Acordam no Tribunal Constitucional:
I
O procurador-geral da República, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o artigo 62.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, requer, em processo de fiscalização abstracta sucessiva, a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade formal originária das normas dos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei 157/86, de 25 de Junho.Fundamenta o seu pedido do seguinte modo:
1) O decreto-lei em causa deu nova redacção ao Decreto-Lei 662/76, de 4 de Agosto, e aos Estatutos da ENATUR, aprovando no seu artigo 1.º esses Estatutos e determinando no seu artigo 2.º a cessação de funções dos membros em exercício nos actuais órgãos sociais;
2) Não se demonstra a qualquer nível a participação da comissão de trabalhadores da citada ENATUR no processo legislativo que conduziu ao decreto-lei em causa e, pelo contrário, só posteriormente foram feitas diligências para ouvir a dita comissão, aceitando-se que, por lapso, não foi pedido o parecer prévio, mau grado o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei 46/79, de 12 de Setembro;
3) O artigo 55.º, alínea d) da Constituição da República garante aos trabalhadores, através das suas comissões, uma intervenção efectiva no processo legislativo laboral;
4) Tal direito de participação insere-se no âmbito dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e como tal comporta a natureza de direito fundamental, nomeadamente para os efeitos de aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias, disciplinado nos artigos 17.º e 18.º da Constituição;
5) Ora, parece evidente, face, por exemplo, aos artigos 7.º, n.os 1 e 3, 8.º, 12.º, alínea c), 18.º, 24.º e seguintes dos referidos Estatutos ora em causa, que as suas normas se inserem na «legislação laboral», com o sentido amplo que deve atribuir-se a tal expressão: toda a legislação que vise regulamentar os direitos dos trabalhadores reconhecidos na Constituição;
6) Foi assim violado o artigo 55.º, alínea d), com os efeitos determinados nos n.os 1 e 3 do artigo 282.º, todos da Constituição da República.
II
Notificado o Primeiro-Ministro em 12 de Dezembro de 1986, nos termos do artigo 54.º da Lei 28/82, para se pronunciar, querendo, no prazo de 30 dias, sobre o pedido, foi apresentada resposta em 3 de Fevereiro de 1987, na qual, depois de largamente se debater o problema de definir o que seja legislação do trabalho, citando-se doutrina e jurisprudência, se conclui:a) O conceito constitucionalmente consagrado nos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), de «legislação de trabalho» abrange as principais «fontes estaduais e internacionais» de direito do trabalho, a saber, os diplomas legais que constituem as bases gerais das relações de trabalho individuais ou colectivas, públicas ou privadas, e o regime das organizações de trabalhadores;
b) Os Estatutos da ENATUR, aprovados pelo Decreto-Lei 157/86, de 25 de Junho, e em concreto os seus artigos 1.º e 2.º, não se caracterizam por serem «legislação do trabalho», tão-pouco alguma das suas normas relativas ao pessoal é inovatória, em relação às leis gerais, nem se revestem de características juslaborais;
c) Em conformidade, o Decreto-Lei 157/86, de 25 de Junho, não carecia da prévia participação (constitucionalmente determinada) de qualquer organização dos trabalhadores (comissão de trabalhadores ou associações sindicais) para a sua perfeição formal.
Pelo que entende que deve ser «considerado improcedente o alegado vício de inconstitucionalidade formal quanto aos artigos 1.º e 2.º do Decreto-lei 157/86».
Cumpre decidir.
III - Delimitação do pedido
O primeiro problema a encarar é o da delimitação do pedido.Objecto deste, na sua formulação literal, são os dois primeiros artigos do Decreto-Lei 157/86, de 25 de Junho, cuja declaração de inconstitucionalidade se pretende, com a óbvia consequência de a mesma arrastar consequencialmente a inconstitucionalidade de todas as normas aprovadas pelo artigo 1.º, designadamente de todas aquelas que constituem os Estatutos propriamente ditos. Mas, na verdade, o sentido que mais se adequa à essência do pedido pressupõe o seguinte raciocínio: a inconstitucionalidade das normas estatutárias não resultará da inconstitucionalidade das disposições referidas constantes propriamente do Decreto-Lei 157/86, antes os dois artigos cuja apreciação é requerida serão inconstitucionais apenas na medida em que se concluir que procedem à aprovação de normativos esses, sim, viciados no seu processo genético.
Quer dizer: deverão ser consideradas todas as normas dos Estatutos apesar de no pedido se fazer a enumeração exemplificativa apenas de algumas para concluir quais serão as normas que deverão considerar-se legislação do trabalho. Isto conduzir-nos-á a uma apreciação, ainda que extremamente sucinta, de todas as normas constantes dos Estatutos.
IV - A legislação do trabalho e a alínea d) do artigo 55.º da CRP
Os artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei 157/86, de 25 de Dezembro, dispõem como segue:
Artigo 1.º São aprovados os Estatutos da ENATUR - Empresa Nacional de Turismo, E. P., anexos ao presente diploma, que substituem os aprovados pelo Decreto-Lei 662/76, de 4 de Agosto.
Art. 2.º A criação de novos órgãos sociais, em harmonia com os Estatutos agora aprovados, dá lugar à cessação de funções dos membros em exercício nos actuais órgãos sociais.
Tendo em conta o que atrás se disse, as normas contidas nestas duas disposições lidas isoladamente não podem ser consideradas como legislação do trabalho pelo que não padecem da inconstitucionalidade arguida, a não ser que as constantes dos Estatutos por elas aprovadas venham a considerar-se feridas desses vícios por conterem disposições de legislação laboral. E então a prévia audição da comissão de trabalhadores da ENATUR constituiria condição ou pressuposto da sua aprovação. Assim, antes de tudo o mais, importa esclarecer o que haverá de ser considerado como legislação de trabalho para os fins do artigo 55.º, alínea d), da CRP.
O conceito de legislação do trabalho não se encontra definido na Constituição, mas a Lei 16/79, de 26 de Maio, no seu artigo 2.º dá-nos uma definição e apresenta uma enumeração de hipóteses que se integram na legislação do trabalho. Aquela enumeração tem carácter meramente enunciativo até por se ter usado uma expressão que o revela («designadamente»).
Daquele preceito consta:
1 - Entende-se por legislação do trabalho a que vise regular as relações individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores enquanto tais e suas organizações, designadamente:
a) Contrato individual de trabalho;
b) Relações colectivas de trabalho;
c) Comissões de trabalhadores, respectivas comissões coordenadoras e seus direitos;
d) Associações sindicais e direitos sindicais;
e) Exercício de direito à greve;
f) Salários mínimo e máximo nacional e horário nacional de trabalho;
g) Formação profissional;
h) Acidentes de trabalho e doenças profissionais.
2 - Considera-se igualmente matéria de legislação do trabalho, para efeitos da presente lei, o processo de aprovação para ratificação das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Não se ignora a existência de uma forte corrente doutrinária segundo a qual as definições legais não vinculam o intérprete, excepto quando contenham comandos (cf., entre muitos e recentemente, Menezes Cordeiro, Direito da Economia, 1.º vol., p. 239).
E se atentarmos na definição legal transcrita, verificar-se-á que ela se afasta significativamente do conceito doutrinário de direito do trabalho na medida em que estabelece que os direitos dos trabalhadores enquanto tais e suas organizações se integram na legislação do trabalho.
Com efeito, o direito do trabalho é considerado correntemente como o conjunto de normas jurídicas reguladoras das relações individuais e colectivas que se estabelecem entre aquele que aliena a disponibilidade da sua força de trabalho e aqueles que a adquirem mediante retribuição (cf. Monteiro Fernandes, Noções Fundamentais do Direito do Trabalho, I vol., 3.ª ed., Coimbra, 1979, p.
15).
Coincidência não existe assim quando o referido preceito legal determina que os direitos dos trabalhadores enquanto tais e suas organizações devem ser considerados como fazendo parte da legislação do trabalho. Mas nada impede a existência de um conceito de legislação do trabalho próprio e específico - mais amplo do que o corrente - para efeitos do direito constitucional de participação das organizações de trabalhadores, atenta a razão de ser deste, conceito de que a referida enumeração legal é uma explicitação constitucionalmente adequada.
Atrás afirmou-se que a enumeração feita no n.º 1 do artigo 2.º tem carácter meramente enunciativo. Isso resulta até, como já se viu, de se ter usado uma expressão que o revela.
Com efeito, ficou consagrado: «(...] bem como os direitos dos trabalhadores enquanto tais e suas organizações, designadamente [...]» (itálico nosso).
O uso do advérbio «designadamente» demonstra claramente que não se pretendeu fazer uma enumeração taxativa. Aliás a própria expressão «direitos dos trabalhadores enquanto tais e suas organizações» e uma expressão demasiado ampla para se esgotar na «relação» constante das diversas alíneas que se lhe seguem.
A propósito disto, Canotilho e Vital Moreira escreveram:
Levanta algumas dificuldades a definição do âmbito da noção de legislação do trabalho, devendo, porém, entender-se que ela abrange toda e qualquer produção normativa (sobretudo legislativa), incluindo a aprovação de convenções internacionais, que verse aspectos do estatuto jurídico dos trabalhadores e das relações de trabalho em geral, incluindo, naturalmente, as que tenham a ver com os direitos constitucionalmente reconhecidos aos trabalhadores, quer a título de «direitos, liberdades e garantias» (artigos 53.º a 58.º), quer a título de «direitos económicos, sociais e culturais» (artigos 59.º e 60.º) (cf. Lei 16/79, artigo 2.º, n.º 1) (cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., p. 300).
Aliás, tal orientação foi acompanhada pela Comissão Constitucional e pelo Tribunal Constitucional (cf., por último e mais recentemente, o Acórdão 107/88, Diário da República, 1.ª série, de 21 de Junho de 1988).
V - As normas estatutárias à luz do conceito de legislação do trabalho
Assente que o conceito de legislação do trabalho para efeitos constitucionais de participação das organizações de trabalhadores tem a amplitude que se viu, importa averiguar se as normas constantes dos diversos artigos dos Estatutos da ENATUR estão em contraste com normas ou princípios constitucionais. A resposta será negativa, à excepção do disposto no artigo 7.º, n.os 1 e 3. Todas as demais nenhuma relação sequer remota têm com tal legislação.
Descendo a uma análise sumária daquelas exemplificativamente enunciadas no pedido, é de afastar do plano da apreciação da constitucionalidade, na óptica atrás exposta, uma norma como a que dispõe sobre as atribuições e competências do conselho de administração (artigo 8.º), bem como aquela que estatui sobre o regime dos mandatos dos membros de órgãos sociais. O mesmo destino terá de ser dado à alínea c) do artigo 12.º, que apenas explicita os termos em que a empresa se obriga e as hipóteses em que, para o efeito, basta a assinatura de trabalhadores, bem como aos artigos 24.º e seguintes, incluídos no respectivo capítulo IV, que versa sobre gestão patrimonial e financeira.
E isto que se disse em relação às normas referidas expressamente no pedido aplica-se inteiramente a todas as demais que não se aproximam minimamente do direito laboral.
Desde logo se dirá que o capítulo V dos Estatutos nada contém que possa considerar-se como legislação do trabalho, pois se limita a reproduzir princípios gerais constantes de outras leis anteriores, ainda quando refere que o regime jurídico do pessoal respectivo é o do contrato individual do trabalho ou que o da remuneração terá em conta a política geral do Estado naquela matéria e as convenções colectivas de trabalho e que ao seu pessoal é aplicável o regime geral da Segurança Social.
Nenhuma destas disposições nem as seguintes referentes ao regime fiscal, bem como as anteriores, incluídas no capítulo I, onde se estabelece que a legislação que rege a ENATUR é a das empresas públicas, local da sede, objecto e capital, se subsumem em tal tipo de matéria legislativa. Muito menos as dos capítulos II e III, em que se definem os órgãos sociais respectivos, poderes e comissão de fiscalização, o mesmo se dizendo de todas as demais.
VI - Normas estatutárias. Continuação da apreciação
Vejamos agora o que consta dos únicos preceitos que se afirmou estarem em oposição a normas constitucionais.
Nos n.os 1 e 3 do artigo 7.º está estatuído:
1 - O conselho de administração é constituído pelo presidente, pelo vice-presidente e por três vogais, sendo um destes eleito pelos trabalhadores, nos termos da legislação aplicável.
2 - ....................................................................................................................
3 - Os membros do conselho de administração que sejam trabalhadores da empresa e não façam parte da comissão executiva acumularão o cargo com as funções próprias do seu posto de trabalho.
O Tribunal já tomou posição em questão semelhante. Com efeito, no Acórdão 117/86 escreveu-se:
Assim o legislador constituinte, pelos citados artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), pretendeu conferir aos trabalhadores o direito de, através das suas organizações representativas, intervirem no processo de elaboração normativa de carácter laboral, ou relativa aos seus direitos constitucionalmente reconhecidos - direito à segurança no emprego, direito à criação de comissões de trabalhadores e direitos destas, direito à liberdade sindical, direitos das associações sindicais e direito à greve (artigos 53.º a 58.º); direito ao trabalho e direitos dos trabalhadores (artigos 59.º e 60.º); direito de intervenção democrática e de participação dos trabalhadores na gestão das empresas [artigos 55.º, alínea f), 80.º, alínea f), e 90.º, n.º 3].
Embora não conste da relação, meramente exemplificativa, o direito dos representantes dos trabalhadores na gestão, certo é que aí tem pleno cabimento.
Como justamente se salientou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 31/84, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 17 de Abril de 1984, o «escopo destes preceitos constitucionais consiste em assegurar aos trabalhadores, através das suas comissões e das suas associações sindicais, uma intervenção efectiva no processo legislativo laboral. Intervenção essa que se destina não só a permitir que o órgão legislativo tome conhecimento das posições assumidas pelos trabalhadores, mas também, e fundamentalmente, a garantir que possam, com inteiro conhecimento de causa, exercer a sua influência sobre determinadas políticas que, em especial, os afectam; de contrário, não se justificaria que aquela participação fosse constitucionalmente concebida e reconhecida como um direito.
[...] O cumprimento do texto constitucional impõe uma intervenção directa no próprio processo legislativo, pressupondo, pelo menos, o conhecimento prévio dos projectos de diplomas a publicar».
Os citados artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), inscrevem-se na parte I «Direitos e deveres fundamentais», título II «Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores», da Constituição. Consequentemente, como tais, gozam do regime e da força jurídica que lhes são atribuídos nos artigos 17.º e 18.º da lei fundamental.
Por seu turno, os artigos 59.º e 60.º situam-se no título III «Direitos e deveres económicos, sociais e culturais» da parte I «Direitos e deveres fundamentais».
Antes de se encerrar esta rubrica importa atentar mais detidamente, porque isso se reveste de particular importância, como adiante se verá, no princípio da participação dos trabalhadores nos órgãos de gestão das empresas.
A representação dos trabalhadores nos órgãos de gestão da empresa encontra assento constitucional na alínea f) do citado artigo 55.º, que se transcreve:
Promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da lei.
Por sua vez, o artigo 80.º, alínea f), estabelece como um dos princípios fundamentais económico-sociais a intervenção democrática dos trabalhadores.
Também o artigo 90.º, referindo-se ao desenvolvimento da propriedade social, arvorado pelo citado artigo 80.º, alínea e), em princípio fundamental da Constituição económica, diz:
As unidades de produção pertencentes ao Estado e a outras pessoas colectivas públicas devem evoluir para formas de gestão que assegurem uma participação crescente dos trabalhadores.
Aliás, todos estes aspectos constituem expressões do objectivo assinalado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa como Estado de direito democrático:
[...] assegurar a transição para o socialismo mediante a realização da democracia económica [...] e o aprofundamento da democracia participativa.
Tal participação assume, pois, a natureza de um direito constitucional dos trabalhadores, qua tale.
Assim, necessariamente parece poder concluir-se que toda a normação cujo objecto consista na representação ou na participação dos trabalhadores nos órgãos de gestão da empresa se enquadra na categoria de legislação do trabalho.
Aliás, se a alínea c) do artigo 2.º da Lei 16/79 considera legislação do trabalho a que respeita aos direitos das comissões de trabalhadores e se entre esses direitos se inscreve o da promoção da eleição dos trabalhadores para os órgãos sociais das empresas públicas - artigo 55.º, alínea f), da Constituição -, por paridade, ou até por maioria de razão, se devem tipicizar como legislação do trabalho as normas que se reportem à eleição desses representantes.
Consequentemente, a elaboração dessas normas carecerá, por imperativo constitucional - citados artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a) -, de prévia participação dos representantes dos trabalhadores.
A violação deste imperativo acarreta a inconstitucionalidade formal dessas normas. [Cf. Diário da República, 1.ª série, n.º 114, de 19 de Maio de 1986.] Nada justifica que se altere esta orientação jurisprudencial, porque no caso em apreço continua a estar-se perante normação cujo objecto consiste na atribuição aos trabalhadores de um dos lugares de vogal no conselho de administração a escolher por eles mediante eleição.
Não se diga que se trata tão-somente de regular o processo de eleição dos representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais das empresas públicas e que respeita assim apenas à organização da gestão do sector empresarial do Estado, porque se tem em vista a concretização do direito dos trabalhadores a terem, no conselho de administração da empresa, representantes seus e fixar o número respectivo, bem como a proporção em relação aos não escolhidos por eles, além do modo de o fazerem.
Estamos, assim, perante direitos de trabalhadores enquanto tais relacionados com o princípio da sua participação nos órgãos de gestão das empresas (v.
Sousa Franco, Noções de Direito de Economia, vol. 1.º, p. 193).
Daí justificar-se a declaração de inconstitucionalidade do segmento da norma referente à eleição pelos trabalhadores de um vogal do conselho de administração.
O n.º 3 regula a acumulação de funções próprias dos trabalhadores eleitos para o conselho de administração com as de vogal deste.
O regime da «acumulação» de funções é manifesto que está relacionado com a actividade laboral. Logo também e pelas razões já explicitadas se impunha o dever de audição dos trabalhadores.
Nestes termos, decidem:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 1.º do Decreto-Lei 157/86, de 25 de Junho, enquanto aprova o n.º 1 do artigo 7.º dos Estatutos da ENATUR (apenas no referente à eleição pelos trabalhadores de um vogal do conselho de administração), e do n.º 3 do mesmo artigo, por violação do disposto nos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição;
b) Não declarar a inconstitucionalidade das demais normas objecto do pedido.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 1989. - José Martins da Fonseca - Vital Moreira - Raul Mateus - Mário de Brito - José Magalhães Godinho (vencido, conforme declaração junta) - Luís Nunes de Almeida [vencido quanto à conclusão a), nos termos e com os fundamentos da declaração de voto junta] - Messias Bento [vencido quanto à conclusão da alínea a), nos termos da declaração de voto junta] - José Manuel Cardoso da Costa [vencido quanto à conclusão da alínea a) - mantendo assim, mas agora sem a dúvida aí deixada, a posição já expressa na declaração de voto que apus ao Acórdão 117/86, no Diário da República, 1.ª série, de 19 de Maio de 1986, p. 1190. Efectivamente, o sentido essencial, determinante e verdadeiramente caracterizador das normas ora julgadas inconstitucionais não é o de intervir na área «laborística», mas sim o de ordenar e organizar o regime de gestão de certa empresa pública: por isso entendi não integrarem elas a noção de «legislação do trabalho»] - Armando Manuel Marques Guedes.
Declaração de voto
Votei vencido de acordo com o ponto de vista e entendimento que já exprimi na declaração de voto de vencido que juntei ao Acórdão 117/86, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 114, de 19 de Maio de 1986.Efectivamente não encontro possibilidade de entender que possa considerar as normas dos n.os 1 e 3 do artigo 7.º como constituindo legislação laboral.
É que elas apenas respeitam à estruturação e modo de eleição dos órgão de gestão de empresas públicas, não contemplando qualquer situação que minimamente possa ter a ver com contratação, remuneração, duração do contrato, organização, segurança, horário, acidentes ou qualquer outra que com o trabalho possa relacionar-se e possa caber na definição de legislação do trabalho.
José Magalhães Godinho.
Declaração de voto
Votei vencido quanto à conclusão a) pelas razões constantes da declaração de voto do Exmo. Conselheiro José Magalhães Godinho aposta ao Acórdão 117/86 (publicado no Diário da República, 1.ª série, de 19 de Maio de 1986).Com efeito, também no caso vertente a norma em causa apenas respeita «à estruturação e modo de eleição dos órgãos de gestão das empresas públicas, não contemplando qualquer situação que minimamente possa ter a ver com a contratação, remuneração, duração do contrato, organização, segurança, horário, acidentes ou qualquer outra que com o trabalho possa relacionar-se e possa caber na definição de legislação do trabalho», sendo igualmente certo que a eleição pelos trabalhadores de membros dos órgãos de gestão de certas empresas não tem como fim promover a defesa dos respectivos interesses laborais, mas sim assegurar uma transformação qualitativa das relações sociais, que já nada tem a ver com a denominada legislação do trabalho.
Luís Nunes de Almeida.
Declaração de voto
Tal como signifiquei na declaração de voto que apus ao Acórdão 117/86 (Diário da República, 1.ª série de 19 de Maio de 1986), continuo a entender - e agora sem as dúvidas que então expressei - que, para efeitos do disposto nos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, a legislação do trabalho há-de identificar-se com a legislação que contenha regras atinentes ao trabalho subordinado.Ora, as normas declaradas inconstitucionais - ou seja, as do artigo 7.º, n.os 1 e 3 -, ainda que respeitem a trabalhadores, do que tratam é da organização da gestão do sector empresarial do Estado.
Em meu entender, tais normas não são, pois, inconstitucionais.
Messias Bento.