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Parecer 11/2018, de 28 de Maio

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Sumário

Parecer sobre Currículo dos ensinos básico e secundário

Texto do documento

Parecer 11/2018

Parecer sobre currículo dos ensinos básico e secundário

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Parecer elaborado pelos relatores Fernando Almeida, Inácia Santana, Joana Brocardo e Manuela Encarnação o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 7 de maio de 2018, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo assim o seu sétimo Parecer do ano de 2018.

Introdução

Por solicitação do Ministério da Educação, o Conselho Nacional de Educação (CNE) pronuncia-se, através deste parecer, relativamente ao "Projeto de decreto-lei sobre o currículo dos Ensinos Básico e Secundário" que constitui a sétima revisão curricular do Ensino Básico (2002, 2007, 2008, 2011 e 2012) e do Ensino Secundário (2004, 2006, 2007, 2008, 2011 e 2012) após a revisão participada do currículo de 2001 (DL n.º 6/2001 e DL n.º 7/2001, de 18 de janeiro).

No presente parecer, a apreciação global da proposta de decreto-lei e as recomendações são antecedidas de um enquadramento com as principais orientações internacionais e diretrizes europeias e de um enquadramento nacional com a evolução dos normativos.

Enquadramento internacional

Em 2009, através do Quadro Estratégico - Educação e Formação 2020, da UE, foram estabelecidos quatro objetivos comuns para enfrentar os desafios no domínio da educação e da formação: tornar realidade a mobilidade e a aprendizagem ao longo da vida; melhorar a qualidade e a eficácia da educação e da formação; promover a igualdade, a coe-são social e a cidadania ativa; incentivar a criatividade e a inovação, nomeadamente o empreendedorismo, em todos os níveis da educação e da formação.

A Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas, desenvolve um novo modelo global para acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar de todos, proteger o ambiente e combater as alterações climáticas e integra 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS). O objetivo n.º 4, "Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos", elenca um conjunto de metas a atingir em 2030, para o concretizar.

No domínio da cooperação internacional (OCDE e Comissão Europeia), Portugal colabora em projetos abrangentes, tais como a análise aos recursos educativos (School Resources Review) e o "Future of Education and Skills: Education 2030".

A Estratégia Nacional de Competências, documento que está a ser elaborado com o apoio técnico da UE e da OCDE, tem como objetivo alcançar melhorias em torno da prosperidade económica e da inclusão social. Através desta estratégia, que envolve vários ministérios, entre os quais o da Educação, pretende-se reunir evidências para orientar políticas, envolver os parceiros sociais e promover a equidade, garantindo o sucesso de uma educação de qualidade para todos. Neste contexto, os Programas Qualifica, Inovação 4.0 e o InCoDe.2030 bem como o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar são instrumentos para a promoção das competências da população portuguesa.

O "School Resources Review" fornece a análise de evidências de políticas sobre como distribuir, utilizar e gerir recursos a fim de alcançar eficácia, eficiência e equidade na educação dos diferentes países. Procura-se identificar as melhores políticas para garantir a utilização efetiva e eficaz dos recursos da escola na melhoria dos resultados dos alunos, em torno de quatro aspetos-chave: administração do uso de recursos nas escolas (nível e fontes de receita, planificação e implementação de políticas); distribuição de recursos (entre tipos de recursos, níveis e setores de educação, níveis de administração, escolas e grupos específicos de alunos, distribuição de recursos humanos, de instalações e materiais escolares); utilização de recursos (tempo de aprendizagem do aluno e correspondente às suas necessidades; atribuição de recursos); e gestão de recursos (capacitação para gestão e monitorização do uso de recursos, transparência e relatórios, incentivos para a eficiência).

O projeto "Future of Education and Skills: Education 2030" procura construir uma visão partilhada, centrada no bem-estar dos indivíduos, das comunidades e do planeta. Numa era caracterizada pela proliferação de conhecimento científico e por uma crescente diversidade e complexidade de problemas sociais, considera-se importante que os currículos continuem a evoluir, identificando-se desafios: ambientais (as mudanças climáticas e o esgotamento dos recursos naturais requerem ação e adaptação urgentes), económicos (a inovação sem precedentes em ciência e tecnologia levanta questões fundamentais para o ser humano, a incerteza generalizada, a exposição ao risco económico e às crises, os novos problemas de segurança cibernética e proteção da privacidade conduz à necessidade de criação de cadeias globais de valor, de uma economia compartilhada em grande escala e modelos económicos, sociais e institucionais que levem a uma vida melhor para todos) e sociais (o aumento da população mundial, a migração, as desigualdades nos padrões de vida e nas oportunidades, os conflitos e instabilidades, muitas vezes aliados a políticas populistas, corroem a confiança nas instituições e exigem diálogos e soluções globais e locais).

A Comunicação da Comissão Europeia no documento "Improving competences for the 21st Century: An Agenda for European Cooperation on Schools" assume o compromisso alargado em incorporar a educação para a cidadania no currículo, incluindo-a como uma componente ou como uma temática transversal.

As conclusões do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados-Membros da União Europeia realçam a importância da educação na promoção de valores, de habilidades, de conhecimentos e de atitudes necessários à democracia, ao diálogo intercultural e ao desenvolvimento pessoal, que desempenham um papel essencial na aquisição de competências para o sucesso, para a integração na vida social e para o progresso económico (Jornal Oficial da União Europeia, C 319, de 13 de dezembro de 2008). O mesmo documento enfatiza a necessidade de as escolas fomentarem a criatividade e a inovação nos seus alunos, proporcionando-lhes ambientes de trabalho estimulantes, criativos e dinâmicos. As escolas deverão ainda assegurar transições bem-sucedidas entre as diferentes modalidades, ciclos e níveis de ensino, bem como nos sistemas de educação e formação ao longo da vida.

Enquadramento nacional

No Programa Nacional de Reformas 2016-2020, Portugal aposta na exigência de um melhor ajustamento face ao mercado de trabalho e no relançamento de percursos formativos qualificantes. O conjunto de medidas a desenvolver foi organizado em seis eixos fundamentais, dos quais se destacam: i) a redução do insucesso e do abandono escolar precoce; ii) a formação e ativação dos jovens afastados da qualificação e do emprego; iii) a modernização e inovação do sistema educativo;

iv) a promoção de competências digitais (INCoDe.2030).

Nesse âmbito, o Ministério da Educação nomeou um Grupo de Trabalho para estudar e definir o perfil dos alunos no final da escolaridade obrigatória de 12 anos, do qual resultou o Despacho 6478/2017, de 26 de julho, que homologa o "Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória", que valoriza áreas de competências de natureza diversa, tais como cognitiva e metacognitiva, social e emocional, física e prática, em linha com as recomendações da OCDE.

Os Planos de Ação Estratégica, elaborados localmente pelas escolas, no quadro do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, concretizaram-se através do desenvolvimento e consolidação da generalidade das ações, no âmbito do fomento da igualdade de oportunidades e da mobilidade social.

Estes planos incidiram em áreas como a prevenção do abandono e do insucesso, em vertentes como a gestão de sala de aula, o apoio individual e em pequenos grupos, as dinâmicas de integração curricular, a diferenciação pedagógica e a avaliação formativa.

É de mencionar ainda, neste campo, a consolidação do Programa de Tutorias no Ensino Básico (trabalho reflexivo, que considera dimensões sociais, relacionais e afetivas), o alargamento e a diversificação da oferta formativa no ensino secundário, concomitantemente com a aposta no ensino profissional e no reforço da permeabilidade entre vias de ensino, valorizando os percursos de dupla certificação e o ajustamento da oferta formativa às necessidades regionais e setoriais do mercado de trabalho; bem como a dinamização do Sistema de Aprendizagem, enquanto plataforma por excelência da formação de dupla certificação para jovens, no contexto de uma estratégia global de promoção do sucesso escolar e da empregabilidade dos jovens (Programa Nacional de Reformas 2016-2020).

Evolução dos normativos

O sistema educativo português pauta-se por um corpo legislativo relevante na área do currículo e das aprendizagens abordando diferentes temáticas e com especificação de abordagens e modelos, conteúdos e domínios, áreas disciplinares e transversais, percursos formativos e educativos, avaliação e inclusão.

Na "revisão participada do currículo" de 2001 foi consagrada uma matriz comum nos ensinos básico e secundário, constituída por três componentes de natureza complementar - disciplinar, curricular não disciplinar e transdisciplinar - além de um tempo específico de livre escolha da escola. Esta organização interna da componente disciplinar iniciava-se por um "ensino globalizante" no 1.º CEB, em "áreas interdisciplinares de formação básica" no 2.º CEB, "por disciplina ou grupo de disciplinas" no 3.º CEB, sendo uma organização essencialmente disciplinar no ensino secundário.

No âmbito do desenho curricular dos diferentes ciclos e níveis de ensino, e ao longo da evolução dos normativos, sempre foi notória uma preocupação alargada em torno das especificidades de cada nível ou ciclo de ensino, através da abordagem de questões relacionadas com as disciplinas e a respetiva carga horária, as componentes curriculares e outras áreas transversais ao currículo, as ofertas complementares e de escola, as áreas de enriquecimento curricular e a escola a tempo inteiro, autonomia e flexibilidade, os percursos educativos flexíveis e adequados às várias situações e perfis pessoais, permeabilidade entre cursos, avaliação e transição, prosseguimento de estudos e transição para o mercado de trabalho, inclusão, aprendizagens essenciais e articulação entre documentos em vigor, sucesso escolar e melhoria das aprendizagens.

Em revisões efetuadas a vários normativos, com ajustamentos e pressupostos derivados de diversos modelos, foi surgindo legislação que atualmente enquadra esta proposta de decreto-lei, designadamente:

A organização e a gestão dos currículos dos ensinos básico e secundário (Decreto-Lei 139/2012, de 5 de julho);

O reforço da autonomia das escolas com contrato de autonomia e das escolas do ensino particular e cooperativo (Portaria 44/2014, de 20 de fevereiro, Portaria 59/2014, de 7 março);

O Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE) (Resolução do Conselho de Ministros n.º 23/2016, de 11 de abril);

O modelo integrado de avaliação externa das aprendizagens dos alunos do ensino básico (Decreto-Lei 17/2016, de 4 de abril), regulamentado pelo Despacho Normativo 1-F/2016, de 5 de abril;

O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PA), (Despacho 6478/2017, de 26 de julho).

O Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PAFC), no ano escolar de 2017-2018 (Despacho 5908/2017, de 5 de julho);

A Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC);

As Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE);

As Aprendizagens essenciais (AE), correspondentes aos anos escolares da experiência pedagógica do ano em curso.

O Projeto de decreto-lei sobre o regime jurídico da educação inclusiva no âmbito da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário;

O Portugal INCoDe.2030.

O PA é o documento de referência global, norteador da convergência e da articulação das decisões inerentes às várias dimensões do desenvolvimento curricular.

As AE são os documentos de orientação curricular de base na planificação, realização e avaliação do ensino e da aprendizagem, conducentes ao desenvolvimento das competências inscritas no PA e são perspetivadas como dizendo respeito aos conhecimentos, capacidades e atitudes a desenvolver por todos os alunos. As AE foram usadas nas escolas/agrupamentos abrangidos em 2017/2018 no âmbito do PAFC.

A ENEC, elaborada pelo Grupo de Trabalho de Educação para a Cidadania (Despacho 6173/2016, de 10 de maio), em convergência com o PA e com as AE, é também um documento de referência no quadro de um processo de promoção da autonomia e flexibilidade curricular.

O PAFC, lançado em regime de experiência pedagógica, foi implementado em 226 unidades orgânicas das redes pública e privada de escolas, cujos órgãos de direção, administração e gestão manifestaram interesse na sua implementação, aplicando-se a turmas iniciais do ciclo (1.º, 5.º, 7.º anos de escolaridade), de nível de curso (10.º ano de escolaridade) e de 1.º ano de formação de cursos organizados em ciclos de formação. Através de medidas de flexibilização curricular nos ensinos básico e secundário, delineadas em função do PA, procura-se melhorar as aprendizagens, de modo a atingir maior desempenho escolar por todos os alunos.

Apreciação global do Projeto de decreto-lei

Aspetos gerais

Considera-se da maior relevância a presente proposta de decreto-lei, uma vez que procura criar condições para que a escola possa promover aprendizagens significativas e contextualizadas que respondam aos avanços sociais e tecnológicos do mundo atual. Retoma o racional que a evolução dos normativos curriculares evidencia desde 2001, concretizando perspetivas de autonomia e criando mais possibilidades de flexibilidade curricular.

É sobretudo um normativo de organização do desenvolvimento curricular e não propriamente de estabelecimento do currículo, que mobiliza e alarga o conjunto dos documentos curriculares recentemente publicados, integrando muitas das suas designações e introduzindo outras. Neste sentido, apesar de pretender ser um documento clarificador, cria algumas ambiguidades curriculares, nomeadamente as que decorrem do facto de passarem a coexistir programas de 1989 e metas curriculares da revisão da estrutura curricular de 2012 com pressupostos incompatíveis e que poderão induzir a práticas pedagógicas profundamente contraditórias com os princípios orientadores da presente proposta.

Uma parte importante deste documento concretiza a generalização do Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (Despacho 5908/2017, de 5 de julho). No entanto, o tempo de realização deste projeto, (inferior a 1 ano letivo) e os poucos dados conhecidos sobre a sua implementação, não permitem analisar opções baseadas numa avaliação fundamentada e ponderada, aspeto que o CNE por várias vezes tem afirmado como fundamental para nortear as opções educativas e que, mais uma vez, não podem sustentar a apreciação e as recomendações que a seguir se apresentam. Assinala-se, no entanto, a publicação recente de "Curriculum Flexibility and Autonomy in Portugal - an OECD review" que propõe que se considere a possibilidade de estender o Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular a todas as escolas/agrupamentos em 2018 e 2019.

O CNE tem vindo a afirmar a importância de incluir um conjunto "comum de finalidades e competências" no currículo definido a nível nacional e de prever margens de adaptação e de complementaridade. Tem defendido que o currículo viabilize um paradigma de escola onde todos possam aprender, evoluindo de um modelo curricular rígido, assente em componentes fechadas e controladas a nível nacional, para um modelo flexível que permita a adequação das propostas curriculares aos alunos, de acordo com a realidade de cada escola e com as metas que define (CNE, Parecer 2/2012).

A proposta em apreço concretiza estas ideias, perspetivando uma maior autonomia das escolas na organização e gestão curricular. Assume-se o papel central dos professores no desenvolvimento curricular e integram-se os alunos e os encarregados de educação na identificação de opções curriculares. Reconhece-se aos agrupamentos/escolas não agrupadas o direito de definir o nível de flexibilidade que considerem adequado, em regra geral, até um máximo de 25 %, para promover uma aprendizagem que visa alcançar as competências definidas no PA, em diálogo com as famílias e os restantes parceiros da comunidade. A possibilidade de gerir parte da carga horária das disciplinas e de as organizar de modos variados (por semestre, por ano ou de outros modos) são aspetos inovadores e marcam uma mudança de paradigma curricular no nosso país, tradicionalmente pouco flexível. Isto permite que as decisões das escolas incidam sobre aspetos marcantes de uma real concretização de flexibilização curricular.

Flexibilidade, documentos curriculares e sua operacionalização

Destacamos dois aspetos subjacentes à flexibilidade prevista que nos parecem merecer uma reflexão aprofundada. Um primeiro diz respeito ao conjunto dos documentos curriculares que se assumem de referência para o desenvolvimento do currículo e que incluem os programas, as metas, as orientações curriculares, os perfis profissionais, as referências do Catálogo Nacional de Qualificações e as Aprendizagens Essenciais. Estas, assumidas como as "orientações curriculares de base na planificação, realização e avaliação do ensino e da aprendizagem" conflituam, em muitos casos, com os documentos da revisão da estrutura curricular de 2012, que se mantêm, contraditoriamente, em vigor. Por outro lado, as AE não estão completas, desconhecendo-se a sua formulação para os anos não incluídos no PAFC, à exceção das áreas que organizaram as AE por ciclos, nomeadamente a Educação Artística nos 1.º e 2.º ciclos. Para exercer a sua autonomia e decidir sobre o nível de flexibilidade a adotar, as escolas devem dispor de um conjunto de orientações curriculares coerentes, articuladas entre si e que claramente perspetivem o objetivo de formar cidadãos com o perfil à saída da escolaridade obrigatória. A definição clara destas orientações curriculares cabe ao ME e não deve, nem pode, ser relegada para as decisões a tomar por cada escola.

Um segundo aspeto diz respeito aos meios para exercer essa flexibilidade. A investigação tem evidenciado que a qualidade das aprendizagens é de importância central para a melhoria do desempenho e promoção do sucesso escolar. Nesse sentido, os recursos são igualmente determinantes. Sabendo-se que os recursos disponíveis, por si só, não geram mais sucesso considera-se, no entanto, que reconhecer às escolas, em articulação com os pais e restantes membros da comunidade, a possibilidade de decidir sobre a melhor forma de organizar e gerir o currículo, não pode estar dissociado de lhes reconhecer, igualmente, a capacidade de identificar os recursos (materiais e humanos) de que necessitam e de os saber usar com responsabilidade. Não se considera, por isso, coerente a imposição de que, da opção de flexibilização escolhida pela escola, não possa resultar um aumento de pessoal docente, se devidamente fundamentada a sua necessidade.

Integração curricular da Educação para a Cidadania

A proposta de decreto-lei concretiza, igualmente, recomendações anteriores do CNE de não redução da Educação para a Cidadania a uma dimensão transdisciplinar. A proposta apresentada integra nas matrizes curriculares a componente de Cidadania e Desenvolvimento de um modo equilibrado, prevendo no 1.º ciclo uma integração curricular transversal, nos 2.º e 3.º ciclos uma integração curricular disciplinar e no ensino secundário uma integração curricular flexível, decidida por cada escola.

A Educação para a Cidadania é considerada, no presente normativo, como prioridade e "opção curricular estruturante" (artigo 19.º), por ter de integrar na atividade curricular que a suporta, o "exercício da cidadania ativa, da participação social, em contextos de partilha"(ponto 1, da alínea d) do referido artigo).

Explicitação de termos e conceitos referidos no documento

No documento em apreço destaca-se o princípio orientador de garantir uma escola inclusiva, perspetivado de acordo com o "Regime jurídico da educação inclusiva no âmbito da educação pré-escolar e dos ensinos básicos e secundário". Recorde-se que este documento é muito recente, pelo que está pouco consolidado o significado atribuído ao conceito-chave de abordagem multinível, que deveria aqui ser brevemente explicada. Neste sentido, importa clarificar também o entendimento de medidas universais, seletivas e adicionais, inscritas no referido normativo e que são mobilizadas no presente projeto de decreto-lei, de forma a reduzir ao máximo as margens de ambiguidade da linguagem que as designações instituídas podem provocar, procurando sintonizar os atores educativos com os conceitos e deste modo assegurar práticas consistentes.

Oferta formativa e matrizes

O CNE tem vindo a perspetivar como relevantes vários dos princípios orientadores incluídos no projeto de decreto-lei, nomeadamente os relativos à promoção de uma maior articulação entre os vários ciclos de ensino, à valorização da identidade do ensino secundário e à gestão e lecionação interdisciplinar e articulada do currículo.

A distinção entre "oferta educativa para o ensino básico" e "oferta educativa e formativa para o ensino secundário" clarifica os grandes objetivos destes ciclos de ensino, justificando que no ensino básico não se incluam os cursos de ensino vocacional e implicitamente explicando a especificidade dos cursos de educação e de formação de adultos dos ensino básico e secundário na modalidade de ensino recorrente, e que justifica manterem-se as normas que os regem.

As matrizes curriculares-base do ensino básico estão organizadas por componentes curriculares perspetivadas numa articulação curricular assente na prática da monodocência, no 1.º ciclo, em diferentes disciplinas agregadas em áreas disciplinares de modo a privilegiar abordagens interdisciplinares, no 2.º ciclo e em disciplinas organizadas em áreas disciplinares, no 3.º ciclo.

No entanto, no 1.º Ciclo, apesar de se reforçar a importância de uma "abordagem globalizante do ensino e da aprendizagem assente na monodocência" (alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º), a operacionalização desta recomendação revela-se inconsistente na matriz apresentada, onde a disciplinarização prevalece, espartilhando os saberes. Mesmo com a indicação de que os tempos constituem apenas valor de referência, tal não difere das matrizes dos outros níveis de ensino, o que não contribui para tornar evidente a especificidade deste nível de ensino no que diz respeito ao caráter globalizante e integrador das aprendizagens.

Constata-se a valorização da componente de Educação Artística nas matrizes dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos, aproximando-se da Recomendação 1/2013 do CNE - "Recomendação sobre a Educação Artística", persistindo, no entanto, várias interrogações sobre a sua efetivação, decorrentes da falta de recursos humanos disponíveis e da impossibilidade de aumentar o pessoal docente como é referido no n.º 5 do artigo 12.º da proposta de decreto-lei em apreço. No caso do 1.º ciclo, a coadjuvação prevista na Educação Artística e na Educação Física (alínea c) da Matriz Quadro I), condicionada à disponibilidade de recursos humanos, torna-se impraticável dada a sua inexistência na grande maioria dos agrupamentos/escolas não agrupadas, mantendo-se assim as Artes e a Educação Física longe do quotidiano escolar dos alunos, nesta fase determinante do seu desenvolvimento global.

As matrizes curriculares-base do ensino secundário integram disciplinas comuns nas componentes de formação geral e sociocultural e disciplinas de formação específica, científica, técnica artística ou de formação em contexto de trabalho, conforme os vários tipos de curso.

À opção pelos vários percursos previstos ao nível do secundário, junta-se a possibilidade de os alunos deste nível de ensino adotarem um percurso formativo próprio, através da permuta ou substituição de disciplinas. Embora sabendo que, na prática, esta escolha possa ser muito limitada por condicionantes contextuais, ou mesmo impossibilitada se os alunos quiserem optar por áreas artísticas, essa possibilidade é coerente com os objetivos definidos no documento.

Relativamente ao ensino secundário retomam-se posições anteriores do CNE que assinalam que a utilização das classificações dos exames nacionais no regime de acesso ao ensino superior tem implicado uma sobrevalorização da avaliação externa e condicionado o percurso dos alunos e a identidade deste nível de ensino.

Avaliação

Identificam-se alguns problemas relativamente ao articulado sobre avaliação que globalmente não reflete a evolução do conhecimento sobre este tema.

Na introdução refere-se a "diversidade de procedimentos e instrumentos de avaliação" remetendo desde logo a avaliação para estes aspetos. Os procedimentos e instrumentos de avaliação devem ser diversificados, não pela diversidade em si própria, mas porque devem ser adequados, em cada momento, ao seu propósito e objeto de avaliação. Note-se que há contributos mais importantes da avaliação para a realização de aprendizagens significativas, como seja desenvolver a avaliação a par com o processo de ensino e de aprendizagem, criando contextos propiciadores de aprendizagem, nomeadamente desenvolvendo nos alunos a sua capacidade de autorregulação, aspeto praticamente ausente neste documento.

A finalidade da avaliação como constituindo "um processo regulador do ensino e da aprendizagem, que orienta o percurso escolar dos alunos e certifica as aprendizagens realizadas" (número 1 do artigo 23.º) pode ser incorretamente interpretada, no sentido de a avaliação poder ter estes três propósitos em simultâneo. Sendo todos eles propósitos da avaliação, são distintos entre si, concretizando-se em separado e em momentos distintos.

O que verdadeiramente permite distinguir os seus vários tipos de avaliação são as funções e os propósitos associados ao ato avaliativo. Assim, a opção de considerar três modalidades de avaliação e não duas (integrando a diagnóstica como uma formativa) origina um conjunto de ambiguidades. No artigo 25.º indica-se que a "avaliação diagnóstica realiza-se sempre que seja considerado oportuno, sendo essencial para fundamentar a definição de estratégias de diferenciação pedagógica, de superação de eventuais dificuldades dos alunos [...]". Note-se que esta definição de avaliação diagnóstica se confunde com o que deve ser o entendimento da avaliação formativa, que envolve igualmente a aplicação de estratégias de diferenciação pedagógica, na procura de superar eventuais dificuldades dos alunos. No documento indicam-se as potencialidades da avaliação diagnóstica - "facilita a integração escolar dos alunos", "sustenta a definição de estratégias de ensino" - que são igualmente características da avaliação formativa.

A avaliação sumativa tem por propósito sintetizar a aprendizagem, fazer um ponto de situação, para reportar, informar, hierarquizar ou selecionar. Deste modo, considera-se desadequado indicar que a "avaliação sumativa realiza-se no final de cada período letivo" (número 3 do artigo 28.º), uma vez que pode igualmente ocorrer ao longo do ano, sempre que se verifique necessário fazer um ponto de situação.

Finalmente, embora se considere que a avaliação formativa é a principal modalidade de avaliação, não se incluem os alunos como intervenientes na mesma. A função da avaliação como reguladora das aprendizagens deve conferir aos alunos um papel ativo em todas as fases do processo de aprendizagem. Esta envolve a criação de mecanismos que lhes permitam uma crescente tomada de consciência do seu percurso, em cada momento, mobilizando-os para uma progressiva adequação do seu estudo às necessidades de avanço no currículo, criando assim intencionalidades de trabalho.

Recomendações

1 - O sistema nacional estruturado de apoio ao projeto-piloto do PAFC pode mostrar-se insuficiente e mesmo desadequado para apoiar o alargamento que previsivelmente irá acontecer. O aumento do número de agrupamentos e escolas incluídos na flexibilização curricular requer que se deem novos passos quanto aos sistemas de apoio, incentivo, acompanhamento e avaliação das inovações.

É da maior importância que se garanta uma monitorização de proximidade, sustentada na formação de professores, diretores e assistentes operacionais, que seja perspetivada como um real motor de apoio à gestão e desenvolvimento curricular.

A transição de uma realidade curricular normativa e inflexível, para aquela que se aponta neste projeto de decreto-lei, deve enquadrar-se numa cultura de responsabilidade e de qualidade. Como tal, importa que o dispositivo de acompanhamento e monitorização previsto no artigo 34.º integre uma dimensão de formação científico-pedagógica dos professores, que decorra de necessidades emergentes das práticas docentes e que promova hábitos de reflexão sobre a profissão, em dinâmicas de cooperação e de partilha.

Este dispositivo de acompanhamento e monitorização deve, ainda, facilitar e apoiar o desenvolvimento de mecanismos de articulação e cooperação entre os agrupamentos e as escolas não agrupadas, tendo em vista uma mais célere e organizada partilha de práticas, em redes de entreajuda. Tais mecanismos revelam-se essenciais para animar, aprofundar e sustentar as dinâmicas de inovação curricular, pedagógica e organizacional em curso. Estas dinâmicas de cooperação são essenciais para fortalecer as lideranças escolares e para promover um necessário balanço entre a autonomia e a capacidade e responsabilidade.

2 - Para poder gerir de modo flexível o currículo é indispensável dispor de todos os documentos curriculares mencionados na proposta de decreto-lei e garantir a coerência entre si. Importa que o ME defina de modo claro e articulado os documentos curriculares de referência para que as escolas e os professores possam desenvolver o seu trabalho no sentido de assegurar uma melhor aprendizagem a todos os alunos.

3 - A concretização do projeto educativo e a possibilidade de oferta, em pé de igualdade entre escolas, das disciplinas de complemento à Educação Artística, de Apoio ao Estudo e de Oferta complementar, assim como as áreas de Opção no ensino secundário, implicam que os agrupamentos/escolas não agrupadas não fiquem espartilhadas por um crédito horário reduzido e limitadas ao seu corpo docente. Deve, por isso, ser possível a contratação de docentes sempre que tal se verifique necessário e desde que devidamente fundamentada.

4 - Importa repensar o modo como a avaliação está configurada no documento, através da inclusão, de forma clara e consistente, da importância da autorregulação do aluno. É igualmente importante identificar as diversas finalidades da avaliação e de que modo orientam os processos avaliativos, bem como caracterizar, de modo não contraditório, as várias modalidades de avaliação.

5 - Incluir, no artigo 3.º desta proposta de decreto-lei, a definição do que se entende por "medidas multinível, universais, seletivas e adicionais", constante do regime jurídico da educação inclusiva no âmbito da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, pelo caráter estruturante de que se revestem.

6 - Importa concretizar formas de garantir efetivamente as características globalizantes próprias do 1.º ciclo, propondo-se, assim, que a matriz curricular traduza claramente essa visão integradora.

Também, de modo a poder concretizar-se um ensino secundário como fase final da escolaridade obrigatória coerente com o Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória, reitera-se a recomendação do CNE no Parecer 3/2017 - "Parecer sobre Acesso ao Ensino Superior", onde se "reconhece a necessidade de melhorar o sistema de acesso ao ensino superior" tendendo para que os exames nacionais tenham apenas implicações ao nível da conclusão e certificação do ensino secundário e não como o instrumento de acesso ao ensino superior em que se transformou.

7 de maio de 2018. - A Presidente, Maria Emília Brederode Santos.

311357653

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/3352654.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2012-07-05 - Decreto-Lei 139/2012 - Ministério da Educação e Ciência

    Estabelece os princípios orientadores da organização e da gestão dos currículos, da avaliação dos conhecimentos e capacidades a adquirir e a desenvolver pelos alunos dos ensinos básico e secundário.

  • Tem documento Em vigor 2016-04-04 - Decreto-Lei 17/2016 - Educação

    Procede à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, que estabelece os princípios orientadores da organização e da gestão dos currículos dos ensinos básico e secundário, da avaliação dos conhecimentos a adquirir e das capacidades a desenvolver pelos alunos e do processo de desenvolvimento do currículo dos ensinos básico e secundário

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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