de 4 de Setembro
Tribunais marítimos
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), 168.º, n.º 1, alínea q), e 169.º, n.º 2, da Constituição, o seguinte:
ARTIGO 1.º
(Instituição e área de jurisdição dos tribunais marítimos)
1 - São instituídos tribunais judiciais de 1.ª instância e de competência especializada denominados «tribunais marítimos».
2 - Haverá tribunais marítimos em Lisboa, Leixões, Faro, Funchal e Ponta Delgada, cujas áreas de jurisdição correspondem às áreas dos departamentos marítimos aí sediados.
3 - Os tribunais marítimos são instalados, ouvido o Conselho Superior da Magistratura, por portaria do Ministro da Justiça, que estabelecerá a composição do tribunal colectivo e o quadro adequado de funcionários.
ARTIGO 2.º
(Composição do tribunal marítimo)
1 - O tribunal marítimo funciona, nos termos da lei, com juiz singular ou em tribunal colectivo.2 - Nas causas em que intervenha o tribunal colectivo, este é assistido por dois assessores técnicos devidamente qualificados, salvo se as partes e o tribunal acordarem em dispensar a assessoria.
3 - Quando o tribunal funcione com juiz singular, a intervenção dos assessores técnicos tem lugar por acordo das partes ou por decisão do juiz fundada na natureza das questões a decidir.
4 - Os assessores técnicos são designados pela ordem constante de listas organizadas nos termos que vierem a ser aprovados por portaria do Ministro da Justiça.
5 - A designação dos assessores técnicos será feita, em regra, no despacho que marcar o dia para a audiência, podendo-lhes ser opostos os impedimentos e recusas que, nos termos do Código de Processo Civil, é possível opor aos peritos. Aos assessores técnicos são pagas adiantadamente as despesas de deslocação e a sua remuneração será feita segundo tabela a aprovar por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
ARTIGO 3.º
(Jurisdição marítima)
A jurisdição dos tribunais marítimos abrange:a) As águas do mar, bem como as águas interiores e respectivos leitos e margens, sujeitas à jurisdição das capitanias dos portos e delegações marítimas;
b) As zonas portuárias e de estaleiros de construção e de reparação naval, secas, tiradouros, tendais de artes de pesca, seus arraiais e instalações de natureza semelhante;
c) Outras áreas em que por lei lhes seja reconhecida competência territorial.
ARTIGO 4.º
(Competência cível)
Compete aos tribunais marítimos conhecer, em matéria cível, das questões relativas a:a) Indemnizações devidas por danos causados ou sofridos por navios, embarcações e outros engenhos flutuantes, ou resultantes da sua utilização marítima, nos termos gerais de direito;
b) Contratos de construção, reparação, compra e venda de navios, embarcações e outros engenhos flutuantes, desde que destinados ao uso marítimo;
c) Contratos de transporte por via marítima ou contratos de transporte combinado ou multimodal;
d) Contratos de transporte por via fluvial ou por canais, nos limites do quadro I anexo ao Regulamento Geral das Capitanias;
e) Contratos de utilização marítima de navios, embarcações e outros engenhos flutuantes, designadamente os de fretamento e os de locação financeira;
f) Contratos de seguro de navios, embarcações e outros engenhos flutuantes destinados ao uso marítimo e suas cargas;
g) Hipotecas e privilégios sobre navios e embarcações, bem como quaisquer garantias reais sobre engenhos flutuantes e suas cargas;
h) Processos especiais relativos a navios, embarcações, outros engenhos flutuantes e suas cargas;
i) Decretamento de providências cautelares sobre navios, embarcações e outros engenhos flutuantes, respectiva carga e bancas e outros valores pertinentes aos navios, embarcações e outros engenhos flutuantes, bem como solicitação preliminar à capitania para suster a saída das coisas que constituam objecto de tais providências;
j) Avarias comuns ou avarias particulares, incluindo as que digam respeito a outros engenhos flutuantes destinados ao uso marítimo;
l) Assistência e salvação marítimas;
m) Contratos de reboque e contratos de pilotagem;
n) Remoção de destroços;
o) Responsabilidade civil emergente de poluição do mar e outras águas sob a sua jurisdição;
p) Utilização, perda, achado ou apropriação de aparelhos ou artes de pesca ou de apanhar mariscos, moluscos e plantas marinhas, ferros, aprestos, armas, provisões e mais objectos destinados à navegação ou à pesca, bem como danos produzidos ou sofridos pelo mesmo material;
q) Danos causados nos bens do domínio público marítimo;
r) Propriedade e posse de arrojos e de coisas provenientes ou resultantes das águas do mar ou nestas existentes, que jazem nos respectivos solo ou subsolo ou que provenham ou existam nas águas interiores, se concorrer interesse marítimo;
s) Presas;
t) Todas as questões em geral sobre matérias de direito comercial marítimo.
ARTIGO 5.º
(Competência em matéria de contra-ordenações)
Compete ao tribunal marítimo conhecer dos recursos das decisões do capitão do porto proferidas em processo de contra-ordenação marítima.
ARTIGO 6.º
(Competência para a execução)
1 - O tribunal da acção é competente para a execução da correspondente decisão.2 - O tribunal marítimo é também competente para as execuções fundadas em outros títulos executivos, quando respeitantes a obrigações assumidas no âmbito das questões referidas no artigo 4.º 3 - A execução de sentença proferida por tribunal estrangeiro ou de decisão arbitral estrangeira sobre matéria de direito marítimo que tenham sido devidamente revistas e confirmadas é cometida ao tribunal marítimo territorialmente competente.
ARTIGO 7.º
(Competência internacional)
1 - Não é válido, em questões de direito marítimo internacional, o pacto destinado a privar de jurisdição os tribunais portugueses, quando a estes for de atribuir tal jurisdição por força do disposto no artigo 65.º do Código de Processo Civil.2 - Não terá aplicação o disposto no n.º 1 se os pactuantes forem estrangeiros e se se tratar de obrigação que, devendo ser cumprida em território estrangeiro, não respeite a bens sitos, registados ou matriculados em Portugal.
ARTIGO 8.º
(Competência territorial)
1 - A competência territorial dos tribunais marítimos é regulada pelo Código de Processo Civil, tomando-se em consideração os limites de jurisdição dos tribunais marítimos.2 - Para conhecimento das questões referidas nas alíneas p), q) e r) do artigo 4.º é competente o tribunal em cuja área de jurisdição se situem ou encontrem os bens ou em que o facto haja ocorrido; quando este tenha tido lugar fora das águas territoriais portuguesas, será competente o tribunal em cuja área de jurisdição se situe o primeiro porto nacional que a embarcação escalar ou a que arribe.
3 - Para questões de presa é competente o Tribunal Marítimo de Lisboa.
ARTIGO 9.º
(Tentativa de conciliação)
1 - Aquele que pretender intentar acção declarativa que tenha como objecto alguma das questões referenciadas nas alíneas n) a s), inclusive, do artigo 4.º desta lei deverá previamente expor ao capitão do porto competente o pedido que deseja formular e a causa de pedir, requerendo a realização de uma tentativa de conciliação.2 - É competente para essa tentativa de conciliação o capitão do porto que superintenda no local em que tiverem ocorrido os factos que constituem a causa de pedir.
3 - O capitão do porto marcará a diligência para data compreendida entre os oito e os quinze dias posteriores e fará notificar o requerente e a pessoa que este indicar como demandada por meio de carta registada.
4 - Comparecendo as partes pessoalmente ou fazendo-se representar por mandatário judicial com poderes para transigir, o capitão do porto procurará conciliá-las.
5 - Da falta de comparência das partes ou do resultado da diligência lavrar-se-á auto, em que se especificarão com clareza os termos e as cláusulas da conciliação, ser for obtida.
6 - O auto é assinado pelo capitão do porto, pelo requerente e pelo requerido, ou pelos seus representantes, e constituirá título executivo.
7 - A apresentação na capitania competente do pedido de tentativa de conciliação suspende os prazos de caducidade e de prescrição até ao 30.º dia posterior ao da data do auto a que se refere o número anterior.
ARTIGO 10.º
(Proposição da acção)
1 - Havendo lugar à proposição da acção, deverá o autor instruir a petição inicial com certidão do auto a que se refere o n.º 5 do artigo 9.º ou protestar pela sua apresentação se os serviços da capitania não a tiverem passado em tempo.2 - Constituirá fundamento de indeferimento liminar ou excepção dilatória a proposição da acção sem precedência da tentativa de conciliação, quando obrigatória.
ARTIGO 11.º
(Efeito do recurso de decisões do capitão do porto)
1 - O recurso interposto de decisão do capitão do porto em processo de contra-ordenação marítima não terá efeito suspensivo:
a) Quando incidir sobre decisão de aplicação de medida cautelar;
b) Quando incidir sobre decisão de aplicação de coima ou sanção acessória e existirem fundadas razões para supor que da suspensão poderá resultar a frustração da execução da coima ou sanção acessória, no caso de o tribunal vir a confirmar a decisão.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, o tribunal deverá decidir no espaço de 24 horas sobre o efeito do recurso.
ARTIGO 12.º
(Procedimentos cautelares)
1 - Requerido arresto ou outro procedimento cautelar que tenha por objecto navio, embarcação, outro engenho flutuante ou respectivas cargas e bancas ou outros valores pertinentes ao navio, a secretaria passará logo guias para o pagamento do preparo inicial e, efectuado este, fará o processo imediatamente concluso ao juiz.2 - No prazo de 24 horas, o juiz decidirá se o processo deve prosseguir. Não havendo lugar a indeferimento liminar, será determinado, se nisso convier o requerente, que pelo modo mais célere seja solicitado ao capitão do porto em cuja jurisdição se encontre o objecto da diligência que tome as providências adequadas à respectiva guarda e retenção e far-se-á seguidamente a confirmação por escrito do pedido, se por outro modo este tiver sido formulado.
3 - É de cinco dias o prazo para conclusão da prova informatória e prolação da decisão, que será notificada aos interessados e ao capitão do porto; se for denegatória, a este deverá ser comunicada pela via mais rápida, nos termos do número anterior.
4 - Presume-se, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 143.º do Código de Processo Civil, que se destinam a evitar danos irreparáveis os actos judiciais necessários aos procedimentos a que se refere este artigo.
5 - O disposto no n.º 4 do artigo 404.º e no n.º 4 do artigo 406.º do Código de Processo Civil é aplicável no caso de serem impostas as providências de guarda e retenção a que se refere o n.º 2 deste artigo, podendo o pedido de indemnização ser formulado, sem dependência de embargos, no caso de o procedimento cautelar requerido não ser decretado.
ARTIGO 13.º
(Processo de presas marítimas)
O processo aplicável a questões de presas marítimas segue a forma sumária, independentemente do valor da causa, salvo o estabelecido em convenção internacional ou em legislação especial.
ARTIGO 14.º
(Disposições subsidiárias)
As disposições gerais sobre organização, competência e processo aplicáveis aos tribunais judiciais de competência genérica são aplicáveis aos tribunais marítimos em tudo quanto for omisso neste diploma.
ARTIGO 15.º
(Custas e encargos)
1 - Os processos da competência dos tribunais marítimos estão sujeitos a custas, nos termos do Código das Custas Judiciais, do Decreto-Lei 49213, de 29 de Agosto de 1969, e da respectiva legislação complementar.2 - O requerente da conciliação tentada perante o capitão do porto pagará no acto da apresentação do requerimento, contra recibo, uma quantia, que reverterá para a capitania do porto, a fixar e a actualizar por portaria do Ministro da Justiça.
ARTIGO 16.º
(Disposição revogatória)
São revogadas as disposições das alíneas oo) e qq) do n.º 1 do artigo 10.º e dos artigos 206.º a 228.º do Regulamento Geral das Capitanias, aprovado pelo Decreto-Lei 265/72, de 31 de Julho.
ARTIGO 17.º
(Fixação da competência)
Os processos, acções e papéis pendentes mantêm-se nos actuais tribunais ou juízos até ao seu termo ou arquivamento.
ARTIGO 18.º
(Prazo de instalação)
Os tribunais marítimos deverão ser instalados no prazo máximo de um ano a contar da entrada em vigor da presente lei.
ARTIGO 19.º
(Providências orçamentais)
O Governo adoptará as providências orçamentais necessárias à execução da presente lei.
ARTIGO 20.º
(Entrada em vigor)
A presente lei entrará em vigor 90 dias após a sua publicação.
Aprovada em 24 de Julho de 1986.
O Presidente da Assembleia da República, Fernando Monteiro do Amaral.
Promulgada em 9 de Agosto de 1986.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 14 de Agosto de 1986.
Pelo Primeiro-Ministro, Eurico Silva Teixeira de Melo, Ministro de Estado.