Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão do Tribunal Constitucional 24/2022, de 4 de Fevereiro

Partilhar:

Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 2 do artigo 6.º da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de agosto, e alterada pelas Leis n.os 28/82, de 15 de novembro, e 72/93, de 30 de novembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 2/2000, de 14 de julho, 2/2001, de 25 de agosto, 5/2006, de 31 de agosto, 2/2012, de 14 de junho, 3/2015, de 12 de fevereiro, 4/2015, de 16 de março, e 1-B/2020, de 21 de agosto (inelegibilidades especiais)

Texto do documento

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 24/2022

Sumário: Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 2 do artigo 6.º da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, aprovada pelo Decreto-Lei 267/80, de 8 de agosto, e alterada pelas Leis 28/82, de 15 de novembro e 72/93, de 30 de novembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 2/2000, de 14 de julho, 2/2001, de 25 de agosto, 5/2006, de 31 de agosto, 2/2012, de 14 de junho, 3/2015, de 12 de fevereiro, 4/2015, de 16 de março, e 1-B/2020, de 21 de agosto (inelegibilidades especiais).

Processo 143/2021

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - Trinta e oito deputados à Assembleia da República, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 281.º e da alínea f) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, requereram a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 6.º da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (LEALRAA), aprovada pelo Decreto-Lei 267/80, de 8 de Agosto, e alterada pelas Leis 28/82, de 15 de Novembro e 72/93, de 30 de Novembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 2/2000, de 14 de Julho, 2/2001, de 25 de Agosto, 5/2006, de 31 de Agosto, 2/2012, de 14 de junho, 3/2015, de 12 de fevereiro, 4/2015, de 16 de março, e 1-B/2020, de 21 de agosto, «por impor uma restrição desproporcional ao direito fundamental de acesso a cargos públicos, em violação dos artigos 50.º, n.º 3, e 18.º, n.º 2, da CRP».

2 - O pedido de declaração de inconstitucionalidade encontra-se fundamentado nos seguintes termos:

«1.º O n.º 2 do artigo 6.º da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (LEALRAA) determina, como inelegibilidade especial, o seguinte:

"2 - A qualidade de deputado à Assembleia da República é impeditiva da de candidato a deputado da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores."

2.º Sobre esta norma o Tribunal Constitucional já se pronunciou, por duas vezes, no sentido sua inconstitucionalidade, primeiro no Acórdão 189/88 (à data a norma sub judice correspondia ao n.º 3 do artigo 6.º da LEALRAA) e, mais recentemente, no Acórdão 488/2020.

3.º No Acórdão 189/88, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no seguinte sentido:

"3 - Como é sabido, determinados requisitos inerentes a natureza dos cargos públicos ou certos obstáculos ou circunstâncias negativas, conhecidas por inelegibilidades, podem ocasionar um maior ou menor afastamento entre a capacidade eleitoral activa e passiva (em princípio esta está dependente daquela, no sentido de que só é elegível quem é eleitor). Adiante se retomará este tema.

A ocorrência de certos factos ou a posse de determinados atributos inibitórios ao exercício do cargo impedem o acesso a qualidade de destinatário do acto electivo. As inelegibilidades hão-de ser conhecidas mediante um juízo negativo de inintegração nas categorias previstas pela norma, sendo de natureza relativa e pessoal, visto que podem afectar apenas certa ou certas eleições e derivar de causas pessoais (Cfr. Jorge Miranda, Verbo, vol. X, pp. 1366 e ss.).

A inelegibilidade especial contida no artigo 6.º, n.º 3 do Decreto-Lei 267/80, filia-se no "juízo negativo de inintegração", na avaliação de desvalor potencialmente resultante do facto de um cidadão que é deputado a Assembleia da Republica se candidatar a deputado à uma Assembleia Regional, podendo portanto vir a incorrer numa situação de "duplo mandato".

Na verdade, tem-se por seguro que a mera suspensão do mandato (Cfr. artigos 4.º da Lei 3/85 e 4º e 5º do Decreto Legislativo Regional 13/88/A, de 6 de Abril) não faz cessar a qualidade de deputado a que se refere a norma definidora da inelegibilidade, acompanhando-se a este propósito a diversa argumentação expendida pelo recorrente.

A suspensão do mandato a deputado a Assembleia da República do candidato Carlos Manuel Martins do Vale César não fez cessar a sua qualidade de deputado aquele órgão de soberania e daí que, manifestamente, haja de dizer-se que a apontada inelegibilidade especial prevista na lei o abrange, não sendo portanto possível interpretar a norma de forma a consentir a solução adoptada na decisão recorrida.

Todavia, resta saber se tal norma é conforme a Constituição. Com efeito, ao estabelecer a aludida inelegibilidade, a norma em causa veio restringir o direito a ser-se eleito, constitucionalmente garantido no artigo 50.º da Lei Fundamental, sobre o direito de acesso a cargos públicos.

É certo que a Constituição prevê afigura das inelegibilidades no seu artigo 153.º que, embora estatuindo apenas para as eleições da Assembleia da República tem sido considerado por este Tribunal como afloramento de um princípio constitucional geral (Cfr. por todos Acórdão 4/84, Diário da República. 2.ª série, de 30 de Abril de 1964).

Contudo, há que averiguar se se verificam os requisitos constitucionais para a restrição de direitos fundamentais, enunciados no artigo 18.º da Constituição, designadamente quanto à identificação dos "direitos ou interesses constitucionalmente protegidos" que justifiquem tal sacrifício, e quanto a observância do princípio da proporcionalidade.

Quanto ao primeiro ponto afigura-se, desde logo, não poderem considerar-se relevantes, quando aplicados a situação em presença - deputado a Assembleia da Republica que se candidata às eleições regionais - nem um eventual argumento relativo à possibilidade de lesão da independência da função de deputado à Assembleia da República, nem um eventual risco de influência sobre o eleitorado derivado daquele cargo, a qual, a existir, sempre se teria de considerar, por um lado, como despicienda e, por outro lado, como natural.

É certo que sempre se poderia invocar a favor da legitimidade constitucional de tal inelegibilidade a necessidade de impedir a verificação da situação de duplo mandato (de deputado a Assembleia da República e de deputado a uma assembleia regional); mas e fácil ver que para obviar a essa situação concedendo, sem discutir, existir relevância neste argumento não seria necessário recorrer a solução de inelegibilidade. Bastaria uma de duas soluções: ou estabelecer uma incompatibilidade de exercício simultâneo aos dois mandatos ou mesmo uma incompatibilidade de detenção simultânea dos dois estatutos, obrigando o interessado a suspender ou a renunciar a um dos mandatos, ou determinando a própria lei a suspensão ou perca automática, de um deles. Trata-se de soluções que são correntes na nossa legislação para hipóteses semelhantes, podendo entre outros mencionar-se o artigo 4.º do Estatuto dos Deputados à Assembleia da República (Lei 3/85, de 13 de Março), o artigo 5.º, n.º 4, da lei eleitoral das autarquias locais (Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei 757/76, de 21 de Outubro) e o próprio artigo 4.º do Estatuto dos Deputados da Região Autónoma dos Açores (Decreto Legislativo Regional 13/88/A, de 6 de Abril de 1988), o qual vale a pena notar - determina a suspensão automática do mandato do deputado regional que vier a desempenhar funções de deputado a Assembleia da República (sendo certo que nem a lei eleitoral da Assembleia da Republica impede a candidatura de deputados regionais nem o Estatuto dos Deputados da Assembleia da Republica prevê qualquer incompatibilidade de exercício dos dois mandatos).

Por outro lado, e no respeitante à lição que do direito comparado pode colher-se para a questão em aprece, foi possível apurar que em Itália apenas se verifica uma situação de "incompatibilidade" entre os cargos de membro de qualquer das Câmaras (Câmara dos Deputados e Senado) e de membro de um. Conselho Regional (Livio Paladin, Diritto Regionale. 4.ª ed., Pádova, 1985, pp. 301 e ss.) e que na República Federal da Alemanha (numa situação, portanto, de "federalismo" estadual e não de mera "regionalização") nem sequer uma semelhante incompatibilidade existe entre os cargos de deputado ao Bundestag e deputado ao Parlamento de um Land. antes se admitindo aí o chamado "duplo mandato" (Cfr. Norbert Achtenberg, Parlamentsrecht, Tubingen, 1984, pp. 232).

[...]

Por conseguinte, e de concluir que a solução de inelegibilidade sempre seria manifestamente excessiva, visto que a prossecução daquele mencionado interesse público (impedir situações de duplo mandato), suposto que ele tem protecção constitucional, não exige medida tão drástica.

Tem por isso de concluir-se pela inconstitucionalidade da norma referida, pelo que se recusa a sua aplicação devendo considerar-se consequentemente elegível o candidato em causa".

4.º O citado Acórdão reportava-se à candidatura de Carlos Manuel Martins do Vale César, indicado pelo Partido Socialista, ao círculo eleitoral da Ilha de São Miguel, que era simultaneamente Deputado à Assembleia da República, embora com o mandato suspenso, tendo a candidatura deste, por força daquele aresto que desaplicou a norma do então n.º 3 do artigo 6.º da LEALRAA, sido admitida.

5.º Mais recentemente, no Acórdão 488/2020, proferido em sede de recurso interposto pelo Partido Social Democrata da decisão do Tribunal de Angra do Heroísmo que tinha considerado inelegível o seu candidato António Lima Cardoso Ventura, simultaneamente Deputado eleito pelo Partido Social Democrata na Assembleia da República, o Tribunal Constitucional voltou a considerar a referida norma da LEALRAA inconstitucional, desaplicando-a e determinando a admissão na respetiva lista do referido candidato.

6.º O Acórdão 488/2020 considerou que os argumentos expressos no Acórdão 189/88 eram "plenamente transponíveis para o caso sub judice, pelo que é de reafirmar a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 6.º da LEALRAA, na sua redação atual".

7.º Pode ler-se ainda neste recente Acórdão desse douto Tribunal:

"Importa realçar que a Constituição permite que sejam estabelecidas apenas «as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos» (cf. o artigo 50.º, n.º 3), assim reafirmando o caráter excecional das inelegibilidades e reforçando a exigência de que as restrições ao direito de acesso a cargos eletivos fiquem estritamente aquém dos confins impostos pelo princípio da proporcionalidade (v. GOMES CANOTILHO, J. J./MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4."Ed. revista, Coimbra, 2007, pp. 677-679).

Por conseguinte, a tutela do direito fundamental de acesso a cargos públicos eletivos será sempre favorecida pela adoção de um regime robusto de incompatibilidades, se através deste for possível atingir as mesmas finalidades que, com a previsão de situações de inelegibilidade, se pretendem alcançar. Com efeito supondo que é possível distinguir inelegibilidades de incompatibilidades, e que uma tal distinção acha reflexo na nossa Lei Fundamental (v., v. g., os artigos 117.º, n.º 2, 150.º, 154.º e 160.º, n.º 1, alínea a) da Constituição) - é de reconhecer que, como afirma MARIA BENEDITA URBANO, «as incompatibilidades, ao contrário do que sucede com as inelegibilidades, não constituem impedimentos jurídicos que precludem ao candidato a possibilidade de vir a ser validamente eleito.» (v. URBANO, MARIA BENEDITA, Representação Política e Parlamento - Contributo para uma Teoria Político-Constitucional dos Principais Mecanismos de Proteção do Mandato Parlamentar, Almedina, Coimbra, 2009, p. 395). Tal como esclarece a mesma Autora, a elegibilidade «impõe limites à possibilidade de as pessoas poderem concorrer a uma eleição política e ainda à possibilidade de virem a ser validamente eleitas.», enquanto «[o] que está em jogo com as incompatibilidades é a possibilidade de os candidatos validamente eleitos poderem conservar o seu mandato - sendo certo que essa possibilidade deverá existir sempre, desde que o eleito faça uma opção nesse sentido ou, dito de outro modo, desde que abdique das outras funções ou atividades incompatíveis com o mandato parlamentar.» (ibidem, p. 361).

No que respeita à «preocupação imediata subjacente a cada uma destas figuras», esclarece ainda a Autora (v. op. cit., pp. 393-394):

«[P]oder-se-á dizer que, com o instituto das inelegibilidades - mais relacionado com o momento da aquisição do mandato (e portanto mais dirigido ao candidato) - pretende-se sobretudo salvaguardar a escolha livre e esclarecida dos representantes parlamentares por parte dos eleitores. [...]

Quanto ao instituto das incompatibilidades - mais relacionado com o exercício e a conservação do mandato parlamentar (e, portanto, dirigido já ao parlamentar eleito) - visa-se basicamente a proteção do parlamento por via dos seus representantes individuais e dos mandatos que eles exercer. Com as incompatibilidades, pretende-se evitar os inconvenientes que sempre resultarão da duplicidade de funções - tais como a confusão de poderes, a confusão de interesses, o absentismo e a falta de eficiência e qualidade do trabalho parlamentar, derivados da impossibilidade material de se exercerem em simultâneo várias atividades igualmente absorventes, etc.»

Ora, a incompatibilidade do exercício do mandato de deputado à Assembleia da República com o exercício do mandato de deputado à Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores encontra-se expressamente prevista na lei, bem como a perda do mandato na eventualidade de os deputados eleitos serem feridos por alguma das incompatibilidades legalmente previstas (cf. os artigos 8.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, n.º 1, alínea d) do Estatuto dos Deputados, aprovado pela Lei 7/93, de 1 de março; e o artigo 8.º, n.º 1, alínea a) e 22.º, n.º 1 alínea d) do Regime de Execução do Estatuto dos Deputados da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional 19/90/A, de 20 de novembro).

Estes mecanismos devem considerar-se, por si só, aptos a assegurar o regular exercício dos cargos eletivos em questão, não se vislumbrando que a inelegibilidade especial consagrada no n.º 2 do artigo 6.º da LEALRAA seja necessária para garantir a liberdade de escolha dos eleitores ou qualquer outro interesse público digno de tutela, que não se encontre já adequadamente protegido pelo regime de incompatibilidades em vigor.

É certo que a circunstância de estar já a exercer o mandato de deputado à Assembleia da República poderá ser entendida como um indício de indisponibilidade efetiva para exercer o mandato de deputado à Assembleia Legislativa Regional, ou de que o candidato se encontra em condições privilegiadas face aos demais candidatos. No entanto, a circunstância de um candidato estar a exercer o mandato de deputado à Assembleia da República é pública e facilmente cognoscível pelos eleitores, que poderão livremente formar a sua convicção quanto à escolha de um tal candidato, ponderando livremente esse dado.

Impõe-se, assim, reiterar que a norma em apreço é inconstitucional por impor uma restrição desproporcional ao direito fundamental de acesso a cargos públicos, em violação dos artigos 50.º, n.º 3, e 18.º, n.º 2, da Constituição, e em consequência, conceder provimento ao recurso interposto pelo Partido Social Democrata - PPD/PSD, determinando a admissão na respetiva lista do candidato António Lima Cardoso Ventura.".

8.º A pronúncia por parte do Tribunal Constitucional, em dois casos concretos, no sentido da inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do artigo 6.º da LEALRAA, com a qual os ora requerentes concordam, constitui motivo para que esta norma seja declarada inconstitucional com força obrigatória geral.

9.º Assim e em conclusão, consideramos que o n.º 2 do artigo 6.º da LEALRAA, ao impor uma restrição desproporcional ao direito fundamental de acesso a cargos públicos, em violação dos artigos 50.º, n.º 3, e 18.º, n.º 2, da CRP, é inconstitucional.

Nestes termos, e com base nos fundamentos que supra se aduziu, requer-se ao Tribunal Constitucional que aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 6.º da LEALRAA».

3 - Notificado nos termos conjugados do artigo 54.º e do n.º 3 do artigo 55.º da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional [LTC]), o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e remeteu uma nota técnica sobre os trabalhos preparatórios do diploma que aprovou a redação da norma objeto de fiscalização.

4 - Discutido o memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 63.º da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir em conformidade com o que então se estabeleceu.

II. Fundamentação

5 - Assiste legitimidade aos requerentes para pedir a declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade de quaisquer normas, com força obrigatória geral, por força do disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, pois o pedido é subscrito por mais do que um décimo dos deputados à Assembleia da República.

6 - O pedido de declaração de inconstitucionalidade versa sobre a norma contida no n.º 2 do artigo 6.º da LEALRAA, aprovada pelo Decreto-Lei 267/80, de 8 de agosto, e alterada pelas Leis 28/82, de 15 de novembro e 72/93, de 30 de novembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 2/2000, de 14 de julho, 2/2001, de 25 de agosto, 5/2006, de 31 de agosto, 2/2012, de 14 de junho, 3/2015, de 12 de fevereiro, 4/2015, de 16 de março, e 1-B/2020, de 21 de agosto.

Primitivamente prevista no n.º 3 do artigo 6.º, a norma mantém-se inalterada desde a versão originária da LEALRAA, tendo passado a constar do n.º 2 do artigo 6.º desde a entrada em vigor da Lei Orgânica 2/2000, de 14 de julho.

É este o texto de que se retira a norma fiscalizada:

«Artigo 6.º

Inelegibilidades especiais

1 - (...)

2 - A qualidade de deputado à Assembleia da República é impeditiva da de candidato a deputado da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.»

Trata-se, pois, de uma prescrição que impede a candidatura à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores por deputados à Assembleia da República. Obsta à apresentação à eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores e não apenas ao exercício do respetivo mandato.

A norma fiscalizada conserva-se, na sua substância, intocada desde a aprovação da LEALRAA. Na sua redação originária, a LEALRAA previa, no n.º 3 do seu artigo 6.º (sob a epígrafe de inelegibilidades especiais), a disposição segundo a qual «A qualidade de deputado à Assembleia da República é impeditiva da de candidato a deputado da Assembleia Regional». Tal disposição passou depois a constar do n.º 2 do artigo 6.º (por renumeração operada pela Lei Orgânica 2/2000, de 14 de julho), tendo a Lei Orgânica 5/2006, de 31 de agosto, modificado a expressão "Assembleia Legislativa Regional" por "Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores", na sequência da alteração de nomenclatura operada pela sexta revisão constitucional (Lei Constitucional 1/2004, de 24 de julho).

7 - A Constituição garante, no n.º 1 do artigo 50.º, o direito de todos os cidadãos acederem, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos, enquanto direito fundamental submetido ao regime específico dos direitos, liberdades e garantias. Aí se inclui o direito a aceder a cargos políticos, designadamente dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas. Quando aplicado a cargos eletivos, o direito enunciado no n.º 1 do artigo 50.º da Constituição assume a natureza «de um direito, liberdade e garantia de participação política estreitamente relacionado com o princípio democrático que não releva apenas - nem fundamentalmente - de uma mera expressão da individualidade privada face ao poder público, mas também do específico modo de estruturação e conformação desse mesmo poder público, enquanto poder democrático. A democracia implica eleições como modo de designação dos titulares do poder, o que só é possível se houver pessoas que possam ser eleitas» (Acórdão 495/2017).

Ora, ao estabelecer um impedimento à candidatura a deputado da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, a norma fiscalizada estabelece uma inelegibilidade, figura a que a Constituição expressamente alude no n.º 3 do artigo 50.º Obsta-se à candidatura a certo cargo eletivo e, por isso, restringe-se o direito de acesso a cargos públicos eletivos consagrado no n.º 1 do artigo 50.º da Constituição, segundo a qual «todos os cidadãos têm direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos».

Desde a revisão constitucional de 1989, a Constituição dá expressa guarida à previsão legislativa de restrições àquele direito (n.º 3 do artigo 50.º da Constituição). Com efeito, se o princípio geral é o da coincidência entre a capacidade eleitoral ativa e passiva - todo o eleitor, em princípio, pode ser eleito -, admite-se que a lei preveja requisitos inerentes à natureza dos cargos públicos ou certas circunstâncias negativas ou inibitórias que geram um afastamento entre as duas capacidades (cf. Jorge Miranda, "Anotação ao artigo 50.º", Constituição Portuguesa Anotada, org. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 998; A. E. Duarte Silva, "As inelegibilidades nas eleições autárquicas", Estudos sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional, Aequitas, 1993, p. 154): é justamente esse o instituto da inelegibilidade, que limita a viabilidade de certos cidadãos serem eleitos para cargos públicos.

Simplesmente, a Constituição subordina a conformidade constitucional das inelegibilidades (que restringem o direito de sufrágio passivo e não apenas o exercício do cargo) a uma "vinculação teleológica do legislador" (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 677): «No acesso a cargos eletivos a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos» (n.º 3 do artigo 50.º da Constituição). Daqui resulta que «a Constituição admite expressamente a restrição de tal direito», embora apenas seja lícito ao legislador fazê-lo para tutela dos «dois valores que justificam a restrição do direito de sufrágio passivo: a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos cargos» (cf. Acórdão 532/2017).

Ao prever uma inelegibilidade, a norma em crise opera assim uma restrição à capacidade eleitoral passiva - limitando o direito fundamental de acesso a cargos públicos eletivos ao privar alguns dos seus titulares ("todos os cidadãos") de o exercerem em plenitude: «um cidadão não elegível é um cidadão cujo direito fundamental de sufrágio passivo foi objeto de uma verdadeira restrição» (cf. Maria Benedita Urbano, Representação Política e Parlamento - Contributo para uma Teoria Político-Constitucional dos Principais Mecanismos de Proteção do Mandato Parlamentar, Almedina, 2009, p. 354) - cuja conformidade constitucional depende não apenas da sua concatenação com os valores constitucionalmente delimitados, como da observância dos requisitos de compressão dos direitos, liberdades e garantias, nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição (cf. Acórdãos n.os 495/2017 e 532/2017).

8 - Com respaldo constitucional, tem vindo a opor-se o instituto das incompatibilidades ao das inelegibilidades. Conceitos esses que assumem contornos nem sempre rigorosos, já que é a própria Constituição que, no artigo 150.º e sob a designação formal de incompatibilidades, determina uma inelegibilidade, referindo-se à viabilidade de a lei eleitoral excecionar o princípio de que «são elegíveis os cidadãos portugueses eleitores».

8.1 - Os institutos distinguem-se, desde logo, quanto ao seu efeito jurídico.

As inelegibilidades obstam ao acesso a um cargo eletivo, mediante a previsão legal de impedimentos à candidatura ou à eleição. Nessa medida, ligam-se à aquisição do mandato parlamentar, afetando o próprio ato de eleição (impedindo-a ou invalidando-a), razão pela qual operam, em princípio, em momento anterior ao do ato eletivo (cf. Maria Benedita Urbano, Representação..., cit., p. 8; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 67).

Trata-se de um instituto que pressupõe o conceito de elegibilidade, enquanto aptidão jurídica para se ser sujeito passivo de uma relação eleitoral. A previsão de uma causa de inelegibilidade limita a possibilidade de concorrer a uma eleição (e a viabilidade de vir a ser validamente eleito) por quem reunia as características gerais para se candidatar (cf. Maria Benedita Urbano, Representação..., cit., p. 361; Jorge Miranda, "Anotação ao artigo 50.º", cit., p. 1000; A. E. Duarte Silva, "As inelegibilidades...", cit., p. 155). Constitui, assim, uma medida legislativa que atinge a capacidade eleitoral passiva dos cidadãos.

Já as incompatibilidades vedam o exercício do mandato, atuando em momento temporalmente distinto: apenas obstam a que um candidato validamente eleito acumule o exercício do seu mandato parlamentar com outras funções ou atividades. Deste modo, as incompatibilidades não produzem efeitos no processo designativo do sujeito nem na sua elegibilidade ou capacidade eleitoral passiva (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p. 249; Maria Benedita Urbano, Representação..., cit., pp. 14, 330, 345 e 361; Jorge Miranda, "Anotação ao artigo 50.º, cit., p. 1002; id., Manual..., cit., tomo V, p. 67).

8.2 - Se é certo que ambas podem concorrer para uma proibição de cúmulo de mandatos (independentemente de se ver nesta figura uma categoria dogmaticamente distinta - cf. Gomes Canotilho, "A crise da lei: anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/90", Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 123, n.os 3796-3797, 1990, p. 245), a diferente intensidade da restrição no direito de exercício de cargos públicos justifica-se pela distinta ratio que preside a cada um dos institutos.

Ao afetar o próprio ato eleitoral, a inelegibilidade corresponde a uma técnica de direito eleitoral que tem «como escopo primordial a tutela da genuinidade da competição eleitoral - mais especificamente, [...] visa evitar que algum ou alguns candidatos partam para a corrida eleitoral em situação de vantagem em relação aos restantes, o que poderá falsear a competição eleitoral» (Maria Benedita Urbano, Representação..., cit., p. 349). O seu fundamento principal é a tutela da livre vontade dos eleitores, assente na igualdade das candidaturas, razão pela qual afeta o próprio ato eleitoral: visa impedir-se que «as pessoas que exercem um determinado cargo público e que desejam candidatar-se a uma eleição parlamentar possam aproveitar-se da situação privilegiada em que se encontram para influenciar em seu benefício o resultado eleitoral» (Maria Benedita Urbano, Representação..., cit., p. 394): a captatio benevolentiae de que poderiam beneficiar certas pessoas na competição eletiva. Em consequência, as inelegibilidades são necessariamente excecionais (ao porem em causa o direito de sufrágio passivo de certos eleitores que gozam de capacidade eleitoral passiva) e têm necessariamente de produzir efeitos circunscritos no tempo, como se concluiu no Acórdão 495/2017 (no mesmo sentido, Jorge Miranda, "Anotação ao artigo 50.º", cit., p. 1005; id. Manual..., cit., tomo V, p. 67).

É por esta razão que se não têm por verdadeiras inelegibilidades as condições gerais de que a lei faz depender a capacidade eleitoral passiva (v. g., idade ou nacionalidade): estas visam garantir a idoneidade daqueles que pretendem concorrer a um cargo público eletivo, através da exigência de qualidades ou requisitos genéricos para o exercício do direito de sufrágio passivo. Pelo contrário, o sistema das inelegibilidades, ainda que respeite à pessoa do candidato, não se relaciona com as suas qualidades ou condições pessoais: não está em causa a sua idoneidade mas a sua legitimidade para tomar parte na eleição, em ordem à proteção do próprio ato eleitoral - a genuinidade da competição eleitoral, desdobrada na prevenção de influências indevidas sobre o eleitorado e na garantia de igualdade entre os candidatos (cf. Maria Benedita Urbano, Representação..., cit., pp. 347, 362 e 372-375; Jorge Miranda, "Inelegibilidade", Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, vol. 10, 1970, p. 1366). Como afirmou este Tribunal no Acórdão 473/92, a inelegibilidade é «vocacionada em primeira linha para a proteção do eleitor e [...] representa um obstáculo dirimente da regular eleição do atingido».

Ao invés, no instituto das incompatibilidades, o legislador visa tutelar a isenção e liberdade do titular eleito, que poderia ser condicionada pela prestação simultânea de outra atividade. Deste modo, constituem verdadeiras incompatibilidades as normas constitucionais que impedem o exercício do mandato dos Deputados que forem nomeados membros do Governo até à cessação destas funções (n.º 1 do artigo 154.º da Constituição) ou que impedem o desempenho de funções públicas ou privadas pelos juízes em exercício (n.º 3 do artigo 216.º da Constituição) - cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora, 1991, p. 206; Paulo Otero, Direito Constitucional Português, vol. 2, 2010, p. 103.

Neste contexto, as incompatibilidades - que não impedem o acesso ao mandato, mas proíbem o seu desempenho simultaneamente com determinados outros cargos, ocupações ou funções - encontram a sua ratio na «separação dos órgãos de soberania e respetivas funções materiais», razão que «está presente na [...] incompatibilidade do cargo de deputado com outros cargos eletivos como membros das Assembleias Legislativas Regionais (cf. Lei 7/93, Estatuto dos Deputados, artigo 20.º)» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., cit., vol. II, p. 263). Como o Tribunal Constitucional concluiu no Acórdão 473/92, tutelam sobretudo o próprio Estado: «o regime de incompatibilidades recorta-se na impossibilidade legal de se desempenhar, além do cargo correspondente ao lugar ocupado, outras funções, públicas ou privadas, de modo a evitarem-se situações que induzam o agente a distrair-se da sua específica atividade funcional com prejuízo da dedicação e zelo devidos e, porventura, da independência, isenção e imparcialidade que o devem nortear. [...] A incompatibilidade perfila-se, assim, como impossibilidade legal do exercício simultâneo de um cargo e de um mandato pela mesma pessoa, justificada na origem pelo princípio do Estado de direito democrático» (em sentido convergente, cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, 2003, p. 558; Jorge Miranda, "Anotação ao artigo 50.º", cit., p. 1002).

É certo, em todo o caso, que ambos os institutos impedem o exercício do mandato e, assim, ambos acabam por garantir a independência, eficiência, isenção e lisura do exercício do cargo eletivo. Nessa medida, é conjeturável que o legislador preveja figuras híbridas de inelegibilidades por incompatibilidade - «situações em que está em causa a necessidade de assegurar a dignidade do exercício do mandato parlamentar (a ratio das incompatibilidades) mas em que se pretende evitar que as pessoas visadas cheguem a concorrer às eleições (apenas no caso das inelegibilidades se poderá obstar à eleição de um candidato)» (Maria Benedita Urbano, Representação..., cit., pp. 347). Simplesmente, ao passo que o instituto das incompatibilidades se centra somente no exercício e na conservação do mandato (num momento em que o candidato já foi eleito) - quer para garantir a separação dos órgãos do Estado e respetivas funções materiais, quer para assegurar que os respetivos titulares desempenham tais funções com isenção e imparcialidade -, a inelegibilidade concorre igualmente para a preservação da regularidade do ato eleitoral, ao atender às circunstâncias do candidato no momento da eleição.

Neste quadro, não restam dúvidas que a inelegibilidade constitui figura mais restritiva do direito de acesso a cargos públicos do que a incompatibilidade: a primeira não admite sequer a eleição (afetando a própria capacidade eleitoral passiva do cidadão), ao passo que a segunda apenas impede o exercício do cargo.

9 - A conformidade constitucional da norma sob fiscalização não é questão inédita para este Tribunal. Com efeito, no Acórdão 189/88, foi tal norma julgada inconstitucional, por violação do direito de acesso a cargos públicos, consagrado no artigo 50.º da Constituição:

«A inelegibilidade especial contida no artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei 267/80 filia-se no "juízo negativo de inintegração", na avaliação de desvalor potencialmente resultante do facto de um cidadão que é deputado à Assembleia da República se candidatar a deputado a uma Assembleia Regional, podendo, portanto, vir a incorrer numa situação de "duplo mandato".

[...]

É certo que sempre se poderia invocar a favor da legitimidade constitucional de tal inelegibilidade a necessidade de impedir a verificação da situação de duplo mandato (de deputado à Assembleia da República e de deputado a uma assembleia regional); mas é fácil ver que para obviar a essa situação, concedendo, sem discutir, existir relevância neste argumento, não seria necessário recorrer à solução de inelegibilidade. Bastaria uma de duas soluções: ou estabelecer uma incompatibilidade de exercício simultâneo aos dois mandatos ou mesmo uma incompatibilidade de detenção simultânea dos dois estatutos, obrigando o interessado a suspender ou a renunciar a um dos mandatos, ou determinando a própria lei a suspensão ou perca automática, de um deles. Trata-se de soluções que são correntes na nossa legislação para hipóteses semelhantes, podendo entre outros mencionar-se o artigo 4.º do Estatuto dos Deputados à Assembleia da República (Lei 3/85, de 13 de Março), o artigo 5.º, n.º 4, da lei eleitoral das autarquias locais (Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei 757/76, de 21 de Outubro) e o próprio artigo 4.º do Estatuto dos Deputados da Região Autónoma dos Açores (Decreto Legislativo Regional 13/88/A, de 6 de Abril de 1988), o qual - vale a pena notar - determina a suspensão automática do mandato do deputado regional que vier a desempenhar funções de deputado à Assembleia da República (sendo certo que nem a lei eleitoral da Assembleia da República impede a candidatura de deputados regionais, nem o Estatuto dos Deputados da Assembleia da República prevê qualquer incompatibilidade de exercício dos dois mandatos).

[...]

Por conseguinte, é de concluir que a solução de inelegibilidade sempre seria manifestamente excessiva, visto que a prossecução daquele mencionado interesse público (impedir situações de duplo mandato), suposto que ele tem proteção constitucional, não exige medida tão drástica.»

Em sentido convergente, no Acórdão 488/2020 foi a mesma norma julgada inconstitucional, por impor uma restrição desproporcional ao direito fundamental de acesso a cargos públicos, em violação dos artigos 50.º, n.º 3, e 18.º, n.º 2, da Constituição:

«Importa realçar que a Constituição permite que sejam estabelecidas apenas «as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos» (cf. o artigo 50.º, n.º 3), assim reafirmando o caráter excecional das inelegibilidades e reforçando a exigência de que as restrições ao direito de acesso a cargos eletivos fiquem estritamente aquém dos confins impostos pelo princípio da proporcionalidade (v. GOMES CANOTILHO, J.J./MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Ed. revista, Coimbra, 2007, pp. 677-679).

[...]

Ora, a incompatibilidade do exercício do mandato de deputado à Assembleia da República com o exercício do mandato de deputado à Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores encontra-se expressamente prevista na lei, bem como a perda do mandato na eventualidade de os deputados eleitos serem feridos por alguma das incompatibilidades legalmente previstas (cf. os artigos 8.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, n.º 1, alínea d) do Estatuto dos Deputados, aprovado pela Lei 7/93, de 1 de março; e o artigo 8.º, n.º 1, alínea a) e 22.º, n.º 1 alínea d) do Regime de Execução do Estatuto dos Deputados da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional 19/90/A, de 20 de novembro).

Estes mecanismos devem considerar-se, por si só, aptos a assegurar o regular exercício dos cargos eletivos em questão, não se vislumbrando que a inelegibilidade especial consagrada no n.º 2 do artigo 6.º da LEALRAA seja necessária para garantir a liberdade de escolha dos eleitores ou qualquer outro interesse público digno de tutela, que não se encontre já adequadamente protegido pelo regime de incompatibilidades em vigor».

10 - É este mesmo juízo que importa reafirmar. Com efeito, sendo incontroverso que a norma em crise restringe o direito de acesso a cargos públicos eletivos através da previsão de uma inelegibilidade, a sua admissibilidade constitucional depende não só da sua vocação para a tutela da liberdade de escolha dos eleitores ou da isenção e independência no exercício dos respetivos cargos (cf. n.º 3 do artigo 50.º da Constituição) como do cumprimento do regime constitucional de restrição dos direitos, liberdades e garantias, estatuído nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição (cf. Acórdãos n.os 495/2017 e 532/2017).

10.1 - Ora, como o Tribunal Constitucional vem afirmando, a inelegibilidade ora fiscalizada não pode ter-se como justificada na liberdade de escolha dos eleitores. Por um lado, porque a proibição de candidatura à ALRAA por quem seja deputado à Assembleia da República não evita um «risco de influência sobre o eleitorado derivado daquele cargo, a qual, a existir, sempre se teria de considerar, por um lado, como despicienda e, por outro lado, como natural» (Acórdão 189/88); por outro, porque, se é «certo que a circunstância de estar já a exercer o mandato de deputado à Assembleia da República poderá ser entendida como um indício de indisponibilidade efetiva para exercer o mandato de deputado à Assembleia Legislativa Regional, ou de que o candidato se encontra em condições privilegiadas face aos demais candidatos», não é menos verdade que «a circunstância de um candidato estar a exercer o mandato de deputado à Assembleia da República é pública e facilmente cognoscível pelos eleitores, que poderão livremente formar a sua convicção quanto à escolha de um tal candidato, ponderando livremente esse dado» (cf. Acórdão 488/2020).

A liberdade de escolha dos eleitores como fundamento desta inelegibilidade dependeria da demonstração de que a qualidade de deputado à Assembleia da República é suscetível de implicar uma restrição da liberdade dos eleitores, materializada numa influência ilegítima sobre as escolhas eleitorais que tais candidatos retirariam daquela sua qualidade. Ora, não só tal risco não está comprovado como, por outro lado, tal inelegibilidade «teria de se estender, até por maioria de razão, a muitas outras pessoas com um efetivo "poder social", quiçá, até mais forte, suscetível de pôr em causa a genuinidade do ato eleitoral pela influência ilegítima sobre os eleitores» (cf. Nuno Silva Salgado, Inelegibilidades, incompatibilidades e impedimentos dos titulares dos órgãos das autarquias locais: considerações gerais, CEFA, 1990, p. 19).

Afasta-se, pois, a adequação da medida fiscalizada à proteção do direito dos eleitores a uma escolha livre e esclarecida e à regularidade da competição eleitoral.

10.2 - Nesta sequência, a conformidade constitucional da norma fiscalizada dependerá da sua adequação ao propósito de isenção e independência no exercício do cargo - prevenindo o risco de confusão de poderes e interesses e assegurando que os respetivos titulares desempenhem os cargos com imparcialidade e equidistância - e do cumprimento dos demais vetores do princípio da proporcionalidade.

É incontroverso que, ao prevenir a candidatura à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores por quem seja deputado à Assembleia da República, o legislador eficazmente acautela situações de restrição da independência de um deputado à Assembleia Legislativa que, por ser titular de um mandato em órgão de soberania, pudesse ver limitada a sua liberdade no exercício do cargo. Sobretudo tendo em conta que algumas das competências constitucionalmente atribuídas aos deputados regionais pressupõem liberdade e autonomia face à Assembleia da República (cf., v. g., o disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição). A previsão constitucional de órgãos de governo próprio para as regiões autónomas é contrária à viabilidade de, por via da acumulação do exercício de cargos políticos, se operar uma concentração pessoal de poderes que desvirtue o modelo autonómico estabelecido na Constituição.

Não restam dúvidas, pois, que o fim a que se dirige a medida legislativa fiscalizada tem respaldo constitucional.

11 - Simplesmente, considerando os vetores ou subprincípios em que se desdobra o princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), a norma em crise não cumpre os pressupostos de que depende a conformidade constitucional da compressão.

Se dúvidas não há quanto à aptidão daquela inelegibilidade para atingir o fim legítimo que visa tutelar - na medida em que, ao impedir que um deputado à Assembleia da República se candidate a deputado da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, impede uma acumulação de funções que pudesse pôr em causa o livre exercício do mandato de deputado à Assembleia Legislativa -, não pode a medida considerar-se necessária. Com efeito, o subprincípio da exigibilidade ou necessidade «determina que o meio escolhido pelo legislador não pode ser mais restritivo do que o indispensável para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício desnecessário de valor constitucional» (cf. Acórdão 532/2017).

Ora, teria o legislador ao dispor outros expedientes capazes de atingir o mesmo resultado sem operar uma compressão tão onerosa do direito fundamental. Na verdade, e como se disse no Acórdão 189/88, para obter tal desiderato «[b]astaria uma de duas soluções: ou estabelecer uma incompatibilidade de exercício simultâneo aos dois mandatos ou mesmo uma incompatibilidade de detenção simultânea dos dois estatutos, obrigando o interessado a suspender ou a renunciar a um dos mandatos, ou determinando a própria lei a suspensão ou perca automática, de um deles. Trata-se de soluções que são correntes na nossa legislação para hipóteses semelhantes», sendo certo que «a solução de inelegibilidade sempre seria manifestamente excessiva, visto que a prossecução daquele mencionado interesse público (impedir situações de duplo mandato), suposto que ele tem proteção constitucional, não exige medida tão drástica.». Com efeito, reiterando o que se concluiu no Acórdão 488/2020, «a tutela do direito fundamental de acesso a cargos públicos eletivos será sempre favorecida pela adoção de um regime robusto de incompatibilidades, se através deste for possível atingir as mesmas finalidades que, com a previsão de situações de inelegibilidade, se pretendem alcançar».

A questão assume ainda maior evidência pelo facto de o legislador ter já previsto um regime de incompatibilidades recíprocas que impede o exercício simultâneo de mandatos, tutelando dessa forma a independência dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Com efeito, o n.º 1 do artigo 20.º do Estatuto dos Deputados (aprovado pela Lei 7/93, de 1 de Março, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei 58/2021, de 18 de agosto) determina serem "incompatíveis com o exercício do mandato de deputado à Assembleia da República" os cargos aí elencados, em se inclui, de forma expressa, o de "membro dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas" (alínea b)), abrangendo assim os deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas (n.º 1 do artigo 231.º da Constituição). Do mesmo passo, a alínea a) do n.º 1 do artigo 101.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA, aprovado pela Lei 39/80, de 5 de agosto, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei 2/2009, de 12 de janeiro) determina serem "incompatíveis com o exercício do mandato de deputado à Assembleia Legislativa" os cargos de "Presidente da República, deputado à Assembleia da República e membro do Governo da República".

Nesta sequência, revela-se excessiva a restrição da capacidade eleitoral passiva, porquanto os interesses de isenção e independência dos membros dos órgãos de representação democrática na ALRAA podem ser alcançados através de medidas menos gravosas, que não ponham em causa a regularidade do ato eleitoral, mas determinem apenas a suspensão, perda ou renúncia a um dos mandatos.

III. Decisão

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 2 do artigo 6.º da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, aprovada pelo Decreto-Lei 267/80, de 8 de agosto, e alterada pelas Leis 28/82, de 15 de novembro e 72/93, de 30 de novembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 2/2000, de 14 de julho, 2/2001, de 25 de agosto, 5/2006, de 31 de agosto, 2/2012, de 14 de junho, 3/2015, de 12 de fevereiro, 4/2015, de 16 de março, e 1-B/2020, de 21 de agosto, por violação do disposto no n.º 3 do artigo 50.º, conjugado com o n.º 2 do artigo 18.º, ambos da Constituição.

Atesto o voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Teles Pereira, Benedita Urbano, Ascensão Ramos, Assunção Raimundo e Lino Ribeiro. - Afonso Patrão.

Lisboa, 11 de janeiro de 2022. - Afonso Patrão - José João Abrantes - Mariana Canotilho - José Eduardo Figueiredo Dias - Pedro Machete - Joana Fernandes Costa - João Pedro Caupers.

114964332

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4799850.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1976-09-29 - Decreto-Lei 701-B/76 - Ministério da Administração Interna

    Estabelece o regime eleitoral para a eleição dos órgãos das autarquias locais, nomeadamente: capacidade eleitoral, organização do processo eleitoral, campanha eleitoral, eleição, ilícito eleitoral.

  • Tem documento Em vigor 1976-10-21 - Decreto-Lei 757/76 - Ministério da Administração Interna

    Introduz alterações no Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro, que estabelece o regime eleitoral para a eleição dos órgãos das autarquias locais.

  • Tem documento Em vigor 1980-08-05 - Lei 39/80 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

  • Tem documento Em vigor 1980-08-08 - Decreto-Lei 267/80 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna

    Aprova a Lei Eleitoral para a Assembleia Regional dos Açores.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-03-13 - Lei 3/85 - Assembleia da República

    Estatuto dos Deputados.

  • Tem documento Em vigor 1988-04-06 - Decreto Legislativo Regional 13/88/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Regional

    Aprova o Estatuto dos Deputados na Região Autónoma dos Açores.

  • Tem documento Em vigor 1990-11-20 - Decreto Legislativo Regional 19/90/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa Regional

    Aprova o regime de execução do Estatuto dos Deputados eleitos para a Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores.

  • Tem documento Em vigor 1993-01-22 - Acórdão 473/92 - Tribunal Constitucional

    DECIDE DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, DA NORMA DO ARTIGO 7, NUMERO 2, DA LEI 9/90, DE 1 DE MARCO, NA REDACÇÃO DO ARTIGO 1 DA LEI 56/90, DE 5 DE SETEMBRO (NORMA QUE SUBMETE AO MESMO REGIME DE INCOMPATIBILIDADES DOS DEPUTADOS A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA OS DEPUTADOS AO PARLAMENTO EUROPEU) NA MEDIDA EM QUE TORNA APLICÁVEL IMEDIATAMENTE AOS DEPUTADOS AO PARLAMENTO EUROPEU JÁ ELEITOS A INCOMPATIBILIDADE CONSTANTE DA ALÍNEA H) DO NUMERO 1 DO ARTIGO 19 DA LEI 3/85, DE 13 DE MARCO, NA (...)

  • Tem documento Em vigor 1993-03-01 - Lei 7/93 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto dos Deputados.

  • Tem documento Em vigor 1993-11-30 - Lei 72/93 - Assembleia da República

    Regula o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2000-07-14 - Lei Orgânica 2/2000 - Assembleia da República

    Altera (terceira alteração) o Decreto-Lei nº 267/80, de 8 de Agosto, que aprova a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 2004-07-24 - Lei Constitucional 1/2004 - Assembleia da República

    Altera a Constituição da República Portuguesa (Sexta revisão constitucional). Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2006-08-31 - Lei Orgânica 5/2006 - Assembleia da República

    Altera (quinta alteração) a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Procede à sua republicação em anexo

  • Tem documento Em vigor 2009-01-12 - Lei 2/2009 - Assembleia da República

    Aprova a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, e procede à sua republicação

  • Tem documento Em vigor 2021-08-18 - Lei 58/2021 - Assembleia da República

    Introduz alterações nas obrigações declarativas quanto à pertença ou desempenho de funções em entidades de natureza associativa, alterando a Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, e o Estatuto dos Deputados

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda