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Acórdão 181/2010, de 29 de Junho

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Sumário

Decide não julgar inconstitucional a norma do artigo 64.º, n.º 2, do Código Penal, interpretada no sentido de que o tempo que o condenado passou em liberdade condicional, sem cometer qualquer crime, não deve ser considerado tempo de prisão e, como tal, deduzido no tempo de prisão que lhe falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional.

Texto do documento

Acórdão 181/2010

Processo 537/09

Acordam no Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - José Manuel Santos Tavares recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82 de 15 de Novembro (LTC), inconformado com o acórdão proferido na Relação de Coimbra em 26 de Maio de 2009 pelo qual improcedeu o recurso interposto de decisão do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra que indeferira o pedido de lhe ser descontado 1 ano e 9 dias na pena de prisão que actualmente cumpre, por corresponder ao tempo em que esteve em liberdade condicional.

O requerimento de interposição do recurso circunscreve o seu objecto ao seguinte:

"[...] as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie são as constantes dos artigos 61.º, n.º 5, 61.º, n.º 1, artigo 64.º, n.º 2, artigo 53.º e 54.º - todos do Código Penal - interpretados no sentido de que o tempo que o arguido passou em liberdade condicional sem cometer qualquer crime não deve ser considerado tempo de prisão e como tal descontado no tempo de prisão que ao arguido falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional, violando o direito fundamental à liberdade, previsto no texto constitucional no seu artigo 27.º [...]"

Recebido o recurso, alegou o recorrente:

1 - José Manuel dos Santos Tavares foi condenado no processo 186/00, em cúmulo jurídico, a uma pena unitária de 25 anos de prisão.

2 - Anteriormente a esta condenação, o arguido foi julgado e condenado a uma pena de prisão de 4 anos e 6 meses por tráfico de estupefacientes, 3 - Pena esta que não foi inserida no cúmulo jurídico do processo supra referido, atenta a data dos factos e o respectivo cumprimento.

4 - O arguido, porém, cumpriu 2 anos, 8 meses e 6 dias desta pena, antes de lhe ter sido concedida a liberdade condicional, nos termos do artigo 61.º do Código Penal (CP).

5 - Em virtude de novos factos cometidos pelo arguido (a partir de Janeiro de 2000), durante o cumprimento da liberdade condicional, decidiu o douto Tribunal revogar a mesma por sentença de 18 de Junho de 2002 e 6 - Condenar o arguido no cumprimento da pena de prisão que lhe faltava quando saiu em liberdade condicional, isto é, 1 ano, 9 meses e 24 dias de prisão,

7 - O que veio efectivamente a acontecer.

8 - Ora, segue o arguido o entendimento da ilustre Professora Universitária e, agora, Juíza Conselheira do Tribunal Constitucional, Maria João Antunes, segundo o qual a liberdade condicional é um incidente da execução da pena de prisão, como esta expressamente refere nas Consequências Jurídicas do Crime - Notas complementares para a cadeira de Direito e Processo Penal da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra:

"A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida [...]. Para determinar a pena ainda não cumprida deve deduzir-se ao quantum da condenação o tempo de pena de prisão já cumprido e o período em que o condenado esteve em liberdade condicional. A dedução desse período é imposta pela natureza jurídica do instituto da liberdade condicional - incidente da execução da pena de prisão", 9 - A ser assim, como, salvo melhor opinião, entendemos que é, o tempo de liberdade condicional conta como tempo de pena de prisão, 10 - Razão, aliás, pela qual, com reforma legislativa de 2005, a liberdade condicional não pode, hoje, ultrapassar o tempo de prisão que ao condenado falta cumprir (artigo 61.º, n.º 5 do C.P) e 11 - Depende do consentimento do condenado, que tem sempre, no entendimento propugnado pelo insigne Professor Figueiredo Dias, direito à sua pena (artigo 61.º, n.º 1 do CP).

12 - Destarte, se o instituto da liberdade condicional deve ser visto como um incidente da pena de prisão, como alerta a ilustre professora a posição por nós sufragada nesta matéria resulta da própria natureza jurídica do instituto.

13 - Sustenta ainda o Acórdão 477/07 do Tribunal Constitucional, proferido em 25.09.2007, que "o instituto da liberdade condicional destina-se a proporcionar uma cautelosa fase de transição entre uma longa prisão e a plena liberdade, mas sem que o Estado largue inteiramente mão do condenado, o que pode representar para este, em vez de benefício, um pesado e duradouro encargo [...]"

14 - Ora, constituindo o instituto da liberdade condicional "uma modificação substancial da condenação", nas palavras de Figueiredo Dias, mas ainda assim, cremos, "parte integrante" desta, este instituto só pode ser entendido como um incidente da execução da pena de prisão e, como tal, 15 - Deve relevar para efeitos do que se deva entender por "pena de prisão ainda não cumprida".

16 - Pelo exposto, é entendimento do signatário que uma vez revogada a liberdade condicional, José Manuel dos Santos Tavares, não teria de cumprir 1 ano, 9 meses e 24 dias (o que a acrescer aos 2 anos, 8 meses e 6 dias já cumpridos perfaz a pena de 4 anos e meses a que foi condenado), 17 - Mas tão só 9 meses e 15 dias, descontado o tempo que cumpriu em liberdade condicional e durante o qual não cometeu qualquer crime.

18 - Assim sendo, o tempo que cumpriu indevidamente na prisão (1 ano e 9 dias), deve agora ser descontado nesta nova pena que se encontra a cumprir.

19 - Entendimento diferente daquele que aqui perfilhamos, leva-nos a concluir pela inconstitucionalidade do segmento normativo resultante das normas contidas nos artigos 61.º, n.º 5, 1.º, n.º 1, artigo 4.º, n.º 2, artigo 53.º e 54.º - todos do Código Penal - interpretados no sentido de que o tempo que o arguido passou em liberdade condicional, sem cometer qualquer crime, não deve ser considerado para efeitos do tempo de prisão e como tal descontado na pena de prisão que ao arguido falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional, violando-se assim o direito fundamental liberdade, previsto no texto constitucional no seu artigo 27.º Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. entendam dever tomar em consideração, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser declarado inconstitucional o segmento normativo que resulta das normas contidas nos artigos 81.º n.º 5, 61.º n.º 1, 64.º n.º 2, e 54.º - todos do Código Penal - interpretadas no sentido de que o tempo que o arguido cumpriu em liberdade condicional, sem cometer qualquer crime, não deve ser considerado para efeitos do tempo de prisão e, como tal, descontado na pena de prisão que ao arguido falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional, por tal interpretação violar o artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa.

Contra-alegou o representante do Ministério Público neste Tribunal, sustentando, em conclusão:

1 - Porque não é uma forma adequada de suscitar uma questão de inconstitucionalidade, dizer-se que "outro entendimento" é inconstitucional, sem nunca sequer se ter identificado expressa e inequivocamente qual a interpretação correcta e qual a inconstitucional, não deverá conhecer-se do recurso.

2 - A liberdade condicional constitui um incidente de execução da pena de prisão e a sua concessão exige que se verifique "um juízo de prognose favorável" sobre o comportamento futuro, em liberdade, do condenado.

3 - Constituindo a revogação da liberdade condicional a última ratio de reacção ao incumprimento, ela significa o falhanço daquela prognose, implicando que a situação seja reposta como se não tivesse havido concessão, exigência essa que decorre, em última análise, do respeito pela decisão condenatória.

4 - Neste contexto, a irrelevância que tem, para efeitos de determinar a pena não cumprida, o período de tempo que o condenado esteve em liberdade condicional, não viola o artigo 27.º da Constituição, não sendo, pois, a norma que constitui objecto do recurso, inconstitucional.

5 - Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso.

II - Fundamentos

2 - Na sua alegação, o representante do Ministério Público começou por levantar um obstáculo ao conhecimento do recurso; em seu entender, não teria sido adequadamente suscitada a questão de inconstitucionalidade que constitui o objecto desta pretensão. A questão prende-se com um dos requisitos de cuja verificação a lei faz depender a admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Exige, com efeito, o n.º 2 do artigo 72.º LTC que tais recursos "só podem" ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. Em jurisprudência constante, o Tribunal tem entendido esta exigência no sentido de o recorrente estar obrigado a identificar com o necessário rigor uma determinada questão de inconstitucionalidade normativa, por forma a que o tribunal comum dela possa conhecer. E, salientando-se a circunstância de, em fiscalização concreta, o Tribunal ter apenas competência para sindicar normas jurídicas aplicadas nas decisões dos tribunais e não as próprias decisões desses tribunais, tem-se entendido que não pode haver-se como suscitação adequada aquela que não corresponda a uma enunciação normativa, mas à mera indicação de um sentido genérico não coincidente ao que é defendido pelo interessado, a qual, obviamente, não habilita o tribunal a extrair o sentido preciso da norma que seria inconstitucional.

A necessidade de individualização do segmento normativo, ou de enunciação do sentido ou interpretação normativa que o recorrente reputa inconstitucional torna-se evidente quando o preceito em causa se reveste de várias dimensões ou sentidos interpretativos, susceptíveis de suscitar questões de constitucionalidade diversas, eventualmente passíveis de tratamento autónomo (caso dos Acórdãos n.os 116/2002, 21/2006, 450/2006, 578/2007 e 131/2008).

Compreende-se, por isso, que o ónus de suscitação de forma clara e precisa da questão de constitucionalidade se não basta com uma afirmação genérica de que uma "diferente interpretação" normativa será violadora da Constituição (Acórdãos n.os 376/2006 e 141/2008), que não revela de forma clara e perceptível o exacto sentido normativo considerado inconstitucional (acórdãos n.os 21/2006, 126/2007, 50/2008, 476/2008, 16/2009), por não identificarem "positiva e expressamente" o preciso sentido normativo que, na perspectiva do recorrente, padece de inconstitucionalidade (Acórdão 244/2007).

No presente caso, porém, há que reconhecer que, na sua alegação, o recorrente identificou com suficiente clareza a questão normativa perante o tribunal comum, por forma que este não teve dificuldade em a identificar e em a decidir. E, isto, porque, circunscrevendo a questão a apenas duas soluções possíveis retiradas da mesma norma, o recorrente identificou perfeitamente uma delas, e acusou a restante ("outro entendimento") de enfermar de inconstitucionalidade. Ficou, assim, identificada a questão de inconstitucionalidade normativa, com menção dos preceitos legais de onde é retirada a norma, o que inequivocamente habilita "os operadores do direito [...] a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, afrontar a Constituição."

Não há, pois, razões que obstem ao conhecimento do objecto do recurso.

3 - Impõe-se agora precisar o objecto do presente recurso, uma vez que o recorrente interpôs recurso da decisão concluindo pela inconstitucionalidade do segmento normativo resultante das normas contidas nos artigos 61.º, n.º 5, 61.º, n.º 1, artigo 64.º, n.º 2, artigo 53.º e 54.º, todos do Código Penal, interpretados no sentido de que o tempo que o arguido passou em liberdade condicional sem cometer qualquer crime não deve ser considerado tempo de prisão e como tal descontado no tempo de prisão que ao condenado falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional, violando o direito à liberdade, previsto no texto constitucional no seu artigo 27.º Conforme jurisprudência consolidada neste Tribunal, apenas pode conhecer-se das normas que hajam sido efectivamente aplicadas por parte do tribunal a quo.

Decidiu-se, na decisão da Relação de Coimbra, o seguinte:

«[...] Face ao conteúdo das conclusões a questão que importa decidir consiste em saber se, havendo revogação da liberdade condicional, o período em que o arguido esteve em liberdade condicional deve ou não deduzir-se ao cumprimento da pena de prisão.

Como é sabido a concessão da Liberdade Condicional assenta num juízo de prognose, decorrente da análise de vida anterior do arguido, da sua personalidade, a evolução da mesma no decurso da execução da pena de prisão, de tal modo que possibilite concluir que o arguido, em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, sendo que a execução da pena de prisão, se deve orientar no sentido da reintegração social do recluso (artigos 61.º e 42.º, do CP).

Medida de excepção no cumprimento da pena, a Liberdade Condicional visa a suspensão da reclusão, por forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, assim permitindo que o recluso ganhe o sentido de orientação social que, necessariamente, o período de encarceramento enfraqueceu.

Implica pois, toda uma simultaneidade de circunstancialismos, necessariamente verificáveis, e que são, no fundo, o alcance da finalidade da execução da própria pena, ou seja, esta, por si própria, terá de revelar a capacidade ressocializadora do sistema, com vista a prevenir a prática de futuros crimes (cf. artigo 61.º a 63.º CP).

E uma vez concedida, nos termos do artigo 57.º CP, aplicável por força do artigo 64.º n.º 1 CP, a pena é considerada extinta, se não for revogada.

Quer dizer o arguido cumpriu a parte final da sua pena mediante a forma de liberdade condicional.

Tendo essa liberdade condicionada sido revogada, determina, segundo o artigo 64.º n.º 2 CP "a execução da pena de prisão ainda não cumprida".

Ora essa pena de prisão é justamente aquele remanescente que lhe faltava cumprir aquando da concessão da liberdade condicional, que o arguido, mercê da revogação demonstrou não ser da mesma merecedor.

Daí que o legislador tenha entendido que nesses casos, a consequência será o cumprimento da prisão não cumprida.

Acresce que se o legislador entendesse que o período durante o qual o arguido beneficiou da liberdade condicional até esta lhe ser revogada, fosse descontado no cumprimento da pena de prisão aplicada, tê-lo-ia deixado consagrado, como o fez no artigo 80.º n.º 1 CP, relativamente à detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação.

Como se escreveu no AcTC n.º 477/07 de 07.09.251 "O condenado, ao infringir os deveres de comportamento resultantes de se encontrar em liberdade condicional, sabe que esta medida poderá ser revogada, pelo que não lhe assiste qualquer expectativa tutelada de que já não terá que cumprir a parte da pena privativa de liberdade não executada.".

Assim, não se prevendo expressamente tal desconto de tempo, bem andou a Mma. juiz ao indeferir a pretensão do arguido, por falta de fundamento legal.

Esta interpretação não viola qualquer preceito constitucional, designadamente o invocado 27.º CRP.[...]» Tal como a própria decisão aqui recorrida deixa claramente transparecer, a questão colocada ao tribunal recorrido traduz-se em saber se, uma vez revogada a liberdade condicional concedida ao condenado, o tempo de prisão em falta é a totalidade daquele que lhe faltava cumprir quando lhe foi concedida a liberdade condicional - conforme decidira o Tribunal de Execução de Penas de Coimbra - ou se a esse período se deve subtrair o tempo que o condenado passou em liberdade condicional sem cometer qualquer crime - conforme pretendia o recorrente.

A Relação decidiu a questão pela forma que ficou descrita, isto é, socorreu-se unicamente da norma do n.º 2 do artigo 64.º do Código Penal para concluir que a "pena de prisão é justamente aquele remanescente que lhe faltava cumprir aquando da concessão da liberdade condicional, que o condenado, mercê da revogação, demonstrou não ser da mesma merecedor." Daqui resulta que a ratio decidendi da decisão tomada repousa unicamente na norma retirada n.º 2 do artigo 64.º do Código Penal, interpretada no sentido de que o tempo que o condenado cumpriu em liberdade condicional não deve ser considerado para efeitos do tempo de prisão, nem deduzido na pena de prisão que ao condenado falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional; não podem, por isso, integrar o objecto do presente recurso as normas constantes dos artigos 81.º n.º 5, 61.º n.º 1, e 54.º do Código Penal.

Importa ainda fazer notar que ao Tribunal Constitucional não cabe definir, nesta sua tarefa, qual seja o direito aplicável ou a sua "melhor" interpretação; por essa razão, é de sublinhar que no objecto do recurso se não inclui tomar posição sobre a querela doutrinária subjacente à solução concreta do caso, mas tão somente verificar se a norma acima identificada, ou seja a que foi efectivamente aplicada, ofende a Constituição, designadamente o seu artigo 27.º conforme o recorrente sustenta.

4 - Apura-se que no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, por apenso aos autos de Processo Gracioso de Liberdade Condicional n.º 894/01, foi instaurado o processo complementar de revogação de liberdade condicional, tendo sido decidido, por sentença de 18 de Junho de 2002, revogar a liberdade condicional a José Manuel Santos Tavares desde o dia 22 de Dezembro de 1998 até 16 de Outubro de 2000, determinando que o mesmo cumpra a pena de prisão que lhe faltava cumprir quando saiu em liberdade condicional no processo comum colectivo n.º 85/96 do Tribunal de Círculo de Santa Maria da Feira.

O condenado havia sido libertado condicionalmente no dia 22 de Dezembro de 1998 pelo período decorrente até 16 de Outubro de 2000, por decisão de 18 de Dezembro de 1998, quando cumpria a pena de quatro anos e seis meses de prisão, imposta no Processo Comum Colectivo n.º 85/96 do Tribunal de Círculo de Santa Maria da Feira, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.

Por factos cometidos em Janeiro de 2000, enquanto gozava de liberdade condicional, integrantes dos crimes de homicídio e roubo, veio a ser novamente condenado, no Processo 36/00 do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, na pena de vinte e quatro anos de prisão.

O interessado veio então solicitar que lhe fosse deduzido um ano e nove dias na pena de prisão que se encontra a cumprir, ao invés de ter de cumprir o remanescente na totalidade. Sustenta, na verdade, que cumpriu dois anos, oito meses e seis dias da pena antes de lhe ser concedida a liberdade condicional e apenas cometeu crimes em Janeiro de 2000, pelo que deve ser deduzido o período que o condenado esteve em liberdade condicional sem que cometesse crimes, concluindo que entendimento diferente do perfilhado implicaria a inconstitucionalidade da norma penal por contrária ao artigo 27.º da Constituição.

Por despacho proferido em 1 de Outubro de 2008 foi decidido indeferir o requerido por se haver entendido que se devia levar em conta o tempo de prisão já cumprido e o período em que o condenado esteve em liberdade condicional, na sua totalidade.

Notificado de tal decisão, recorreu para a Relação de Coimbra mantendo o entendimento de que lhe deveria ser deduzido um ano e nove dias na pena de prisão que se encontra a cumprir, cumprindo nove meses e quinze dias, ao invés de ter de cumprir o remanescente na totalidade, por ter cumprido dois anos, oito meses e seis dias da pena antes de lhe ser concedida a liberdade condicional e apenas ter cometido crimes em Janeiro de 2000, pelo que deve ser deduzido o período que o condenado esteve em liberdade condicional sem que cometesse crimes.

5 - Prevê o artigo 27.º da Constituição que todos têm direito à liberdade e à segurança, com as excepções previstas no mesmo artigo, uma das quais é a privação da liberdade em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.

A liberdade que está em causa no artigo 27.º é a liberdade física, liberdade de movimentos ou de locomoção, também salvaguardada nos artigos 28.º e 31.º quanto à prisão preventiva e habeas corpus, e tem sido entendida como o "direito a não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar" (Acórdãos n.os 479/1994, 436/2000 e 471/2001).

A restrição à liberdade pode resultar da privação total ou parcial da liberdade, a privação ou mera restrição da liberdade, seja por confinamento coactivo a um espaço relativamente limitado seja pelo impedimento de deslocação da pessoa de ou para lugar que lhe seria jurídica e facticamente acessível. Assim, a distinção entre privação total de liberdade e a privação parcial só tem relevo constitucional na medida em que a diferente gravidade das mesmas deve ser levada em consideração na sua justificação quanto ao princípio da proporcionalidade.

A sentença condenatória com trânsito em julgado é o meio constitucionalmente adequado e legítimo para decidir a privação da liberdade de qualquer cidadão quando este tenha praticado um acto previamente punido por lei com pena de prisão (Acórdão 1166/96).

Em face deste princípio, há então que decidir se a restrição do direito à liberdade, em situações como a retratada nos autos, se encontra ou não autorizada pela Constituição, já que o direito à liberdade está sujeito às regras do artigo 18.º, n.os 2 e 3, só podendo ser estabelecidas restrições para proteger outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo limitar-se ao necessário para os proteger.

6 - Em Portugal, a liberdade condicional, com a designação de «liberdade preparatória» surge pela primeira vez regulada no Projecto de Código Penal de 1861, muito influenciado pela doutrina «correccionalista», que na modelação do seu aparelho punitivo adoptou uma postura preventiva-especial, privilegiando o objectivo da correcção ou emenda dos criminosos; no projecto de 1861, a liberdade condicional revestia a natureza de um mecanismo de funcionamento normal, que representava a regeneração dos criminosos ao nível da execução das penas (cf. artigo 157.º, e especialmente a condição 5.ª: «Reintegração no estabelecimento, no caso de mau comportamento, não se lhe levando em conta n'este caso, para o cumprimento da pena, o tempo que tiver gosado da liberdade»).

O Projecto de Código Penal de 1861, ainda que reformulado em 1864, nunca entrou em vigor. Todavia, a doutrina nele contida veio a integrar, com algumas alterações, o Decreto de 6 de Junho de 1893 (Dec. 1893) e o Regulamento de 16 de Novembro do mesmo ano (Reg. 1893), que introduziram a liberdade condicional no ordenamento nacional.

O regime definido nos dois diplomas aproximava-se do padrão estabelecido à época na generalidade dos países, sendo de salientar que, nos termos do artigo 8.º do Reg. 1893, o prazo da liberdade condicional nunca ultrapassava o período de tempo de prisão que faltava cumprir, e a aplicação do regime dependia do prévio consentimento do condenado, que aceitava a concessão da liberdade preparatória com as condições impostas. O instituto configurava-se como um incidente de execução da pena de prisão.

Enquanto modo de execução da pena de prisão, a liberdade condicional encontrava-se também subordinada à exigência de conciliação dos vectores da prevenção geral e especial com a retribuição, pelo retorno da Nova Reforma Penal de 1884 aos princípios ético-retributivos, através da adesão expressa à chamada teoria da reparação, que ia implicada na reacentuação de um direito penal do facto, subordinado à regra da proporcionalidade com a culpa na determinação quantitativa das sanções.

Este regime manter-se-ia até à Reforma Prisional de 1936 (Decreto-Lei 26 643, de 28 de Maio de 1936), que estabeleceu uma profunda alteração de concepção e de regime da liberdade condicional. A liberdade condicional, combinada com a adopção do chamado sistema progressivo ou por períodos, assumia aí a natureza de um momento normal da execução da sanção. Visava estabelecer uma fase de transição para a liberdade definitiva que, a um tempo, mediante o adequado apoio aos condenados facilitasse a sua reintegração social e, por outro lado, através da imposição de condições e de uma conveniente vigilância possibilitasse a defesa da sociedade em face dos riscos de uma eventual 'recaída'. A regulamentação partia da distinção entre uma liberdade condicional obrigatória e uma liberdade condicional facultativa, estando a obrigatória prevista para determinados tipos de condenados.

A liberdade condicional, tal como prevista na Reforma de 1936, aplicável às duas espécies de reacções criminais (penas e medidas de segurança), assumia uma natureza híbrida, umas vezes com o carácter de incidente da execução da pena, outras vezes com a natureza de uma verdadeira medida de segurança, sobretudo nos casos - ligados, nomeadamente, à criminalidade especialmente perigosa - em que se tornava possível a aplicação do instituto da liberdade condicional depois de ter sido cumprida a totalidade da prisão a que o delinquente houvesse sido condenado.

Nos seus traços fundamentais, o regime disposto pela Reforma Prisional de 1936 permaneceu em vigor até ao ano de 1972, com duas importantes modificações: uma resultante da criação dos Tribunais de Execução das Penas, através da Lei 2000, de 16 de Maio de 1944, e do Decreto 34 553, de 30 de Abril de 1945, com a total jurisdicionalização das várias fases do processamento da justiça penal e a atribuição a estes tribunais da competência para conceder, prorrogar e revogar a liberdade condicional, quando a revogação não for de direito.

A segunda alteração foi introduzida pela Reforma Penal de 1954 (Decreto-Lei 39 688, de 5 de Junho de 1954), inserindo, embora parcialmente, a regulamentação da liberdade condicional no Código Penal de 1886 (artigo 120.º).

O Decreto-Lei 184/72, de 31 de Maio, tomou uma posição clara e inequívoca quanto à natureza jurídica da liberdade condicional. No preâmbulo desse diploma afirma-se a liberdade condicional consistia numa modificação da pena de prisão, fase final da sua execução ou numa metamorfose final da pena de prisão;

representando a liberdade condicional uma simples modificação da última fase da pena de prisão, aquela nunca deveria exceder a duração desta, para que não constitua um seu eventual agravamento, como que tomando a natureza de medida de segurança. Deste modo, a liberdade condicional assumia o carácter de mero incidente da execução da pena privativa da liberdade, subordinada à regra da proporcionalidade em relação à culpa, não podendo exceder em duração o lapso de tempo de prisão que faltava cumprir ao condenado.

A reforma operada em 1972 eliminou também a chamada liberdade condicional obrigatória, passando a existir apenas uma liberdade condicional facultativa, após o cumprimento de, pelo menos, metade da prisão imposta na sentença e a orgânica dos tribunais de execução de penas foi alterada pelo Decreto-Lei 783/76 de 29 de Outubro, mantendo a competência destes para conceder a liberdade condicional e decidir sobre a sua revogação.

O regime da liberdade condicional reconduziu-se, pois, ao longo da história, a um de dois modelos fundamentais. Por um lado, tendencialmente relacionada com ideias de raiz ético-retributiva e preventiva-geral, a concepção da liberdade condicional como instituto de natureza graciosa e, por outro, o entendimento da figura nos quadros da prevenção especial, elegendo como exclusivos referentes a perigosidade do indivíduo e o objectivo da ressocialização.

Tal instituto foi acolhido pelo Código Penal de 1982, surgindo como uma das formas de combate ao efeito criminógeno das penas detentivas procurando-se com o mesmo operar uma transição entre o cumprimento da pena dentro da prisão e a vida em sociedade após a libertação.

Esta ideia ficou bem expressa na introdução ao mencionado diploma (aprovado pelo Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro), onde se escreveu:

«Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».

O Código de 1982 previa duas modalidades de liberdade condicional: a liberdade condicional obrigatória e a liberdade condicional facultativa.

Com a revisão do Código Penal operada em 1995 (Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março), o instituto da liberdade condicional, mantendo as duas modalidades (facultativa ou obrigatória), afirmou o princípio de que, em qualquer delas, a sua concessão depende sempre do consentimento do condenado, afastando a ideia da socialização forçada ou coactiva e, por outro lado, determinou que o seu tempo de duração não deve, em hipótese alguma, ultrapassar o tempo de prisão que faltasse cumprir ao condenado.

Com a revisão de 1995 ficou claro que a liberdade condicional se trata de um incidente de execução da pena de prisão que se justifica político-criminalmente à luz da finalidade preventivo-especial de reintegração do agente na sociedade e do princípio da necessidade de tutela dos bens jurídicos.

Saliente-se que o Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, que introduziu uma limitação à concessão da liberdade condicional em atenção à natureza do crime e à medida da pena, tendo em vista razões de prevenção geral positiva, manteve a liberdade condicional obrigatória ou ope legis em todos os casos de condenação em pena determinada superior a 6 anos de prisão, logo que cumpridos cinco sextos da pena, independentemente do tipo de crime em causa e da verificação de quaisquer requisitos de ordem material, designadamente, não sendo necessário qualquer juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do condenado.

Para preencher lacuna até então existente, as alterações operadas pelo Decreto-Lei 48/95 incluíram a introdução do regime da concessão da liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas.

A liberdade condicional denominada de «obrigatória» visa criar uma fase de transição entre a prisão e a liberdade, destinada a permitir ao condenado integrar-se de modo definitivo na comunidade após um período de afastamento motivado pela prisão, tendo-se em conta que esse afastamento da comunidade era particularmente prolongado no caso dos condenados a pena de prisão superior a 6 anos. E visa, ao mesmo tempo, facilitar a reintegração social do agente e bem assim permitir o exercício de um certo controlo sobre a sua inicial inserção na comunidade.

As mesmas razões justificam a previsão da concessão da liberdade condicional obrigatória nos casos em que, não se tratando de uma pena de prisão superior a 6 anos, se esteja perante uma soma de penas que devam ser cumpridas sucessivamente e que exceda 6 anos de prisão (situações de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que não dão lugar à realização de cúmulo jurídico).

As alterações entretanto introduzidas pela revisão de 2007, levada a efeito pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, trouxeram a seguinte redacção ao artigo 64.º do Código Penal, que prescreve:

"1 - É correspondentemente aplicável à liberdade condicional o disposto no artigo 52.º, nos n.os 1 e 2 do artigo 53.º, no artigo 54.º, nas alíneas a) a c) do artigo 55.º, no n.º 1 do artigo 56.º e no artigo 57.º 2 - A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida.

3 - Relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º"

A disciplina relativa aos pressupostos e duração da liberdade condicional (pressupostos formais e materiais) manteve o regime saído da revisão penal de 1995, apenas acrescentando o segmento final do n.º 5 («considerando-se então extinto o excedente da pena»), que não constitui mais que do que a concretização e esclarecimento normativo específico sobre as consequências do cumprimento dos tempos e das finalidades da liberdade condicional, mas que já se retirava da remissão para o artigo 57.º, efectuada pelo artigo 64.º, n.º 1, do CP para aquela norma.

Mantém, assim, à liberdade condicional a natureza de incidente de execução da pena de prisão, por a respectiva aplicação depender sempre do consentimento do condenado (artigo 61.º, n.º 1, do CP), apenas assim se afastando a crítica de, através da liberdade condicional se estar a permitir uma socialização forçada ou coactiva; e por a sua duração não poder ultrapassar o tempo de pena que ainda falta cumprir (artigo 61.º, n.º 5, do CP) - que se justifica à luz da finalidade preventivo-especial de reintegração do agente na sociedade e do princípio da necessidade de tutela de bens jurídicos (artigo 40.º do CP).

7 - O condenado em prisão superior a seis meses pode beneficiar da liberdade condicional em três momentos do cumprimento da pena: a meio da pena, a dois terços da pena ou a cinco sextos da pena, conforme os requisitos do artigo 61.º do Código Penal. A concessão da liberdade condicional, em todas as suas vertentes, constitui uma medida de excepção, no cumprimento da pena, visando a suspensão da reclusão, por forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, assim permitindo que o recluso possa ganhar a orientação social que, presumivelmente, o período de encarceramento enfraqueceu.

Até à entrada em vigor do actual Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, a concessão da liberdade condicional implicava pois, (com excepção da concedida pelos 5/6 da pena, que é obrigatória), a ocorrência simultânea de circunstâncias que traduzem, no fundo, a finalidade da execução da própria pena, e a capacidade ressocializadora do sistema com vista a prevenir a prática de futuros crimes.

Tal instituto, assente num juízo de prognose, que permite antecipar, verificados que se mostrassem os requisitos enunciados nos n.os 2 e 3 artigo 61.º do Código Penal, que o condenado, em liberdade, irá conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. E ainda de considerar que, nos termos do disposto no artigo 42.º do mesmo diploma legal, a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de futuros crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável.

A aplicação da liberdade condicional continuava a depender do consentimento do condenado, conforme dispõe o n.º 1, do já citado artigo 61.º do citado diploma. Quando atingidos os 5/6, em penas de duração superior a seis anos, a concessão da liberdade condicional é obrigatória, isto é resulta directamente da verificação de pressupostos formais e não exige valoração judicial autónoma da existência de pressupostos materiais, embora dependa sempre do consentimento do condenado.

Assentando tal instituto na ideia de que, cumprida que seja a sua pena, o recluso é obrigatoriamente libertado, deve, então, preparar-se para a vida em liberdade, no momento em que é ainda possível vigiar o seu comportamento e sedimentar as bases de uma efectiva reintegração social.

Por outro lado, constituindo a pena de prisão a ultima ratio do sistema, preside à sua aplicação um juízo de adequação particularmente rigoroso e exigente onde se destaca a demonstração de que é a única ajustada à satisfação das finalidades da pena. Pelo que, uma vez efectuado, pelo tribunal da condenação, tal juízo de adequação que preside à aplicação da pena efectiva de prisão, não se concebe o cumprimento de menos do que um período mínimo, para satisfazer as finalidades da punição subjacentes à condenação, o qual permite avaliar o efeito da pena e o funcionamento institucional dos órgãos intervenientes no processo de concessão da liberdade condicional.

8 - Feitas estas considerações, cabe regressar ao caso em apreço de forma a apurar se a interpretação dada à norma em análise padece de inconstitucionalidade.

Da explanação efectuada há que retirar que a norma impugnada (n.º 2 do artigo 64.º do Código Penal) com o sentido de que o tempo que o condenado passou em liberdade condicional, sem cometer qualquer crime, não deve ser considerado tempo de prisão e como tal deduzido no tempo de prisão que ao condenado falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional, não viola a garantia prevista no artigo 27.º da Constituição como pretende o recorrente.

Desde logo, como medida probatória, as regras de conduta impostas através do instituto da liberdade condicional têm uma dupla limitação: têm de ser compatíveis com a lei, nomeadamente assegurando os direitos fundamentais do condenado, apenas bulindo com os susceptíveis de limitação legal (como é o caso das enumeradas no artigo 52.º do Código Penal) e têm de ser exigíveis no caso em concreto, numa relação estrita de adequação e proporcionalidade com os fins preventivos desejados - artigo 64.º, n.º 1 por força da remissão para os artigos 52.º a 54.º e daquele primeiro para os n.os 2 a 4 do artigo 51.º, todos do Código Penal. O condenado, ao infringir os deveres de comportamento resultantes de se encontrar em liberdade condicional, nomeadamente através do cometimento de crime, sabe que esta medida lhe irá ser revogada. A parte da prisão não executada funciona também como um desincentivo à quebra das regras de conduta impostas pelo Tribunal, já que a ameaça do cumprimento do remanescente serve de advertência para o estrito cumprimento das mesmas, que não visam senão a ressocialização do condenado.

E ainda há que ter em atenção que a revogação da liberdade condicional não ocorre de forma automática pois exige um juízo de ponderação sobre o caso concreto, seja por via de apreciação da culpa aquando da infracção dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social, seja por avaliação das finalidades que basearam a liberdade condicional aquando do cometimento de novos crimes (artigos 56.º e 57.º por via do artigo 64.º, todos do Código Penal). Assim, o cometimento de crime durante o período de liberdade condicional não desencadeia automaticamente a revogação da liberdade condicional, dependendo da apreciação que, em concreto, o Tribunal efectuar.

A liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade de condenado a pena de prisão durante um período não superior a cinco anos, depois de aquele haver cumprido um período mínimo legal de reclusão e mediante o seu consentimento. Trata-se de substituição parcial de um certo período detentivo por outro não detentivo; é uma medida não detentiva, substituindo a pena de prisão e aquela é um incidente da execução da pena de prisão, mas de carácter não institucional ou não detentivo ("extra-muros"), executada na comunidade, tal como aquela, e como alternativa à continuidade de execução de penas de prisão mais longas. Embora sujeita a deveres e regras de conduta, tem de ser vista como uma verdadeira antecipação da liberdade, à qual o interessado dá a sua adesão, com vigilância do seu comportamento, solidificando as bases de uma real reintegração social. Abandonando a reclusão, tem a oportunidade de retomar o contacto com o seu grupo familiar e participar activamente na vivência quotidiana do mesmo, bem como enveredar por actividade profissional lícita, sendo certo que as regras de conduta e obrigações a que fica sujeito o condenado apresentam um diminuto grau de densidade comparadas com a verdadeira reclusão, não justificando a sua equiparação a esta. A exigência de determinados comportamentos ao condenado, como era o caso de dedicação ao trabalho e manutenção de boa conduta, durante a liberdade condicional, não traduz uma restrição à liberdade de molde a impor a dedução na pena ainda a cumprir quando a liberdade condicional seja revogada.

Em síntese, a liberdade condicional não é, para o condenado, uma medida análoga ao cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, (nem representa uma restrição à liberdade análoga às medidas cautelares de prisão preventiva, obrigação de permanência na habitação ou detenção), a justificar que esse período seja deduzido na pena remanescente a cumprir, uma vez revogada a liberdade condicional pelo cometimento de novos crimes durante o período da mesma.

Não se revelando que a interpretação efectuada pelo acórdão recorrido fira qualquer parâmetro constitucional, deve o recurso interposto ser julgado improcedente.

III - Decisão

9 - Assim, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 64.º do Código Penal, interpretada no sentido de que o tempo que o condenado passou em liberdade condicional, sem cometer qualquer crime, não deve ser considerado tempo de prisão e, como tal, deduzido no tempo de prisão que lhe falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional;

b) Julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.

Lisboa, 12 de Maio de 2010. - Carlos Pamplona de Oliveira - José Borges Soeiro - Gil Galvão - Maria João Antunes (vencida, nos termos da declaração de voto que se anexa) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração

Votei vencida por entender que o artigo 64.º, n.º 2, do Código Penal, interpretado no sentido de que o tempo que o condenado cumpriu em liberdade condicional não deve ser considerado para efeitos do tempo de prisão, nem deduzido na pena de prisão que ao condenado falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional, viola o princípio constitucional da legalidade (tipicidade) das sanções criminais que se extrai dos artigos 27.º e 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Aceitando - como aceita a posição que fez vencimento - que o instituto previsto nos artigos 61.º, 63.º e 64.º do Código Penal foi configurado pelo legislador como um incidente da execução da pena de prisão, é de concluir que, em caso de revogação, conte como cumprimento desta sanção o período de tempo em que o condenado esteve em liberdade condicional. Entendimento contrário faz corresponder a este período uma "medida não detentiva, substituindo a pena de prisão", que não está prevista na lei. - Maria João Antunes.

203409041

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2010/06/29/plain-276612.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/276612.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1936-05-28 - Decreto-Lei 26643 - Ministério da Justiça

    Promulga a reorganização dos serviços prisionais.

  • Tem documento Em vigor 1944-05-16 - Lei 2000 - Ministério da Justiça

    Estabelece as bases atinentes à reabilitação dos delinquentes e à jurisdicionalização das penas e das medidas de segurança.

  • Tem documento Em vigor 1945-04-30 - Decreto 34553 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Regula a competência e organização dos tribunais de execução das penas.

  • Tem documento Em vigor 1954-06-05 - Decreto-Lei 39688 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Altera várias disposições do Código Penal.

  • Tem documento Em vigor 1972-05-31 - Decreto-Lei 184/72 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Altera o Código Penal, aprovado pelo Decreto (DD63/1886) de 20 de Setembro de 1886.

  • Tem documento Em vigor 1976-10-29 - Decreto-Lei 783/76 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Estabelece a orgânica dos tribunais de execução das penas, dispondo sobre a respectiva composição, funcionamento e competências. Dispôe também sobre as atribuições, direitos e deveres dos magistrados e funcionários de justiça, as competências dos conselhos técnicos dos estabelecimentos prisionais; as visitas aos estabelecimentos prisionais, a saída precária prolongada; as formas de processo e o recurso.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-23 - Decreto-Lei 400/82 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código Penal.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1995-03-15 - Decreto-Lei 48/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 2007-09-04 - Lei 59/2007 - Assembleia da República

    Altera (vigésima terceira alteração) o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e procede à sua republicação. Introduz ainda alterações à Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho(adapta a legislação penal portuguesa ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional), ao Decreto-Lei n.º 19/86, de 19 de Julho (Sanções em caso de incêndios florestais), ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Julho (revê a legislação de combate à droga), à Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho (Procriação medicamente assist (...)

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