando agora as declarações de voto dos Exmos. Conselheiros Alves Correia e Bravo Serra).
Declaração de voto
Como primitivo relator, fiquei vencido. Eis as razões do meu voto de discordância, as quais correspondem ao conteúdo do projecto de acórdão que, oportunamente, coloquei à consideração do Tribunal:
1 - O Decreto-Lei 315/89, de 21 de Setembro, veio, no seu artigo 1.º, alterar a redacção do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 272-A/81, de 30 de Setembro - o qual determinava que «as citações e notificações que não possam ou não devam ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências, quando tenham de ser efectuadas em comarca diferente daquela em que o tribunal da causa tem a sua sede, são solicitadas ao tribunal competente em matéria de trabalho na respectiva área ou à autoridade administrativa ou policial territorialmente competente» -, com a finalidade de «esclarecer as dúvidas que têm surgido relativamente à questão da competência para o cumprimento de deprecadas, cujas diligências devem ter lugar em comarcas onde não haja tribunais do trabalho» (cf. o preâmbulo daquele primeiro diploma governamental).
Em consequência desta alteração, o artigo 26.º do referido Código passou a ter o seguinte conteúdo:
1 - As citações e notificações que não devam ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências, quando tenham de ser efectuadas em comarca diferente daquela em que o tribunal tem a sua sede, são solicitadas ao tribunal do trabalho sediado naquela comarca, se o houver, e, não o havendo, ao tribunal de competência genérica com sede naquela mesma comarca ou ainda, em qualquer destes casos, à autoridade administrativa ou policial territorial competente.
2 - No caso de existir mais de um tribunal do trabalho competente na mesma comarca, a competência de cada um, para cumprimento do referido no número anterior, é determinada de acordo com a área de jurisdição dentro dessa comarca.
Objecto do presente pedido é apenas a norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º315/89, de 21 de Setembro, na parte em que deu nova redacção ao artigo 26.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, pois só nessa exacta dimensão foi julgada inconstitucional pelos arestos deste Tribunal, todos da 1.ª Secção, n.os 139/92, 374/92 e 375/92, o primeiro publicado no Diário da República, 2.ª série, de 21 de Agosto de 1992, e os restantes ainda inéditos.
2 - Os tribunais do trabalho foram, durante muito tempo, tribunais especiais - categoria que se contrapunha à de tribunais comuns, que eram os tribunais judiciais.
Achavam-se na dependência orgânica do Ministério das Corporação e Previdência Social (mais tarde, Ministério do Trabalho).
3 - A Constituição da República Portuguesa de 1976 passou a prescrever, no seu artigo 212.º, n.º 1, que «haverá tribunais de 1.ª instância, de 2.ª instância e o Supremo Tribunal de Justiça», acrescentando, no n.º 2, que «haverá tribunais militares e um Tribunal de Contas» e, no n.º 3 que «poderá haver tribunais administrativos e fiscais». De sua parte, o artigo 301.º, n.º 1, preceituava que «a revisão da legislação vigente sobre a organização dos tribunais e o estatuto dos juízes estará concluída até ao fim da 1.ª sessão legislativa».
4.1 - Foi, então, publicada a Lei 82/77, de 6 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), que, no artigo 85.º, dispunha que «os tribunais do trabalho são integrados na ordem judiciária e transitam para a dependência orgânica do Ministério da Justiça».
A partir da publicação da Lei 82/77, de 6 de Dezembro - tal como se pôs em destaque no Acórdão 271/92 deste Tribunal, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 23 de Novembro de 1992 -, se a dicotomia tribunais comuns/tribunais especiais continuou a fazer sentido, os tribunais do trabalho, tendo passado a ser tribunais judiciais, deixaram de integrar-se na categoria dos tribunais especiais, para passarem a pertencer à dos tribunais comuns. Eles passaram, com efeito, a ser tribunais judiciais de competência especializada - tribunais que, justamente, «exercem jurisdição social» (cf. artigo 65.º), cumprindo-lhes, por isso, conhecer, em primeira instância, das questões jurídico-laborais (cf. artigos 66.º e 67.º).
No domínio da Lei 82/77 - como bem resulta do confronto dos seus artigos 45.º, 54.º, alínea a), 56.º, n.º 1, alínea f), 65.º e 66.º com o mapa VI anexo ao Decreto-Lei 269/78, de 1 de Setembro, que (como se prescrevia no artigo 92.º, n.º 2, da Lei) a veio regulamentar - os tribunais do trabalho não cobrem, porém, todo o País: cobrem apenas as «áreas de acentuada densidade laboral», pois «onde isso não aconteça» - sublinha-se no preâmbulo do citado Decreto-Lei 269/78 - «as causas de trabalho serão julgadas por tribunais de competência genérica», ou seja, em regra, pelos tribunais de comarca, que é a quem compete «conhecer, em 1.ª instância, das causas que não sejam atribuídas a outro tribunal» [cf. artigos 45.º, n.º 1, e 54.º, alínea a), da Lei 82/77].
Com este sistema - ou seja: com a atribuição, fora das «áreas de acentuada densidade laboral», aos tribunais de comarca, da competência para o conhecimento das questões jurídico-laborais - pretendeu o legislador tornar a justiça do trabalho «mais acessível a largas camadas da população que até [então] tinham, algumas vezes, que vencer a dificuldade de dezenas de quilómetros» (cf. o já citado preâmbulo do Decreto-Lei 269/78).
4.2 - Na actual Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei 38/87, de 23 de Dezembro, os tribunais do trabalho mantêm a natureza de tribunais judiciais de competência especializada. Eles continuam, na verdade, a ser competentes para conhecer as questões jurídico-laborais (cf. artigos 46.º, n.º 2, e 64.º a 66.º).
O Governo, porém, ao regulamentar a Lei 38/87 (o que fez com o Decreto-Lei 214/88, de 17 de Junho, editado ao abrigo do disposto no artigo 108.º, n.º 1, da Lei), entendeu - contrariamente ao que sucedera aquando da publicação do citado Decreto-Lei 269/78 - que os tribunais do trabalho deviam funcionar «como tribunais de competência especializada em todo o País e com uma jurisdição tendencialmente idêntica à do respectivo círculo judicial, à excepção da Região Autónoma dos Açores, cuja especificidade geográfica não aconselha a autonomização destes tribunais» [cf. o respectivo preâmbulo e o seu mapa VI, conjugados com os artigos 46.º, n.º 1, 47.º, n.º 2, 55.º, n.º 1, alínea a), e 64.º a 66.º da Lei 38/87].
4.3 - Decorre do que acaba de expor-se que os tribunais do trabalho, tanto no domínio da Lei 82/77, como no da Lei 38/87, são tribunais judiciais de competência especializada, cumprindo-lhes conhecer, em 1.ª instância, das questões jurídico-laborais. A sua jurisdição, porém, no domínio do Decreto-Lei 269/78 (com que o Governo regulamentou a Lei 82/77), estendia-se tão-só às «áreas de acentuada densidade laboral»; já no domínio do Decreto-Lei 214/88 (com que o Governo regulamentou a Lei 38/87), ela abarca, tendencialmente, todo o País, com excepção da Região Autónoma dos Açores.
5 - No momento em que foi publicada a Lei 82/77, de 6 de Dezembro, vigorava o Código de Processo do Trabalho de 1963, aprovado pelo Decreto-Lei 45497, de 30 de Dezembro de 1963, publicado na sequência da reforma do processo civil de 1961 (tal como o primeiro Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 30910, de 3 de Novembro de 1940, havia sido publicado em consequência da reforma do processo civil de 1939).
5.1 - No que concerne às diligências deprecadas, o Código de Processo do Trabalho de 1963 preceituava, no seu artigo 34.º, o seguinte:
1 - As citações e notificações que não possam ou não devam ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências, quando tenham de ser efectuadas em comarca diferente daquela em que o tribunal da causa tem a sua sede, serão solicitadas ao tribunal do trabalho que tenha sede nessa comarca ou, não o havendo, ao respectivo tribunal de comarca ou julgado municipal, dentro da esfera da sua competência, ou à autoridade administrativa ou policial territorialmente competente.
2 - Na falta de tribunal do trabalho com sede na comarca, as citações e notificações serão, em princípio, requisitadas à autoridade administrativa ou policial.
Assim, no domínio do Código de Processo do Trabalho de 1963, sempre que um tribunal do trabalho tivesse de levar a efeito uma qualquer diligência que devesse ser praticada em comarca diferente daquela em que ele tinha a sua sede havia de proceder de modo seguinte:
a) Se, na comarca onde a diligência tinha de ser praticada, houvesse tribunal do trabalho que aí tivesse a sua sede, a diligência ser-lhe-ia deprecada (a menos, claro é, que se tratasse de notificação que pudesse ou devesse ser feita por via postal);
b) Se, nessa comarca, não tivesse sede um tribunal do trabalho que pudesse ser deprecado, tudo dependia da natureza da diligência a praticar. Assim:
b') Tratando-se de citação ou de notificação que não pudesse ou devesse ser feita por via postal, devia ela, em princípio, ser requisitada à autoridade administrativa ou policial territorialmente competente;
b'') Estando em causa outro tipo de diligência, seria ela deprecada ao respectivo tribunal de comarca ou julgado municipal, dentro da sua esfera de competência, ou à autoridade administrativa ou policial.
5.2 - Entretanto, foi publicado o Código de Processo do Trabalho de 1981, aprovado pelo Decreto-Lei 272-A/81, de 30 de Setembro, para entrar em vigor em 1 de Janeiro de 1982, tendo, simultaneamente, sido revogado o Código de Processo do Trabalho de 1979, aprovado pelo Decreto-Lei 537/79, de 31 de Dezembro (cf. artigo 3.º do Decreto-Lei 272-A/81), que nunca chegou a vigorar.
De facto, o início da vigência deste Código de 1979 tinha sido previsto para 8 de Abril de 1980 (cf. artigo 3.º), mas foi sendo sucessivamente prorrogado; e, finalmente, foi suspensa, até 1 de Outubro de 1981, a própria aplicação do Código (cf. Lei 48/80, de 26 de Dezembro).
No domínio da redacção originária do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho de 1981 - cujo conteúdo foi acima transcrito -, as diligências que houvessem de praticar-se em comarca diferente daquela em que o tribunal da causa tinha a sua sede deviam, pois, ser deprecadas ao «tribunal competente em matéria de trabalho na respectiva área» (ou requisitadas «à autoridade administrativa ou policial territorialmente competente») - a menos, claro é, que se tratasse de citação ou notificação que pudesse ou devesse ser feita por via postal (cf., sobre o tema, Alberto Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho Anotado, Coimbra, 1989, p. 116).
Por isso, até à publicação do Decreto-Lei 214/88, de 17 de Junho - que, recorda-se, veio regulamentar a Lei 38/87, de 23 de Dezembro -, tais deprecadas (as deprecadas expedidas pelos tribunais do trabalho para a prática de diligências em comarcas em que não tivesse sede um tribunal do trabalho) deviam ser cumpridas pelos respectivos tribunais de comarca (recte, pelos respectivos tribunais de competência genérica), se não sempre, ao menos quando a comarca onde a diligência houvesse de ser praticada não estivesse abrangida pela área de competência territorial de um tribunal do trabalho (neste último caso, com efeito, podia entender-se que era este tribunal do trabalho o competente para o efeito).
É que, como atrás se disse (cf. supra, n.os 6.1 e 6.3), até então (ou seja: até à publicação do Decreto-Lei 214/88) - que o mesmo é dizer, no domínio do Decreto-Lei 269/78, de 1 de Setembro -, «o tribunal competente em matéria de trabalho na respectiva área», a que se refere aquele artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho, só seria um tribunal do trabalho estando em causa «áreas de acentuada densidade laboral», pois que, nas demais, «as causas de trabalho» achavam-se cometidas aos «tribunais de competência genérica» (isto é: em regra, aos tribunais de comarca).
5.3 - Com a publicação do mencionado Decreto-Lei 214/88, de 17 de Junho - que, repete-se uma vez mais, veio regulamentar a citada Lei 38/87, de 23 de Dezembro, a qual só entrou em vigor no momento da entrada em vigor daquele regulamento -, os tribunais do trabalho ficaram a ter jurisdição, tendencialmente, sobre todo o País (a excepção constitui-a a Região Autónoma dos Açores: cf. supra, n.os 6.2 e 6.3).
Era, por isso, defensável a opinião daqueles que - como Alberto Leite Ferreira, ob. cit., p. 117- sustentavam que, com a publicação do mencionado Decreto-Lei 214/88, os tribunais de comarca (rectius, os tribunais de competência genérica) deixaram de ter competência para o cumprimento das cartas precatórias expedidas pelos tribunais do trabalho para a prática de diligências em comarca diferente daquela em que tem a sua sede o tribunal da causa.
Essa competência ficou a pertencer (segundo esse entendimento) aos tribunais do trabalho em cuja área de competência territorial se situava a comarca onde a diligência tinha que ser praticada (sem prejuízo, naturalmente, da competência das autoridades administrativas e policiais).
É que tais deprecadas tinham de ser cumpridas pelo «tribunal competente em matéria de trabalho na respectiva área» (cf. o citado artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho), e este passou a ser, obrigatoriamente, um tribunal do trabalho (salvo nos Açores), uma vez que a área de competência territorial deste tipo de tribunais passou a corresponder em todo o País (com excepção dos Açores), tendencialmente, à área dos círculos judiciais (cf. mapa VI anexo ao citado Decreto-Lei 214/88).
6 - O Decreto-Lei 315/89, de 21 de Setembro, veio alterar o Código de Processo do Trabalho de 1981, dando, designadamente, nova redacção ao artigo 26.º acima reproduzido, cujo n.º 1 constitui, como já foi salientado, o objecto do presente processo.
Após a nova redacção do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho (introduzida pelo Decreto-Lei 315/89, de 21 de Setembro), não restam dúvidas de que, não obstante os tribunais do trabalho continuarem a ter uma área de competência territorial que, tendencialmente, corresponde à área dos círculos judiciais, eles só têm de cumprir as precatórias expedidas por outros tribunais do trabalho, quando as diligências deprecadas devam ser praticadas na área da comarca onde eles estão sediados. Se tais diligências houverem de praticar-se em comarca diferente dessa (embora incluída na sua área de jurisdição), a competência para o cumprimento da carta já pertence ao tribunal de competência genérica com sede nessa comarca.
Significa isto que, no domínio da versão originária do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho (ao menos num certo entendimento deste preceito: cf. supra, n.º 5.3), o tribunal competente para o cumprimento das deprecadas expedidas pelos tribunais do trabalho era sempre (salvo nos Açores) um tribunal do trabalho; agora, após a publicação do Decreto-Lei 315/89, quando a diligência houver de ser praticada em comarca onde não esteja sediado um tribunal do trabalho, competente, é o tribunal de competência genérica que aí tenha a sede.
O Decreto-Lei 315/89, de 21 de Setembro - na parte em que deu nova redacção ao n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho -, introduziu, pois (salvo se dever entender-se que ele não é inovatório: cf. infra, n.º 10), uma modificação em matéria de competência dos tribunais para o cumprimento de deprecadas expedidas pelos tribunais do trabalho, tal como essa matéria se achava regulada neste artigo 26.º: na hipótese apontada (ou seja: quando não haja tribunal do trabalho sediado na comarca em cuja área a diligência deprecada tem de ser levada a efeito), a competência (que, no domínio da redacção originária daquele artigo 26.º, pertencia - ao menos numa certa interpretação - ao tribunal do trabalho que aí tivesse jurisdição, mesmo que não tivesse lá a sua sede) pertence, agora, ao respectivo tribunal de competência genérica.
7 - A norma do n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 315/89, de 21 de Setembro) será inconstitucional, como decidiram os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 139/92, 374/92 e 375/92?
Estes arestos julgaram inconstitucional a norma mencionada, por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, plasmada na alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da lei fundamental. É que, segundo eles, a norma aqui sub judicio modificou «regras de competências em razão da matéria, afectando tribunais de competência genérica e tribunais especializados», do mesmo passo que também alterou «a área territorial de competência dos próprios tribunais do trabalho, fixada anteriormente à modificação de 1989 pela Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1987 e seu regulamento».
Escreveu-se, com efeito, naqueles arestos:
O Decreto-Lei 315/89 foi publicado pelo Governo no uso da competência legislativa atribuída pela alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, isto é, no uso da competência de elaboração de «decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República». Porém, deve ter-se em conta que cabe na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a elaboração de leis sobre «organização e competência dos tribunais» [primeira parte da alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição].
O diploma de 1989, na parte em que altera o artigo 26.º, assume confessadamente natureza interpretativa, pretendendo determinar autenticamente o sentido da versão anterior do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho de 1981. Simplesmente, tal interpretação autêntica só poderia ser empreendida pela Assembleia da República ou pelo Governo autorizado por esta, se a matéria de competência dos tribunais constituir, toda ela, reserva relativa daquele órgão parlamentar. É que, como se escreveu no Acórdão 32/87 deste Tribunal:
Basta considerar que, seja qual for a índole da lei interpretativa em causa, a interpretação autêntica, isto é, a fixação obrigatória (para todos os operadores jurídicos) do sentido de uma norma, feita pelo «legislador» - é algo que integra o próprio exercício da função normativa, e portanto, tratando-se de leis em sentido formal, da função legislativa (era neste sentido que nos velhos diplomas constitucionais portugueses se definia esta função como a de «fazer as leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las»). Assim, só tem legitimidade para tal interpretação - ou seja, para impor a injunção nesta contida - o próprio autor da norma interpretada, isto é, o órgão que detém competência para, ab initio, produzi-la. O que significa - necessária e obviamente - que, em se tratando de normas que versem sobre matéria da competência reservada da Assembleia da República, só esta ou o Governo por ela autorizado podem interpretá-las autenticamente. [In Diário da República, 2.ª série, n.º 81, de 7 de Abril de 1987; a mesma doutrina foi reafirmada nos Acórdãos n.os 157/88 e 372/91, ambos publicados na 1.ª série do jornal oficial, n.os 171, de 26 de Julho de 1988, e 256, de 7 de Novembro de 1991, respectivamente.]
Assim sendo, terá de se averiguar se as soluções inovatórias em matéria de competência dos tribunais cabem ou não na competência reservada da Assembleia da República, visto que, em caso de interpretação autêntica, existe por natureza inovação, uma vez que o legislador pretende ultrapassar, em regra, divergências interpretativas, fixando, em qualquer caso, sentido normativo que deve valer desde o início da vigência da norma interpretada (cf. o artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil). Tal carácter inovatório é, aliás, acentuado nas alegações do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto:
Embora a norma em causa se arrogue a natureza de norma interpretativa, é irrecusável que a solução legislativa nela consagrada envolve alteração quer da competência material dos tribunais comuns quer da competência territorial dos tribunais do trabalho.
Enquanto, por força do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho, na sua versão originária, o tribunal competente para o cumprimento de deprecadas emanadas de processos do foro laboral era o tribunal competente em matéria de trabalho com jurisdição na área onde devesse ser praticado o acto deprecado, o n.º 1 do artigo 26.º do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei 315/89, veio atribuir competência para o cumprimento de deprecadas do tribunal de competência genérica sediado na comarca onde tiver de praticar-se o acto, excepto se nessa comarca estiver sediado um tribunal do trabalho [...]
Importa, por isso, ver qual o âmbito coberto pela reserva relativa da Assembleia da República, em matéria de competência dos tribunais [alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição].
Decorre da formulação utilizada por esta alínea do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição - quando confrontada com outras alíneas do mesmo número e artigo, nomeadamente com as alíneas d), e), f) ou g) - que cabe na competência reservada da Assembleia toda a matéria de organização e competência dos tribunais. Nesse sentido se tem pronunciado sempre a jurisprudência do Tribunal Constitucional, embora não de forma unânime, a qual não tem aceite a formulação mais restritiva sugerida no parecer 4/81 da Comissão Constitucional, segundo a qual poderia estar «reservada à Assembleia da República apenas a fixação dos princípios básicos de competência, os grandes quadros de competência que integram a organização judiciária (in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 14.º, p. 259). Em numerosos acórdãos do Tribunal Constitucional tem sido acolhida a interpretação dos comentadores Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 2.º vol., Coimbra, 1985, pp. 197 a 199 e 202), de que na reserva relativa cabe toda a matéria de organização e competência dos tribunais (cf. Acórdãos n.os 25/88, 3/89 e 356/89, publicados no Diário da República, 2.ª série, n.º 106, de 7 de Maio de 1988, n.º 85, de 12 de Abril de 1989, e 1.ª série, n.º 118, de 23 de Maio do mesmo ano, respectivamente), só não cabendo na reserva as modificações de competência juridicária que decorrem da adopção de uma certa forma processual (Acórdão 404/87, in Diário da República, 2.ª série, n.º 202, de 21 de Dezembro de 1987, solução adoptada subsequentemente em múltiplos arestos tirados em matéria de colonia).
Seja como for, e mesmo nesta questão tão restrita de execução de cartas precatórias para citações ou notificações e outros actos processuais, sempre se há-de considerar relevante que a norma desaplicada pelo tribunal recorrido modifique regras de competência em razão da matéria, afectando tribunais de competência genérica e tribunais especializados, do mesmo passo que é também modificada a área territorial de competência dos próprios tribunais do trabalho, fixada anteriormente à modificação de 1989 pela Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1987 e seu regulamento.
Daí a conclusão de que o artigo 1.º do Decreto-Lei 315/89, de 21 de Setembro, na parte em que alterou a redacção do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho, é organicamente inconstitucional, por violação da alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição».
8 - A solução de inconstitucionalidade adoptada pelo Tribunal Constitucional nos citados arestos assentou no pressuposto de que a norma constante do artigo 1.º do Decreto-Lei 315/89, de 21 de Setembro, na parte em que deu nova redacção ao artigo 26.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, é uma lei interpretativa e, por isso, inovatória e não tem carácter meramente processual.
Se este entendimento houvesse de ser forçoso, então aquele norma seria inexoravelmente inconstitucional. Todavia, aquela norma pode - e deve - ser objecto de outra (ou outras), interpretação, a qual conduz inevitavalmente a uma solução de não inconstitucionalidade.
8.1 - Na verdade, em primeiro lugar, pode entender-se que a norma aqui questionada não introduziu um regime inovador, no quadro do sistema vigente na altura da sua entrada em vigor, em matéria de competência dos tribunais para o cumprimento de deprecadas expedidas pelos tribunais do trabalho.
Com efeito, é possível sustentar-se que aquele Decreto-Lei 315/89, em direitas contas, nada inovou, pois que, com a redacção que deu ao artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho, o que tão-só fez foi (no tocante aos tribunais do trabalho) harmonizar este preceito com o que estatui a alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º da Lei 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judicais), quanto à matéria da competência para cumprir deprecadas (cf., neste sentido, expressamente, a declaração de voto do Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, aposta ao citado Acórdão 139/92).
De facto, o artigo 55.º da citada Lei 38/87 define a competência dos tribunais singulares de competência genérica - aqueles a quem compete «preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outros tribunais» [cf. alínea a) do n.º 1].
Ora, na alínea e) do n.º 1 deste preceito legal, comete-se, justamente, a estes tribunais (aos tribunais de competência genérica) o cumprimento dos «mandados, cartas, ofícios e telegramas que lhes sejam dirigidos pelos tribunais ou autoridades competentes». Ou seja: comete-se-lhes - pode, na verdade, entender-se - o cumprimento das cartas precatórias expedidas pelos tribunais do trabalho, pelos tribunais de família ou pelos tribunais de menores - todos eles tribunais judiciais de competência especializada.
De acordo com esta maneira de ver as coisas, a norma objecto do presente processo de fiscalização abstracta da constitucionalidade não será organicamente inconstitucional, por violação da alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, uma vez que, para a situação prevista na norma em análise, existe preceito legal emitido pela Assembleia da República.
8.2 - Em segundo lugar, ainda que haja de entender-se que a aludida norma tem carácter inovador, bem pode reconhecer-se «simples carácter processual» à modificação por ela traduzida, pois que se não visou, propriamente, «mexer» na competência dos tribunais, mas antes, e tão-só, definir a entidade (tribunal ou autoridade administrativa ou policial) a quem os tribunais do trabalho devem solicitar a prática de actos que hajam de realizar-se em comarca diversa daquela em que eles têm a sua sede e que não devam levar-se a efeito por via postal.
Ora, reconhecendo-se à modificação introduzida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 315/89, de 21 de Detembro, na competência dos tribunais para o cumprimento de deprecadas expedidas pelos tribunais do trabalho «simples carácter processual», então a norma sub judicio não é inconstitucional. É que, como se sublinhou no já citado Acórdão deste Tribunal n.º 404/87 e repetiu no Acórdão 47/90, também deste Tribunal (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 6 de Julho de 1990), na reserva de competência parlamentar atinente à definição da competência dos tribunais «não entram as modificações de competência judicial a que deva atribuir-se simples carácter processual».
8.3 - Em terceiro lugar, ainda que se entenda que a norma aqui questionada é lei interpretativa e, por isso, inovatória e não tem «simples carácter processual», ainda assim não deva ela ser tida por inconstitucional, dado que a competência dos tribunais para o cumprimento de deprecadas expedidas pelos tribunais do trabalho - e, consequentemente, a modificação introduzida nessa competência pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 315/89 - não é matéria que se situe naquele «nível ou grau» de competência que a Constituição reserva, na alínea q) do n.º 1 do seu artigo 168.º, à intervenção parlamentar.
A reserva parlamentar, que tem por objecto a competência dos tribunais [alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º] é muito vasta, uma vez que - contrariamente ao que sucede noutras matérias - não se circunscreve às bases, às bases gerais ou ao regime geral. Não deve ela, porém, ir além das matérias em que as opções legislativas a fazer - seja pela importância das próprias matérias, seja pelas consequências que lhes andam ligadas - reclamam, como que pela natureza das coisas, a sua adopção por maioria, precedendo debate parlamentar.
Assim, inclui-se aí, desde logo, a definição das matérias que pertencem à competência de cada ordem de tribunais, sendo de notar, a propósito, que a própria Constituição fornece uma indicação geral a esse respeito (cf. artigo 213.º, n.º 1, quanto aos tribunais judiciais; artigo 214.º, n.º 3, quanto aos tribunais administrativos e fiscais; artigo 215.º, quando aos tribunais militares; e artigo 216.º, n.º 1, quanto ao Tribunal de Contas).
Como se consignou no Acórdão deste Tribunal n.º 33/88, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 22 de Março de 1988, está-se, seguramente, a legislar sobre competência dos tribunais, incluída na reserva legislativa da Assembleia da República, quando se editam «normas que, v. g., distribuam a competência contenciosa entre as diferentes ordens de jurisdição estaduais, delimitem genericamente o respectivo âmbito material de competência ou, ainda, estabeleçam o tipo de conexão que há-de interceder entre os tribunais do Estado e os tribunais arbitrais».
Nessa reserva de competência, inclui-se também a definição da competência de cada espécie de tribunal, máxime de cada espécie de tribunal judicial, ratione materiae - ou seja: inclui-se aí a distribuição das diferentes matérias pelas diferentes espécies de tribunais dispostos horizontalmente (no mesmo plano).
Está, por isso, seguramente, a legislar-se sobre competência em razão da matéria - e, assim, sobre matéria incluída na reserva parlamentar -, quando se distribuem pelos tribunais de competência genérica e pelos diferentes tribunais de competência especializada (ou de competência especializada mista) as matérias cujo conhecimento a Constituição e a lei cometem aos tribunais judiciais - a saber: a «matéria cível e criminal» (esta, apenas com exclusão dos crimes essencialmente militares e dos crimes dolosos a eles equiparados pela lei) e, bem assim, «todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais» (cf. artigo 213.º, n.º 1, da Constituição).
Escreveu-se, a propósito, no já mencionado Acórdão deste Tribunal n.º 271/92:
Por isso, para editar normas que visem modificar as regras de competência judiciária material (ou seja: para modificar as regras atinentes à distribuição das matérias pelas diversas espécies de tribunais) que o mesmo é dizer pelos diferentes tribunais dispostos horizontalmente (no mesmo plano), sem que, por conseguinte, haja entre eles relação de supraordenação e subordinação, o Governo tem de estar munido de autorização legislativa.
É que, seja qual for o alcance a atribuir à reserva legislativa, no ponto em que ela tem por objecto a definição da «competência dos tribunais», há-de incluir-se, aí, sem dúvida, a definição da competência dos tribunais (máxime dos tribunais judiciais) ratione materiae (cf., neste sentido, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.os 36/87, 356/89 e 72/90, publicados no Diário da República, 1.ª série, de, respectivamente, 4 de Março de 1987, 23 de Maio de 1989 e 2 de Abril de 1990).
Já, porém, se não inscreve na reserva parlamentar atinente à «organização e competência dos tribunais», a que se refere a alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição da República, a definição da área geográfica a que cada concreto tribunal estende a sua jurisdição, máxime, para o efeito de cumprir deprecadas emanadas de outros tribunais.
Aí, com efeito, não está já em causa a especial aptidão de cada espécie de tribunal para o julgamento deste ou daquele tipo de questões jurídicas, que é a razão que preside à distribuição destas pelas diferentes ordens de jurisdição estadual e, bem assim, dentro da mesma ordem de jurisdição, pelas diferentes espécies de tribunais dispostos horizontalmente (competência ratione materiae). Em causa estão já razões de comodidade das populações, a que também há que atender para assegurar o efectivo gozo do direito de acesso aos tribunais, pois que ele pressupõe a proximidade da justiça em relação aos cidadãos.
Trata-se, assim, de matéria que convoca a intervenção do Governo, de preferência à da Assembleia da República, pois são de natureza logística as razões capazes de determinar as opções a fazer na determinação dessa área geográfica.
Aliás - como bem resulta do confronto das leis orgânicas dos tribunais judiciais (Lei 82/77, de 6 de Dezembro, e Lei 38/87, de 23 de Dezembro) com os respectivos regulamentos (Decreto-Lei 269/78, de 1 de Setembro, e Decreto-Lei 214/88, de 17 de Junho) - a Assembleia da República tem-se, de facto, limitado sempre a definir as matérias cujo conhecimento compete aos tribunais de competência genérica (as que não sejam atribuídas a outros tribunais) e aquelas que ficam cometidas aos diferentes tribunais de competência especializada, máxime aos tribunais do trabalho. A definição do território para que cada concreto tribunal é competente tem-na feito o regulamento que, previsto pela própria Lei Orgânica, o Governo, depois, edita em prazo que esta marca.
Sendo isto assim para a definição das matérias que a cada espécie de tribunal compete julgar, não se vê por que deveria ser de outro modo para a identificação do tribunal que há-de cumprir as deprecadas expedidas pelos tribunais (máxime as expedidas pelos tribunais do trabalho). Até porque o tribunal deprecado o que tem é de executar o pedido que lhe é dirigido pelo tribunal competente (competente, desde logo, em razão da matéria), realizando as diligências que este lhe indicar com vista à decisão da causa que, esta sim, há-de ser tomada por este último.
É certo que o tribunal deprecado não é um mero executor incondicionado e irreflectido das diligências que lhe são solicitadas, antes lhe cumprindo também tomar decisões: desde logo, a decisão de cumprir a carta ou de recusar o seu cumprimento, em virtude de o acto deprecado ser, em absoluto, proibido por lei ou em virtude de ele ser incompetente para a prática do mesmo (salvo tratando-se de incompetência territorial, que tão-só importa a remessa da carta para o tribunal territorialmente competente): cf. artigo 184.º, n.º 1, conjugado com o artigo 177.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Tais decisões, no entanto, compreendem-se na normal capacidade decisória de todo e qualquer tribunal, independentemente de ser um tribunal de competência genérica ou, antes, um tribunal de competência especializada (ou de competência especializada mista).
Não concorrem, aí, por isso, razões do tipo daquelas que estão na base da distribuição das diferentes questões jurídicas pelas diferentes espécies de tribunais. - Fernando Alves Correia.
Declaração de voto
Não votei a decisão tomada no acórdão de que esta declaração faz parte integrante, o que fiz pelas razões que, sinteticamente, passo a expor.
Assim:
1 - Após o advento da Constituição de 1976, veio a ficar consagrada (cf. n.os 1 e 2 do artigo 212.º da versão originária) a existência de tribunais judiciais - de 1.ª e de 2.ª instâncias [estes, em regra, os tribunais da relação (n.º 2 do artigo 214.º)] e do Supremo Tribunal de Justiça - o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais (n.º 3 do aludido artigo 214.º) -, de tribunais militares e de um Tribunal de Contas, prevendo-se ainda (cf. n.º 3 daquele artigo 212.º) a possibilidade de existência de tribunais administrativos e fiscais (possibilidade essa que, com a revisão de 1989, se transmutou numa previsão formal da sua existência - agora imposta - no texto constitucional).
Antes de tal advento, os tribunais do trabalho faziam parte de uma ordem jurídica distinta da dos tribunais judiciais, encontrando-se aqueles integrados na orgânica do então denominado Ministério das Corporações e Previdência Social.
Face à enumeração constante da Constituição no que respeita aos órgãos de soberania tribunais, logo desde a sua entrada em vigor que se veio a entender não ser possível a subsistência dos tribunais do trabalho como órgãos de administração de justiça integrados numa ordem judiciária distinta da dos tribunais judiciais.
Daí que na Lei 82/77, de 6 de Dezembro, se viesse a consagrar a possibilidade de existência, na ordem dos tribunais judiciais, de tribunais de competência especializada em «razão da matéria», de entre os quais se encontravam, entre outros, os tribunais do trabalho [cf. artigo 56.º, n.º 1, alínea f)], cuja missão era a de exercer a «jurisdição social» (cf. artigos 65.º a 68.º), consagração essa que continuou a vigorar após a entrada em vigor da actual Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais - Lei 38/87, de 23 de Dezembro, regulamentada pelo Decreto-Lei 214/88, de 17 de Junho (cf. artigos 46.º, n.º 1, e 64.º a 67.º da dita Lei 38/87 e mapa VI anexo ao citado Decreto-Lei 214/88, do qual, como aliás se sublinha no respectivo preâmbulo, se extrai que os tribunais do trabalho, em todo o País - à excepção dos Açores -, são de considerar como tribunais judiciais de competência especializada, com área de jurisdição tendencialmente coincidente com a dos círculos judiciais).
1.1 - Em 1 de Janeiro de 1982 entrou em vigor o Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei 272-A/81, de 30 de Setembro, o qual veio, nos feitos laborais, a substituir o Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei 45497, de 30 de Dezembro de 1963 (não relevará entrar aqui em consideração com o CPT aprovado pelo Decreto-Lei 537/79, de 31 de Dezembro, pois que tal diploma nunca chegou a entrar em vigor).
Nesse Código aprovado pelo Decreto-Lei 272-A/81, dispunha-se no seu artigo 26.º:
As citações e notificações que não possam ou não devam ser feitas por via postal e quaisquer outras diligências, quando tenham de ser efectuadas em comarca diferente daquela em que o tribunal da causa tem a sua sede, são solicitadas ao tribunal competente em matéria de trabalho na respectiva área ou à autoridade administrativa ou policial territorialmente competente.
Antes de se efectivar a vigência do Decreto-Lei 214/88 e, com ela, a vigência dos preceitos constantes da Lei 38/87 que não entraram imediatamente em vigor, ou seja, os seus artigos 20.º, 23.º, 28.º, n.º 3, alínea h), 41.º, n.º 1, alínea d), 54.º, 55.º, 58.º, 59.º, 73.º, 75.º, 76.º, 78.º, 79.º, 82.º, 83.º, 88.º, 106.º e 107.º, surgiram na jurisprudência decisões de conteúdo oposto, umas defendendo que as diligências a efectuar na área de jurisdição dos tribunais de trabalho, ainda que nas hipóteses em que essa área se situasse fora daqueloutra que limitava a comarca onde tais tribunais se encontravam sediados, seriam levadas a efeito pelos próprios tribunais do trabalho e outras defendendo que, naquelas hipóteses, as diligências a realizar, caso não pudessem ser pedidas às autoridades administrativas e policiais competentes, teriam de ser solicitadas aos tribunais de competência genérica com jurisdição territorial na área em que as diligências se haveriam de praticar.
1.2 - Depois da entrada em vigor da Lei 38/87 e do respectivo regulamento, perante a nova ordenação dos tribunais judiciais e, de entre estes, dos tribunais de competência especializada em matéria laboral - os tribunais do trabalho -, tendo em consideração a definição da competência territorial destes últimos, Leite Ferreira, na sua obra denominada Código de Processo de Trabalho Anotado (Coimbra, 1989, pp. 117 e 118), veio a defender que a questão das notificações e realização de outras diligências a que se reportava o artigo 26.º do CPT teria de sofrer alteração de significado de molde que, se uma qualquer diligência das previstas naquele preceito tivesse de «ser efectuada em área alheia à jurisdição do tribunal da causa, a sua realização» teria de ser feita, a «solicitação deste juízo ou pelo tribunal do trabalho com jurisdição sobre essa área» ou pela «autoridade administrativa ou policial territorialmente competente».
Aquele autor, todavia, mesmo perante a interpretação que entendeu dever ser conferida ao artigo 26.º do CPT após a vigência da Lei 38/87 e do Decreto-Lei 214/88, defendeu que ela não era a que melhor correspondia «às exigências de justiça e ao respeito pelo acesso dos trabalhadores aos tribunais e ao direito do trabalho», daí que, na sua perspectiva, se impusesse a adopção de uma medida legislativa que viesse a minimizar os problemas decorrentes de situações em que a sede do tribunal do trabalho deprecado se encontrasse a grande distância do local onde a diligência deprecada se haveria de efectuar, medida legislativa essa que, afinal, não seria muito diferente da consagração de uma nova redacção ao artigo 26.º em termos semelhantes aos que se encontravam no artigo 34.º do CPT aprovado pelo Decreto-Lei 45497.
1.3 - Em 21 de Setembro de 1989 surgiu a lume o Decreto-Lei 315/89, editado ao abrigo da competência deferida pela alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição - o que o mesmo é dizer que a sua emissão não foi precedida de autorização legislativa da Assembleia da República, antes se fundando, e tão-só, na competência conferida por aquela disposição constitucional -, por intermédio do qual foi dada nova redacção, entre outros, ao artigo 26.º do vigente CPT, norma sobre a qual incide o presente pedido.
Esta nova redacção, segundo dá conta o exórdio do Decreto-Lei 315/89, destinou-se a «esclarecer dúvidas que» tinham «surgido relativamente à questão da competência para o cumprimento de deprecadas, cujas diligências» deviam «ter lugar em comarcas onde não» havia «tribunais do trabalho».
2 - Conforme deflui o que imediatamente acima se veio de expor, foi intuito do legislador governamental esclarecer dúvidas que se colocavam quanto ao sentido a conferir à redacção originária do artigo 26.º do CPT aprovado pelo Decreto-Lei 272-A/81, pelo que haverá de conceder-se que a alteração introduzida a tal disposição pelo Decreto-Lei 315/89 teve natureza interpretativa.
Contudo, a questão que se coloca é a de saber se a matéria ínsita no Decreto-Lei 315/89, no que concerne à alteração de redacção do artigo 26.º do CPT - e aceitando-se que após a entrada em vigor da Lei 38/87 e respectivo regulamento e antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 315/89, a norma do artigo 26.º do CPT não deveria ser interpretada de modo diverso daquele que era o defendido por Leite Ferreira (e, indiscutivelmente, o seu teor literal para isso aponta) -, veio a deferir aos tribunais de competência genérica, sediados em comarca onde se não encontre sediado um tribunal do trabalho, uma competência que eles, por força da Lei 38/87, não detinham e, desta arte, na afirmativa, se tal norma está coberta pela reserva legislativa parlamentar constante da alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da actual versão da lei fundamental.
É a esta questão que o acórdão responde afirmativamente, resposta à qual não anuo, se bem que entenda que a norma sub specie se trata de uma norma meramente interpretativa, como acima assinalei.
2.1 - Suponho que deve ser reconhecido, em primeiro lugar, que no domínio da Lei 82/77, em regra, os tribunais judiciais de competência genérica sediados em comarcas onde não existisse um tribunal de competência especializada cujo munus fosse o de exercer a jurisdição laboral, tinham competência em matéria de trabalho. Na sequência desse reconhecimento, seria de dar como perfeitamente compreensível o teor de uma norma como aquela ínsita na primitiva redacção do artigo 26.º do CPT.
Contudo, com a vigência do Decreto-Lei 214/88 e, designadamente, atendendo ao que consta dos respectivos mapas anexos, verifica-se que os tribunais de competência genérica deixaram de curar das matérias respeitantes à jurisdição laboral.
Significa isso que a nova redacção conferida ao artigo 26.º do CPT - e agora interessa o texto constante do seu n.º 1 - veio efectuar um «alargamento» da competência em razão da matéria tocantemente aos tribunais de competência genérica, «alargamento» esse não previsto na Lei 38/87, como defende a tese que fez vencimento?
2.2 - Em sentido negativo esgrime-se com o argumento segundo o qual tal competência estava já prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º daquela lei, segundo a qual compete aos tribunais de competência genérica, funcionando como tribunais singulares, dar cumprimento a mandados, cartas, ofícios e telegramas que lhes sejam dirigidos pelos tribunais ou autoridades competentes (cf. um dos aspectos argumentativos utilizados nos votos de vencido apostos ao Acórdão 139/92 deste Tribunal, referido no texto do presente aresto e que serviu, juntamente com outros, de base ao pedido agora sujeito a apreciação deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade).
E, para tanto, aduz-se que é hoje claramente aceite que, quando se trata de cartas precatórias emanadas de outros tribunais comuns de competência especializada, para o respectivo cumprimento, por força da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º da Lei 38/87, são competentes os tribunais de competência genérica.
2.3 - Como se sabe, os tribunais de competência genérica que, quando a lei não dispuser em contrário, são os tribunais judiciais de 1.ª instância (cf. n.º 3 do artigo 46.º da Lei 38/87), por um lado, como tribunais judiciais, são os tribunais comuns em matéria cível e criminal, exercendo jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (n.º 1 do artigo 213.º da Constituição); por outro lado, têm eles competência para curar de todas as causas não atribuíveis a outros tribunais (artigo 53.º da mesma Lei 38/87).
2.4 - Diz-se, todavia, ex adverso, que, se é certo que os tribunais de competência genérica que exercem jurisdição em áreas nas quais não exercem jurisdição tribunais de competência especializada como, verbi gratia, tribunais cíveis, criminais, de instrução criminal, de família, de menores e marítimos, têm competência para, na área da respectiva jurisdição, decidir destas causas, já o mesmo nunca se passará relativamente à matéria laboral, justamente porque, de harmonia com o mapa VI anexo ao Decreto-Lei 214/88, esta matéria está, toda ela, confiada no País - excepção feita à Região Autónoma dos Açores - aos tribunais de competência especializada denominados «tribunais do trabalho», não sendo, pois, em caso algum, deferida aos tribunais de competência genérica.
Uma tal postura, contudo, igualmente levaria a que se entendesse não ser permitido o cumprimento, por parte dos tribunais de competência genérica, de deprecadas emanadas dos tribunais de execução de penas, já que, como também deflui dos mapas anexos ao citado Decreto-Lei 214/88, aqueles tribunais de competência genérica não gozam de qualquer competência no que respeita às matérias enunciadas nos artigos 68.º e 69.º da Lei 38/87. Ora, um tal entendimento, ao que se saiba, nunca foi perfilhado e, a ser seguido, tornaria extremamente difícil a realização de algumas diligências que deveriam ser efectivadas em áreas muito afastadas da área onde os tribunais de execução de penas se encontram sediados, sabido que é que somente existem no País quatro destes tribunais de competência especializada.
3 - Daí que tenha para mim que o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º, conjugadamente com o artigo 53.º, ambos da Lei 38/87, permite, por si, a atribuição, aos tribunais ditos de competência genérica, para efeitos de cumprimento de mandados, cartas, ofícios e telegramas, de competência para a prática de actos inseríveis em matérias que estão consignadas aos tribunais de competência especializada, e isso nas hipóteses em que, mercê da organização judiciária em razão da matéria das causas deferidas aos tribunais judiciais, na área da comarca dos primeiros não estejam sediados os segundos, ainda que sobre tal área eles exerçam jurisdição.
Significa isto, então, na minha perspectiva, que foi a própria Lei 38/87 a deferir competência material aos tribunais de competência genérica para, relativamente ao cumprimento de mandados, cartas, ofícios e telegramas na área das respectivas comarcas, praticarem, nesses casos, actos que, por via da organização dos tribunais judiciais em razão da matéria das causas, são da competência de determinados tribunais de competência especializada. Isto é dizer, enfim, que no diploma emitido pelo Parlamento ao abrigo da sua reserva relativa, estava já consagrada a possibilidade de, se assim se tornasse necessário, poderem os tribunais de competência genérica praticar, em determinadas hipóteses (no fundo, se em causa estivesse o cumprimento de deprecadas), certos actos processuais respeitantes a matérias que, na concreta organização judiciária, não se integram na sua competência.
3.1 - Ora, esta possibilidade, como, em minha óptica, se torna claro, permite ao legislador governamental, ponderando as necessidades e os condicionalismos existentes, optar quer pelo deferimento aos tribunais de competência genérica do cumprimento de deprecadas emanadas de tribunais de competência especializada não sediados nas comarcas onde aqueles, por seu turno, se encontrem sediados, quer pelo deferimento dessa competência aos tribunais de competência especializada com jurisdição na área das aludidas comarcas, ainda que nestas não sediados.
Ao fazer essa opção, não está o Governo a efectuar uma atribuição de competência não prevista em lei emanada da Assembleia da República à sombra da respectiva reserva legislativa e, sequentemente, a invadir essa reserva.
Por isso concluí que a norma ínsita no n.º 1 do artigo 26.º do CPT na redacção conferida pelo Decreto-Lei 315/89 não padecia de inconstitucionalidade orgânica. - Bravo Serra.