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Acórdão 560/2014, de 27 de Novembro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 196.º, n.os 1 e 2, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, na medida em que confere ao Ministério Público a possibilidade de recorrer da decisão que conceda, recuse ou revogue a licença de saída jurisdicional, enquanto o recluso apenas pode recorrer da decisão que revogue a licença de saída jurisdicional

Texto do documento

Acórdão 560/2014

Processo 132113

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - Nos presentes autos o recluso José Miguel Fischer Rodrigues da Cruz e Costa interpôs recurso da decisão, proferida pelo Tribunal de Execução de Penas (TEP) do Porto, que lhe negou a concessão de licença de saída jurisdicional, recurso esse que não foi admitido.

2 - Inconformado, o recluso reclamou de tal decisão, sustentando que o recurso deveria ser admitido, pretensão que viu indeferida por decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto, proferida em 15 de novembro de 2013.

O seu teor foi o seguinte:

«O condenado José Cruz, a cumprir pena no EP, veio reclamar, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal, do despacho que não lhe admitiu o recurso interposto da decisão que não lhe concedeu licença de saída jurisdicional.

Alega o reclamante que o artigo 236.º, n.º 1, alínea b) do CEP, consagra o direito de o condenado recorrer "das decisões contra si proferidas". Invoca a favor da recorribilidade o disposto nos artigos. 399.º e 401.º, alínea b) do Código de Processo Penal, a contrario. Finalmente sustenta que a solução normativa resultante dos artigos 196.º e 235.º do CEP, no sentido de que o arguido não pode recorrer da decisão que não lhe concedeu licença de saída jurisdicional, viola os artigos 18.º e 32.º da Constituição, porquanto o Ministério Público pode recorrer dessa decisão de recusa.

O CEP consagra no artigo 189.º e segts, o procedimento para a concessão de licença de saída jurisdicional. No caso o despacho reclamado não admitiu o recurso interposto da decisão que não lhe concedeu licença de saída jurisdicional.

A regra em matéria de recursos no CEP consta do artigo 235.º n.º 1: das decisões do TEP apenas cabe recurso nos casos expressamente previstos na lei. Ora como disse o despacho reclamado e aceita o reclamante, também entendemos que o CEP, de modo expresso, não prevê que o arguido recorra da decisão que não lhe concedeu licença de saída jurisdicional, artigo 196.º, n.º 2 do CEP.

Esgrime o reclamante o regime a contrario do Código de Processo Penal. Mas sem razão. Se o CEP consagra um regime de recursos próprio e autónomo, carece de fundamento procurar a solução no Código de Processo Penal, tanto mais quando a norma que se vai buscar ao Código de Processo Penal - o arguido tem legitimidade para recorrer das decisões contra si proferidas - também consta do CEP com a restrição salvo quando a lei dispuser diferentemente, o que é o caso, pois a lei veda o recurso do arguido da decisão que não lhe concede licença de saída jurisdicional, artigo 196.º, n.º 2 do CEP.

Resta a desconformidade constitucional, que o reclamante se limita a afirmar, esquecendo que sobre ele impende um ónus de contribuir para uma correta enunciação, delimitação e resolução jurídica do problema. Mesmo assim, desconhecendo-se embora o concreto entendimento normativo do reclamante, pressupondo que sustenta a inconstitucionalidade da solução normativa resultante dos artigos 196.º e 235.º do CEP, no sentido de que o arguido não pode recorrer da decisão que não lhe concedeu licença de saída jurisdicional, por violação dos artigos 18.º e 32.º da Constituição, quando o Ministério Público pode recorrer dessa decisão de recusa, diremos o seguinte.

O reclamante parece não dar conta, ou relevo, à circunstância de a possibilidade de o Ministério Público recorrer da decisão de recusa não configurar uma desigualdade em desfavor do condenado, pois essa possibilidade de recurso do Ministério Público foi consagrada formal e materialmente em favor do arguido, não é um direito concedido ao Ministério Público em desfavor do arguido é um direito, que o Ministério Público exercita ou não, em favor do condenado, constituindo mais uma garantia para o condenado. Não se descortina a alegada violação do artigo 18.º da Constituição.

Quanto às garantias do processo criminal e direito ao recurso, não pode o reclamante postergar que foi condenado, por decisão transitada em julgado, em pena de prisão efetiva que atualmente cumpre. O catálogo de direitos do artigo 32.º da Constituição está perspetivado tendo em vista fundamentalmente o arguido e não o condenado. Esse normativo deve ser lido no contexto que efetivamente disciplina, o processo criminal até à decisão final transitada em julgado, como a referência a arguido - e não também condenado leva a intuir. No caso estamos na fase de execução da pena fora do âmbito daquele normativo.

A Constituição não define, positivamente, quais os direitos, bens ou valores cuja perda ou restrição pode constituir uma pena. Excetuando o limite expresso do artigo 30.º, n.º 4 e os resultantes dos artigos 24.º, n.º 2 e 26.º, deixou a Constituição para o legislador ordinário um amplo campo de discricionariedade no desenho da execução de penas.

Quanto ao condenado que mantém a titularidade dos direitos fundamentais não incompatíveis com a sua situação prisional, tem que se ponderar e balancear com as limitações inerentes ao sentido da condenação e as exigências próprias da execução da pena, artigo 30.º n.º 5 da Constituição. Essa ponderação foi feita por quem tem, em primeira linha, para tal legitimidade, o legislador, em diploma recente. Balanceando os interesses conflituantes consagrou o legislador um sistema parcimonioso de recursos: nem um irrestrito direito de recurso, nem a proibição total de recurso das decisões do TEP.

Parece-nos que a restrição em causa não limita de modo arbitrário ou desproporcionado o direito de o condenado sindicar decisões que julgue desfavoráveis, antes concilia de modo razoável os interesses contraditórios em confronto. Não nos parece por isso que a solução legislativa viole os artigos 18.º e 32.º, n.º 1 da Constituição, quando, como se deve, se perspetiva o problema no contexto do artigo 30.º, n.º 5 da Constituição.

Em reforço deste nosso entendimento podemos alinhar mais dois argumentos:

A matéria de recursos em sede de execução da pena mereceu, na génese da lei que aprovou o CEP, amplo debate, passou pelo "crivo" da Comissão de Assuntos Constitucionais,

Direitos, liberdades e Garantias, onde esteve desde 27.2.2009 a 12.8.2009 e onde foram ouvidas as mais variadas entidades. De seguida passou pelo "crivo" do Presidente da República que entre as questões de conformidade com a Constituição que suscitou não identificou a presente.

Donde sem necessidade de outros considerandos se mantém a decisão reclamada.»

3 - Inconformado, o recluso interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de novembro (LTC), nos seguintes termos:

«[...] O presente recurso destina-se a apreciar a inconstitucionalidade do artigo 196.º, n.º 1 e 2 do CEP, aplicada nos presentes autos, cuja inconstitucionalidade foi suscitada ao longo do processo, pelo facto do Ministério Público ter mais poderes que o arguido recluso, em prejuízo deste (artigo 196.º, n.º 1 do CEP), pois só o MP tem direito ao recurso, sendo este direito vedado ao arguido condenado, em violação do estatuído no artigo 32.º n.º 1 da Constituição - garantias de defesa do arguido - e dos princípios da igualdade, proporcionalidade, não discriminação e os fins das penas, previstos na Lei Fundamental.

A questão de inconstitucionalidade do artigo 196.º do CEP foi levantada no recurso (alegações e conclusões) e ainda na reclamação, remetidas ao TEP e TRP.»

4 - O recurso foi admitido.

5 - Neste Tribunal, os autos prosseguiram para alegações, vindo a apresentá-las o recorrente e o Ministério Público.

5.1 - O recorrente pugnou pela procedência do recurso e pela formulação de juízo de inconstitucionalidade da «norma do artigo 196.º n.º 2 da Lei 115/2009 de 12 de outubro, na parte em que não admite recurso ao arguido recluso das decisões não concedam as licenças de saída jurisdicional». Extraiu das alegações o seguinte remate conclusivo:

«1.º O presente recurso para o Tribunal Constitucional vem interposto na sequência da decisão do TEP proferida em 06-06-2013, que indeferiu a Licença de Saída Jurisdicional, nos autos n.º 107/12.1TXPRT, e levou o recluso a interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto, nos termos artigo 196.º do CEP e artigo 32.º n.º 1 da CRP, ex vi artigos 399.º e 400.º n.º 1 a contrário do CPP - a subir imediatamente - arts.º 235.º, n.º 1, 236.º, n.º 1 b), 237.º e 238.º do CEP.

2.º O recluso não aceitou que lhe fosse negado o direito a recorrer de uma decisão contra si proferida, no caso a recusa de licença de saída jurisdicional, pois o "Ministério Público pode recorrer da decisão que conceda, recuse ou revogue a licença de saída jurisdicional".

3.º Está desde logo em causa a igualdade de direitos, consagrada na lei fundamental, concretamente no artigo 13.º, sob a epígrafe "Princípio da Igualdade".

[...]

10.º O artigo 236.º n.º 1, alínea b) do CEP, consagra o direito ao condenado a recorrer contra as decisões contra si proferidas.

11.º A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32.º n.º 1, garante o direito ao recurso em processo penal, para além de que o processo penal tem estrutura acusatória.

12.º O artigo 18.º da CRP impede que a lei (ordinária, entenda-se) possa restringir os direitos, liberdades e garantias, salvo nos casos previstos na própria CRP, o que não é o caso dos presentes autos, pois esse limite foi imposto por lei ordinária, no caso os artigos 196.º n.º 2 e 235.º do CEP.

13.º Face à Lei Fundamental, não poderia nunca o arguido recluso ser impedido de recorrer de uma decisão contra si proferida, como a que recusa a licença de saída jurisdicional, sendo que o Ministério Público pode recorrer da decisão que conceda, recuse ou revogue a licença de saída jurisdicional - cf. artigo 196.º n.º 1 e 2 do CEP - o que configura uma clara violação dos direitos do arguido recluso, nomeadamente do princípio da igualdade de armas e da proporcionalidade em processos penal.

14.º Viola a Constituição o facto do Ministério Público ter mais poderes que o arguido recluso, em prejuízo deste (artigo 196.º, n.º 1 do CEP), uma vez que a lei apenas atribui ao MP o direito ao recurso, sendo este direito vedado ao arguido (por não estar expressamente previsto no n.º 2 do artigo 196.º do CEP), em contradição com o estatuído na Constituição - artigo 32.º n.º 1 da CRP.

15.º O Ministério Público poder recorrer em favor do arguido, mas o artigo 196.º, n.º 1 do CEP não prevê a possibilidade do MP recorrer exclusivamente em favor do arguido, podendo o MP recorrer em desfavor deste, o que não raras vezes acontece (cf. Ac. do Tribunal da Relação de Évora, Proc. 1.682/10.0TXEVR.-D.E1, de 06-02-2013 - in www.dgsi.pt), o que configura uma desigualdade de direitos das partes, para além da restrição dos direitos de defesa do artigo 32.º da CRP.

16.º Por conseguinte, há uma clara inconstitucionalidade do artigo 196.º n.º 2 do CEP, já que está vedado ao recluso - pessoa afetada pessoalmente - recorrer contra decisão contra si proferida, por não estar expressamente previsto neste artigo.

17.º Não se pode aceitar que o arguido/recluso seja impedido de recorrer de uma decisão que o afeta pessoalmente, quando o Ministério Público, que não está recluído nem privado do seu direito à Liberdade (artigo 27.º n.º 1 da CRP), pode, de forma mais abrangente, recorrer dessa decisão que "conceda, recuse ou revogue".

18.º Não há inconstitucionalidade mais grave que aquela que atinge o Direito à Liberdade, relativo a uma saída precária.

19.º Está em causa o artigo 32.º da Constituição, relativo às garantias do Processo Penal, e ainda o artigo 18.º da Lei Fundamental - direito fundamental - Direito à Liberdade, consubstanciado na possibilidade do arguido recorrer de uma decisão que não lhe concede uma licença de saída jurisdicional, vulgarmente designada de saída precária.

20.º O cumprimento de pena de prisão por um condenado visa, entre outras coisas, reeducar o indivíduo, ressocializa-lo e reintegra-lo na sociedade.

21.º Estas são as finalidades da punição em penas de prisão.

22.º Atendendo a estes princípios, é garantido que a lei prevê a concessão de saídas jurisdicionais, previstas pelo artigo 78.º do CEP, que refere que podem ser concedidas licenças de saída quando se verifiquem certos requisitos.

23.º Trata-se, neste caso, de um verdadeiro poder-dever do Estado, a quem incumbe auxiliar o recluso (artigo 2.º e 9.º da Constituição).

24.º Em matéria de concessão de saídas jurisdicionais, sempre que as mesmas forem recusadas, deve o arguido recluso ter direito a recorrer, caso entenda que a decisão contra si proferida o prejudica, como foi o caso.

25.º Trata-se de uma verdadeira questão de constitucionalidade a de saber se a lei (ordinária) pode restringir os direitos, liberdades e garantias, incluindo o recurso, para além dos casos previstos na CRP.

26.º Nos presentes autos, esse limite é imposto por lei ordinária, concretamente pelos artigos 196.º n.º 2 e 235.º do CEP (ex vi artigo 414.º do CPP).

27.º Daqui decorreu o fundamento para o arguido/recluso interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º n.º 1 alínea b) da Lei 28/82 de 15 de novembro.

28.º O presente recurso destina-se a apreciar a constitucionalidade do artigo 196.º n.º 2 do CEP, aplicada nos presentes autos, pelo facto do Ministério Público ter mais poderes que o arguido recluso, em prejuízo deste (artigo 196.º, n.º 1 do CEP), já que vê o seu direito negado, em violação com o estatuído no artigo 32.º n.º 1 da Constituição - garantias de defesa do arguido - e dos princípios da igualdade, proporcionalidade, não discriminação e os fins das penas, previstos na Lei Fundamental.

29.º A norma que se pretende ver apreciada impede o arguido recluso de recorrer contra decisão que não lhe concedeu a licença de saída jurisdicional, o que está em claro confronto com a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente com os artigos 2.º, 9.º, 18.º, e 32.º n.º 1 e ainda o artigo 13.º "Direito a recurso efetivo", da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, aprovado e publicado no Diário da República a 9 março de 1978.

30.º A dita norma põe em causa direitos fundamentais, concretamente o Direito ao Recurso, incorporado na Constituição da República, na 4.ª revisão Constitucional, aprovada pela Lei 1/1997 de 20-09, que ao seu artigo 32.º, n.º 1, lhe acrescentou a expressão "incluindo o recurso"

31.º Prevê o artigo 8.º da DUDH que toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra atos que violem direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.

32.º É sobejamente reconhecido que assiste a todos, pelo menos, um grau de recurso efetivo.

33.º In casu, isso não aconteceu, porquanto o artigo 196.º n.º 2 do CEP prevê essa proibição oculta, essa restrição, essa limitação aos direitos do recluso.

34.º Porém, o Ministério Público, pelo n.º 1 do mesmo artigo 196.º pode recorrer da decisão que conceda, recuse ou revogue.

35.º Não se acolhe a fundamentação do Exmo. Sr. Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto, no despacho com data de 15-11-2013, quando refere que "o reclamante parece não dar conta, ou relevo, à circunstância de a possibilidade de o Ministério Público recorrer da decisão de recusa não considerar uma desigualdade em desfavor do condenado, pois essa possibilidade de recurso do Ministério Público foi consagrada formal e materialmente em favor do arguido, não é um direito concedido ao Ministério Público em desfavor do arguido é um direito, que o Ministério Público exercita ou não, em favor do condenado, constituindo mais uma garantia para o condenado".

36.º Isto porque o artigo 196.º n.º 1 do CEP não tem na sua génese um direito do arguido recluso, já que o MP pode recorrer contra ou em favor do recluso e não exclusivamente em favor do recluso, havendo exemplos de jurisprudência superior em que o MP recorreu de facto contra o recluso, o que configura assim uma desigualdade de direitos das partes, pois o MP tem a opção de recorrer, mas o recluso não tem essa opção.

37.º O argumento do Tribunal da Relação do Porto não levou em conta o facto de apenas o Ministério Público poder recorrer da decisão que "conceda" a licença de saída jurisdicional, prejudicando assim o recluso, que não o pode fazer.

38.º Há por isso uma clara desigualdade de armas (entre o arguido recluso e o M.P.) que o Tribunal da Relação do Porto não considerou, pois cingiu-se e limitou-se a uma interpretação literal do conteúdo da norma ora em crise (artigo 196.º n.º 2 do CEP).

39.º Isto porque o Ministério Público, a uma decisão do TEP que conceda a licença de saída jurisdicional, pode recorrer contra o recluso; porém, se for recusada essa licença de saída jurisdicional ao recluso, este não tem o mesmo poder recursório de que possa abrir mão, em defesa dos seus direitos, garantindo a igualdade de armas - processo equitativo.

40.º Defendeu ainda a decisão singular do Tribunal da Relação do Porto que o catálogo de direitos do artigo 32.º da Constituição está perspetivado tendo em vista fundamentalmente o arguido e não o condenado.

41.º Ora, tal argumento é quase ofensivo dos direitos do arguido recluso.

42.º É o próprio Tribunal da Relação do Porto que, por duas vezes, pelo menos, apelida o recorrente de "arguido" no seu despacho.

43.º Perante tal argumento do TRP, está em causa a violação do artigo 13.º n.º 1 da CRP, já que ali se pretende dizer que os cidadãos arguidos recluídos têm menos direitos que os cidadãos em liberdade, ainda que ambos sejam arguidos e condenados perante a lei.

44.º O artigo 32.º n.º 1 da CRP assegura todos os direito de defesa, incluindo o recurso, não distinguido o tipo de arguido, de crime, se está recluso ou em liberdade!

45.º Não colhe por isso o argumento do Tribunal da Relação do Porto, que está em clara violação do princípio ínsito nos artigos 13.º e 32.º n.º 1 da CRP.

46.º Os direitos dos cidadãos só podem ser limitados por força da decisão judicial e baseada na lei (se nela ficar prevista alguma proibição), tal como o Direito à Liberdade, no caso de pena de prisão.

47.º Quanto aos outros Direitos, estes permanecem inalterados (veja-se o exercício do direito ao voto, que não se perde mesmo no caso de reclusão).

48.º O acórdão 150/2013, do Tribunal Constitucional, refere que: "essa relação de poder foi substituída por relações jurídicas com recíprocos direitos e deveres, em que o recluso não é mais "objeto" mas passou a ser "sujeito da execução" (Anabela Rodrigues, Novo Olhar sobre a questão penitenciária, 2.ª edição, Coimbra, 2002, 69).

49.º Invoca este mesmo acórdão o Decreto-Lei 265/79, segundo a qual a visão do recluso «é agora a de uma pessoa sujeita a um mero "estatuto especial", jurídico-constitucionalmente credenciado (CRP, artigo 27.º-2) e que deixa permanecer naquela a titularidade de todos os direitos fundamentais, à exceção daqueles que seja indispensável sacrificar ou limitar (e só na medida em que o seja) para realização das finalidades em nome das quais a ordem jurídico-constitucional credenciou o estatuto especial respetivo».

50.º O Tribunal da Relação do Porto não considerou nem qualificou corretamente a situação de alguém que está preso, em cumprimento de pena de prisão aplicada.

51.º Só uma interpretação mais ampla poderá fazer com que se atinja um sentido lógico-dedutivo, com total observância da lei. (artigo 9.º do Código Civil, encontrando-se no pensamento legislativo sentido lógico do texto da lei).

52.º O arguido não deixa de o ser, pelo facto de ter sido condenado ou de lhe ser aplicada uma pena, e mantém essa qualidade durante todo o decurso do processo (cfr artigo 57.º n.º 2 do CPP).

53.º A medida de coação de Termo de Identidade e Residência - TIR - aplicada aos arguidos, extingue-se apenas com a extinção da pena e não com o trânsito em julgado (cf. artigos 196.º e 214.º, n.º 1, alínea e) do CPP), tendo esta recente alteração sido introduzida pela Lei 20/2013 de 21 - 2, que alterou o CPP.

54.º Considerando uma "dupla conforme de expressão", que poderá ser "arguido condenado", entendemos que esta expressão, por si só, não pode colher, pois como se sabe "arguido condenado" pode ser um qualquer arguido condenado em pena de multa, em trabalho a favor da comunidade ou em Pena de Prisão suspensa na sua execução, não estando este arguido condenado privado da sua liberdade.

55.º O arguido tem deveres e direitos em processo penal, mormente os previstos no artigo 61.º e seg. do CPP, onde está incluindo o direito ao recurso, consagrado também no artigo 32.º n.º 1 da CRP.

56.º O facto de estarem recluídos, em pena privativa de liberdade, não retira aos arguidos quaisquer direitos fundamentais.

57.º O próprio artigo 6.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade refere que o recluso mantém a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da sentença condenatória ou a decisão de aplicação de medida de privativa da liberdade e as impostas, nos termos e limites do presente Código, por razões de ordem e segurança do estabelecimento prisional.

58.º Estão em causa Direitos, Liberdades e Garantias do arguido recluso, que está privado da Liberdade - bem supremo, numa escala de valores, também constitucionalmente consagrado.

59.º O Acórdão 638/2006 do TC deu razão a um arguido condenado preso, e decidiu Julgar inconstitucional, por violação do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º e nos artigos 20.º, n.º 1, 27.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 127.º do Decreto-Lei 783/76, de 29 de outubro, na parte em que não admite o recurso das decisões que neguem a liberdade condicional.

60.º O ponto n.º 7 deste Acórdão 638/2006 do Tribunal Constitucional afirma: "Aliás - e seja como for quanto à exata qualificação dos processos de execução de penas, para o efeito da subsunção ma noção de «processo criminal» utilizada no artigo 32, n.º 1 da Constituição -, cumpre notar que, já antes da revisão constitucional de 1997, se veio a consolidar uma jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido da tutela constitucional do direito de decorrer das decisões que afetem direitos, liberdades e garantias como o direito à liberdade. A Constituição exige em tais casos a possibilidade efetiva de uma reapreciação em recurso - o que, no caso dos autos, poderia consistir no recurso para o Tribunal da Relação do Porto".

61.º Também aqui havia uma clara violação do artigo 32.º n.º 1 da CRP, por não ser, naquele tempo, admissível o recurso quanto à recusa da concessão da liberdade condicional.

62.º A concessão da Liberdade Condicional está prevista nos artigos 61.º e seguintes do Código Penal, por remissão, também, a alguns artigos do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

63.º Antes do Acórdão 638/2006 do TC, era proibido tal ato recursório, tendo, todavia, sido revogada tal norma por se ter declarado, e muito bem, inconstitucional, com força obrigatória geral.

64.º A presente questão que se leva a conhecer é exatamente a "mesma", embora denominada por "recurso à recusa da concessão da licença de saída jurisdicional", sendo que, o MP pode recorrer e o principal interessado (recluso) não.

65.º Em ambas as situações, o arguido condenado preso continua sempre em prisão, mas em diferente modo de execução da pena privativa de liberdade (a quem é concedida a liberdade condicional está em cumprimento de pena de prisão, apenas numa fase distinta da reclusão permanente), sendo que, ao poder-se beneficiar das medidas de flexibilização da medida da pena, a ressocialização, reeducação e reintegração do agente na sociedade, mais facilmente se atingirão os objetivos pretendidos pelo Legislador, com a punição de prisão privativa da liberdade de que aquele foi alvo.

66.º São vários os relatórios técnicos que afirmam que longos tempos de encarceramento enfraquecem o individuo de tal forma, podendo assim fazer com que este jamais se renove, criando hábitos criminógenos, o que se "combate" com a concessão de Saídas de Licença Jurisdicionais, que assumem enorme importância, confirmada pela taxa de sucesso na sua aplicação e cumprimento pelos reclusos, que ronda os 99 %, segundo os estudos feitos em Portugal nos últimos anos.

67.º As chamadas saídas precárias assumem-se como uma das formas que os reclusos têm que contactar com o exterior (Titulo XI do CEP) e constituem um contributo ressocializador, essencial no processo de preparação progressiva do recluso para a sua libertação e reinserção na sociedade.

68.º O cumprimento de pena de prisão tem na sua génese, entre outras coisas, reeducar o indivíduo, ressocializa-lo e reintegra-lo na sociedade, garantindo o CEP a concessão de saídas jurisdicionais, pelo que não se compreende como pode este código, no artigo 196.º n.º 2, castrar o direito ao arguido/recluso de recorrer contra decisão que não lhe concedeu a licença de saída jurisdicional.

69.º Sempre que é recusada uma saída jurisdicional (sem direito a recurso), está posta causa a nova etapa da pena, ou seja, as medidas de flexibilização desta.

70.º Reitera-se que a Lei 115/2009, de 12 de outubro, prevê as "Licenças de saída do estabelecimento prisional" no seu artigo 76.º (Tipos de licenças de saída).

71.º O Código Penal dito de 1995 (DL n.º 48/95, de 15 de março) preceitua no n.º 4 do seu artigo 61.º que o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena, naquilo que é conhecido como "liberdade condicional obrigatória".

72.º Se o recluso pode recorrer da decisão que indefira a concessão da liberdade condicional, que é, obviamente, uma concessão também, em termos jurídico-penais, tem que estar consagrado o direito a contraditório ao que está vertido na ata do conselho técnico, que recuse a licença de saída jurisdicional (cf. artigo 32.º, n.º 5 da CRP).

73.º No caso das saídas jurisdicionais, estamos perante um caso muito diferente da antecipação da liberdade condicional - por vigilância eletrónica.

74.º Um indivíduo que seja condenado a 20 anos de prisão, atinge 1/4 da pena ao fim de 5 anos, mas para solicitar a antecipação da liberdade condicional, prevista no artigo 62.º do Código Penal, terá que aguardar 9 anos de cumprimento de pena (que lhe será com certeza negada - em 99,9 % dos casos).

75.º Entre os 5 anos de pena já cumprida e os 9 anos da referida possibilidade de requerer antecipação, decorrem as medidas de flexibilização da medida da pena, ou seja, as saídas jurisdicionais.

76.º Não há proteção jurídica para o recluso durante o período que vai dos 5 anos até aos 9 anos, (ou seja durante aqueles 4 anos), para recorrer das decisões sobre as saídas jurisdicionais, que lhe são constantemente negadas.

77.º Se o artigo 6.º do CEP até prevê que o recluso mantêm a titularidade dos seus direitos fundamentais, por maioria de razão, deverá ter o direito a interpor recurso de uma decisão que lhe seja desfavorável, tal como prevê o artigo 32.º n.º 1 da Constituição - garantias de defesa - direito ao recurso.

78.º O Tribunal da Relação do Porto, no despacho de 15-11-2013, referiu "mais dois argumentos", que se enunciam de forma breve: "passou pelo "crivo" da Comissão de Assuntos Constitucionais", e "passou pelo "crivo" do Presidente da República que entre as questões de conformidade com a Constituição que suscitou não identificou a presente".

79.º Pelo facto de S. Ex.ª, o Presidente da República, não ter suscitado a presente inconstitucionalidade, não implica que esta não exista.

80.º Apenas não foi detetada (se fosse essa a argumentação usada em qualquer resposta judicial, o Tribunal Constitucional, contrariamente à realidade, não declararia, dia após dia, inconstitucionalidades nas normas, quando todas estas, passaram no "crivo" do Presidente da República e demais entidades variadas ouvidas nos decursos de diplomas e propostas de Lei).

81.º Desde o acórdão 638/2006, proferido no ano de 2006 e o acórdão 150/2013 do ano de 2013, não houve qualquer alteração à Constituição.

82.º Apenas a implementação do Código de Execução de Penas.

83.º Pelo que se depreende que, entre o Ac. 638/2006 e o Ac. n.º 150/2013, o Tribunal Constitucional tem posições diferentes quanto aos Direitos, liberdades e garantias de um cidadão a cumprir pena de prisão.

84.º Não é justo, nem de Justiça, nem de um Estado de Direito Democrático, o recluso não poder recorrer da decisão de negação da saída jurisdicional.

85.º A título de exemplo, refira-se a situação no país vizinho, já que em Espanha, o recluso pode recorrer da não concessão das saídas jurisdicionais, sendo que, quem obtiver provimento no recurso, são concedidas com efeitos retractivos, as saídas de que poderia ter beneficiado entre o período de negação e a decisão de recurso.

86.º O artigo 196.º n.º 2 da Lei 115/2009 de 12 de outubro viola, entre outras, os comandos constitucionais ínsitos do artigo 9.º alínea b) e d), 12.º, n.º 1, 13.º n.º 1 e 2, 18.º n.º 1 e 2, e 32.º n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa, o princípio da sociabilidade e o dever de ajuda que incumbe ao Estado perante os seus cidadãos.

87.º Foram violados o princípio do Estado de Direito Democrático, o princípio do Processo Equitativo e Igualdade de Armas, o princípio da Proporcionalidade, o princípio da Igualdade, o princípio do Direito ao Recurso, todos Constitucionalmente Consagrados na C.R.P. pelos artigos 2.º, 9.º, 13.º n.º 1, 18.º e 32.º n.º 1 da CRP.»

5.2 - Por seu turno, o Ministério Público, nas suas contra-alegações, depois de enunciar o desenvolvimento dos autos no TEP do Porto - aditando elementos que não instruíram o apenso remetido a este Tribunal -, referiu:

«10.º Cabe, desde logo, precisar se o objeto do recurso pode ser admitido nesta formulação, uma vez que, como é jurisprudência constante deste Tribunal Constitucional, a interposição de recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), pressupõe, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da mesma LTC, que a parte «haja suscitado a questão da constitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».

Ora, a decisão recorrida é o despacho, de 15 de novembro de 2013, do Senhor Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto [...].

11.º A formulação da questão de constitucionalidade, que o Tribunal Constitucional carece, assim, de apreciar, terá de ser coincidente com a suscitada, pelo recluso, na sua reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto [...] uma vez que só essa formulação pôde ser apreciada pelo tribunal recorrido.

Ora, o recluso referiu-se, nessa sua reclamação - embora nunca tenha formulado uma precisa dimensão normativa para a questão de constitucionalidade que pretendia suscitar -, ao artigo 196.º do CEP (para além do artigo 235.º do mesmo diploma que, porém, agora não retoma), por configurar «uma clara violação do princípio da igualdade de armas e da proporcionalidade em processo penal» e por estar «em causa o artigo 32.º da Constituição, relativo às garantias do Processo Penal, e ainda o artigo 18.º da Lei Fundamental, ou seja, está em causa o direito mais fundamental de toda a Constituição que é o Direito à Liberdade.»

Não constava, por isso, da reclamação do recluso para o Tribunal da Relação do Porto - e, por esse motivo, não deverá ser apreciada por este Tribunal Constitucional - a apreciação do problema sob o ângulo da «não discriminação e os fins das penas», que o recluso veio agora juntar no seu requerimento de recurso de constitucionalidade.»

Mais adiante, concluiu:

«[...] [C]omo definido pelo artigo 134.º do CEP, «ao Ministério Público cabe acompanhar e verificar a legalidade da execução das penas e medidas privativas da liberdade, nos termos do respetivo Estatuto e do presente Código».

No procedimento de execução de penas, o Ministério Público não intervém, pois, na qualidade de parte no processo, mas sim de defensor da legalidade, ou seja, também, quando necessário, em defesa dos direitos do recluso.

A este propósito, determina, designadamente, o artigo 141.º do CEP:

"Sem prejuízo de outras disposições legais, ao representante do Ministério Público junto do tribunal de execução das penas compete:

a) Visitar os estabelecimentos prisionais regularmente e sempre que necessário ou conveniente para o exercício das competências previstas no presente Código;

b) Verificar a legalidade das decisões dos serviços prisionais que, nos termos do presente Código, lhe devam ser obrigatoriamente comunicadas para esse efeito e impugnar as que considere ilegais;

c) Recorrer das decisões do tribunal de execução das penas, nos termos previstos na lei;

d) Participar no conselho técnico."

E o artigo 197.º do mesmo Código, pelo seu lado, veio acrescentar:

"O processo de verificação da legalidade tem por objeto a apreciação, pelo Ministério Público, da legalidade das decisões dos serviços prisionais que, nos termos do presente Código, lhe devam ser obrigatoriamente comunicadas para esse efeito."

Sendo certo que, nos termos do artigo 198.º do mesmo diploma, a comunicação ao Ministério Público é feita «imediatamente, sem exceder vinte e quatro horas», para lhe permitir intervir rapidamente em defesa dessa mesma legalidade.

Aliás, no caso do presente procedimento, tendo estado presente na reunião do Conselho Técnico, nos termos do artigo 143.º, n.os 1 e 2 do CEP, a digna magistrada do Ministério Público não se pronunciou, sequer, sobre a pretensão do ora recorrente (cf. Anexo 2).

33.º Por outro lado, é indiscutível que a lei prevê, em matéria de recursos, nos termos do artigo 235.º, n.º 1, do CEP, o seguinte:

«[...]"1. Das decisões do tribunal de execução de penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei."

Ora, nos termos do artigo 196.º do mesmo diploma:

"1 - O Ministério Público pode recorrer da decisão que conceda, recuse ou revogue a licença de saída jurisdicional.

2 - O recluso apenas pode recorrer da decisão que revogue a licença de saída jurisdicional.

3 - O recurso interposto da decisão que conceda ou revogue a licença de saída jurisdicional tem efeito suspensivo."

Por outras palavras, o legislador não quis prever a possibilidade, para o recluso, de recorrer, para o Tribunal da Relação, da decisão que recusasse a concessão da licença de saída jurisdicional, mas apenas previu tal possibilidade para o Ministério Público, dando seguimento à mesma preocupação de permitir, a esta magistratura, intervir, em caso de necessidade, em defesa da legalidade.

Ao contrário, por exemplo, do que decidiu em matéria de concessão ou revogação de liberdade condicional, em que previu a possibilidade de recurso por parte do recluso (cf. arts. 179.º, n.º 2 e 186.º, n.os 1 e 2 do CEP).

Donde se pode, legitimamente, concluir que a decisão de rejeição da pretensão do recluso, de concessão de licença de saída jurisdicional, tomada por um magistrado judicial (o juiz de execução de penas, que goza das devidas características de independência e imparcialidade), se afigura irrecorrível - artigo 235.º, n.º 1, do CEP.

34.º Afigura-se, pelos mesmos motivos, irrepreensível a decisão recorrida, de 15 de novembro de 2013, do Senhor Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto (cf. supra n.º 8 das presentes contra-alegações).

Bem como a fundamentação, por este aduzida, para rejeitar o recurso do recluso, quanto à aplicação, ao caso dos autos, do CEP.

Tal como se afigura igualmente de acolher, a argumentação relativa à eventual não aplicação do Código de Processo Penal ao caso dos autos:

[...]

35.º Do mesmo modo, pelas razões atrás aduzidas (cf. supra n.º 32 das presentes contra-alegações), parece de acolher a argumentação do tribunal superior recorrido, quanto ao papel do Ministério Público:

[...]

Não se crê haver aqui, nessa medida, qualquer violação do princípio da igualdade de armas, uma vez que o Ministério Público intervém, aqui, em defesa não de uma qualquer posição de parte, mas, exclusivamente, de defensor da legalidade.

36.º Definida, pois, a inteira adequação à lei da decisão ora recorrida, vejamos, agora, se a mesma suscita outros reparos de ordem constitucional, como defendido pelo recluso.

Ora, desde logo, a jurisprudência deste Tribunal Constitucional tem afirmado (cf. Acórdão 496/96, citado), em matéria de garantia de acesso ao direito e aos tribunais, "a inexistência de uma garantia generalizada de duplo grau de jurisdição, dispondo o legislador de uma ampla liberdade de conformação no estabelecimento de requisitos de admissibilidade dos recursos, designadamente reportados ao valor da causa, como sucede com o estabelecimento de alçadas. O legislador não pode, apenas, "abolir o sistema de recursos in toto" ou limitá-lo, elevando por exemplo, as alçadas ou a sucumbência a valores totalmente desproporcionados, em termos tais, que "na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos".

[...]

38.º [...] [N]os termos do artigo 2.º, n.º 1 do CEP, «a execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a proteção de bens jurídicos e a defesa da sociedade».

Depois, o artigo 3.º, n.º 2, do mesmo Código, acrescenta, em complemento, que «a execução respeita a personalidade do recluso e os seus direitos e interesses jurídicos não afetados pela sentença condenatória ou decisão de aplicação de medida privativa da liberdade».

Haverá, assim, como é natural, direitos afetados pela sentença condenatória e pela aplicação de medida privativa de liberdade.

Não é de estranhar, por isso, que o artigo 6.º do CEP tenha vindo determinar:

"O recluso mantém a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da sentença condenatória ou da decisão de aplicação de medida privativa da liberdade e as impostas, nos termos e limites do presente Código, por razões de ordem e de segurança do estabelecimento prisional."

E um desses direitos é, justamente, o constante do artigo 7.º, n.º 1, alínea m), do CEP: o direito «a ser ouvido, a apresentar pedidos, reclamações, queixas e recursos e a impugnar perante o tribunal de execução das penas a legalidade de decisões dos serviços prisionais».

Todavia, o direito de recurso, de decisões do Tribunal de Execução de Penas para o Tribunal da Relação, terá de exercer-se nos termos do artigo 235.º, n.º 1 do CEP, como atrás referido.

39.º É certo, que a jurisprudência deste Tribunal Constitucional tem reconhecido (cf. Acórdão 638/06, citado), que "tendo sobrevindo, quer à aprovação da norma em apreço, quer ao citado Acórdão 321/93, uma alteração no texto da Lei Fundamental, pela lei Constitucional 1/97, de 30 de setembro, que se traduziu, no que ora releva, no aditamento de uma referência expressa ao direito de recurso entre as garantias de defesa do processo criminal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), ficou claro que "o direito a pelo menos um grau de recurso [...] é agora constitucionalmente garantido".

Nessa medida, uma vez que "o Código de Processo Penal contém normas (artigos 484.º a 486.º) que regulamentam o procedimento de apreciação dos pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional, incluindo o início do processo, a decisão a proferir e a respetiva notificação ao interessado", isso significa"que a decisão em causa é uma decisão proferida também nos termos do Código de Processo Penal. Tal inculca que, juntamente com aquelas, as normas de natureza adjetiva constantes do Decreto-Lei 783/76, de 29 de outubro, e reguladoras das providências da competência do Tribunal de Execução de Penas, fazem parte integrante do direito processual penal[...].

A resposta positiva a tal qualificação levaria a considerar tais processos abrangidos pela garantia constitucional do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição. Isto é, as garantias de defesa, na medida em que tal se justifique, estenderiam a sua eficácia em geral aos processos de competência dos Tribunais de Execução de Penas [...]".

40.º Podendo, até, dizer-se, como anteriormente referido (cf. supra n.º 16 das presentes contra-alegações):

"Desta evolução, no sentido de a liberdade condicional dever ser tendencialmente entendida nos quadros da prevenção especial, decorre uma razão adicional para a recondução das decisões sobre a liberdade condicional ao figurino normal das decisões judiciais em matéria penal - ao invés do que foi entendido na decisão recorrida. Se o próprio legislador assinala a transformação de uma decisão de oportunidade em decisão de legalidade (em que o julgador age, como titular de um órgão de justiça, com independência e imparcialidade), os fatores de singularização dessa decisão, eventualmente óbices a uma reapreciação por um tribunal superior não especializado, esbatem-se perante o programa normativo, que pode - e, contendendo com a liberdade dos cidadãos, deve - ser reaferido por uma segunda instância.

Encontrando-se jurisdicionalizada a execução das penas e abrangendo as garantias de defesa todo o processo criminal, a negação do direito ao reexame, em via de recurso, da decisão denegatória da liberdade condicional traduzir-se-á, com esta fundamentação, na imposição de um encurtamento inadmissível das garantias de defesa do recorrente, sendo inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição."

No caso dos autos não estamos perante nenhuma decisão denegatória da liberdade condicional (cf. Acórdão 638/06), de concessão de regime aberto ao exterior (Acórdão 427/09), ou de aplicação de regime de segurança (Acórdão 20/12).

Estamos, apenas, perante a não concessão de uma licença de saída jurisdicional, que não altera o tipo de pena imposta ao recluso, que continua a ser de privação de liberdade em meio prisional, nem altera o conteúdo da sentença condenatória.

[...]

42.º [...] [O] digno Juiz de execução das penas manteve, nos presentes autos, a sua integral competência de "juiz das liberdades", ponderando, adequadamente, os interesses e a pretensão do recluso, bem como os interesses da sociedade, a cujo convívio o mesmo recluso pretende regressar, ainda que de forma incidental e transitória.

Por outro lado, o recluso, ora recorrente, manteve a titularidade dos seus direitos fundamentais, a restrição destes direitos fundamentais foi definida por lei e tal restrição teve como fundamento o sentido da condenação e as exigências próprias da execução (cf. Acórdão 20/12 deste Tribunal Constitucional), tendo estado "subordinadas a um princípio de legalidade (exigem previsão legal) e de proporcionalidade (adequação e necessidade)."

Acresce, que houve lugar a uma tutela judicial efetiva do recluso, uma vez que a decisão foi proferida pelo Juiz de execução das penas, com totais garantias de independência e imparcialidade.

Assim, a intervenção do poder jurisdicional, no presente procedimento, decorreu da garantia constitucional do direito de acesso ao direito e aos tribunais, estabelecido no artigo 20.º da Constituição.

Bem como do artigo 30.º, n.º 5, da Constituição, uma vez que o direito de acesso ao tribunal não é mais do que a garantia adjetiva necessária à efetivação dos direitos fundamentais do recluso e, por isso, é necessariamente um dos direitos cuja titularidade o recluso mantém.

43.º Por todo o exposto, em termos de solução, crê-se de seguir, nos presentes autos de recurso, a doutrina consagrada no recente Acórdão 150/13 deste Tribunal Constitucional (cf. supra n.º 23 das presentes contra-alegações), muito embora tal Acórdão se reporte a uma situação ligeiramente diferente, de adaptação à liberdade condicional.

[...]

46.º Julga-se, assim, por todo o exposto ao longo das presentes contra-alegações, que este Tribunal Constitucional:

a) não deverá julgar inconstitucional a norma constantedo artigo 196.º, n.os 1 e 2 do Código de Execução de Penas,"pelo facto do Ministério Público ter mais poderes que o arguido recluso, em prejuízo deste (artigo 196.º, n.º 1 do CEP), pois só o MP tem direito ao recurso, sendo este direito vedado ao arguido condenado, em violação com o estatuído no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição - garantias de defesa do arguido - e dos princípios da igualdade, proporcionalidade previstos na Lei Fundamental";

b) pelo que deverá manter-se o despacho recorrido, do Ilustre Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto, de 15 de novembro de 2013, que confirmou a decisão do digno Juiz de Execução das Penas, de 3 de setembro de 2013, que não admitiu o recurso, formulado pelo recluso José Miguel Fischer Rodrigues Cruz da Costa, relativo à anterior decisão, do mesmo magistrado judicial, que não lhe concedeu licença de saída jurisdicional.»

6 - Por despacho do Relator, foram as partes notificadas para se pronunciarem, querendo, "sobre a possibilidade do recurso não ser conhecido, por inútil, uma vez que a decisão recorrida assentou, como determinante do julgado, na conjugação do disposto no artigo 196.º, n.º 2, com o artigo 235.º, n.º 1, ambos do CEP, mas o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal apenas questiona a constitucionalidade de sentido normativo reportado aos n.os 1 e 2 do artigo 196.º, do CEP".

O recorrente nada disse.

O Ministério Público sustentou, em síntese, que, pese embora não exista integral coincidência entre a questão normativa colocada pelo recorrente e o critério normativo utilizado pela decisão recorrida como ratio decidendi, a não alusão pelo recorrente ao artigo 235.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009, de 12 de outubro (doravante CEP), decorre de mero lapso, concluindo no sentido de que "o presente recurso [seja] apreciado de mérito, julgando-se a questão de constitucionalidade suscitada pelo recluso, tal como entendida pelo Senhor Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto".

II. Fundamentação

A) Delimitação e conhecimento do objeto do recurso

7 - Importa começar por abordar a questão que versa a verificação dos pressupostos de que depende o conhecimento do recurso, suscitada pelo relator, reportada ao confronto do objeto conferido ao recurso pelo recorrente, na formulação constante do requerimento de interposição, com a dimensão normativa aplicada pela decisão recorrida como ratio decidendi quanto à inadmissibilidade do recurso interposto e indeferimento da reclamação.

Tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como ocorre no presente caso, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de modo reiterado e uniforme, que são pressupostos específicos deste tipo de recurso, de verificação cumulativa: i) a suscitação pelo recorrente da questão de inconstitucionalidade "durante o processo" e "de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer" (n.º 2 do artigo 72.º da LTC); ii) o esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam; e iii) a efetiva aplicação, expressa ou implícita, da norma ou interpretação normativa, em termos de a mesma constituir ratio decidendi ou fundamento jurídico da decisão proferida no caso concreto.

Este último pressuposto mais não é do que a manifestação do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta. De facto, quando a norma impugnada não tenha constituído determinante do julgado, ou caso a decisão recorrida haja assentado em fundamento alternativo, não pode este Tribunal tomar conhecimento do objeto do recurso, por ausência de interesse processual, já que, qualquer que seja o juízo formulado pelo Tribunal Constitucional sobre a questão jurídico-constitucional, a decisão impugnada mantém-se inelutavelmente incólume.

No caso em apreço, o recorrente suscitou, em sede de reclamação da decisão que não lhe admitiu recurso, perante o Tribunal a quo, primeiro uma questão de desconformidade constitucional que versou o disposto no artigo 196.º, n.os 1 e 2 do CEP, enquanto "clara violação do princípio da igualdade de armas e da proporcionalidade em processo penal", nestes termos:

«11.º Viola ou não a Constituição, o facto do Ministério Público ter mais poderes que o arguido recluso, em prejuízo deste (artigo 196.º, n.º 1 do CEP), pois só o MP tem direito ao recurso, sendo este direito vedado ao arguido, em contradição com o estatuído na Constituição - artigo 32.º, n.º 1 da CRP, por não estar expressamente previsto no n.º 2 do artigo 196.º do CEP?»

Mais adiante no mesmo requerimento, surge enunciada uma segunda questão, dirigida a dimensão normativa reportada igualmente ao artigo 196.º, aí na sua conjugação com o artigo 235.º, e que não se atém na contraposição dos poderes em matéria de recurso entre o recluso e do Ministério Público. Entendeu o reclamante, ora recorrente, que a Constituição garante ao recluso o direito a recorrer da decisão que o prejudique, por estar em causa, em matéria de concessão de saídas jurisdicionais, o seu direito à liberdade, o que implicaria a invalidação, por desconforme com o disposto nos artigos 2.º, 9.º, 18.º e 32.º da Lei Fundamental, da limitação ao recurso da decisão negativa sobre o pedido de licença de saída jurisdicional, decorrente dos artigos 196.º e 235.º do CEP.

A decisão recorrida centrou a sua abordagem nesta segunda questão, incidente sobre a "solução normativa resultante dos arts. 196.º e 235.º do CEP", na perspetiva, mais ampla, do sistema de recursos no âmbito da execução de penas privativas de liberdade, vindo a concluir pela ausência de violação dos artigos 18.º e 32.º, n.º 1, da Constituição, no impedimento ao recurso do condenado operada por tais preceitos do CEP.

No que concerne à primeira dimensão colocada, em que se tomam aos "poderes" acrescidos do Ministério Público no domínio do recurso e os princípios da igualdade (de armas) e da proporcionalidade (na restrição do direito ao recurso), o Tribunal a quo teve em atenção tão somente a possibilidade de recurso do Ministério Público em favor do arguido, que considerou não violar o princípio da proporcionalidade.

No requerimento de interposição de recurso para este Tribunal - peça processual em que, como reiteradamente sublinhado por este Tribunal, o requerente conforma o objeto do recurso, sendo-lhe permitido reduzi-lo, mas não ampliá-lo, em alegações -, a questão normativa colocada a controlo é reportada a sentido normativo extraído unicamente dos n.os 1 e 2 do artigo 196.º do CEP, e em dimensão que encontra identidade com a primeira questão normativa de constitucionalidade suscitada perante o Tribunal a quo.

Na verdade, quando o recorrente inscreve na questão o "facto do Ministério Público ter mais poderes que o arguido recluso, em prejuízo deste", circunscreve o problema de constitucionalidade à paridade (de armas) no plano do recurso entre os sujeitos processuais da execução das penas, sem nele abranger, a título principal, a interrogação sobre se a Constituição impõe ao legislador a consagração do direito do recluso de recorrer da decisão judicial que negue satisfação ao pedido de concessão de licença de saída jurisdicional. Releva para esta conclusão a ausência de referência à norma do artigo 235.º do CEP, mormente ao seu n.º 1, em que se prescreve que "Das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei", norma expressamente convocada pelo recorrente como objeto da segunda questão de constitucionalidade suscitada perante o Tribunal a quo e por este aplicada para confirmar a decisão de não admissão do recurso.

Cabe referir que, em alegações, o recorrente procura alargar o objeto do recurso, argumentando frequentemente também no sentido da apreciação da conformidade constitucional também do disposto no artigo 235.º do CEP e, mais genericamente, dos limites impostos pelo legislador ordinário ao recurso do recluso, independentemente do que seja a posição do Ministério Público. Nessa parte, porque visando sentido normativo não enunciado no requerimento de interposição, não pode o recurso ser conhecido.

8 - O que se vem de dizer poderá levar a por em crise a utilidade do recurso, na medida em que a decisão recorrida alude à conjugação do disposto no artigo 196.º, n.º 2, com o artigo 235.º, n.º 1, ambos do CEP. Com efeito, na economia da decisão recorrida, a inadmissibilidade do recurso deriva do regime regra, que exige disposição expressa a prever a recorribilidade da decisão, denotando-se a vontade do legislador de vedar o recurso ao recluso da tais decisões não só da ausência de norma que positive essa via de impugnação, como da inscrição do advérbio "apenas" no n.º 2 do artigo 196.º do CEP, limitando expressamente o recurso do recluso à impugnação da decisão que revogue a licença de saída jurisdicional.

Todavia, na ótica interpretativa da decisão recorrida, cuja bondade não cabe a este Tribunal apreciar, ao disposto no n.º 2 do artigo 196.º do CEP é igualmente apontado efeito restritivo autónomo, operando no domínio da legitimidade do condenado para recorrer das decisões contra si proferidas para os efeitos do disposto no proémio do artigo 236.º do CEP. Então, a eventual procedência do recurso conduzirá ao afastamento da norma alojada no n.º 2 do artigo 196.º do CEP que, para o Tribunal a quo, veda ao recluso a possibilidade de ver apreciadas tais decisões pelos tribunais da relação, em recurso.

Nessa medida, a questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente mostra-se idónea a atingir a reformulação da decisão recorrida (artigo 80.º, n.º 2 da LTC), nada obstando ao conhecimento do recurso.

B) Enquadramento

9 - Em geral, as origens da previsão normativa de concessão ao recluso de um período de alguns dias de saída uma vez franqueado ponto determinado da pena a cumprir e verificada "boa conduta" podem ser traçadas ao início do século XX e ao ordenamento penitenciário helvético (assim, S. L. Gomez, Clasificación Penitenciaria, permisos de salida y extrangeros en prisión, Nuevo Regímen jurídico, Dickinson, 2009, acedido em http://vlex.com/vid/permisos-salida70641300).

9.1 - A possibilidade de concessão de licença de saída do estabelecimento prisional ao recluso por decisão judicial foi introduzida pela Lei Orgânica dos Tribunais de Execução das Penas, constante do Decreto-Lei 783/76, de 29 de outubro, sendo apresentada como "medida inovadora" e vertente da promoção da reinserção social do recluso e reforço da intervenção garantística do Tribunal de Execução das Penas, incutidas nesse diploma.

Com a designação de saída precária prolongada, o legislador dedicou-lhe todo o capítulo VI (artigos 34.º a 38, completados pelas regras processuais dos artigos 70.º a 73.º e 86.º a 89.º do referido decreto-lei, na numeração originária) e atribuiu ao juiz do tribunal de execução das penas a competência para a sua concessão e revogação (artigo 23.º, n.º 4). A decisão positiva ficou dependente, como pressuposto formal, da execução de pena privativa da liberdade de duração superior a seis meses e do cumprimento de um quarto da pena, e, como pressuposto material, da verificação de razões para que "se entenda que esta providência favorece a [...] reintegração social" do recluso. A sua duração não podia ultrapassar oito dias, sendo suscetível de vir a ser renovada de seis em seis meses, contando o período de saída como de cumprimento da pena, sem prejuízo de acrescer ao tempo de execução da pena em caso de revogação (artigos 36.º, n.º 1 e 38.º).

No plano do recurso, estatuindo o artigo 125.º a regra de que "[d] as decisões do tribunal de execução das penas recorre-se para a Relação", o artigo 127.º introduziu, como exceção, a irrecorribilidade das decisões que "concedam ou neguem" a saída precária prolongada e bem assim da decisão de revogação da licença de saída.

9.2 - A regulação da execução das penas foi continuada e aprofundada com a lei de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovada pelo Decreto-Lei 265/79, de 1 de agosto, evidenciando a influência do direito comparado e de recomendações internacionais no domínio da execução das reações criminais privativas da liberdade. No seu preâmbulo, alude-se ao "anteprojeto de resolução sobre licenças de saída (congé pénitentiaire)" que veio a conduzir à Recomendação do Conselho de Ministros do Conselho de Europa n.º R (82) 16, adotada em 24 de setembro de 1982 (outras se lhe seguiram sobre a questão penitenciária, designadamente as Recomendações R(2003) 23, de 9 de outubro de 2003 e R(2006) 2, de 11 de janeiro).

As licenças de saída do estabelecimento prisional foram reguladas no título V, teleologicamente norteadas pelo propósito de "tornar a execução das medidas privativas de liberdade mais flexível, nomeadamente nos aspetos referentes ao restabelecimento de relações com a sociedade, de forma geral e progressiva" (artigo 50.º, com a epígrafe "Flexibilidade na execução"). Mas logo se clarificou no n.º 3 do mesmo preceito que "as licenças de saída do estabelecimento não são um direito do recluso" e se fez depender a sua concessão de ponderações no domínio da prevenção geral, como seja a "natureza e gravidade da infração" (alínea a) do n.º 3) e o "eventual perigo para a sociedade do insucesso da aplicação da medida" (alínea c) do n.º 3). Mais: no n.º 2 do artigo 58.º estipulou-se que "A concessão das licenças de saída, bem como os seus resultados, deve, tanto quanto possível, ser divulgada através dos meios de comunicação social, de modo a preparar a opinião pública para a sua aceitação."

Permanecendo a medida inscrita na competência de juiz do TEP (artigo 49.º, n.º 1), manteve-se igualmente o pressuposto formal do cumprimento de um mínimo de seis meses de prisão, agora reduzido para dois meses nos casos de delinquentes primários, e alargou-se o período de saída, relativamente a reclusos em regime aberto, podendo atingir um máximo de dezasseis dias por ano, seguidos ou interpolados.

Nos termos do n.º 1 do artigo 44.º do Decreto-Lei 265/79, de 1 de agosto, o tempo de saída continuou a valer como período de execução da sanção privativa da liberdade, não dando lugar ao seu recálculo, sendo os dias em que o recluso esteve em liberdade descontados no cumprimento da pena ou medida de segurança apenas em caso de revogação (artigo 54.º, n.º 4).

Note-se que a saída precária prolongada não constituía a única via de saída não custodiada do recluso do estabelecimento prisional. Nos termos do artigo 56.º do diploma, os diretores do respetivo estabelecimento podiam emitir licença de saída de curta duração, pelo período máximo de 48 horas, uma vez em cada trimestre.

O Decreto-Lei 265/79, de 1 de agosto, sofreu alterações introduzidas pelos Decretos-Lei 49/80, de 22 de março e 414/85, de 18 de outubro, que, pese embora modificações de redação e de sistemática, não alteraram as soluções normativas que se referiram, o que significa que o regime permaneceu na essência inalterado durante cerca de três décadas.

10 - O Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante CEP), aprovado pela Lei 115/2009, de 12 de outubro, integrou e sistematizou num único diploma codificador os campos de regulação tanto do Decreto-Lei 783/76, de 29 de outubro, como do Decreto-Lei 265/79, de 1 de agosto, e também de boa parte das disposições contidas nos Títulos II, IV, e V do Livro X do Código de Processo Penal, relativas à execução da pena de prisão, incluindo todo o capítulo dedicado à liberdade condicional, à execução das medidas de segurança privativas da liberdade e à execução da pena relativamente indeterminada, que revogou. A sua edição culminou um longo período de maturação em torno da reforma do direito de execução das penas e medidas privativas da liberdade, em que se destacam o Projeto de Proposta de lei de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, apresentado em fevereiro de 2001 (cf. Anabela Rodrigues, Novo Olhar sobre a Questão Penitenciária, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2002, p. 179-311), o Relatório Final da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, de 12 de fevereiro de 2004, e o Anteprojeto da Proposta de Lei-Quadro da Reforma do Sistema Prisional, apresentado na data (ambos acessíveis no sítio www.dgpj.mj.pt).

Na síntese formulada por Maria João Antunes, a sua edição obedece a três vetores político-criminais fundamentais em matéria de execução da pena de prisão:

«Primeira: a execução desta pena privativa da liberdade deve ser jurisdicionalizada, tendo sido dado o primeiro passo pela Lei 2000, de 16 de maio de 1944, e pelo Decreto 34553, de 30 de abril de 1945, deferindo aos tribunais de execução das penas as "decisões destinadas a modificar ou substituir as penas ou as medidas de segurança" (n.º 1 da Base I daquela Lei). O que abriu a questão de saber o que é que deve estar, incluído na reserva de juiz, devendo ser consequentemente subtraído da competência da administração prisional (cf. Acórdão 427/2009).

Segunda: a execução da pena de prisão deve estar orientada para a socialização do condenado, prosseguindo o Estado a tarefa que lhe está constitucionalmente cometida de proporcionar ao condenado as condições necessárias para que conduza a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, devendo a socialização obedecer a uma dinâmica progressiva de preparação para a liberdade. Por exemplo, através de medidas de flexibilização da execução da pena de prisão (artigo 14.º do CE - regime aberto no exterior; artigo 76.º do CE - licenças de saída do estabelecimento prisional) ou mediante a concessão da liberdade condicional (artigo 61.º, 63.º e 64.º do CP).

Terceira: a privação da liberdade deve ser a ultima ratio da política criminal, enquanto decorrência do princípio constitucional da proporcionalidade das restrições dos direitos, devendo ser assegurada a passagem do recluso para regimes de execução cada vez menos restritivos da liberdade. Por exemplo, através de medidas de flexibilização da execução da pena de prisão (artigo 14.º do CE - regime aberto no interior e no exterior), mediante a concessão da liberdade condicional (artigos 61.º, 63.º e 64.º do CP) ou por via de formas diversificadas de execução desta sanção privativa da liberdade (artigo 44.º, n.os 1, alínea b), e 2, do CP - regime de permanência da habitação; artigo 118.º e ss. do CE - modificação da execução da pena de prisão; artigo 62.º do CP - adaptação à liberdade condicional)» (As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, p. 80-81).

11 - A Lei 115/2009, de 12 de outubro, tem na sua origem a Proposta de Lei 252/X. Na respetiva exposição de motivos encontra-se apenas uma referência às licenças de saída, sinalizando o reforço das garantias do recluso resultantes do alargamento do leque de decisões que o recluso pode impugnar perante o Tribunal de Execução das Penas, de modo a incluir a revogação de licença de saída administrativa.

O artigo 196.º do CEP, no qual o recorrente aloja o sentido normativo impugnado, integra a única disposição da secção III, dedicada aos recursos, no âmbito do capítulo VI, relativo ao processo de apreciação da licença de saída jurisdicional, figura que sucedeu à anterior saída precária prolongada.

Em prossecução do princípio orientador da (res)socialização do recluso e de concretização da sua progressiva aproximação à vida livre (artigo 5.º, n.º 2), o legislador do CEP acolheu a possibilidade de serem concedidas ao recluso licenças de saída do estabelecimento prisional. De acordo com o artigo 76.º, tais licenças dependem, em qualquer caso, do consentimento do recluso, e respeitam duas tipologias distintas, assentando o critério diferenciador na natureza da entidade concedente: licenças de saída jurisdicionais e licenças de saída administrativas.

As licenças de saída jurisdicionais - que relevam para a questão em apreço - visam "a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade" (artigo 76.º, n.º 2), escopo que, todavia, não lhes é exclusivo; pode fundar igualmente a concessão de licenças de saída administrativas de curta duração (artigo 76.º, n.º 3, alínea a) e 80.º) e de preparação para a liberdade no período final de cumprimento da pena (artigos 76.º, n.º 3, alínea d) e 83.º). Todas dependem da verificação cumulativa de um conjunto de pressupostos materiais, enunciados no artigo 78.º: fundada expetativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social; fundada expetativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena ou medida de segurança. A que se juntam, como fatores de ponderação, a evolução da execução da pena, o ambiente social ou familiar e antecedentes da vida do recluso, as circunstâncias do caso e também a especial vulnerabilidade e as exigências de proteção da vitima da conduta.

No que respeita especialmente à licença de saída jurisdicional, da competência do juiz do Tribunal de Execução de Penas, a sua concessão e revogação apenas pode acontecer, como no regime anterior, uma vez cumprida uma parcela mínima da pena - um sexto ou seis meses, nas penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão; um quarto da pena, nos restantes casos - e pressupõe a sujeição do recluso a regime comum ou aberto e a ausência de ordens concorrentes de privação da liberdade. Depende ainda da inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos doze meses que antecedem o pedido.

Note-se que o gozo de saída jurisdicional e o seu sucesso é pressuposto para a concessão de saída administrativa de curta duração (80.º, n.º 1, al. b), o que também acontece com outras medidas, como seja a colocação em regime aberto no exterior, dependente do mesmo pressuposto (artigo 14.º, n.º 4). Constitui, pois, expressão de um voto de confiança judicial e oportunidade de demonstração de merecimento por parte do recluso perante o sistema institucional de execução das penas (e também perante a sociedade, como emerge das conclusões formuladas, numa perspetiva psicológica, por Ana Cristina Oliveira Ferreira, em Saídas Precárias: entre o regresso e o não regresso - Estudo Exploratório sobre o fenómeno no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, 2011, texto acedido em http://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/2264/3/DM15739.pdf)

No plano procedimental, o incidente relativo à concessão de licença de saída jurisdicional inicia-se com requerimento do recluso, seguindo-se, caso não ocorra o seu indeferimento liminar, reunião e parecer do conselho técnico, com audição do recluso pelo juiz, na presença do Ministério Público, caso entendido necessário. Com precedência de parecer facultativo do Ministério Público, a decisão positiva, de concessão da licença de saída requerida, carece de fixar a sua duração e condições; já a decisão oposta, denegando a pretendida saída, mereceu do legislador a menção confirmativa da necessidade da sua fundamentação - que sempre decorreria da regra do n.º 1 do artigo 146.º - podendo contemplar o encurtamento da dilação de quatro meses para a renovação do pedido.

Sucedendo aos dezasseis dias de saída anuais, seguidos ou interpolados, que constituíam o limite das saídas precárias prolongadas, o legislador do CEP escolheu fixar a duração da licença jurisdicional no máximo de cinco ou sete dias consecutivos, consoante o cumprimento da sanção decorra em regime comum ou em regime aberto, ou seja, por períodos unitários de duração máxima inferior, mas que, numa base anual, poderá superar o regime anterior, uma vez o recluso pode beneficiar anualmente do gozo de várias licenças de saída jurisdicional, desde que entre elas medeie intervalo não inferior a quatro meses.

Releva especialmente que, como já acontecia no âmbito do Decreto-Lei 783/76, de 29 de outubro, os dias de saída ao abrigo de licença jurisdicional são considerados tempo de execução da pena (artigo 77.º, n.º 1). Apenas em caso de revogação da licença, haverá lugar ao acréscimo do tempo de saída à contagem da pena a cumprir (artigos 85.º, n.º 4 e 195.º, n.º 4).

O regime do recurso da decisão judicial que recai sobre o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional decorre das regras gerais dos artigos 235.º e seguintes, conjugadas com as normas contidas no único preceito que contém regulação específica no que concerne à impugnação de tal decisão.

Assim, o legislador do CEP estatui como regra a da taxatividade do recurso das decisões do TEP para o Tribunal da Relação, admitindo-o apenas nos casos expressamente previstos na lei (artigo 235.º, n.º 1). Afastou-se, pois, o acolhimento, como princípio geral, da recorribilidade das decisões, tal como se encontra consagrado no artigo 399.º do Código de Processo Penal.

Também no respeitante à legitimidade para o recurso, o CEP acolhe regulação própria e específica. Nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 236.º, o Ministério Público e o condenado - este quanto às decisões que lhe sejam desfavoráveis - estão, em geral, habilitados a interpor recurso de decisões de juiz do TEP. Mas, ao contrário do que acontece no ordenamento processual penal, encontra-se a ressalva de que a regra comporta exceções, através da inclusão no proémio do artigo 236.º da expressão "salvo quando a lei dispuser diferentemente".

Emerge, neste contexto, o disposto no artigo 196.º do CEP, em que se aloja a norma questionada pelo recorrente, com o seguinte teor:

Artigo 196.º

Recurso

1 - O Ministério Público pode recorrer da decisão que conceda, recuse ou revogue a licença da saída jurisdicional.

2 - O recluso apenas pode recorrer da decisão que revogue a licença de saída jurisdicional.

3 - O recurso interposto da decisão que conceda ou revogue a licença de saída jurisdicional tem efeito suspensivo.

Posto isto, passemos a apreciar a conformidade constitucional da dimensão normativa impugnada.

C) Do mérito do recurso

12 - Como se disse, o recorrente centra o pedido de apreciação da constitucionalidade na diferença de tratamento que entende decorrer do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 196.º do CEP entre o Ministério Público e o recluso no domínio do recurso para a relação das decisões judiciais que incidam sobre o pedido de concessão de saída jurisdicional, que considera discriminatória e em infração do disposto nos artigos 13.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição. Na ótica do recorrente, os "poderes" que são conferidos ao Ministério Público de recorrer em desfavor do recluso impõem que seja simetricamente assegurada a este a possibilidade de impugnar por via de recurso perante instância superior as decisões judiciais de sentido contrário - isto é, que neguem a sua pretensão à obtenção de licença de saída do estabelecimento prisional - sem o que subsistirá "uma clara violação dos direitos do arguido recluso, nomeadamente do princípio da igualdade de armas e da proporcionalidade em processo penal".

Importa começar por notar que não se encontra aqui em questão saber se, como pretende o recorrente, haverá que aplicar ao caso o disposto nos artigos 399.º e 400.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, ou apreciar do relevo que deve assumir para aferir da amplitude do direito ao recurso do recluso o elenco de direitos e deveres do arguido, em particular o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 61.º do mesmo código. O critério normativo em que assenta a decisão recorrida parte da consideração de que "se o CEP consagra um regime de recursos próprio e autónomo, carece de fundamento procurar a solução no Código de Processo Penal". Não cabe este Tribunal sindicar a bondade deste entendimento no plano infraconstitucional, incumbindo, sim, e tomando a norma extraída do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 196.º do CEP tal como efetivamente aplicada pela decisão recorrida, verificar da sua constitucionalidade.

13 - Decorre da argumentação inscrita nas alegações que o recorrente enceta tal discussão como resposta à afirmação do Tribunal a quo de que «o catálogo e direitos do artigo 32.º da Constituição está perspetivado tendo em vista fundamentalmente o arguido e não o condenado», para concluir que na fase de execução das penas não tem aplicação a garantia constante do n.º 1 do preceito. O recorrente discorda dessa asserção, tanto assim que invoca a violação de tal parâmetro constitucional pela norma submetida a controlo deste Tribunal, e contrapõe a consagração no direito ordinário de um estatuto do "arguido condenado", no qual confluiriam tanto os direitos e deveres do arguido, tal como consagrados no artigo 61.º do CPP, como o elenco de direitos e de deveres do recluso, constantes dos artigos 7.º e 8.º do CEP.

Porém, essa visão não merece acolhimento.

Desde logo, porque o âmbito de proteção do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição carece de ser encontrado no quadro jurídico-constitucional, e não na consagração densificadora que o legislador ordinário confira a tal imposição constitucional, enquanto "cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal" (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República anotada, vol I, 4.ª edição revista, anotação II ao artigo 32.º, p. 516).

Ora, o estatuto jurídico-constitucional do arguido encontra, de facto, concretização nuclear no preceituado no artigo 32.º da Constituição, disposição que aloja os princípios estruturantes do processo criminal, implicando a sua conjugação a assunção plena pelo arguido da condição de sujeito da relação processual - e não de seu objeto - dotado de efetivos meios de proteção, reação e de influência sobre as decisões - em especial as decisões condenatórias - suscetíveis de afetar a sua esfera jurídica. Como refere Figueiredo Dias, referindo-se às injunções constitucionais a que o legislador do Código de Processo Penal de 1987, na versão original, dera obediência: "O Código confere ao arguido o papel de sujeito do processo sob um duplo ponto de vista, que corresponde essencialmente à dupla referência que lhe é feita no texto constitucional: enquanto aarma, por um lado, com um direito de defesa (artigo 32.º-1) a que por várias formas confere efetividade e consistência; e enquanto lhe confere, por outro lado, uma fundamental presunção de inocência até ao trânsito em julgado da condenação (artigo 32.º-2)" (Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual, O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 27).

Justamente, as garantias de defesa em processo criminal, em que se inclui o recurso, estão perspetivadas no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição no quadro de uma estrutura lógico material moldada pela dialética entre acusação e defesa, posições contrapostas que não persistem a partir do momento que transita em julgado a condenação numa pena ou medida de segurança. Ultrapassado esse marco, em que o sujeito deixa de estar confrontado por uma acusação - e a exercer um direito de defesa face à mesma - para passar a suportar os efeitos restritivos decorrente do título judiciário de execução de uma pena, o estatuto jurídico-constitucional relevante para efeito de aferir das garantias do sujeito em reclusão por efeito de execução de sanção criminal, como aqui acontece, passa a ser o de condenado, na espécie de condenado em pena ou medida de segurança privativas da liberdade, que encontra a sua esfera jurídica conformada no plano jusfundamental pelo disposto no n.º 5 do artigo 30.º, da Constituição: "[O]s condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução".

O Tribunal Constitucional tomou já posição no sentido da exclusão dos condenados que se encontrem em cumprimento de pena privativa da liberdade relativamente a medida de flexibilização do cumprimento de pena privativa da liberdade (por passagem do regime de confinamento intramuros para o de vinculação à permanência na habitação) do âmbito subjetivo de proteção do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, tendo em atenção a norma do artigo 179.º, n.º 1 do CEP, que veda o direito ao recurso da decisão do juiz do Tribunal de Execução das Penas que indefira o pedido do recuso de aplicação do regime de adaptação à liberdade condicional. Fê-lo no Acórdão 150/2013, em que se firmou o entendimento de que "não estamos perante um arguido em processo penal 'tout court', mas antes perante um recluso em cumprimento de pena privativa da liberdade (condenado), que, obviamente, mantendo a titularidade dos direitos fundamentais, não poderá deixar de suportar as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução - artigo 30.º n.os 4 e 5 da Constituição", para concluir que "[...] não se vê, mau grado o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, que tal norma possa ser convocada no caso 'sub juditio", não obstante a maior judicialização que o novo CEPMPL veio trazer ao Processo de Execução de Penas, porquanto não estamos perante um processo criminal que nela se prevê."

Daí que o Tribunal tenha, sempre que chamado a pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade de norma inscrita no âmbito da execução de pena ou medida de segurança privativas da liberdade, relevado fundamentalmente o estatuto jurídico do recluso (o problema coloca-se em termos distintos perante reclusão em cumprimento de medida de coação privativa da liberdade, em que confluem as condições de arguido e de recluso, como acontecia no caso sobre que versou o Acórdão 848/2013), cuja consagração no direito ordinário, mais propriamente no artigo 6.º do CEP, foi explicitada no Acórdão 20/2012, nos termos seguintes:

«[...] Desta norma constitucional [o n.º 5 do artigo 30.º] extraem-se três consequências: i) o recluso permanece titular de todos os seus direitos fundamentais; ii) a restrição destes direitos fundamentais pressupõe sempre uma lei, que obedecerá aos princípios estabelecidos no artigo 18.º da Constituição; iii) a restrição tem que ter por fundamento o sentido da condenação e as exigências próprias da execução (assim, Damião da Cunha, in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição da República Anotada, I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, 690).

Ou seja, o princípio geral é o de que preso mantém todos os direitos e com um âmbito normativo de proteção idêntico aos dos outros cidadãos, salvo, evidentemente, as limitações inerentes à própria pena de prisão (v. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed. 2007, 505).

Mas às limitações inerentes à privação da liberdade (maxime a impossibilidade de deslocação) podem acrescer outras limitações, desde que justificadas pela própria execução da pena (v.g., limites à liberdade de correspondência ou de reunião).

Estas imposições ou restrições têm que estar justificadas em função do "sentido da condenação" e das "exigências próprias da respetiva execução" (n.º 5 do artigo 30.º). Ou seja, estão subordinadas a um princípio de legalidade (exigem previsão legal) e de proporcionalidade (adequação e necessidade).

É unânime o entendimento de que está constitucionalmente negado conceber a relação presidiária (e a posição jurídica do recluso nessa relação) como uma "relação especial de poder" (cf. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob. cit., 505; e Damião da Cunha, ob. cit., 690). Essa "relação de poder" foi substituída por «relações jurídicas com recíprocos direitos e deveres», em que o recluso não é mais "objeto" mas passou a ser «sujeito da execução» (Anabela Rodrigues, Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária, 2.ª ed., Coimbra, 2002, 69).

Sobre o estatuto jurídico do recluso estabelece o artigo 6.º do CEPMPL que o recluso «mantém a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da sentença condenatória ou da decisão de aplicação de medida privativa da liberdade e as impostas, nos termos e limites do presente Código, por razões de ordem e de segurança do estabelecimento prisional». Mantém-se, assim, atual, a afirmação de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, Parte Geral - II, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, 111-112) - emitida a propósito do correspondente artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei 265/79 - segundo a qual a visão do recluso «é agora a de uma pessoa sujeita a um mero "estatuto especial", jurídico-constitucionalmente credenciado (CRP, artigo 27.º-2) e que deixa permanecer naquela a titularidade de todos os direitos fundamentais, à exceção daqueles que seja indispensável sacrificar ou limitar (e só na medida em que o seja) para realização das finalidades em nome das quais a ordem jurídico-constitucional credenciou o estatuto especial respetivo».

14 - O recorrente convoca em apoio da invocação da garantia do direito ao recurso constante do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, o entendimento acolhido no Acórdão 638/2006, que transcreveu integralmente nas suas alegações (cf. 70.º), reputando os dois casos de "comparáveis e conciliáveis".

É certo que o apontado aresto considerou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constitucional, a norma que vedava o recurso da decisão judicial que negue a concessão da liberdade condicional. Porém, como decorre dos seus fundamentos, não deixou de admitir margem de discussão sobre "se o processo para concessão da liberdade condicional deve ser considerado processo penal para efeitos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição" (cf. ponto 6), vindo o Tribunal a mobilizar via alternativa de fundamentação do juízo de inconstitucionalidade, assente em diferentes parâmetros (artigos 20.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, da Constituição), e subsistente "seja qual for o entendimento quanto à exata qualificação dos processos de execução das penas, para o efeito da sua subsunção na noção de «processo criminal» utilizada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição".

De qualquer modo, os elementos em que se alicerçou esse entendimento não encontram aplicação no caso sub juditio. Não estamos, como então acontecia com o procedimento de que depende a concessão de liberdade condicional, perante norma do Código de Processo Penal; ao invés, a concessão pelo juiz de licença de saída sempre encontrou assento na regulação adjetiva específica da execução das penas, encontrando-se agora inserida em diploma codificador autónomo, no qual estão precipitados os princípios e regras da execução das penas e medidas privativas da liberdade, incluindo aqueles que regem o sistema de recursos próprio.

Também do ponto de vista substantivo, o grau de afetação subjetiva comportado na decisão que nega a libertação condicional e na decisão que nega a licença de saída jurisdicional não é comparável, pois não é exata a afirmação do recorrente de que "em ambas as situações, o arguido condenado preso continua sempre em prisão, mas em diferente modo de execução da pena privativa da liberdade".

A incorreção da expressão não reside no seu segmento final: quer o tempo correspondente à liberdade condicional, quer os dias passados no gozo de licença de saída jurisdicional, normativamente equivalentes aos passados no estabelecimento prisional (artigo 77.º, n.º 1 do CEP), constituem modos de execução de pena privativa da liberdade e, do ponto de vista do sujeito, comportam em comum o significado de que não passará confinado ou sob custódia por todo o tempo fixado na pena ditada pela sentença condenatória. Nesse sentido, há razões para dizer que ambas comportam um nexo com a privação da liberdade sofrida pelo recluso. O ponto de afastamento encontra-se na afirmação inicial, que tem implícito o sentido de que o grau de afetação da posição jurídica do recluso presente na concessão de liberdade condicional, por um lado, e na emissão de licença de saída jurisdicional, por outro, - máxima nas decisões judiciais que deneguem uma ou outra - são jurídico materialmente assimiláveis, pois assim não acontece.

A liberdade condicional constitui uma etapa do cumprimento da pena de prisão e prossegue essencialmente finalidades de prevenção especial, em função de uma prognose positiva sobre a suficiência da continuação da socialização do condenado pelo tempo que lhe resta cumprir inteiramente em meio livre. Assume hoje claramente a natureza de incidente da execução da pena (cf. o Acórdão 181/2010 sobre a sua evolução), justificado político criminalmente pela "vertente social ou intervencionista do modelo do Estado de Direito material, implícito à C.R.P. de 1976", inscrevendo-se neste âmbito a "ressocialização dos criminosos como concretização do dever geral de solidariedade e de auxílio às pessoas que deles se encontrarem carecidas" (cf. A. Almeida Costa, Passado, presente e futuro da liberdade condicional no direito português, B.F.U.C., Separata, 1989, p. 54) e por apelo ao princípio da necessidade da intervenção penal que se extrai dos artigos 27.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição (cf. Acórdão 427/2009 e Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Ed., 2007, p. 128).

Daí que, uma vez colocado o condenado em liberdade condicional, cesse a ligação jurídica e material entre o recluso e o estabelecimento prisional, completado que foi o iter de progressiva aproximação à vida livre (pese embora com condicionamentos e vigilância) e cujo programa encontra ligação direita com a duração da pena fixada. A própria liquidação da pena concretiza a noção de inscrição da medida com parte principal de um plano de (res)socialização a desenvolver ao longo da execução da sentença condenatória ao impor a contagem e comunicação ao condenado dos momentos relevantes para a admissibilidade de liberdade condicional (artigo 477.º, n.os 2 e 3 do CPP). Mesmo o regresso do condenado colocado em liberdade condicional à condição de reclusão, em caso de revogação da liberdade condicional, não posterga o que se vem de dizer. A concretização dessa eventualidade será consequência de conduta do condenado em meio livre, e não do desenvolvimento de qualquer modo descontínuo de execução da pena que esteja ínsito na condenação (cf. Lopes Rocha, Execução das Penas e Medidas de Segurança Privativa da Liberdade, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 484).

A clara diferenciação entre a reclusão e a colocação do condenado em liberdade condicional, ainda que ambas as condições sejam, no plano do exercício da ação punitiva do Estado, estados de cumprimento de pena, encontra-se sublinhada no Acórdão 161/2010:

«A liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade de condenado a pena de prisão durante um período não superior a cinco anos, depois de aquele haver cumprido um período mínimo legal de reclusão e mediante o seu consentimento. Trata-se de substituição parcial de um certo período detentivo por outro não detentivo; é uma medida não detentiva, substituindo a pena de prisão e aquela é um incidente da execução da pena de prisão, mas de caráter não institucional ou não detentivo ("extramuros"), executada na comunidade, tal como aquela, e como alternativa à continuidade de execução de penas de prisão mais longas. Embora sujeita a deveres e regras de conduta, tem de ser vista como uma verdadeira antecipação da liberdade, à qual o interessado dá a sua adesão, com vigilância do seu comportamento, solidificando as bases de uma real reintegração social. Abandonando a reclusão, tem a oportunidade de retomar o contacto com o seu grupo familiar e participar ativamente na vivência quotidiana do mesmo, bem como enveredar por atividade profissional lícita, sendo certo que as regras de conduta e obrigações a que fica sujeito o condenado apresentam um diminuto grau de densidade comparadas com a verdadeira reclusão, não justificando a sua equiparação a esta.»

Importa ainda notar que a liberdade condicional encontra os seus pressupostos previstos no Código Penal, em consonância com os efeitos materiais duradouros na esfera jurídica do condenado que produz, de passagem até ao final do tempo fixado como pena de um estado de reclusão para outro, de liberdade, ainda que sujeito ao cumprimento vigiado de regras de conduta. Integra, pois, a regulação diretamente atinente à determinação prática do conteúdo da sentença condenatória e, portanto, à realização concreta da reação criminal, integrando a dimensão substantiva do direito de execução das penas (cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.º Volume, Coimbra Ed., 1981, pp. 37-38; Anabela Miranda Rodrigues, Novo Olhar..., cit., p. 24).

Compreende-se, a esta luz, que se tenha entendido no Acórdão 638/2006, que, mais do que uma modelação da execução da pena de prisão que contendia com os direitos do recluso, necessariamente sujeita a controle jurisdicional, as decisões sobre liberdade condicional deveriam ser reconduzidas "ao figurino normal das decisões judiciais em matéria penal", para concluir que "a decisão que nega a liberdade condicional, por ter como efeito a manutenção da privação da liberdade, tem uma indiscutível conexão com a restrição de direitos, liberdades e garantias, afetando um bem jurídico essencial que é o direito à liberdade, protegido no n.º 1 do artigo 27.º da Constituição".

15 - Diversamente, a licença de saída jurisdicional não comporta alteração substancial do estatuto jurídico do recluso e não assume a natureza de "incidente da execução", no sentido restrito e técnico de lhe cabe, isto é, de questão que tem como objeto "dúvidas de caráter contencioso acerca da interpretação, aplicação ou eficácia da sentença condenatória" (cf. Beleza dos Santos, Os Tribunais de Execução das Penas em Portugal, B.F.U.C., Separata, 1953, p. 12).

O estado de privação da liberdade continua a ser, ainda que pontualmente interrompido pelo contacto com o ambiente externo, em obediência aos princípios da socialização e da individualização do tratamento prisional, "inevitalmente programado e faseado, favorecendo a aproximação progressiva à vida livre, através das necessárias alterações do regime de execução" (cf. Acórdão 427/2009). No seu termo, o recluso tem o dever de se apresentar no estabelecimento prisional (artigo 8.º, alínea b), do CEP), sinalizando a continuidade da vinculação derivada da condição de reclusão.

Assim, a saída jurisdicional, pela sua condição transitória e duração de dias - insuscetível de fundar por si só um novo sentido de orientação social -, não extravasa a condição de medida de flexibilização do cumprimento da pena privativa da liberdade, que se reconduz à compatibilização da modelação da vida do recluso em ambiente prisional com a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e à sua preparação para que conduzir a vida em ambiente livre de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (artigos 42.º do CP e 2.º do CEP).

Mesmo que os deveres diretamente relacionados com a permanência no interior do estabelecimento se suspendam formalmente durante o tempo de saída - o que acontece naturalmente também com as licenças de saída administrativas, em particular com as que não comportam custódia -, o estatuto vigente continua a ser, durante todo esse período, o de recluso, permanecendo todas as vinculações e o feixe de ligações ao sistema prisional nele comportadas. Em consonância, o mandado emitido pelo juiz de execução das penas e executado pelos serviços prisionais é normativamente designado como mandado de saída (artigo 193.º), e não de liberdade, dando tradução à alteridade do significado do contacto com o meio livre por parte do recluso relativamente à liberdade condicional.

Por outro lado, como nota Anabela Rodrigues, a própria forma de "licença" que reveste a decisão sobre a autorização de saída do estabelecimento prisional admite um certo grau de discricionariedade (cf. A Posição Jurídica do Recluso na Execução da Pena Privativa de Liberdade, Seu Fundamento e âmbito, Coimbra, 1982, pp. 50-52, nota 145), a que se junta a circunstância de, podendo ter lugar em momentos mais próximos do cometimento do crime, as ponderações inscritas no domínio das finalidades de prevenção geral da pena assumirem maior intensidade.

Temos então que o cotejo que vimos de fazer permite concluir que a normação relativa à licença de saída jurisdicional não reveste as características de regulamentação diretamente atinente à realização concreta da reação criminal, que encontre inscrição nas garantias de defesa em processo criminal asseguradas pela Constituição (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição).

16 - Aqui chegados, importa dizer que o afastamento do parâmetro do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, não significa que fique removida a possibilidade de se reconhecer a presença de vinculação constitucional na concretização pelo legislador do direito ao recurso, como, na perspetiva inversa, da pretendida inscrição do recurso no elenco das garantias de defesa em processo criminal não decorreria, como sustenta o recorrente, a necessária abertura da via de impugnação recursória relativamente a todas as decisões proferidas contra o visado pela ação punitiva do Estado.

Conforme o Tribunal tem afirmado reiteradamente, o direito ao recurso expressamente consignado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, entre as garantias de defesa do arguido, não exige a possibilidade de impugnação de toda e qualquer decisão proferida ao longo do processo, impondo apenas que necessariamente se assegure um segundo grau de jurisdição relativamente às decisões condenatórias e àquelas que afetem direitos fundamentais do arguido, designadamente a sua liberdade (v., entre muitos, os Acórdãos n.º 265/94, 387/99, 430/2010, 153/2012 e 848/2013, este com proximidade com o problema em análise). Ora, sempre seria de entender que a decisão de não concessão de licença de saída, que aqui se discute, não atinge diretamente o direito à liberdade, pois a sua restrição resulta do título judiciário de execução ínsito na decisão condenatória transitada em julgado e, em todo o caso, como se viu, não altera substancialmente o estatuto do recluso.

Esta asserção comporta igualmente resposta à questão do direito ao recurso por parte do recluso quanto a tais decisões, perante os parâmetros de controlo do direito à liberdade (artigo 27.º, n.º 1) e do direito de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1), os quais, aliás, o recorrente não aponta expressamente como violados no requerimento de interposição de recurso (cf. supra ponto 3) ou em alegações (cf. supra ponto 4, 86.º e 87.º). Aqui, tal como aconteceu no caso decidido pelo Acórdão 150/2013, o recluso viu assegurado o acesso ao direito e aos tribunais em virtude da decisão proferida ter natureza judicial, emitida pelo juiz do Tribunal de Execução das Penas, mantendo-se na sua essência inalterado o modo de cumprimento da pena privativa da liberdade, ínsita na condenação, e as restrições jusfundamentais inerentes ao seu sentido e às exigências próprias da sua execução (artigo 30.º, n.º 5, da Constituição), qualquer que seja o sentido da decisão em matéria de licença de saída jurisdicional.

Em suma, não se encontra na decisão judicial denegatória da sua saída por um período de dias do estabelecimento prisional em que o condenado se encontre a cumprir reação criminal privativa da liberdade, cujo recurso é regulado pela normação questionada, afetação do bem jurídico essencial que é o direito à liberdade, em termos de fundar a imposição constitucional do direito ao recurso por parte do recluso.

17 - O recorrente indicou no seu requerimento de interposição de recurso como violados, para além do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição - que já vimos não ser aqui convocável - os princípios da igualdade, proporcionalidade, não discriminação e dos fins das penas. Em alegações, afirma a violação do disposto nos artigos 9.º, alíneas b) e d), 12.º, n.º 1, 13.º, n.os 1 e 2, 18.º, n.os 1 e 2 e, novamente, o 32.º, n.º 1, todos da Constituição, para além dos princípios da sociabilidade e "o dever de ajuda que incumbe ao Estado perante os seus cidadãos", os quais, porém, não reconduz a qualquer preceito constitucional.

Importa considerar que a questão normativa colocada versa problema atinente ao direito ao recurso, cingindo-se ao plano adjetivo e, dentre este, aos meios de impugnação para o tribunal da relação conferidos ao recluso de decisões do juiz do Tribunal de Execução das Penas sobre licença de saída jurisdicional. Os princípios que orientam em geral toda a ação punitiva do Estado são, por certo, relevantes para a apreciação da questão normativa de constitucionalidade em apreço, enquanto opções político-criminais fundamentais (cf. Acórdão 698/2009), mas deles não resulta valor paramétrico preciso, suscetível por si só de fundar juízo de desconformidade com a Constituição da solução normativa contida no artigo 196.º, n.os 1 e 2 do CEP.

Por seu turno, as tarefas fundamentais do Estado, prescritas no artigo 9.º da Constituição, mormente a garantia dos direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelo princípio do Estado de direito democrático, constante da alínea b) do preceito, coincidem, no plano em que são convocados, com os concretos direitos, liberdades e garantias que se tenham por afetados e o princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição. Por outro lado, a invocação do disposto na alínea d) do mesmo artigo 9.º, na parte em que consagra como tarefa fundamental do Estado a promoção da igualdade real dos portugueses, encontra conexão com a invocação de infração do princípio da igualdade, constante do artigo 13.º da Constituição, na ótica dos diferentes poderes dos sujeitos da relação jurídico-processual da execução das penas privativas da liberdade. O mesmo acontece, na perspetiva da proibição da discriminação compreendida no âmbito de proteção do preceito, com a paralela invocação do princípio da universalidade constante do artigo 12.º da Constituição, de acordo com o qual todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.

Em todo o caso, a argumentação que conduz o recorrente à afirmação da violação de tais princípios constitucionais toma como boa premissa que vimos já não ser correta. O recluso não beneficia de um direito generalizado ao recurso, nem a norma questionada respeita a decisão judicial que comporte direta restrição do direito à liberdade, dela não resultando restrição jusfundamental relativamente à qual caiba apreciar a sua conformidade com o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 da Constituição).

Então, a análise a que resta proceder versa a conformidade da norma colocada a exame com o princípio da igualdade, constante do artigo 13.º da Constituição.

18 - O princípio da igualdade, enquanto parâmetro constitucional capaz de limitar as ações do legislador, comporta reconhecidamente várias dimensões: proibição do arbítrio legislativo; proibição de discriminações negativas, não fundadas, entre os sujeitos; assim como eventual imposição de descriminações positivas, com projeções distintas tendo em conta as especificidades do âmbito material em causa. Da jurisprudência constitucional resulta que o princípio não proíbe em absoluto toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações (e a sua medida) materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional. O recorrente invoca aqui a vertente da igualdade de armas, que a doutrina e a jurisprudência foram retirando do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e que ganha expressão no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, por via da densificação do princípio do processo equitativo (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, vol. ob. cit., pp. 415-416).

Cabe assinalar que o princípio da igualdade de armas tem sido amiúde equacionado no âmbito criminal na sua relação com o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, e a consagração do direito ao recurso como uma das garantias de defesa do arguido em processo penal. Assim aconteceu, tomando uma das decisões mais recentes, no Acórdão 540/2012, em que se julgou inconstitucional norma do Código do Processo Penal que admitia o recurso de assistente de decisão absolutória proferida em recurso quando a decisão condenatória não permitia recurso do arguido, a partir do seguinte entendimento:

«O princípio da igualdade no âmbito do processo criminal tem de ser perspetivado em consonância com a específica natureza de um processo que assegura ao arguido todas as garantias de defesa, "podendo significar aí, não que os sujeitos do processo devam ter estatutos processuais absolutamente idênticos e paritários, simetricamente decalcados, mas essencialmente que o arguido poderá, por vezes, beneficiar de um estatuto fortemente «privilegiado», como forma de compensar uma presumida fragilidade ou maior debilidade relativamente à acusação, no confronto processual penal". O que significa também que o arguido não deve ter menos direitos do que a acusação, mas não que não possa mais" [...].»

Não é esse, porém, o âmbito de aplicação da norma aqui em análise. Como se disse supra, não estamos perante relação jurídico-processual que tenha como sujeito o arguido e em que se possa considerar presente uma "radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa" em que "só a compensação desta, mediante específicas garantias, [possa] atenuar essa desigualdade de armas" (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, vol. ob. cit., p. 516).

19 - A questão colocada versa uma desigualdade entre sujeitos do processo de execução de penas privativas da liberdade, apontando o recorrente diferença de tratamento no campo do direito ao recurso (cf. supra, ponto 4, 38.ª e 39.ª). Diferenciação essa que, de facto, decorre da normação constante do CEP.

Com efeito, mostra-se inequívoco que o legislador do CEP conformou o sistema de recursos em termos díspares quanto ao Ministério Público e quanto ao recluso. Por regra, sempre que a decisão jurisdicional admite recurso - o que, de acordo com o disposto no artigo 235.º do CEP, carece de previsão legal expressa - o Ministério Público dispõe de legitimidade para o interpor, mas nem sempre ao recluso assiste idêntica faculdade. É o que acontece com a impugnação perante o Tribunal da Relação da decisão do juiz do Tribunal de Execução das Penas em matéria de saída jurisdicional, pois o Ministério Público pode recorrer da decisão em qualquer um dos seus sentidos possíveis - concessão, recusa ou revogação - enquanto o recluso apenas tem ao seu dispor a impugnação deste último sentido decisório.

Entende o recorrente que, podendo o Ministério Público recorrer em seu desfavor, ou seja, impugnar perante tribunal superior a decisão que lhe conceda a licença jurisdicional, está criada uma "desigualdade de direitos das partes", na medida em que o recluso, pessoal e diretamente afetado, se encontra impedido de obter a reapreciação por tribunal superior da decisão judicial de sentido oposto, denegando-lhe a pretensão de saída.

Porém, toda essa argumentação enferma do vício de encarar os sujeitos e as relações intersubjetivas comportadas na dimensão adjetiva da execução das penas como "partes", condição que, tal como em geral na relação processual no domínio criminal, não assenta à posição jurídica do Ministério Público (ou à de qualquer outro sujeito) na fase de execução da reação criminal. Tem aqui inteira aplicação a asserção proferida por Figueiredo Dias: "De início até ao fim do processo a vocação do ministério Público não é a de "parte", mas a de entidade unicamente interessada na descoberta da verdade e na realização do direito" (Sobre os sujeitos..., cit, p. 31).

Por ser assim, Anabela Miranda Rodrigues considerou que a extensão do controlo jurisdicional a qualquer questão relativa à modelação da execução que possa contender com os direitos do recluso deveria ser acompanhada de uma "nova repartição de competências em que deveriam participar o Ministério Público e o juiz", que poderia significar "por um lado, que deve ser o Ministério Público que compete, nomeadamente, visitar os estabelecimentos prisionais para audição dos reclusos, bem como decidir, por exemplo, da concessão de licenças de saída", com possibilidade de impugnação pelo recluso das decisões negativas perante o Juiz de Execução das Penas, por entender que "[a] intervenção do Ministério Público não significa uma menor garantia dos direitos do recluso" (Novo Olhar..., cit., p. 138); no mesmo sentido, Da «afirmação de direitos» à «proteção de direitos» dos reclusos: a jurisdicionalização da execução da pena de prisão, Direito e Justiça, 2004, p. 191-192).

A posição jurídica do Ministério Público concretizada no Código de Execução das Penas não se afastou do modelo de intervenção como órgão de justiça encarregado de efetivar a harmonização prática entre os valores da liberdade e segurança consagrados na Constituição e de sustentar o princípio da legalidade, como fundamento do Estado (cf. Cunha Rodrigues, Sobre o Princípio da Igualdade de Armas, RPCC, Ano I, Fasc. 1, p. 86), pese embora sem levar avante a repartição de competências sugerida pela Autora atrás referida. Ainda assim, afirma-se na Proposta de Lei 252/X que o CEP opera "uma genérica revalorização e alargamento da intervenção do Ministério Público no controlo jurisdicional da execução de medidas privativas da liberdade".

Nos termos do artigo 134.º do CEP, ao Ministério Público cabe acompanhar e verificar a legalidade da execução das penas e medidas privativas da liberdade, para o que dispõe de um conjunto de competências, elencadas no artigo 141.º, entre as quais funções alargadas de vigilância da legalidade das decisões dos serviços prisionais (al. b) e as de recorrer das decisões do tribunal de execução das penas (al. c).

A possibilidade do Ministério Público recorrer amplamente de decisões em matéria de saída jurisdicional carece de ser compreendida neste contexto. Por um lado, o legislador configurou o sistema de recursos no domínio da execução das penas e medidas privativas de modo a reservar as vias de recurso para os Tribunais da Relação às decisões que, pelo seu grau de afetação, considerou merecedoras de reapreciação, de forma a racionalizar o âmbito de intervenção dos tribunais de recurso e evitar o respetivo congestionamento. Mas, por outro, no exercício da sua liberdade de conformação, o legislador optou por conferir apenas ao Ministério Público - vinculado por um poder-dever de promoção - legitimidade para suscitar o controle da legalidade das decisões negativas, agindo aí em benefício da pretensão do recluso, encontrando em tais poderes de intervenção adstritos a regras estritas um ponto de equilíbrio, capaz de, a um tempo, assegurar adequada tutela dos direitos dos reclusos e prevenir o afluxo excessivo de recursos em matéria de saídas jurisdicionais (cf. A Reinserção Social dos Reclusos. Um contributo para o Debate sobre a Reforma do Sistema Prisional, Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, 2003, pp. 285-292, denotando o elevado número de pedidos formulados e objeto de apreciação jurisdicional, ainda que no regime anterior ao CEP). Ou seja, entre a radical proibição do recurso das decisões judiciais que neguem ao recluso a pretensão de saída e a irrestrita possibilidade de impugnação por parte dos sujeitos da relação processual de execução quanto a tais decisões, o legislador escolheu uma via intermédia, reputada capaz de assegurar a reponderação das decisões negativas por tribunal distinto e superior nos casos em que tal se justifique: confiou essa iniciativa a órgão de justiça dotado de autonomia, constitucionalmente vinculado pelo princípio da legalidade (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição), designadamente, face ao artigo 2.º do CEP, a promover a socialização do recluso durante a execução das penas privativas da liberdade.

Não se vê que, atendendo à natureza e alcance da decisão, que a norma do artigo 196.º, n.os 1 e 2 do CEP mereça censura face aos parâmetros de controlo do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1) ou à garantia do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4). A apontada diferenciação opera entre sujeitos que não se encontram em posições comparáveis e não se pode considerar desrazoável, nem desproporcionada, face às finalidades que persegue. Também não se vê que se opere na relação jurídica da execução da pena privativa da liberdade um desequilíbrio em desfavor do recluso e que se possa reconduzir à promoção da estabilização - e renovação - de decisão modeladora do iter de cumprimento da pena que o prejudique - para além do que decorre do sentido da condenação - ou que o simples reconhecimento do recurso ao Ministério Público (negando semelhante possibilidade ao recluso em caso simétrico) comprometa a sua pretensão - não o direito subjetivo - à ressocialização, assente no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição; cf. Anabela Miranda Rodrigues, A posição jurídica..., cit., pp. 82-83). O recluso preserva os instrumentos que lhe permitem exercer o contraditório e fazer valer a sua posição jurídica perante o Tribunal superior nos casos em que uma decisão positiva seja objeto de recurso interposto pelo Ministério Público.

20 - Cabe dizer que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, também invocada pelo recorrente, não oferece outras ponderações. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) vem entendendo que toda a privação da liberdade regularmente produzida, à luz artigo 5.º da Convenção, leva implícita uma certa restrição à vida privada e familiar do interessado, pelo que o controlo dos contactos dos reclusos com o mundo do exterior é admissível e não infringe em si mesmo a Convenção (Messina c. Itália, n.º 25498/94, 28 de setembro de 2000, §61; Schemkamper c. França, n.º 75833/01, de 18 de janeiro de 2006, §30, Banaszkowski c. Polónia, n.º 40950/12, 25 de março de 2014, §20). E, na espécie, pese a importância dos laços familiares e sociais, considera o TEDH que o direito do recluso de beneficiar de autorizações de saída não é garantido enquanto tal pela Convenção (Marincola et Sesito c. Itália, n.º 42662/98, de 29 de março de 1999, reafirmado em Banaszkowski c. Polónia), sem prejuízo de dever ser assegurada ao recluso a possibilidade de ver apreciada - de forma efetiva e mediante processo equitativo - a sua pretensão de saída por órgão judiciário independente e imparcial (Boulois c. Luxemburgo (GC), n.º 37575/04, de 3 de abril de 2012). Garantia que, note-se, foi respeitada no caso vertente com a intervenção jurisdicional do juiz do Tribunal de Execução das Penas.

21 - O recorrente qualifica de injusta a solução legislativa adotada. Todavia, a análise da questão normativa posta a exame não poderá ser efetuada com base em pressupostos de razoabilidade do sistema, ou da bondade da escolha do legislador democraticamente legitimado, tomada em exercício da ampla liberdade de conformação que a Constituição lhe confere quando à admissibilidade de um segundo grau de jurisdição em domínios que não relevem da afetação de direitos fundamentais.

O recorrente chama ainda à colação a distinta opção tomada pelo legislador espanhol, relativamente aos premisos de salida penitenciários ordinários (artigo 47.2 da Ley Orgânica General Penitenciaria, n.º 1/1979, de 26 de setembro) em que, de facto, o recluso pode recorrer da decisão dos Juzgados de Vigilancia Penitenciaria sobre essa matéria. Não obstante, nessa escolha não se encontra implicada distinta consideração de quanto à não afetação do direito fundamental do condenado à liberdade pela recusa de saída penitenciária. Como aponta o Tribunal Constitucional de Espanha, chamado em sede de amparo, na denegação da permissão de saída não se encontra atingido o direito fundamental à liberdade, cuja restrição decorre da sentença condenatória, sendo de entender que tal medida não representa para o recluso "el paso a una auténtica situación de liberdad, sino tal sólo una medida de 'preparación para la vida en libertad', y, por lo tanto, su denegación tampouco puede ser interpretada propiamente como um empeoramiento del status libertatis del interno modificado por la condena privativa de liberdad" (cf. STC 204/1999, de 8 de novembro).

Não se verificando a violação dos parâmetros de controlo invocados pelo recorrente, ou de quais outras regras ou princípios constitucionais (artigo 79.º-C da LTC), cumpre concluir pela prolação de juízo de não inconstitucionalidade e pela improcedência do recurso.

III. Decisão

22 - Pelo exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 196.º, n.os 1 e 2, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009, de 12 de outubro, na medida em que confere ao Ministério Público a possibilidade de recorrer da decisão que conceda, recuse ou revogue a licença de saída jurisdicional, enquanto o recluso apenas pode recorrer da decisão que revogue a licença de saída jurisdicional;

b) Condenar o recorrente nas custas, que se fixam, atendendo à complexidade do recurso e de acordo com os critérios seguidos pelo Tribunal, em 25 (vinte e cinco) Ucs.

Notifique.

Lisboa, 15 de julho de 2014. - Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano - Ana Guerra Martins - Pedro Machete (vencido nos termos da declaração junta) - Joaquim de Sousa Ribeiro (com dúvidas quanto às razões apontadas para o conhecimento. Integrando o objeto do pedido, não apenas o n.º 2 do artigo 196.º, mas também o n.º 1, o que o recorrente pretende é a aplicação ao recluso do mesmo regime de recurso que vigora para o Ministério Público. Sendo assim, a norma do artigo 235.º, n.º 1, não obstaria à utilidade da decisão.)

Declaração de Voto

Votei vencido quanto ao mérito da decisão, por duas ordens de razões autónomas, ainda que interligadas.

A) Em primeiro lugar, porque entendo que a licença de saída jurisdicional prevista nos artigos 76.º, n.º 2, e 79.º, ambos do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009, de 12 de outubro (adiante referido simplesmente como "CEP"), tem uma conexão tal com o bem jurídico liberdade, em especial com a liberdade física ou liberdade de movimentos, que a eventual ilegalidade (material) da sua recusa deve poder ser sindicada junto de um outro tribunal, conforme decorre do entendimento jurisprudencial firmado a partir do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 40/2008: o direito de acesso aos tribunais consignado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição garante o direito à impugnação judicial de atos dos tribunais - o direito ao recurso - nos casos em que a respetiva atuação, por si mesma, e de forma direta, lesa direitos fundamentais de um cidadão, mesmo fora da área penal.

Para quem se encontra a cumprir uma pena de prisão, a liberdade, temporária mas não custodiada, inerente a uma saída de licença jurisdicional, não pode deixar de significar um bem de valor incomensurável, não só pela liberdade em si, como também pela relevância em termos de manutenção e promoção dos laços familiares e sociais (cf. os artigos 76.º, n.º 2, e 79.º, n.º 5, ambos do CEP). O próprio acórdão reconhece no seu ponto 14 que, à semelhança do que sucede com a liberdade condicional, também "os dias passados no gozo da licença de saída jurisdicional [...], do ponto de vista do sujeito, [também comportam] o significado de que não passará confinado ou sob custódia por todo o tempo fixado na pena ditada pela sentença condenatória. Nesse sentido, há razões para dizer que ambas comportam um nexo com a privação da liberdade sofrida pelo recluso". E, do ponto de vista jurídico-constitucional, nomeadamente tomando como referência os bens jurídicos fundamentais concretamente em causa, é esse o aspeto decisivo.

Sem questionar a relevância infraconstitucional e o acerto dogmático da distinção entre liberdade condicional e licença de saída jurisdicional, no plano constitucional avulta o aspeto comum a ambos os institutos de uma estreita conexão com o bem jurídico fundamental da liberdade. Na verdade, tal como "a decisão que nega a liberdade condicional, por ter como efeito a manutenção da privação daliberdade, tem uma indiscutível conexão com a restrição de direitos, liberdades e garantias, afetando um bem jurídico essencial que é o direito à liberdade, protegido no n.º 1 do artigo 27.º da Constituição" (assim, v. o Acórdão 638/2006); também a eventual recusa ilegal (por vícios materiais) de licença de saída jurisdicional implica que alguém possa permanecer encarcerado em situações em que, de acordo com a lei, deveria estar em liberdade. Por ser assim, não me parece defensável a afirmação feita no ponto 16 do acórdão, segundo a qual "a decisão de não concessão da licença de saída, que aqui se discute, não atinge diretamente o direito à liberdade, pois a sua restrição resulta do título judiciário de execução ínsito na decisão condenatória transitada em julgado". Ao invés, e como referido: o recluso a quem tenha sido recusada arbitrariamente, ou por desvio de poder (cf., por exemplo, o artigo 77.º, n.º 3, do CEP) ou por erro sobre os pressupostos de facto uma licença de saída jurisdicional pode ter de permanecer encarcerado - e, portanto, privado da sua liberdade - numa situação em que, de acordo com a lei, e não obstante a condenação em pena de prisão efetiva, deveria estar fora do estabelecimento prisional. E tanto basta para comprovar que, em tal eventualidade, a privação da liberdade (já) não encontra o seu fundamento imediato na sentença condenatória.

Como justamente se refere no artigo 30.º, n.º 5, da Constituição, "os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução". Ora, a licença de saída jurisdicional, à semelhança da liberdade condicional e de outras medidas aplicáveis no âmbito da execução da pena de prisão, constitui um «limite aos limites» próprios da execução da pena de prisão, para mais justificado pela ideia de ressocialização que a própria pena de prisão também serve (cf. os artigos 2.º, n.º 1, e 76.º, n.º 2, do CEP). E tal «limite ao limite» traduz-se no reconhecimento, ainda que condicionado e temporário, de um «tempo de liberdade» que coexiste com o tempo de execução da pena de prisão (sendo inclusivamente aquele tempo computado neste último -cf. o artigo 77.º, n.º 1, do CEP). Com efeito, o recluso que se encontre no gozo de licença de saída jurisdicional é um cidadão que, ressalvadas as restrições próprias e específicas decorrentes do gozo de tal licença, é titular dos demais direitos fundamentais, como qualquer outro cidadão.

Acresce, reforçando a importância da lesividade da recusa de licença de saída jurisdicional, que o gozo prévio com êxito deste tipo de licença constitui o pressuposto da concessão de licenças (administrativas) de saída de curta duração e da colocação do recluso em regime aberto no exterior (cf., respetivamente, o artigo 80.º, n.º 1, alínea b), e o artigo 14.º, n.º 4, ambos do CEP).

B) Em segundo lugar, considero que o princípio da dignidade da pessoa humana consignado no artigo 1.º da Constituição impõe o reconhecimento de todos como sujeitos e a consequente possibilidade de cada um, autonomamente, exigir o respeito das leis que diretamente visem (também) tutelar os respetivos interesses. Deste modo, a todo o interesse juridicamente protegido deve corresponder tutela adequada junto dos tribunais (cf. o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição - direito à tutela jurisdicional efetiva).

A concessão de licença de saída jurisdicional é necessariamente requerida pelo recluso (cf. o artigo 189.º, n.º 1, do CEP) e visa a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade (cf. o artigo 76.º, n.º 2, do CEP). Por outro lado, a não concessão de tal licença é, em princípio, objeto de fundamentação (cf. o artigo 77.º, n.º 2, do CEP). A pretensão dirigida à licença corresponde, por isso, inequivocamente, a um interesse legalmente protegido do recluso.

Num quadro legal em que só são recorríveis as decisões do tribunal de execução de penas nos casos expressamente previstos na lei (cf. o artigo 235.º, n.º 1, do CEP), é significativo que o legislador tenha reconhecido a recorribilidade da decisão que recuse a licença de saída jurisdicional (cf. o artigo 196.º, n.º 1, do CEP). A recorribilidade em apreço evidencia a importância de tal decisão para os interesses legalmente tutelados, ao mesmo tempo que garante a adequação da tutela jurisdicional neste domínio. Ou seja, ao admitir o recurso da decisão de recusa de concessão de licença de saída jurisdicional, é o próprio legislador que reconhece a insuficiência - e, portanto, a inadequação - da tutela conferida apenas pela decisão proferida pelo tribunal de execução de penas.

A mesma decisão de recusa é claramente proferida contra o recluso-requerente. Mas este, por força do artigo 196.º, n.º 2, do CEP, está impossibilitado de, por si próprio, agir na defesa dos seus interesses, vendo-se remetido para o Ministério Público que, depois, poderá - ou não - agir no interesse da lei protetora do interesse do recluso. Este reencaminhamento da tutela dos interesses do recluso-requerente para o Ministério Público constitui uma menorização do primeiro incompatível com a sua dignidade, enquanto sujeito de direitos fundamentais, que, por outro lado, não encontra justificação nas limitações próprias do respetivo estatuto (cf. os artigos 1.º, 20.º, n.º 1, e 30.º, n.º 5, todos da Constituição).

Em suma: abstraindo ad argumentandum tantum das considerações sobre a lesividade específica da recusa de licença de saída jurisdicional mencionadas supra em A), poderia o legislador ter considerado adequada a tutela jurisdicional conferida neste domínio pela decisão do tribunal de execução de penas. Contudo, a partir do momento em que a lei prevê a possibilidade de recurso da decisão de recusa de licença de saída jurisdicional - e, desse modo, a insuficiência e inadequação da tutela jurisdicional conferida pela mesma decisão aos interesses em causa -, não é constitucionalmente admissível impedir o principal interessado de recorrer. Aliás, tal impedimento configura uma denegação do direito de tutela jurisdicional adequada dos seus interesses legalmente protegidos.

Pedro Machete

208239259

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/3764306.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1944-05-16 - Lei 2000 - Ministério da Justiça

    Estabelece as bases atinentes à reabilitação dos delinquentes e à jurisdicionalização das penas e das medidas de segurança.

  • Tem documento Em vigor 1945-04-30 - Decreto 34553 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Regula a competência e organização dos tribunais de execução das penas.

  • Tem documento Em vigor 1976-10-29 - Decreto-Lei 783/76 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Estabelece a orgânica dos tribunais de execução das penas, dispondo sobre a respectiva composição, funcionamento e competências. Dispôe também sobre as atribuições, direitos e deveres dos magistrados e funcionários de justiça, as competências dos conselhos técnicos dos estabelecimentos prisionais; as visitas aos estabelecimentos prisionais, a saída precária prolongada; as formas de processo e o recurso.

  • Tem documento Em vigor 1979-08-01 - Decreto-Lei 265/79 - Ministério da Justiça

    Reestrutura os serviços que têm a seu cargo as medidas privativas de liberdade.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2009-10-12 - Lei 115/2009 - Assembleia da República

    Aprova e publica em anexo o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

  • Tem documento Em vigor 2013-02-21 - Lei 20/2013 - Assembleia da República

    Altera (20ª alteração) ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87, de 17 de fevereiro.

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