Acordam, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - Por decisão de 9 de Março de 2005 do Tribunal de Execução de Penas do Porto, foi negada a concessão de liberdade condicional ao recluso Armando Manuel da Silva, com fundamento em este ter aproveitado uma saída precária em 1993 para não mais regressar à prisão - o que só ocorreu por ter sido capturado em 2003. Apresentado recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o recorrente suscitou previamente as questões de inconstitucionalidade do Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro, e, mais especificamente, do artigo 127.º deste diploma, que vedava o dito recurso.
Com tal fundamento legal, o recurso não foi admitido, por despacho do mesmo Tribunal de 22 de Março de 2005, o que levou o recorrente a apresentar reclamação para o presidente do Tribunal da Relação do Porto, reiterando as mesmas questões de inconstitucionalidade.
Por decisão de 21 de Julho de 2005, tal reclamação foi indeferida, designadamente por se considerar que o Tribunal de Execução de Penas "actua integrado em todo um serviço administrativo sob a jurisdição de um organismo do Estado - a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais", razão pela qual se está "perante um órgão de natureza administrativa", pelo que "não se lhe aplica a regra invocada que constitui o princípio geral dos recurso ordinários", desconsiderando-se as imputações de inconstitucionalidade.
2 - Inconformado, o recorrente apresentou recurso para o Tribunal Constitucional logo juntando, a mais de um "instrumento de recurso", também as respectivas "motivações" e "conclusões".
Uma vez que as alegações dos recursos de constitucionalidade são produzidas neste Tribunal (artigo 79.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional), após despacho do relator nesse sentido foi a junção das ditas "motivações" e "conclusões" considerada prematura - embora não inútil, porquanto o dito "instrumento de recurso" não preenchia os requisitos do artigo 75.º-A, n.os 1 e 2, da Lei do Tribunal Constitucional, mas estes resultavam das restantes peças processuais, que foram consideradas nessa estrita medida como tem sido prática deste Tribunal.
Resulta, assim, que o recurso pretendido interpor o foi ao abrigo do disposto nas alíneas b), c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (conclusão 6.ª) e que as normas a que foi imputada inconstitucionalidade foram as dos artigos 482.º, 483.º, 484.º e 485.º do Código de Processo Penal (conclusão 1.ª), do artigo 399.º do mesmo Código (conclusão 3.ª) e do artigo 127.º do Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro (conclusão 4.ª).
Embora não haja identificação da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da constitucionalidade ou ilegalidade, não foi proferido despacho de aperfeiçoamento do requerimento de recurso com esse fundamento (artigo 75.º-A, n.os 5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional), por logo uma cursória avaliação demonstrar que tal não seria possível em relação a todas as normas trazidas à apreciação deste Tribunal, com excepção da do artigo 127.º do Decreto-Lei 783/76 (norma impugnada, quer perante o Tribunal de Execução de Penas do Porto, quer perante o presidente do Tribunal da Relação do Porto).
3 - Assim, porque não se podia conhecer do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional em relação a todas as restantes normas - por, em relação a elas, não ter sido suscitada a questão de constitucionalidade durante o processo -, e porque não podia no caso caber recurso em relação a todas e cada uma das normas impugnadas ao abrigo das alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, só se determinou a produção de alegações no recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 70.º e quanto à constitucionalidade da norma do artigo 127.º do Decreto-Lei 783/76.
O recorrente rematou assim as suas alegações:
"Concluímos pois sem reservas que após a revisão constitucional operada pela Lei 1/97 (4.ª revisão constitucional) as alterações introduzidas aos artigos 32.º, n.º 1, e artigo 205.º, conjugadas com as alterações ao Código de Processo Penal e à exposição de motivos plasmados na Lei de Autorização Legislativa, o artigo 127.º do Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro, se mostra derrogado por força das referidas alterações e não conforme com a actual Constituição da República Portuguesa, devendo ser declarada a sua inconstitucionalidade com força obrigatória geral, atenta a ilegalidade da aludida norma."
Por sua vez, o Ministério Público encerrou assim as suas contra-alegações dizendo que:
"É inconstitucional a norma do artigo 127.º do Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro, no segmento em que decreta a não admissão de recurso das decisões que neguem a liberdade condicional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição."
Cumpre decidir.
II - Fundamentos. - 4 - Comecemos pelos recursos de que se não pode tomar conhecimento: os intentados ao abrigo das alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
No caso do recurso fundado na alínea c), a referida conclusão é manifesta: não houve no caso - nem nunca foi invocado que houvesse - recusa de aplicação de norma constante de acto legislativo, muito menos com fundamento em ilegalidade, e ainda menos com fundamento em ilegalidade por violação de lei de valor reforçado.
Quanto ao recurso fundado na alínea f), idêntica conclusão era igualmente óbvia: não foi suscitada durante o processo ilegalidade de norma alguma, com fundamento em violação de lei com valor reforçado, estatuto de Região Autónoma ou lei geral da República (caso em que teria de se tratar de norma constante de diploma regional, o que manifestamente não era o caso), ou estatuto de Região Autónoma (caso em que teria de se tratar de norma emanada de órgão de soberania).
Não se tomará, pois, conhecimento destes recursos.
5 - Resta, pois, o recurso de constitucionalidade fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e tendo por objecto, apenas, a norma do artigo 127.º do Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro, por ser a única em relação à qual foi suscitada a questão de constitucionalidade durante o processo, isto é, perante a entidade recorrida. É a seguinte a redacção da norma impugnada:
"Não é admitido recurso das decisões que concedam ou neguem a liberdade condicional, a saída precária prolongada e a sua revogação, bem como dos recursos referidos no n.º 3 do artigo 23.º"
Uma vez que os presentes autos versam apenas sobre a inadmissibilidade de recurso da decisão de negação de liberdade condicional, e um dos requisitos do tipo de recurso de constitucionalidade subsistente - o da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional - é o de que a norma a apreciar tenha sido aplicada na decisão recorrida, só a esse mais restrito segmento da norma transcrita se reportam as considerações que seguem, também a ele se confinando, necessariamente, a decisão a proferir.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão de constitucionalidade em apreço, no Acórdão 321/93 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 25.º vol., pp. 367-373, e no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Outubro de 1993), fazendo-o no sentido da inexistência de desconformidade com o texto constitucional então vigente.
Sobreveio, entretanto, a revisão constitucional de 1997, que deu nova redacção ao n.º 1 do artigo 32.º, com expressa referência ao direito ao recurso. Por outro lado, no presente caso, o recorrente suscitou também - embora apenas perante o Tribunal de Execução de Penas e o Tribunal da Relação do Porto - a questão da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 783/76.
Quanto a esta última, pode notar-se, porém, que este diploma, no seu todo, não está em apreciação em si mesmo. A única norma de tal diploma usada como ratio decidendi - e isto independentemente de se apurar se tal norma está em vigor ou foi revogada pelo Código de Processo Penal (cf. os obiter dicta nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 2002 e 3 de Julho de 2003, in www.dgsi.pt) - foi a do dito artigo 127.º, e tal norma manteve inalterado o regime anterior, vindo do n.º 1 da base III da Lei 2000, de 16 de Maio de 1944, e do artigo 65.º do Decreto 34 553, de 30 de Abril de 1945, em que as decisões referentes à liberdade constitucional não eram também sujeitas a recurso, excepto na medida em que a revogassem. Mantendo o regime de irrecorribilidade das decisões de concessão da liberdade constitucional, o Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro, não alterou, nesta parte, o regime preexistente e, em consequência, pode entender-se que o legislador governamental não carecia, nesse aspecto, de autorização parlamentar, qualquer que fosse o entendimento quanto à sujeição (ou não) de tal matéria ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
O aprofundamento de tal questão só se tornará necessário, porém, se se entender que a norma em questão não está ferida de inconstitucionalidade material.
6 - Tendo sobrevindo, quer à aprovação da norma em apreço, quer ao citado Acórdão 321/93, uma alteração no texto da lei fundamental, pela Lei Constitucional 1/97, de 30 de Setembro, que se traduziu, no que ora releva, no aditamento de uma referência expressa ao direito recurso entre as garantias de defesa do processo criminal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), ficou claro que "o direito a pelo menos um grau de recurso [...] é agora constitucionalmente garantido" (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra, 2005, p. 355).
Poderá, eventualmente, discutir-se se o processo para concessão da liberdade condicional deve ser considerado processo penal para efeitos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, onde se estabelece que "o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa".
É certo que o Código de Processo Penal contém normas (artigos 484.º a 486.º) que regulamentam o procedimento de apreciação dos pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional, incluindo o início do processo, a decisão a proferir e a respectiva notificação ao interessado, o que significa que a decisão em causa é uma decisão proferida também nos termos do Código de Processo Penal. Tal inculca que, juntamente com aquelas, as normas de natureza adjectiva constantes do Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro, e reguladoras das providências da competência do Tribunal de Execução de Penas, fazem parte integrante do direito processual penal (Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal,t. I, Coimbra, 1974, pp. 37 e 38, e Direito Processual Penal, Coimbra, 1988-9, pp. 23 e 24).
A resposta positiva a tal qualificação levaria a considerar tais processos abrangidos pela garantia constitucional do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição. Isto é, as garantias de defesa, na medida em que tal se justifique, estenderiam a sua eficácia em geral aos processos de competência dos Tribunais de Execução de Penas (Alberto Esteves Remédio, "Irrecorribilidade da decisão que nega a liberdade condicional - Violação das garantias de defesa. Comentário ao Acórdão 321/93 do Tribunal Constitucional", Revista do Ministério Público, ano 14.º, Julho/Setembro 1993, n.º 55, p. 152).
A criação dos tribunais de execução de penas constituiu (como refere Anabela Miranda Rodrigues, Novo Olhar sobre a Questão Penitenciária. Estatuto Jurídico do Recluso e Socialização. Jurisdicionalização, Consensualismo e Prisão, Coimbra, 2000, pp. 128-139) o "primeiro passo no sentido da jurisdicionalização da execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade". Por sua vez, o instituto da liberdade condicional, como medida de segurança, reganhou a configuração de incidente de execução da pena privativa de liberdade (que já assumira em 1893). Dessa evolução resulta a menor adequação de um sistema em que cabem ao tribunal de execução de penas as decisões sobre liberdade condicional abrindo "um itinerário em que se torna natural a extensão do controlo jurisdicional a qualquer questão relativa à modelação da execução que possa contender com os direitos do recluso." (A. e ob. cit., p. 137).
Por outro lado, o novo olhar sobre a questão penitenciária dirige exigências a montante e a jusante da legislação criminal, escrevendo-se na exposição de motivos da Lei 65/98, de 2 de Setembro, que alterou o Código Penal:
"Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão."
Já anteriormente, aliás, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - Parte Geral II. As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pp. 538 e 539, defendera que no juízo de prognose para efeito de liberdade condicional "decisivo deveria ser, na verdade, não o 'bom' comportamento prisional 'em si' - no sentido da obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais -, mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade".
Desta evolução, no sentido de a liberdade condicional dever ser tendencialmente entendida nos quadros da prevenção especial, decorre uma razão adicional para a recondução das decisões sobre a liberdade condicional ao figurino normal das decisões judiciais em matéria penal ao invés do que foi entendido na decisão recorrida. Se o próprio legislador assinala a transformação de uma decisão de oportunidade em decisão de legalidade (em que o julgador age como titular de um órgão de justiça, com independência e imparcialidade), os factores de singularização dessa decisão, eventualmente óbices a uma reapreciação por um tribunal superior não especializado, esbatem-se perante o programa normativo, que pode - e, contendendo com a liberdade dos cidadãos, deve - ser reaferido por uma segunda instância.
Encontrando-se jurisdicionalizada a execução das penas e abrangendo as garantias de defesa todo o processo criminal, a negação do direito ao reexame, em via de recurso, da decisão denegatória da liberdade condicional traduzir-se-á, com esta fundamentação, na imposição de um encurtamento inadmissível das garantias de defesa do recorrente, sendo inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
7 - Aliás - e seja como for quanto à exacta qualificação dos processos de execução das penas, para o efeito da sua subsunção na noção de "processo criminal" utilizada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição -, cumpre notar que, já antes da revisão constitucional de 1997, se veio a consolidar uma jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido da tutela constitucional do direito de recorrer das decisões que afectem direitos, liberdades e garantias como o direito à liberdade. A Constituição exige em tais casos a possibilidade efectiva de uma reapreciação em recurso - o que, no caso dos autos, poderia consistir no recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
Esse mesmo entendimento foi o que este Tribunal teve ocasião de afirmar no Acórdão 249/94 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 27 de Agosto de 1994):
"Nesta questão da garantia do duplo grau de jurisdição, o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme, que remonta a 1985, e que fora antecedida já por uma orientação idêntica da Comissão Constitucional. Assim, no domínio do processo criminal, essa jurisprudência reconhece que, por força dos artigos 27.º, 28.º e 32.º, n.º 1, da Constituição, se acha constitucionalmente assegurado o duplo grau de jurisdição quanto às decisões condenatórias e às decisões respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição de liberdade ou a quaisquer outros direitos fundamentais (v., por todos, os Acórdãos n.os 31/87, 178/88, 340/90 e 401/91, o primeiro publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º vol., pp. 463 e segs., e os outros no Diário da República, 2.ª série, n.os 277, de 30 de Novembro de 1988, 65, de 19 de Março de 1991, e 1.ª série-A, n.º 6, de 8 de Janeiro de 1992, respectivamente) [...]
[...]
Em declaração de voto subscrita pelo conselheiro Vital Moreira relativa ao Acórdão 65/88, Diário da República, 2.ª série, n.º 192, de 20 de Agosto de 1988, foi sustentado que havia de considerar-se "constitucionalmente garantido - ao menos por decurso do princípio do Estado de direito democrático - o direito à reapreciação judicial das decisões judiciais que afectem direitos fundamentais, o que abrange não apenas as decisões condenatórias em matéria penal - como se reconhece no acórdão - mas também todas as decisões judiciais que afectem direitos fundamentais constitucionais, pelo menos os que integram a categoria constitucional dos 'direitos, liberdades e garantias' (artigos 25.º e seguintes da CRP)" e no Acórdão 202/90, Diário da República, 2.ª série, n.º 17, de 21 de Janeiro de 1991, o conselheiro António Vitorino, em declaração de voto nele aposta, aderiu à posição do conselheiro Vital Moreira, sustentando que 'se do seu texto [da Constituição de 1976] não ressalta, expressamente, um preceito que funde directamente um genérico princípio de duplo grau de jurisdição, tal não obsta a que o intérprete da lei fundamental e o próprio julgador de constitucionalidade dos actos normativos, máxime em sede de fiscalização concreta, formulem um entendimento (deduzido quer do princípio de Estado de direito democrático, quer da forma ampla com que o artigo 20.º da Constituição da República consagra o direito de acesso ao direito e aos tribunais) que assegure plenamente tal tutela judicial efectiva para garantia dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos."
Sobre o sentido da alteração verificada na revisão constitucional de 1997, escreveu-se, por sua vez, no Acórdão 686/2004 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
"A autonomização do direito ao recurso no âmbito de garantias de defesa (artigo 2.º da Constituição), operada pela revisão constitucional de 1997, significou a atribuição de autonomia de tal garantia no contexto geral das garantias de defesa, isto é, um valor garantístico próprio e não 'dissolúvel' em outras garantias de defesa.
Tal explicitação constitucional tem por efeito a garantia (constitucional) da possibilidade da interposição de recurso de decisões que respeitem a direitos, liberdades e garantias, máxime que restrinjam tais direitos."
Dessa consagração autónoma fez decorrer o citado acórdão a impossibilidade de uma "dupla apreciação", pelo mesmo órgão, ser suficiente para dar cumprimento a essa garantia, daí retirando a inconstitucionalidade de uma norma processual penal vedando o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação que declarasse a "especial complexidade do processo".
"Trata-se, antes, de uma expressa garantia de reponderação por órgão distinto e superior no sentido de assegurar plena imparcialidade e objectividade na decisão de uma questão que afecte os direitos fundamentais."
Ora, se no caso decidido pelo referido Acórdão 686/2004 estava em causa "indiscutivelmente a liberdade do arguido", por um dos efeitos dessa declaração ser o "aumento do prazo de duração da prisão preventiva", é evidente que também no caso dos autos está em causa a mesma liberdade, por a possibilidade de reapreciação da decisão de recusa de liberdade condicional poder significar o fim (sujeito a condição resolutiva) da pena de prisão, não sendo relevante, na perspectiva da afectação do direito à liberdade do recorrente, relevante para o duplo grau de jurisdição, o facto de num caso ele se encontrar em prisão preventiva e no outro estar em cumprimento de uma pena privativa da liberdade.
Com efeito, a decisão que nega a liberdade condicional, por ter como efeito a manutenção da privação da liberdade, tem uma indiscutível conexão com a restrição de direitos, liberdades e garantias, afectando um bem jurídico essencial que é o direito à liberdade, protegido no n.º 1 do artigo 27.º da Constituição.
Pode, assim, concluir-se que a norma do artigo 127.º do Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro, na parte em que veda o recurso das decisões que neguem a liberdade condicional, é materialmente inconstitucional por violação do princípio do Estado de direito, do direito à liberdade e do direito de acesso direito aos tribunais.
III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º e nos artigos 20.º, n.º 1, 27.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 127.º do Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro, na parte em que não admite o recurso das decisões que neguem a liberdade condicional;
b) Determinar que a decisão recorrida seja reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 21 de Novembro de 2006. - Paulo Mota Pinto - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma - Mário José de Araújo Torres - Rui Manuel Moura Ramos.