de 20 de Abril
A protecção da saúde humana e do ambiente exige uma atenção particular aos riscos relacionados com a utilização de novas tecnologias e novos produtos. A libertação no ambiente de organismos geneticamente modificados e o desenvolvimento seguro de produtos obtidos por meio de técnicas de modificação genética devem ser acompanhados de instrumentos que proporcionem uma avaliação rigorosa dos riscos envolvidos e um prudente controlo dessas actividades.O desenvolvimento da biotecnologia é um factor relevante para o desenvolvimento económico, que importa fomentar, sem prejuízo da prevenção necessária de efeitos nocivos para o homem e o ambiente, nomeadamente a modificação de ecossistemas específicos.
As Comunidades Europeias adoptaram as Directivas números 90/219/CEE e 90/220/CEE, ambas de 23 de Abril, as quais prevêem a uniformização de procedimentos e a comunicação de informações relativas à utilização confinada e à libertação deliberada de organismos e microrganismos geneticamente modificados. Importa transpor para o ordenamento jurídico português essas disposições e dotar os serviços responsáveis de competências nesta matéria.
Adoptam-se normas conformes com o princípio de prevenção consagrado na Lei de Bases do Ambiente, no quadro de procedimentos harmonizados com as autoridades competentes dos Estados membros das Comunidades Europeias.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 201.° da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Artigo 1.°
Objecto
O presente diploma regula a utilização e libertação no ambiente de organismos geneticamente modificados, bem como a comercialização de produtos que os contenham com vista à protecção da saúde humana e do ambiente.
Artigo 2.°
Âmbito de aplicação
1 - O presente diploma aplica-se aos organismos geneticamente modificados, entendendo-se como tal qualquer entidade biológica, celular ou não celular, dotada de capacidade reprodutora ou de transferência de material genético, em que este tenha sido alterado de uma forma que não ocorra naturalmente.2 - Desde que não envolvam a utilização de moléculas de ácido desoxirribonucleico (ADN) recombinante ou organismos geneticamente modificados, excluem-se do âmbito do presente diploma as seguintes operações:
a) Fertilização in vitro;
b) Conjugação, transdução, transformação ou quaisquer outros processos naturais;
c) Indução de poliploidia;
3 - Excluem-se igualmente do âmbito de aplicação do presente diploma, quando não impliquem o uso de organismos geneticamente modificados como organismos receptores ou parentais, as seguintes técnicas:
a) Mutagénese;
b) Construção e utilização de células somáticas de hibridomas animais;
c) Fusão celular, incluindo a fusão de protoplastos, de células de plantas que podem ser produzidas por métodos tradicionais de reprodução;
d) Autoclonagem de microrganismos não patogénicos que ocorrem na Natureza, nos casos previstos em portaria do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.
CAPÍTULO II
Utilização confinada de microrganismos geneticamente modificados
Artigo 3.°
Utilização confinada
A operação que consista na modificação genética de microrganismos ou em que microrganismos geneticamente modificados sejam cultivados, armazenados, utilizados, transportados, destruídos ou eliminados considera-se de utilização confinada quando nesta sejam utilizadas barreiras físicas, associadas ou não a barreiras químicas e ou biológicas, para limitar o contacto dos microrganismos com a população e o ambiente.
Artigo 4.°
Notificação
1 - A utilização confinada de microrganismos geneticamente modificados, numa determinada instalação, carece de autorização prévia da Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente (DGQA) ouvido o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA).2 - O interessado na utilização confinada procederá à notificação da DGQA, que comunicará a sua decisão no prazo de 90 dias.
3 - A DGQA remete ao INSA cópia da notificação referida no número anterior, bem como da decisão proferida.
4 - O conteúdo obrigatório do processo de notificação é objecto de portaria conjunta dos Ministros da Saúde e do Ambiente e Recursos Naturais, tendo em atenção as características dos microrganismos a utilizar, o tipo de operação prevista e demais circunstâncias pertinentes à finalidade e perigosidade de utilização pretendida.
5 - A portaria a que se refere o número anterior pode prever a dispensa de notificação, em conformidade com as normas comunitárias.
6 - Em casos de menor perigosidade da utilização, a portaria a que se referem os números anteriores pode prever o deferimento tácito da pretensão do interessado na hipótese de não lhe ter sido, durante o prazo de 90 dias, comunicada a decisão ou solicitadas informações complementares ou a explicitação das informações contidas no processo de notificação.
7 - O interessado pode requerer a salvaguarda da confidencialidade de informações contidas no processo de notificação, cuja revelação, fundamentadamente, considere susceptível de prejudicar a sua posição em termos de concorrência.
Artigo 5.°
Deveres do utilizador
1 - Constituem deveres do utilizador de microrganismos geneticamente modificados:a) Proceder à prévia avaliação dos riscos para a saúde humana e o ambiente das utilizações confinadas;
b) Facultar às autoridades competentes as informações que lhe sejam solicitadas, bem como fornecer oficiosamente todas as novas informações pertinentes;
c) Manter um registo da avaliação de risco, bem como dos trabalhos realizados e das ocorrências relevantes para o interesse público, verificados durante a utilização;
d) Elaborar procedimentos relativos à prevenção de acidente, actuação em caso de emergência, formação de pessoal e tratamento de resíduos;
e) Adoptar processos de funcionamento conformes à boa prática microbiológica e às normas e princípios internacionalmente reconhecidos de higiene, segurança e saúde no trabalho;
f) Em caso de acidente, informar de imediato a DGQA das circunstâncias do acidente, incluindo a identificação e quantificação de microrganismos eventualmente libertados no ambiente, das medidas de emergência accionadas e de todos os factores pertinentes à avaliação dos efeitos do acidente na saúde pública e no ambiente;
2 - A DGQA dá conhecimento à Direcção-Geral de Saúde (DGS) das informações recebidas nos termos da alínea f) do número anterior.
Artigo 6.°
Competências da DGQA
1 - No âmbito da utilização confinada de micorganismos geneticamente modificados, compete à DGQA, ouvido o INSA:a) Autorizar o início da utilização;
b) Inspeccionar as instalações onde se realizem as operações abrangidas por este diploma;
c) Limitar o período de tempo da utilização confinada, submeter a utilização a determinadas condições, ou determinar a sua suspensão ou termo, quando as circunstâncias o imponham;
d) Difundir pelo público, quando necessário, informações relativas a medidas de actuação em caso de emergência e comportamento a adoptar em caso de acidente;
2 - A DGQA dá conhecimento à DGS das decisões tomadas e acções desenvolvidas nos termos do número anterior.
CAPÍTULO III
Libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente
modificados
Artigo 7.°
Libertação deliberada de organismos geneticamente modificados
1 - A libertação deliberada no ambiente de um organismo ou de uma combinação de organismos geneticamente modificados encontra-se sujeita à autorização prévia da DGQA ouvida a DGS.
2 - O comércio de produtos que contenham organismos geneticamente modificados, bem como a utilização de produtos que contenham esses organismos regem-se pelo disposto nos artigos 11.° e seguintes do presente diploma.
Artigo 8.°
Notificação
1 - O interessado na libertação procederá à notificação prévia à DGQA, a qual comunicará a sua decisão no prazo de 90 dias.2 - A DGQA remete à DGS cópia de notificação referida no número anterior, bem como da decisão proferida.
3 - O conteúdo obrigatório do processo de notificação é objecto de portaria conjunta dos Ministros da Saúde e do Ambiente e Recursos Naturais, tendo em atenção as incidências e os riscos que a libertação implica para a saúde pública e o ambiente e as necessidades de acompanhamento das acções a realizar e de prevenção e planeamento de emergência em caso de acidente.
4 - A DGQA envia à Comissão das Comunidades Europeias um resumo de cada uma das notificações recebidas.
5 - Em casos justificados, a libertação de uma combinação de organismos no mesmo local, ou do mesmo organismo em locais diferentes, pode ser objecto de um processo único de autorização.
6 - O interessado pode requerer a salvaguarda da confidencialidade das informações contidas no processo de notificação, cuja revelação, fundamentadamente, considere susceptível de prejudicar a sua posição em termos de concorrência.
Artigo 9.°
Deveres do notificador
1 - Constituem deveres daquele que pretenda libertar organismos geneticamente modificados:a) Proceder à avaliação dos riscos para a saúde humana e o ambiente, especialmente no plano das interacções entre os organismos a utilizar e o ambiente de recepção;
b) Facultar às autoridades competentes as informações que lhe sejam solicitadas, bem como fornecer oficiosamente todas as informações pertinentes;
c) Elaborar e remeter à DGQA, no prazo de 30 dias depois de terminada a libertação, um relatório no que respeita a qualquer risco para a saúde humana e o ambiente, referindo, em especial, os tipos de produtos que pretende libertar em data posterior;
d) Adoptar processos de funcionamento, abrangendo as áreas de monitorização e controlo da utilização, tratamento de resíduos, prevenção de acidentes e actuação em caso de emergência;
e) Em caso de superveniência de qualquer alteração da libertação, a qual possa pôr em risco a saúde pública ou o ambiente, ou de reavaliação desses riscos à face de informações obtidas após a notificação, o utilizador deve adoptar todas as medidas necessárias para proteger a saúde humana e o ambiente e informar de imediato a DGQA da alteração sobrevinda e das novas informações colhidas;
2 - A DGQA dá conhecimento à DGS das informações recebidas nos termos da alínea e) do número anterior.
Artigo 10.°
Competências da DGQA
1 - No âmbito da libertação de organismos geneticamente modificados compete à DGQA, ouvida a DGS:a) Autorizar a libertação;
b) Inspeccionar e controlar as operações de libertação;
c) Limitar o período de tempo pelo qual a autorização foi concedida, suspender a autorização ou revogá-la, quando o interesse público o imponha;
d) Estabelecer regras relativas à libertação no ambiente de organismos geneticamente modificados;
e) Comunicar à Comissão das Comunidades Europeias e às autoridades competentes de outros Estados membros as informações exigidas nos termos dos diplomas comunitários de que Portugal seja destinatário nesta matéria;
2 - A DGQA dá conhecimento à DGS das decisões tomadas e acções desenvolvidas nos termos do número anterior.
CAPÍTULO IV
Comercialização de produtos que contenham organismos geneticamente
modificados
Artigo 11.°
Comercialização de produtos que contenham organismos geneticamente
modificados
1 - A comercialização de produtos que contenham organismos geneticamente modificados está sujeita à prévia autorização da DGQA, ouvida a DGS.2 - Desde que respeitem as normas legais em vigor sobre produtos, embalagem e rotulagem, podem ser livremente importados e comercializados os produtos cuja comercialização tenha sido autorizada pelas autoridades nacionais competentes de outro Estado membro de harmonia com as disposições da Directiva do Conselho n.° 90/220/CEE, de 23 de Abril.
Artigo 12.°
Notificação
1 - Aquele que pretenda importar ou produzir com fins comerciais novos produtos que contenham, no todo ou em parte, organismos geneticamente modificados deve notificar dessa intenção a DGQA e obter a sua autorização prévia, com excepção dos produtos abrangidos pelo n.° 2 do artigo anterior.2 - O conteúdo obrigatório do processo de notificação é objecto de portaria conjunta dos Ministros da Saúde e do Ambiente e Recursos Naturais, tendo em atenção o risco para a saúde humana e para o ambiente, avaliado de harmonia com os dados do conhecimento científico relativos à perigosidade do produto susceptíveis de alterações do ecossistema e com os resultados das experiências de libertação no ambiente comunicadas ao abrigo dos artigos 7.° e seguintes do presente diploma.
3 - A DGQA analisa o processo de notificação, avaliando a sua conformidade com a legislação em vigor e com as normas comunitárias aplicáveis no plano dos riscos ambientais e da utilização segura do produto, comunicando ao interessado, no prazo de 90 dias, a rejeição da notificação em caso de falta de elementos exigíveis ou desconformidade com as normas em vigor, ou a remessa, com parecer favorável, do processo de notificação à Comissão das Comunidades Europeias.
4 - No processo de análise da notificação a DGQA informa a DGS do conteúdo da mesma e recolhe o respectivo parecer.
5 - Na falta de indicações em contrário das autoridades dos outros Estados membros, no prazo de 60 dias contados da data da distribuição do processo de notificação pela Comissão das Comunidades Europeias, a DGQA autorizará a comercialização.
6 - No caso de a autoridade competente de outro Estado membro levantar dúvidas que obstem à autorização, a DGQA sobrestará no processo de notificação até à decisão do Conselho ou da Comissão das Comunidades Europeias.
7 - O interessado pode requerer a salvaguarda da confidencialidade de informações contidas no processo de notificação cuja revelação fundamentadamente considere susceptível de prejudicar a sua posição em termos de concorrência.
Artigo 13.°
Deveres do notificador
Constituem deveres daquele que pretenda importar ou comercializar produtos que contenham organismos geneticamente modificados:a) Proceder à avaliação dos riscos para a saúde humana e o ambiente, especialmente no plano da interacção entre o produto e os ecossistemas que possa alterar e das condições de utilização;
b) Facultar às autoridades competentes as informações que lhe sejam solicitadas, bem como fornecer oficiosamente todas as informações pertinentes;
c) Comunicar todas as novas informações de que disponha relativamente aos riscos dos produtos para a saúde humana e o ambiente, procedendo, à sua luz, à revisão da avaliação de risco e ao reexame das condições eventualmente impostas para sua utilização.
Artigo 14.°
Competências da DGQA
No âmbito da importação e comercialização de organismos geneticamente modificados compete à DGQA, ouvida a DGS:a) Autorizar a importação ou comercialização dos produtos cuja notificação tenha sido autorizada noutro Estado membro;
b) Condicionar ou proibir a importação ou a comercialização e a utilização em Portugal de um produto autorizado, quando considere que constitui um risco para a saúde humana e o ambiente;
c) Condicionar a utilização do produto, em função da sua perigosidade, para ecossistemas ou ambientes de recepção específicos;
d) Condicionar as utilizações e manipulações do produto e impor requisitos relativos ao seu acondicionamento e rotulagem;
e) Suspender ou revogar a autorização, quando o interesse público o imponha.
Artigo 15.°
Colaboração com outras entidades
Sempre que a especificidade das matérias o reclame, a DGQA solicita aos organismos responsáveis os pareceres que a habilitem a tomar a decisão nos processos de autorização de utilização, libertação ou comercialização de organismos geneticamente modificados.
CAPÍTULO V
Ilícito de mera ordenação social
Artigo 16.°
Contra-ordenações
1 - A violação do disposto nos artigos 4.°, 5.°, 8.°, 9.°, 12.° e 13.° do presente diploma constitui contra-ordenação punível com coima cujo montante mínimo é de 100 000$ e máximo de 500 000$.2 - A negligência é punível.
3 - As coimas aplicadas às pessoas colectivas podem elevar-se até aos montantes máximos de 6 000 000$, em caso de dolo e 3 000 000$, em caso de negligência.
4 - Cabe à DGQA a instrução dos processos de contra-ordenação, bem como a aplicação das coimas e sanções acessórias.
Artigo 17.°
Produto das coimas
O produto das coimas reverte:a) Em 30% para a DGQA;
b) Em 10% para a entidade autuante;
c) Em 60% para o Estado.
Artigo 18.°
Fiscalização
Compete à DGQA a fiscalização das normas constantes do presente diploma e respectiva legislação regulamentar, sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 28 de Janeiro de 1993. - Aníbal António Cavaco Silva - Arlindo Gomes de Carvalho - Fernando Manuel Barbosa Faria de Oliveira - Carlos Alberto Diogo Soares Borrego.
Promulgado em 24 de Março de 1993.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 25 de Março de 1993.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva