Acórdão 91/85
Processo 4/84
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
I - O Exmo. Provedor de Justiça requereu, ao abrigo das disposições combinadas do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República e dos artigos 51.º e seguintes e 62.º e seguintes da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade do § 1.º, do artigo 3.º do Decreto-Lei 29931, de 15 de Setembro de 1939.
Circunscreve o objecto do seu pedido à parte do preceito que comete aos sindicatos, a competência para a passagem de carteiras profissionais.
Fundamenta o requerimento de declaração de inconstitucionalidade na violação, em vários aspectos, do princípio da liberdade sindical consagrado no artigo 56.º da Constituição.
Isto porque «pode perigar a liberdade de inscrição [n.º 2, alínea b)], na sua configuração negativa - que garante o direito de não inscrição no sindicato e o direito de o abandonar -, porquanto o receio de que a carteira seja denegada pelo sindicato pode funcionar como elemento de pressão suficientemente forte para que o trabalhador se sindicalize ou não abandone o sindicato, sendo certo que os próprios serviços do Ministério do Trabalho têm conhecimento de casos de recusa de passagem de carteiras a trabalhadores não sindicalizados, por parte dos sindicatos, como instrumento de pressão junto dos trabalhadores com vista a sua sindicalização (resposta da Secretaria de Estado do Trabalho a um requerimento de um deputado, publicada, no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 82, de 16 de Julho de 1980).
Depois porque ao atribuir-se aos sindicatos a prossecução do interesse público que está na base da exigência, para certas profissões, da carteira profissional, do mesmo passo que se lhes conferem funções que excedem os interesses e prevalecem sobre a vontade dos seus associados, ou por isso mesmo, integram-se aqueles, ainda que indirectamente, no domínio da Administração Pública - o que não pode deixar de comprometer o princípio da independência das associações sindicais em face do Estado, consagrado no n.º 4 do aludido artigo 56.º da Constituição.»
Finalmente, «a atribuição a uma entidade privada da competência em apreço envolverá também um risco para a liberdade de exercício da profissão escolhida, integrante do direito de escolher livremente a profissão, que a Constituição consagra no seu artigo 47.º, n.º 1».
O Exmo. Provedor assinala ainda que tais desvios se integram no direito anterior à entrada em vigor da Constituição, o que, de acordo com a jurisprudência até agora dominante, não obsta à apreciação e declaração da sua inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.
II - Admitido o pedido, foi notificado o Sr. Primeiro-Ministro para sobre ele se pronunciar, querendo, tendo sido remetido, como resposta, o parecer da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros, que mereceu a concordância do Sr. Primeiro-Ministro e se encontra junto, de fl. 12 a fl. 26 dos autos.
Nesse parecer se conclui que o § 1 º. do artigo 3.º do Decreto-Lei 29931 não viola os princípios constitucionais consignados nos artigos 47.º, n.º 1, e 56.º, n.os 2, alínea b), e 4, da Constituição da República, e isto porque nele se entende que a liberdade está garantida, dado que nem a inscrição no sindicato nem o pagamento de quota sem inscrição podem considerar-se hoje obrigatórios, e a atribuição às associações sindicais da emissão das carteiras profissionais, além de reforçar a sua autonomia, permite a desconcentração, sempre desfavorável, de poderes da Administração, e o Estado, por entender as associações sindicais como os organismos, melhor vocacionados para a emissão das carteiras profissionais, atribui-lhes os poderes necessários para a realização de tais tarefas.
III - Questão prévia. - Durante o decurso do prazo para elaboração do acórdão, foi publicado em 13 de Novembro o Decreto-Lei 358/84, que modifica as condições de passagem e entrega das carteiras profissionais e revoga o § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei 29931, que é precisamente a norma para que se pede neste processo a declaração, com força obrigatória geral, da sua inconstitucionalidade.
Pode, pois, parecer, face à publicação daquele Decreto-Lei 358/84, que o pedido de declaração de inconstitucionalidade perdeu razão de ser, deixou de ter interesse relevante e útil.
Mas afigura-se erróneo tal entendimento.
Com efeito, não deixou de constituir infracção a falta de carteira profissional, o que aconteceu foi que deixou de tipificar uma transgressão para passar a ser punida como contra-ordenação, e a essa punição em coima ficaram sujeitos não só aquele que exerça a profissão sem possuir carteira profissional, nos casos em que é exigida, mas também a entidade empregadora, única que nos termos do Decreto-Lei 29931 era passível de punição (artigo 6.º do citado Decreto-Lei 358/84).
Ora, para além de ser de admitir a existência de processos ainda pendentes de julgamento, de autos de transgressão levantados ao abrigo do Decreto-Lei 29931 pela Inspecção do Trabalho - basta atentar em que o caso apreciado por este Tribunal Constitucional (veja-se o Acórdão 46/84) teve origem em autos levantados em Maio de 1982 e no conhecido atraso no julgamento nalguns tribunais de 1.ª instância, mercê, designadamente, do enorme volume de processos -, há que ter presente que a doutrina e a jurisprudência têm consagrado o princípio de que, se um facto deixa de estar enquadrado em determinado domínio da ilicitude penal mas continua a ser criminalmente ilícito, os seus autores continuam a ser punidos, não lhes sendo aplicável a regra do artigo 2.º do Código Penal.
Escreve Eduardo Correia (Direito Criminal, I, 1963, p. 162): «Pode ainda pôr-se o problema de uma lei posterior qualificar diversamente o facto. Por exemplo, em vez de crime, pode a nova lei considerar o facto como contravenção [...].
Neste caso, deve aplicar-se retroactivamente a nova lei se esta transforma o facto de crime em contravenção [...].
É que [...] se trata de excluir um certo facto do domínio das regras relativas ao crime.
A razão da lei, no problema da retroactividade, é sempre garantir os indivíduos contra a agravação das consequências da sua actividade e fazê-los aproveitar da atenuação dessas consequências.»
Esta doutrina vale necessariamente para as hipóteses em que, no campo do direito sancionatório público - e é este o caso do Decreto-Lei 358/84 -, um ilícito penal (crime ou transgressão) passa a constituir simples ilícito administrativo (contra-ordenação).
Assim, é manifesta a utilidade, a necessidade mesmo, de se apreciar o pedido de declaração de inconstitucionalidade.
IV - A norma que se pede seja declarada inconstitucional com força obrigatória geral é de um decreto-lei aprovado e publicado à sombra da Constituição de 1933, e, portanto, harmonizada com o seu espírito, visando constituir o Estado Português numa república unitária e corporativa, imbuído, pois, de uma filosofia política e social que o 25 de Abril de 1974 destruiu revogando a Constituição de 1933, substituindo-a pela de 1976, consagrando princípios democráticos em manifesta oposição aos princípios corporativos.
E o Governo assim o reconheceu, tanto que no preâmbulo do Decreto-Lei 358/84, de 13 de Novembro, que aprovou o novo regime jurídico das carteiras profissionais, teve o cuidado de salientar que o «regime jurídico das carteiras profissionais, adoptado no presente diploma, é justificado pelo propósito de harmonizar com os princípios do actual sistema jurídico um instituto cuja origem remonta à época inicial da organização corporativa» e que, acrescenta, «vinha secundar a obrigatoriedade de pagamento de quotas aos grémios e sindicatos por todas as empresas e trabalhadores, para assegurar a estabilidade dos organismos corporativos»; e conclui: «A imposição da carteira profissional a qualquer profissão realizava-se por despacho do membro do Governo competente, sem especificar a lei, o critério ou o fim da decisão. A sua passagem, segundo regulamentos previamente aprovados, competia aos sindicatos para permitir que arrecadassem uma taxa e controlar o pagamento das quotas.»
No mesmo preâmbulo assinala-se ainda que «o condicionamento das profissões impõe-se por razões de ordem pública, pelo que deve caber aos órgãos estaduais a totalidade da regulamentação, execução e garantia do sistema». Por isso o Decreto-Lei 358/84 afasta a competência dos sindicatos, que é contrária ao princípio da liberdade sindical.
Como se vê de fl. 48 a fl. 49 do Relatório do Provedor de Justiça de 1978, esta questão foi suscitada ao Ministério do Trabalho em ofício do Provedor de 16 de Setembro de 1977, no qual se recomendava a revogação do Decreto-Lei 29931 e a atribuição a uma ou várias entidades públicas da competência para as emissões de carteiras profissionais, retirando-se tal competência aos sindicatos e alterando-se em conformidade os regulamentos de carteiras profissionais então em vigor. Justificava-se a recomendação dessa revogação e substituição do Decreto-Lei 29931 por se considerar que a atribuição aos então sindicatos nacionais de competência exclusiva para a emissão de carteiras profissionais assentava no pressuposto dos sindicatos únicos, característicos do sistema corporativo, e que a actual Constituição consagra os princípios da liberdade de constituição de sindicatos e da liberdade de inscrição nos mesmos, corolário da liberdade sindical (artigo 57.º), e que estes princípios parecem incompatíveis com o condicionamento do exercício de uma profissão à posse de um documento exclusivamente emitido por um sindicato.
V - Respondeu o Ministério do Trabalho àquela recomendação, por ofício de 3 de Fevereiro de 1978, anunciando estarem em curso estudos preparatórios tendo em vista a revisão da legislação em causa.
E pela leitura do preâmbulo do Decreto-Lei 358/84, de 13 de Novembro, ficou-se a saber que, na sequência desses estudos preparatórios, foi publicado, para apreciação pública, na separata n.º 1 do Boletim do Trabalho e Emprego, de 11 de Janeiro de 1979, um projecto, sobre o qual emitiram parecer várias associações sindicais e uma confederação patronal.
No relatório já citado do projecto de diploma publicado na separata n.º 1 do Boletim do Trabalho e Emprego, a fl. 68, considera-se alteração importante, relativamente ao sistema que vigorava, a atribuição à Administração da passagem das carteiras profissionais, que cabia aos sindicatos. E isto porque não só tal sistema funcionava tendo como principal finalidade servir de instrumento de ligação dos trabalhadores às estruturas sindicais corporativas e como fonte de receitas, pelas quantias cobradas pela passagem e revalidação das carteiras, mas também porque, além de não justificar a manutenção do sistema que ainda vigorava, «o condicionamento da profissão se impõe por razões de ordem pública, daí que deva caber aos órgãos estaduais a totalidade das acções de regulamentação, execução e garantia do condicionamento».
Este princípio é retomado no relatório justificativo do anteprojecto de diploma do regime jurídico das carteiras profissionais - já transformado no Decreto-Lei 358/84 -, apresentado pelo grupo de trabalho que preparou esse anteprojecto, em 12 de Abril de 1984, no passo em que declara: «Os princípios da liberdade sindical, actualmente vigentes na ordem jurídica portuguesa, estão nos antípodas dos princípios de organização política e social que, em 1939, determinaram a atribuição da competência ao sindicato. Os fins específicos para realização dos quais é exigida carteira profissional no exercício de certas funções - a tutela pública preventiva de bens jurídicos essenciais - impõem que sejam o Estado e a Administração a praticar a totalidade dos actos Legislativos, de execução do sistema e de tutela. Nenhuma razão justificaria manter a passagem da carteira pelo sindicato.»
Todos estes elementos de trabalho deram origem, tendo ainda em atenção modificações legislativas entretanto verificadas, ao texto definitivo deste Decreto-Lei 358/84, agora aprovado e publicado, precisamente 4 meses depois de o Diário da República, 2.ª série, de 13 de Julho de 1984, ter publicado o Acórdão 46/84, proferido pela 2.ª Secção deste Tribunal no processo 97/83, em 23 de Maio de 1984, e já aqui citado.
Nesse acórdão, que negou provimento ao recurso interposto pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da Relação de Lisboa do acórdão que, confirmando a sentença do Tribunal do Trabalho das Caldas da Rainha, declarara inconstitucional e recusara a aplicação das disposições do Decreto-Lei 29931, a 2.ª Secção do Tribunal Constitucional julgou inconstitucionais as normas constantes do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei 29931 e do artigo 3.º do Regulamento da Carteira Profissional dos Ajudantes de Farmácia do Distrito de Lisboa.
Na fundamentação da sua decisão, além do mais, pode ler-se, relativamente às disposições do decreto-lei em causa: «Trata-se de normativos editados à luz dos princípios do sindicalismo corporativo. As associações sindicais eram, então, concebidas como entidades de carácter público {veja, neste sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier [«O papel dos sindicatos nos países em desenvolvimento», in Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXV (1978, pp. 289 e segs.)]}, ou - se preferir - como 'pessoas colectivas de direito privado e regime administrativo'. [Neste sentido: Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, I, Coimbra, 1980, pp. 387 e segs.)] Tratava-se, de facto, de 'sindicatos nacionais' organizados por distrito - onde o Estado só reconhecia 'como entidade de direito público um único sindicato nacional por categoria profissional' (artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei 23050, de 23 de Setembro de 1933). Deviam subordinar os respectivos interesses aos interesses da economia nacional (artigo 9.º do mesmo Decreto-Lei 23050) e os contratos colectivos de trabalho, e bem assim os regulamentos, que elaboravam, depois de sancionados e aprovados, obrigavam igualmente os inscritos e os não inscritos (artigo 22.º do citado Decreto-Lei 23050).
Neste contexto, compreendia-se que os sindicatos dispusessem de poderes de direito público, designadamente o de elaborarem os regulamentos das carteiras profissionais, e bem assim o de as emitirem, como forma de controlar o exercício regular de determinada profissão (a da respectiva categoria).
Mas o direito de livre sindicalização - acentua-se já - compreende, no entanto, a liberdade sindical negativa, que se reconduz à regra de que ninguém pode ser obrigado a filiar-se em qualquer sindicato. E esta - como foi posto em destaque pelo Tribunal Constitucional espanhol na sentença n.º 69/82, de 22 de Novembro ('Jurisprudência Constitucional', t. IV, in Boletín Oficial del Estado, 1983, pp. 395 e segs.) - é uma regra 'que há que interpretar de um modo extensivo, de maneira que se compreendam nela tanto as obrigações directas como as obrigações indirectas, e tanto as genuínas obrigações de sindicalização como as medidas de pressão que se possam opor ao desfrute da liberdade'. Dizendo de outro modo - e servindo-nos de uma expressão de Bernardo da Gama Lobo Xavier (ob. e loc. cits.) -, os sindicatos não podem funcionar como estruturas de coerção'.
Ora, atribuir ao Sindicato dos Ajudantes de Farmácia do Sul e Ilhas competência para a emissão de carteiras profissionais - que são condição indispensável para o exercício regular da profissão de ajudante técnico de farmácia, já que constitui infracção, prevista no artigo 5.º do citado Decreto-Lei 29931, o facto de se manter alguém a trabalhar sem dela se achar munido - é, seguramente, transformar o sindicato numa de coerção. É-o de forma mais directa quando se exija a sindicalização do trabalhador, pois que se viola de modo ostensivo o n.º 1 do artigo 56.º da Constituição e, mais especificamente, a alínea a) do n.º 2. É-o também - e ao mesmo título - quando, não obstante a falta de pagamento das quotas não impedir a passagem da carteira profissional, como, de resto, se prevê no artigo 6.º da Lei 57/77, de 5 de Agosto, a inscrição continue a ser obrigatória. É-o, ainda, embora agora de forma mais desviada, quando - como sugere o Exmo. Magistrado do Ministério Público, propugnando por uma interpretação que qualifica de conforme à Constituição - se obrigasse o sindicato a emitir a carteira profissional independentemente da qualidade de sindicalizado do trabalhador que a requeresse.»
E não se diga não ser possível ou provável a verificação de casos de coerção, exercida pelos sindicatos relativamente à passagem de carteiras profissionais a trabalhadores não sindicalizados, porquanto, como se pode ver no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 82, de 16 de Julho de 1980, a p. 82, a Secretaria de Estado do Trabalho, em ofício de 26 de Junho de 1980, de resposta a um requerimento do Sr. Deputado Nascimento Rodrigues e dirigida ao chefe do gabinete de S. Ex.ª o Secretário Adjunto do Primeiro-Ministro, informa que, «efectivamente, os serviços competentes deste Ministério têm conhecimento de casos, embora poucos, de recusa da passagem de carteiras profissionais a trabalhadores não sindicalizados por parte dos sindicatos», e depois informava que, essas carteiras foram passadas «após diligências efectuadas na sequência de posição firme e enérgica assumida por este Ministério». Todavia, nessa informação se acrescenta que, «não obstante, é nossa convicção de que alguns sindicatos utilizam a passagem de carteiras profissionais como instrumento de pressão junto dos trabalhadores, com vista à sua sindicalização».
O acórdão que se vem citando e em grande parte transcrevendo e que, tanto na sua conclusão como na fundamentação, totalmente se perfilha, aprecia ainda o aspecto de que se reveste o regime estabelecido pelo Decreto-Lei 29931, no que toca à violação do princípio da independência que o n.º 4 do artigo 56.º da Constituição expressamente garante aos sindicatos, e termina essa apreciação do seguinte modo: «Nesta última hipótese, de resto, tratava-se de impor ao sindicato uma actividade administrativa em favor de trabalhadores que nem sequer eram seus associados, com o que violava a liberdade de acção das associações sindicais. E violava-se também o princípio da independência, acolhido pelo n.º 4 do citado artigo 56.º [Sobre o tema da 'carteira profissional', cf. o parecer da Comissão Constitucional n.º 2/78, já citado, onde se chama a atenção para a delicadeza da questão de apurar a conformidade das funções assim atribuídas aos sindicatos (as de passarem tais carteiras) com o princípio constitucional da liberdade sindical; veja também A. L. Monteiro Fernandes (Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, 2, p. 158) e J. Barros Moura (compilação de Direito do Trabalho, p. 62).]»
No seu pedido, o Exmo. Provedor de Justiça alega ainda que «a atribuição a uma entidade privada da competência em apreço envolverá também um risco para a liberdade do exercício da profissão escolhida, integrante do direito de escolher livremente a profissão, que a Constituição consagra no seu artigo 47.º, n.º 1».
Não tem, porém, apoio válido tal afirmação.
Nesse ponto, uma vez mais se perfilha e aceita integralmente a fundamentação e conclusão do acórdão que tem vindo a ser transcrito e que tem inteiro cabimento no caso ora em apreço.
Ora, tal como se diz no citado Acórdão 46/84, as normas do Decreto-Lei 29931 não violam a liberdade de escolha de profissão, consagrada no n.º 1 do artigo 47.º da Constituição, porque: «Essa liberdade consiste no direito de escolher a forma de actividade que se preferir; implica a faculdade de mudar de trabalho quando se desejar, e leva consigo a possibilidade de ajustar o que mais convier, tanto no que toca à duração da jornada de trabalho como no que respeita à retribuição ou a quaisquer outras condições. Numa palavra: em tudo isto, a conveniência pessoal há-de ser o factor decisivo; o indivíduo há-de poder mover-se sem encontrar pela frente pressões do Estado, sem se ver confrontado com a incompreensão do 'grémio', nem ter de travar batalhas com o sindicato. Isto não impede, porém, que a lei regulamente o exercício de determinadas profissões, designadamente fazendo exigências que - como se diz no artigo 47.º, n.º 1 - sejam impostas pelo 'interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidades'. Pois o interesse colectivo pode, nalguns casos, exigir uma certa 'preparação, v. g., universitária, liceal, estágios, concursos, experiência em certas actividades, etc.'»
VI - Tendo em atenção tudo o que vem anteriormente exposto, considera-se que a norma do artigo 3.º e § 1.º do Decreto-Lei 29931, de 15 de Setembro de 1939, viola os princípios da liberdade sindical e da independência consagrados no artigo 56.º, n.os 1, 2, alínea b), e 4, da Constituição da República, ao impor que o pedido de passagem de carteiras profissionais seja feito obrigatoriamente aos sindicatos pelos trabalhadores, sejam ou não sindicalizados, e também ao impor aos sindicatos o encargo de as passar e entregar.
VII - A declaração de inconstitucionalidade, se não for limitada nos seus efeitos, pode, apesar do disposto no n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei 358/84, de 13 de Novembro, e da revogação por este diploma do artigo 3.º do citado Decreto-Lei 29931, provocar situações de insegurança jurídica, sendo, pois, justificável que o Tribunal use da faculdade, que lhe confere o n.º 4 do artigo 282.º da Constituição da República a fim de as evitar.
Assim, face a todo o exposto:
Decidem declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade material do § 1.º do artigo 3.º do Decreto-Lei 29931, de 15 de Setembro de 1939, por violação dos n.os 1, 2, alínea b), e 4 do artigo 56.º da Constituição da República.
E decidem ainda usar da faculdade que lhes é conferida pelo n.º 4 do artigo 282.º da Constituição e restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, salvaguardando a validade das carteiras profissionais emitidas ao abrigo do artigo 3.º e § 1.º do Decreto-Lei 29931 até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei 358/84, de 13 de Novembro.
Lisboa, 18 de Junho de 1985. - José Magalhães Godinho (relator) - José Joaquim Martins da Fonseca - Vital Moreira (sublinhando todavia o meu entendimento de que a inconstitucionalidade decorre da obrigação imposta aos sindicatos de passarem as carteiras e aos trabalhadores de as obterem junto dos sindicatos) - António Luís Correia da Costa Mesquita - José Manuel Cardoso da Costa - Antero Alves Monteiro Dinis - Messias Bento - Mário Afonso - Mário de Brito - Raul Mateus - Jorge Campinos - Luís Nunes de Almeida - Armando Manuel Marques Guedes.