Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Recomendação 1/2013, de 28 de Janeiro

Partilhar:

Sumário

Publica a recomendação sobre Educação Artística, aprovada pelo Conselho Nacional de Educação.

Texto do documento

Recomendação 1/2013

Recomendação sobre Educação Artística

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Recomendação elaborada pelas Conselheiras Maria Emília Brederode Santos, Maria Helena Damião Silva e Maria Marques Calado, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 5 de dezembro de 2012, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo assim a sua quinta Recomendação no decurso do ano de 2012.

Recomendação

I. Introdução

A importância da educação artística para todos os envolvidos no sistema de educação e formação reúne hoje um consenso alargado. Decisores políticos com responsabilidade na matéria, passando por investigadores e profissionais ligados à educação, até às mais diversas instâncias da sociedade, reconhecem esta área como fundamental, tanto para o desenvolvimento individual como para o desenvolvimento da sociedade.

Não divergindo desta perspetiva, Portugal está longe de conseguir a concretização da educação artística que se entende como desejável e que tem sido conseguida em outros países. Ainda que ela se mantenha estabilizada em academias específicas e se tenha ampliado a setores da população a que antes não chegava - nomeadamente por via das parcerias com conservatórios de música e outros equipamentos culturais disponibilizados pelas comunidades -, não se pode negligenciar o facto de uma grande parte das crianças e jovens ficar privada de aprendizagens artísticas de diversos tipos ao longo da sua escolaridade e numa lógica de continuidade e coerência. Tendo sido recentemente publicado o Decreto-Lei 139/2012, de 5 de Julho, que estabelece os princípios orientadores da organização e gestão dos currículos dos ensinos básico e secundário, e não se vislumbrando nele uma particular sensibilidade e atenção a esta questão, vem o Conselho Nacional de Educação recordar as circunstâncias em que se processa a educação artística no nosso país, destacando as recomendações internacionais mais recentes que deveríamos ter em particular consideração, para, finalmente, emitir parecer sobre caminhos desejáveis a prosseguir. Para elaborar o presente documento foram ouvidas, durante o mês de Junho de 2012, diversas individualidades que têm desenvolvido trabalho de reconhecido mérito no domínio da educação artística. Trata-se de individualidades ligadas a diversas instituições que assumiram funções de educadores, professores, investigadores, planificadores, supervisores, diretores escolares, consultores ou artistas, algumas delas com responsabilidades na formação de docentes (António Avelãs, Domingos Morais, Elisa Marques, Helena Ferraz, Jorge Barreto Xavier, Jorge Ramos do Ó, Lucília Valente, Manuel Rocha, Maria Celeste Sousa, Maria João Craveiro Lopes, Pedro Saragoça).

II. Princípios e orientações

A arte, a par de outras formas de conhecimento - ciência, tecnologia, filosofia, humanidades... -, concorre para a compreensão e desenvolvimento da civilização, de cada sociedade e de cada pessoa. A arte constitui uma forma de conhecimento singular, cuja marca mais distintiva é a interrogação do sujeito e a convocação para a fruição e a criação.

Ao longo das últimas décadas, a educação artística tem sido objeto de inúmeras abordagens pedagógicas, umas associando-a primordialmente à criatividade e à dimensão emotiva, outras à identidade e ao conhecimento do património nacional ou universal, outras à capacidade de reflexão, autonomia, liberdade de pensamento e de ação, outras ainda a potencialidades motivacionais, terapêuticas, de integração social e de cidadania. É também frequente registar a "utilidade" das aprendizagens artísticas para a aprendizagem de outras disciplinas.

Ora, não negando esse valor instrumental - o "servir para..." -, é crucial que se lhe reconheça valor intrínseco - o valor que encerra em si mesma e por si mesma. Este valor destaca a centralidade da interpretação, fruição e expressão dos sujeitos na sua relação com o mundo.

Para que desde cedo os sujeitos possam beneficiar desse duplo valor que a arte tem - instrumental e intrínseco -, a escola não pode eximir-se ao dever de educar todos e cada um de forma empenhada, proporcionando uma aprendizagem artística capaz de assegurar a igualdade de oportunidades neste domínio. Esta abordagem tem vindo a ser defendida por autores de referência e por organismos internacionais (por exemplo, UNICEF 1989, UNESCO, 2005, 2006 e 2010; UE 2009, Conselho da Europa 2009, OCDE, 2011 e 2012).

Nesta recomendação opta-se pela designação de "educação artística" para acentuar uma visão abrangente que integre a aprendizagem das linguagens específicas (artes plásticas, música, dança, teatro, cinema, artes digitais.), numa perspetiva que valorize a criatividade, a comunicação e o conhecimento do próprio património artístico, histórico e contemporâneo. Trata-se aqui exclusivamente das aprendizagens artísticas que deverão constituir parte integrante da educação de todos e não do ensino artístico especializado que o sistema educativo também deve proporcionar mas que não é objeto desta recomendação.

III - Tendências internacionais

A educação artística faz parte das preocupações dos principais organismos internacionais, em que Portugal participa ou a que pertence, os quais têm vindo a definir orientações através de programas específicos, recomendações e convenções.

A UNESCO desde cedo colocou o tema da Educação Artística na sua agenda, tanto diretamente no âmbito da Educação (Educação para Todos, Educação de Adultos, Educação para o Desenvolvimento Humano, Educação ao Longo da Vida, Educação Inclusiva) como no contexto dos Direitos Culturais, onde o direito à criação e à fruição cultural e artística é contemplado e a educação artística é condição para o seu exercício. Também no setor da Cultura, a educação artística é considerada essencial, nomeadamente no que se refere à compreensão do património cultural e à valorização das indústrias da cultura e, sobretudo, no que reporta à diversidade cultural e artística, conforme estabelece a Convenção para a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Artísticas, aprovada pela Unesco em 2005 e ratificada por Portugal em 2006.

A UNESCO desenvolve um amplo Programa de Educação Artística, no âmbito do qual estabelece princípios e diretrizes, disponibiliza recursos e instrumentos de trabalho e indica boas práticas. A 1.ª Conferência Mundial sobre a Educação Artística (Education on Arts), que se realizou em Lisboa, em Março de 2006, estruturou um quadro de referência, teórico e prático, para o Programa de Educação Artística, demonstrando o "valor da educação artística" e a necessidade de desenvolver a investigação sobre esta problemática e de difundir o conhecimento de práticas resultantes de novos instrumentos conceptuais. Aponta a "necessidade de reforçar as capacidades criativas dos jovens e de promover a educação artística em todas as sociedades" e destaca a necessidade de conceber "programas de educação artística para as pessoas provenientes de meios mais desfavorecidos".

A 2.ª Conferência Mundial sobre Educação Artística, realizada em Seoul em Maio de 2010, avaliou o Programa da Unesco (Rapport relatif à l'enquête sur la mise en oeuvre de la Feuille de route pour l'éducation artistique) e aprofundou o seu desenvolvimento, reforçando o valor da educação artística para todos, destacando as dimensões sociais e culturais e estimulando a aplicação a nível mundial. A Agenda de Seoul consolidou princípios e objetivos e estabeleceu caminhos para o desenvolvimento da Educação Artística, através de um conjunto de linhas de ação, apelando aos Estados Membros, à sociedade civil e às organizações profissionais no sentido de aplicarem os princípios e prosseguirem os objetivos da UNESCO, de modo a assegurar que "a Educação Artística é acessível enquanto componente fundamental e durável da renovação qualitativa da educação".

O Conselho da Europa enquadra a educação artística de forma integrada e transversal, nos seus programas e documentos normativos. Em 1984, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa abordou o tema, estabelecendo as bases da "Recomendação sobre a Educação Cultural: promoção da cultura, da criatividade e da compreensão multicultural para a educação", retomada e confirmada em 2009. Em 1995, lançou Programa "Cultura, Criatividade e os Jovens", destinado a implementar a educação artística nas escolas dos Estados membros, implicando artistas e profissionais nas atividades extracurriculares. A Convenção-Quadro sobre o Valor do Património Cultural para o desenvolvimento da sociedade, aprovada em 2005 e ratificada por Portugal em 2008, reconhece a importância do Património Cultural na Educação Artística e recomenda a ligação entre as diversas áreas de estudo. No Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural, apresentado pelo Conselho da Europa em 2009, é referida a importância dos recursos artísticos e culturais como recursos educativos, destacando o papel da aprendizagem através das artes e das atividades culturais.

A União Europeia dá particular relevo ao tema da Educação Artística no âmbito da Agenda Europeia para a Cultura, onde se reconhece o valor da educação artística para a promoção da criatividade. Em 2009, no âmbito do Ano Europeu da Criatividade e da Inovação, lançaram-se iniciativas e desenvolveram-se atividades sobre esta problemática. Neste contexto foi publicado o estudo sobre Educação Artística e Cultural nas Escolas da Europa, constatando-se a diversidade de modelos e soluções nos diversos países. Nas suas conclusões, o Relatório centra-se nos objetivos da educação artística, nos currículos, nas ligações transversais entre as artes e as outras áreas curriculares, nos tempos letivos dedicados ao ensino obrigatório, na implicação das tecnologias da informação e na necessidade de aproximar os alunos do mundo das artes e da cultura.

Na mesma data, a Resolução do Parlamento Europeu sobre os estudos artísticos exprime a importância do desenvolvimento do ensino artístico e recomenda uma melhor coordenação da educação artística a nível europeu. Também o quadro estratégico para a cooperação europeia no domínio da educação e da formação destaca a importância de competências essenciais, incluindo a sensibilidade cultural e a criatividade.

IV - Ponto da situação

Em Portugal, a aprendizagem artística para todos, desde idades precoces e nos diversos patamares de escolaridade, constitui uma intenção que tem marcado presença no sistema educativo, encontrando-se referida e até legitimada em inúmeros discursos e documentos curriculares. A sua concretização, mesmo que apenas a nível curricular, tem-se revelado, no entanto, sujeita a contingências da mais variada natureza, ficando, nessa medida, muito distante dos melhores propósitos. Atualmente, na educação de infância, as orientações curriculares dão lugar de destaque a esta aprendizagem. O mesmo não acontece na escolaridade básica onde a educação artística é secundarizada relativamente a outras áreas disciplinares que são afirmadas como "essenciais".

Apesar de fazerem parte do plano curricular do 1.º ciclo, as Expressões Artísticas acabam por ser remetidas para a periferia do currículo por uma diversidade de razões a que não será alheia, por um lado, a perceção dos próprios professores sobre a sua impreparação para as desenvolver e, por outro, a atribuição de tempos mínimos para Português e Matemática que, no seu conjunto (14 horas letivas), excedem o tempo disponível para as restantes áreas (11 horas letivas para Estudo do Meio, Expressões: Artísticas e Físico-Motoras; e Áreas não disciplinares: Área de projeto; Estudo acompanhado; Educação para a cidadania.).

Persiste, de facto, um certo desconforto dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo relativamente à sua preparação para lecionarem esta área. No que respeita à formação de docentes, tanto de caráter inicial como contínuo, pode dizer-se que ela se ressente da falta de uma visão objetiva sobre a natureza e dimensões da educação artística nos diferentes níveis de ensino. Acresce que os candidatos à docência podem iniciar a sua formação com lacunas importantes neste domínio e com uma sensibilidade reduzida para alicerçar a formação que se entende desejável, graças ao facto de não ser assegurada a construção de uma cultura artística até ao final do ensino básico e de se agravar no ensino secundário a possibilidade de o conseguir.

Nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, a condição da educação artística não é menos problemática. No 2.º ciclo, a desagregação da área disciplinar de Educação Visual e Tecnológica (EVT) nas disciplinas de Educação Visual e de Educação Tecnológica veio a traduzir-se em Metas Curriculares, discordantes dos programas em vigor, que muitos veem como desajustadas do propósito de educação artística. No 3.º ciclo, além de a Educação Visual ser orientada no mesmo sentido, reduzem-se as possibilidades de disponibilização de qualquer outra disciplina artística na componente de "Oferta de Escola". Esta componente, tradicionalmente vocacionada para a educação artística, passou a ver alargado o seu âmbito à área tecnológica. Por outro lado, o espaço que lhe era atribuído passou a ser partilhado com a disciplina de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Acresce ainda que o tempo atribuído à atual "Área das Expressões e Tecnologias", que agora integra a Educação Física, é globalmente inferior ao que detinha o conjunto das suas componentes desde 2001 (menos 50 horas no total) além de sujeita a uma disciplinarização pouco adequada a uma visão moderna das artes e das aprendizagens artísticas.

No que respeita ao ensino secundário, a educação artística depende das opções vocacionais dos alunos, sendo que formalmente apenas está presente nas opções vocacionais manifestamente de ordem artística.

Neste cenário, a educação artística proporcionada pela escola caracteriza-se, em larga medida, pela ambiguidade - o reconhecimento da sua importância não se tem traduzido em práticas consentâneas -e pela descontinuidade - no percurso académico pode surgir ou não, dependendo de circunstancialismos vários.

Para além desta dimensão curricular, recorde-se que os serviços educativos de museus e outras entidades têm, desde os anos noventa, manifestado um grande dinamismo neste campo. Sendo, embora, aconselhável que a escola se lhes associe nestes processos, como aliás nos proporcionados pelo Plano Anual de Cinema recentemente lançado pelo Ministério da Educação e Ciência e Secretaria de Estado da Cultura, ela não pode negligenciar esta área de aprendizagem no âmbito da sua atuação específica, proporcionando a todos a aquisição de um conjunto de competências básicas neste domínio, tal como, de resto, acontece noutras áreas de conhecimento.

O Programa Nacional de Educação Estética e Artística em Contexto Escolar, do Ministério da Educação e Ciência, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, tem vindo a desenvolver ações sistemáticas de ligação da escola pública às instituições culturais e de formação e acompanhamento de docentes da educação pré-escolar e do 1.º ciclo. Não obstante a sua relevância, este Programa não tem continuidade nos restantes ciclos do ensino básico nem no ensino secundário, nem tem articulação com a formação inicial de professores.

V. Posições anteriores do Conselho Nacional de Educação

O Conselho Nacional de Educação tem-se preocupado, de modo muito particular, com a educação artística, emitindo diversos pareceres e recomendações, que importa retomar.

Em 1989, um parecer, intitulado "Educação artística" e elaborado pelo conselheiro Raul Miguel Rosado Fernandes sobre um diploma governamental e sobre um projeto do Grupo Parlamentar Os Verdes (Parecer 10/89 aprovado em 20/12/89 e publicado in DR - 2.ª série de 20/2/90 - n.º 43, p. 1811- 1814), defende que:

A formação genérica artística faça parte obrigatória e opcional do ensino básico e secundário, "de forma a aumentar o grau de cultura de todos os que formam a sociedade portuguesa" e "intensificar o grau de capacidade de execução dos nossos diplomados";

Se deve evitar "por todos os meios que o ensino praticado forme diplomados teóricos e não gente capaz de executar e de ensinar o que aprendeu";

Se assegure a maleabilidade necessária, defendendo duas medidas previstas no projeto governamental: criação do docente em regime de itinerância para a educação pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico; e a possibilidade de prestação de serviço em mais do que uma escola a partir do 2.º ciclo e até ao fim do secundário;

A educação artística inclua, além das modalidades de música, teatro, artes plásticas e dança, "o cinema e os audiovisuais".

Voltou a pronunciar-se em 1992, num parecer intitulado "Educação artística nas áreas da música, dança, teatro, cinema e audiovisual", cujo relator foi o conselheiro António de Almeida Costa e que foi aprovado em reunião plenária de 29 de julho desse ano (DR n.º 223, 2.ª série, de 26/9/92. O enquadramento deste parecer sintetiza as bases gerais da organização da educação artística pré-escolar, escolar e extraescolar, estabelecidas no Decreto-Lei 344/90, de 2 de Novembro, distinguindo as dimensões genérica e vocacional da educação artística. A Educação artística genérica seria a dimensão a desenvolver em todos os níveis de ensino, como componente da formação geral dos alunos, enquanto que a vocacional correspondia à "formação especializada, destinada a indivíduos com comprovadas aptidões ou talentos em alguma área artística específica, em princípio, ministrada em escolas especializadas [...]". Nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, "a educação artística vocacional constitui componente significativa de um currículo integrado, que inclui formação geral a realizar na mesma escola ou, em regime articulado, em escolas diferentes". No ensino secundário, "a educação artística vocacional constitui componente fundamental do respetivo currículo, que inclui também formação geral [...]". No ensino superior "compete aos órgãos próprios de cada instituição definir e estruturar os currículos dos cursos de educação artística vocacional".

O CNE recomendava ao Governo, "que a reforma do ensino artístico se não [esgotasse] na publicação dos diplomas legislativos, pois [dependia] no essencial de um verdadeiro programa de ação que [concretizasse] os objetivos [então] enunciados".

De facto, não parecem ter passado à prática nem a recomendação do CNE, nem os decretos regulamentadores sobre os quais se pronunciava, e em dezembro de 1998 o CNE aprovava um parecer, elaborado pelos conselheiros Emília Nadal e Jorge Barreto Xavier que viria a ser publicado em Fevereiro de 1999 (DR n.º 28, 2.ª série, de 3 de Fevereiro). Este parecer "aborda as dimensões teleológica, política e pedagógica da área em questão, utilizando como moldura a Lei de Bases do Sistema Educativo em vigor e as orientações consignadas na Carta Magna da Educação e Formação ao Longo da Vida e como fundamento o quadro constitucional em vigor". Intitulado "Educação estética, ensino artístico e sua relevância na educação e na interiorização dos saberes", procede a um levantamento da legislação relativa à área da "educação estética e do ensino artístico" e à caracterização do seu âmbito e objetivos. Nos seus termos, a educação estética corresponderia a "uma dimensão qualitativa do saber e da forma de a pessoa se relacionar com a realidade e com o próprio saber". O seu objetivo seria o de "ampliar as potencialidades cognitivas, afetivas e expressivas da pessoa", abrindo "horizontes, estimulando os interesses e integrando a razão com os sentimentos e as emoções." Quanto ao contexto do seu desenvolvimento, "a educação estética, no âmbito do ensino formal, processa-se igualmente de forma transversal e implícita, sendo proposta de forma explícita através de disciplinas específicas, em princípio existentes nos currículos". Salienta, entre os fatores que intervêm na formação estética no ensino formal, (i) "O espaço físico e o ambiente psicológico do contexto escolar; (ii) Os valores que informam os regulamentos internos e as relações pessoais no espaço educativo; (iii) Os currículos e as novas tecnologias; (iv) A atitude dos docentes face à dimensão estética dos saberes que transmitem; (v) As pedagogias e os estilos de comunicação dos conteúdos curriculares; (vi) O tempo e o espaço atribuídos às disciplinas e às atividades que permitem a criatividade e experiência estética."

Trata-se de uma visão ampla da estética e da sua educação, que se inicia formalmente no pré-escolar, onde a atividade artística "desempenha um papel crucial", devendo, no entanto, a sua presença curricular ser repensada como uma "dimensão importante dos conteúdos", articulada "com os posteriores graus de ensino". Deveria ser promovida de forma implícita e transversal em algumas áreas de aprendizagem - Língua Materna, Literatura, História, Educação Física ou Ciências da Natureza, por exemplo - e de forma explícita em disciplinas de natureza teórica como a História de Arte e a Filosofia ou de natureza específica como a Educação Visual, Educação Musical, Expressão Dramática, Dança, Design e Audiovisuais.

O ensino artístico seria "uma forma excelente de concretização" da educação estética, devendo ter direito a um "espaço importante e significativo nos currículos e nos horários escolares, ao longo de toda a escolaridade, em particular na educação pré-escolar e durante todo o ensino básico", "reforçado (e nunca restringido) nas situações em que se possam verificar dificuldades na aprendizagem ou na integração escolar, como nos casos do ensino especial e das escolas com índices de grande violência ou situações de multiculturalidade [...], nas soluções terapêuticas da flexibilização curricular, dos currículos alternativos ou da redução do tempo escolar".

As suas "recomendações" abrangem:

a) Orientações e estratégia - onde se sublinha a necessidade de valorização da sensibilidade e dos vários tipos de inteligência; o reconhecimento da importância da educação estética na motivação para as aprendizagens; no desenvolvimento da expressão e criatividade individual, entre outros considerandos;

b) Medidas legislativas - para além de recomendar a revogação das disposições legais posteriores ao Decreto-Lei 344/90 e outras medidas, recomenda especificamente que se garanta a continuidade curricular da Educação Musical nos ensinos básico e secundário "para os alunos que pretendam enveredar por cursos superiores no domínio da música ou na via de ensino";

c) Programas, pedagogias e boas práticas - Recomenda uma revisão profunda dos "cânones de formação, programas e metodologias" por considera-los predominantemente confinados à "transmissão desarticulada de técnicas e gramáticas" e que se acentue a sua "vocação específica para o desenvolvimento das capacidades percetivas e expressivas dos alunos, para o exercício da imaginação e da criatividade e para a educação da sensibilidade e do juízo estético". Entre outras medidas, recomenda o estabelecimento de parcerias e colaborações com artistas e organizações culturais extraescola e a criação de "equipas móveis" que "coadjuvem a prática do ensino artístico em escolas de monodocência, no pré-escolar e em escolas do ensino básico e secundário onde não existam meios próprios";

d) Formação de professores - A Recomendação termina com um apelo ao reforço desta dimensão cultural e estética na formação de professores de todos os níveis, à reavaliação do "reconhecimento oficial de cursos [...] que creditam o acesso à docência na área das artes e que frequentemente não oferecem as condições mínimas para a aquisição de competências práticas"; e a inclusão da via de ensino nas escolas superiores de ensino artístico que a não contemplem.

VI. Conclusões e recomendações

Dos estudos nacionais e internacionais analisados, das audições feitas a diversas individualidades, da apreciação dos pareceres e recomendações anteriores do CNE, da análise da legislação mais recente sobre a educação artística no sistema educativo português, podemos concluir:

1 - Que é consensual e cada vez mais reconhecida a importância da educação artística para o desenvolvimento de cada ser humano, nas suas vertentes pessoal e social, proporcionando a todos uma cultura artística, a fruição das manifestações artísticas e a expressão da sua criatividade;

2 - Que a conceção de educação artística deve ultrapassar as dicotomias "conhecer" versus "fazer" e "apreciar" versus "criar", entendendo os seus polos como dimensões necessárias a fomentar, numa interação que equilibradamente as contemple e promova;

3 - Que, apesar do consenso referido, a presença das artes e da educação artística no currículo se afigura cada vez mais reduzida e pouco definida, não estando assegurada também a sua continuidade, coerência e qualidade;

4 - Que a educação artística poderá e ganhará em ser proporcionada por organizações e entidades da comunidade mas é à escola pública que cabe a principal responsabilidade nessa matéria. Assim, essa área deverá ser transversal a toda a sua organização e atividade e constar em espaços curriculares próprios, efetivos e explícitos, no currículo geral dos ensinos básico e secundário. O que se gasta atualmente e os recursos existentes, melhor geridos, permitirão melhorar a qualidade do ensino e educação artísticos.

Por tudo isto, o CNE recomenda:

1 - Ao nível do currículo e da organização do ensino:

1.1 - Que a educação artística integre inequivocamente o currículo nacional, possibilitando a aprendizagem de uma variedade de linguagens - das mais tradicionais às mais recentes - e de uma variedade de tónicas, salvaguarde uma perspetiva abrangente e integrada que valorize a fruição, a expressão, a criatividade, a comunicação e o conhecimento do património.

1.2 - Que se consagre a importância da educação artística ao longo de toda a escolaridade básica de forma contínua, devendo-se para tal, com caráter de urgência:

a) Clarificar a situação da área das Expressões no currículo do 1.º ciclo do ensino básico;

b) Rever as Metas Curriculares relativas à Educação Visual para os 2.º e 3.º ciclos do ensino básico que, para além não estarem em sintonia com o programa em vigor, revelam uma visão limitada dessa disciplina.

c) Assegurar a continuidade da Educação Artística no 3.º ciclo do ensino básico e no ensino secundário (pelo menos para quem pretenda ingressar em cursos da especialidade e em cursos de formação de educadores e professores) com a oferta de opções de Educação Musical, Artes Cénicas, Artes Integradas, ou Artes Digitais... asseguradas por professores especialistas com formação pedagógico-didática.

1.3 - Que, sem comprometer o caráter global do processo de ensino/aprendizagem no 1.º ciclo do ensino básico, assegurado pela presença e ação constantes do professor único, se incentivem, quando as condições o permitem e favorecem, formas de coadjuvação dos educadores de infância e dos professores do primeiro ciclo, assinalando-se como positiva a flexibilidade defendida no artigo 21.º, n.º 2, alínea b, do Decreto-Lei 139/2012, de 5 Julho.

2 - Ao nível da formação de professores e educadores:

2.1 - Que se revejam as opções da formação inicial e contínua de educadores e professores, no pressuposto de que os docentes precisam de desenvolver saberes e estratégias pedagógicas e didáticas,

visando fortalecer a cultura artística dos alunos.

3 - Ao nível das escolas e das autarquias:

3.1 - Que, no âmbito da autonomia das escolas e das competências atribuídas à administração local, se promova a integração de componentes de educação artística, a consagrar, de forma articulada, tanto nos projetos municipais de educação como nos projetos educativos das escolas.

3.2 - Que sejam criadas condições para a inserção na escola de "especializações", nomeadamente no âmbito de componentes locais dos currículos escolares ou áreas dominantes das atividades de enriquecimento curricular.

3.3 - Que se intensifique a utilização dos recursos culturais e artísticos (serviços educativos dos museus, teatros, academias, etc.) e se incentivem parcerias e formas de colaboração com artistas e organizações locais e nacionais capazes de contribuir para a formação artística de alunos e professores.

4 - Ao nível da investigação e da coordenação

4.1 - Que se promovam e divulguem estudos, por exemplo, sobre os processos de ensino e de aprendizagem artística, a sua concretização pedagógico-didática nas escolas, os seus resultados, incentivando, nomeadamente, a participação de Portugal em investigações internacionais que incidam nestes domínios.

4.2 - Que se assegure, a nível da administração central, a continuidade e articulação das aprendizagens artísticas nos vários níveis e modalidades de ensino, da formação de educadores e professores, da investigação e de ofertas de formação e atividade extraescolar.

4.3 - Que, ao nível das políticas públicas, os setores da Educação e da Cultura articulem programas e recursos particularmente vocacionados para educação artística.

5 de dezembro de 2012. - A Presidente, Ana Maria Dias Bettencourt.

206694695

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/306506.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1990-11-02 - Decreto-Lei 344/90 - Ministério da Educação

    Estabelece as bases gerais da organização da educação artística pré-escolar, escolar e extra-escolar.

  • Tem documento Em vigor 2012-07-05 - Decreto-Lei 139/2012 - Ministério da Educação e Ciência

    Estabelece os princípios orientadores da organização e da gestão dos currículos, da avaliação dos conhecimentos e capacidades a adquirir e a desenvolver pelos alunos dos ensinos básico e secundário.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda