Acórdão do Tribunal de Contas n.º 1/2014
Plenário Geral
(Recurso extraordinário - artigos 101.º a 103.º da LOPTC)
I. RELATÓRIO
O Ministério Público junto do Tribunal de Contas veio, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 101.º, n.os 1, 2 e 3, 96.º, da Lei 98/97, de 26/08 [doravante LOPTC], e 447.º do Código de Processo Penal, aplicável por força do artigo 80.º, alínea c), da LOPTC, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, atenta a oposição, sobre a mesma questão de direito, entre a Sentença n.º 6/2013, de 4 de julho, da Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, proferida no Proc. n.º 3/2012-JRF e o Acórdão 5/2013, de 6 de março, da 3.ª Secção-PL do Tribunal de Contas, proferido no âmbito do Recurso Ordinário n.º 1- JRF/2012.
Nas alegações, o Ministério Público concluiu:
«1. [...]
"A PGR determinou ao Ministério Público junto do Tribunal de Contas que, nos termos do artigo 447.º do CPP, aplicável por força do artigo 80.º da LOPTC, intentasse recurso de unificação de Jurisprudência, dado haver decisões opostas relativamente à questão fundamental de direito, sobre se, no domínio da LOPTC [artigo 70.º], a citação do demandado para ação de efetivação de responsabilidades financeiras constitui ou não fator interruptivo da prescrição;
2. No recurso interposto neste processo pelo Ministério Público na SRM contra a sentença que nele foi lavrada [sentença n.º 6/2013 da SRM do Tribunal de Contas] o Ministério Público circunscreveu os efeitos do seu recurso e não abrangeu nele a absolvição do 15.º demandado;
3. Todavia, apesar do trânsito da decisão quanto àquele demandado, está, ainda assim, o Ministério Público em tempo para intentar este recurso extraordinário, pois ele decorre no domínio da previsão do artigo 447.º do CPP, aplicável por força do artigo. 80.º da LOPTC;
4. A absolvição do 15.º demandado neste processo funda-se na desconsideração direta e assumida do fator interruptivo - citação do demandado para a ação - na apreciação do prazo prescricional em matéria de responsabilidade financeira;
5. Sobre a mesma matéria existe, contudo, jurisprudência uniforme do Plenário da 3.ª Secção, de que se destaca, por ser mais recente, o Acórdão 5/2013 - 3.ª Secção-PL, que veicula orientação contrária à daquela sentença da SRM do Tribunal de Contas;
6. Com efeito, como pode concluir-se daquele Acórdão, e ao contrário da sentença da SRM, o Plenário da 3.ª Secção considera aplicável ao regime da prescrição da responsabilidade financeira o regime interruptivo que resulta da citação dos interessados para a demanda, tal como previsto no Código Civil e no Código Penal;
7. Ambas as decisões já transitaram em julgado, pelo que o presente recurso apenas pode produzir efeitos para futuro e nos termos previstos no artigo 103.º da LOPTC;
8. Estão, pois, verificados os requisitos p. no artigo 101.º da LOPTC para que o Plenário Geral do Tribunal de Contas admita o recurso para a unificação da jurisprudência:
a) A confirmação da existência de duas decisões com soluções jurídicas opostas: uma de uma Secção Regional, outra do Plenário da 3.ª Secção;
b) O facto de a prolação de tais decisões ter ocorrido no âmbito da mesma norma e com a mesma redação da LOPTC (artigo 70.º, n.os 1, 2 e 3);
9. Deve, assim, o Plenário Geral do Tribunal, nos termos do que dispõem os artigos 102.º e 103.º da LOPTC, considerar verificados os requisitos para a prolação de um Acórdão de unificação de jurisprudência e proferir uma decisão que fixe, quanto à matéria em causa, jurisprudência obrigatória;
10. Considera o Ministério Público que o sentido da jurisprudência adotado pelo Plenário da 3.ª Secção do Tribunal de Contas é o que melhor interpreta o sistema de princípios de direito relativos ao regime geral da responsabilidade no ordenamento constitucional e jurídico português, nele se incluindo, necessariamente, o da responsabilidade financeira;
11. Com efeito, o facto de o artigo 70.º, da LOPTC, apenas se ter referido ao fator suspensivo da prescrição e não ao interruptivo, apenas significa que o legislador quis adaptar aquele fator às circunstâncias e especificidades próprias do processo de averiguação preliminar das infrações financeiras contempladas no processo de auditoria que vigora no Tribunal de Contas;
12. Nesse sentido, o teor das normas dos números 2 e 3 do artigo 70.º da LOPTC, que apenas especializam, quanto a este fator [suspensão], o ordenamento geral da prescrição em matéria de responsabilidade que decorre, quer do Código Civil, quer do Código Penal;
13. Quanto ao mais, entende-se, pois, que vigoram os regimes gerais sobre a prescrição desenvolvidos no Código Civil e no Código Penal;
14. Aliás, este último - o Código Penal - seria sempre aplicável por força do disposto, no seu artigo 9.º, quanto à subsidiariedade e força do seu regime relativamente ao direito sancionador especial;
15. É este, aliás, o sentido da jurisprudência do Plenário da 3.ª Secção do Tribunal de Contas.
"Proferindo um Acórdão que fixe jurisprudência obrigatória com o sentido que lhe foi dado por aquele Acórdão do Plenário da 3.ª Secção [Acórdão 5/2013 - 3.ª Secção-PL], fará o Plenário Geral do Tribunal a mais sábia, prudente e melhor justiça.".»
Por ser legal e interposto por quem tem legitimidade, foi admitido o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 101.º, n.os 1, 2 e 3 e 96.º, da LOPTC, e, ainda, do artigo 447.º do Código de Processo Penal, aplicável "ex vi" do artigo 80.º, alínea c), da LOPTC [vide fls. 119].
Colhidos os vistos, e reunido o Plenário Geral do Tribunal, cumpre decidir:
II. Fundamentação
A) Interposição do recurso e respetiva sustentação legal
O Artigo 101.º da LOPTC, sob a epígrafe "Recursos extraordinários", na parte relevante, dispõe o seguinte:
"1 - Se, no domínio, da mesma legislação, forem proferidas em processos diferentes nos plenários das 1.ª ou 3.ª secções ou nas secções regionais duas decisões, em matéria de concessão ou de recusa de visto e de responsabilidade financeira, que, relativamente à mesma questão fundamental de direito, assentem sobre soluções opostas, pode ser interposto recurso extraordinário da decisão proferida em último lugar para a fixação de jurisprudência.
2 - No requerimento de recurso deve ser individualizada tanto a decisão anterior transitada em julgado que esteja em oposição como a decisão recorrida, sob pena de o mesmo não ser admitido.
3 - Ao recurso extraordinário aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime do recurso ordinário, salvo o disposto nos artigos seguintes.
4 - [...]"
Por sua vez, o artigo 447.º do Código do Processo Penal, sob a epígrafe "Recursos no interesse da unidade do direito", dispõe o seguinte:
"1 - O Procurador-Geral da República pode determinar que seja interposto recurso para fixação de jurisprudência de decisão já transitada em julgado há mais de 30 dias.
2 - Sempre que tiver razões para crer que uma jurisprudência fixada está ultrapassada, o Procurador-Geral da República pode interpor recurso do acórdão que firmou essa jurisprudência no sentido do seu reexame. Nas alegações o Procurador-Geral da República indica logo as razões e o sentido em que a jurisprudência anteriormente fixada deve ser modificada.
3 - Nos casos previstos nos números anteriores a decisão que resolver o conflito não tem eficácia no processo em que o recurso tiver sido interposto.".
A Senhora Procuradora-Geral da República, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 96.º, n.º 3, 101.º, da LOPTC, e 447.º, do Código de Processo Penal, aplicável por força do artigo 80.º, alínea c), da LOPTC, determinou que fosse interposto recurso extraordinário para fixação de jurisprudência quanto à matéria em causa e sobre a qual incidiram decisões opostas no âmbito da mesma norma e com a mesma redação [artigo 70.º, n.os 1, 2 e 3, da LOPTC].
O artigo 447.º, do Código de Processo Penal permite que, fora do prazo normal de recurso, o Ministério Público intente recurso para unificação de jurisprudência, mesmo depois de transitada em julgado a decisão proferida no segundo processo e que está em contradição com a primeira.
O Ministério Público, está, pois, em prazo para interpor o presente recurso. Contudo, a decisão que sobre o mesmo incidir não produzirá efeitos sobre o decidido na sentença n.º 6/2013 e incluída no processo 3/2012-JRF, da SRMTC.
B) Oposição de julgados e as posições sob confronto
Sustenta o recorrente que se perfilam duas decisões opostas quanto à citação como causa interruptiva da prescrição do procedimento por responsabilidade financeira sancionatória, a saber:
. A Sentença n.º 6/2013, da SRM, de 4JUL, que não considerou a citação como causa interruptiva da prescrição;
. O Acórdão 5/2013, da 3.ª Secção-PL, de 6MAR, que acolheu a citação como causa interruptiva da prescrição.
Ambas as decisões transitaram em julgado.
1 - A Sentença n.º 6/2013, de 4 de julho
Na sentença n.º 6/2013, foi decidido como segue:
"1. Julgar extinto por prescrição, nos termos do disposto nos artigos 69.º, n.os 1 e 2, alínea a), e 70.º, n.os 1 e 2, da Lei 98/97, de 26/08, o procedimento pelas responsabilidades financeiras de natureza reintegratória e sancionatória imputada nestes autos ao Demandado Rui Adriano Ferreira de Freitas e, consequentemente, absolvê-lo do pedido" (1).
"2. Absolver dos respetivos pedidos os Demandados [...] das infrações financeiras reintegratórias e sancionatórias, que a cada um eram imputadas na presente ação." (2).
"3. Julgar extinto por prescrição, nos termos do disposto nos artigos 69.º, n.º 2, al. a), e 70.º, n.os 1, 2 e 3, da Lei 98/97, de 26/8, o procedimento pelas responsabilidades financeiras de natureza sancionatória imputadas nestes autos ao Demandado João Marcelino Gomes de Andrade e, consequentemente, absolvê-lo do pedido." (3)
Em 21OUT2013, o Ministério Público, junto da sede do Tribunal de Contas, foi notificado da interposição de recurso jurisdicional da Sentença n.º 6/2013, Processo 3/2012 - JRF, da Secção Regional da Madeira [doravante SRM], por parte do Ministério Público daquela Secção Regional.
O recurso interposto da referida sentença não incidiu sobre o ponto 3 da parte decisória, pelo que, nessa parte, transitou em julgado - vide fls. 110 a 117.
Com referência ao ponto 3 da parte decisória da sentença e ao 15.º demandado, a aludida sentença, pronunciando-se sobre a questão da prescrição da responsabilidade financeira sancionatória, afirma:
"Apreciando a questão prévia da prescrição, há que apurar se, desde 31/12/2007, data do último pagamento, no final da gerência de 2007, decorreu o prazo fixado no artigo 70.º, n.º 1, da Lei 98/97, e considerando o período de suspensão deste prazo, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.
Como atrás se disse, a auditoria teve início em 15/07/2011 e a notificação do demandado para o contraditório ocorreu em 06/12/2011 - fls. 99 da pasta do processo de auditoria apenso.
Assim, desde 31/12/2007 até 15/07/2011, data em que ficou suspenso o prazo de prescrição, passaram três anos, seis meses e quinze dias.
O prazo voltou a correr em 07/12/2011, pelo que, somando aquele tempo decorrido com o passado desde esta última data, se verifica que os cinco anos previstos na norma legal se completaram em 22/5/2013.
A prescrição, como atrás se referiu, faz extinguir o procedimento por responsabilidades financeiras sancionatórias, nos termos das normas do artigo 69.º, n.º 2, alínea a), e 70.º, n.os 1, 2 e 3 citadas, pelo que, por esta razão e sem necessidade de mais considerações, a acção improcede nesta parte, com a consequente absolvição do Demandado João Marcelino Gomes de Andrade";
A citação do então 15.º demandado, João Marcelino Gomes de Andrade, ocorreu em 13JUL2012 - vd. fls. 110 e 112.
A data da citação do demandado a que se reporta a alínea que antecede não foi considerada como causa interruptiva da prescrição.
2 - O Acórdão 5/2013, de 6 de março
No Acórdão 5/2013 decidiu-se o seguinte:
"a) Absolver Jaime Serrão Andrez, Maria Leonor Mendes da Trindade e José Paulo Gomes Serrão, em razão da prescrição do procedimento, da infração financeira sancionatória prevista e punida no artigo 65.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, da LOPTC, por violação do Despacho Conjunto 235/99, de 1 de Março, da Resolução 82/78, de 30 de Maio, e do artigo 22.º, n.º 2, do Decreto-Lei 155/92, de 28 de Julho, em razão da prescrição do procedimento, relativamente aos pagamentos dos subsídios de férias e de Natal no ano de 2003 e em 15 de Julho de 2004 aos membros da Comissão de Fiscalização, e manter tal infração relativamente aos pagamentos de 20 de Dezembro de 2004 e de 29 de Junho de 2005 (este apenas da responsabilidade de Maria Leonor Trindade e José Serrão) mantendo-se as multas aplicadas.
b) No mais, mantém-se, na íntegra, a sentença recorrida.";
Com referência à alínea b) da parte decisória e aos demandados em causa, o aludido Acórdão, pronunciando-se sobre a questão da prescrição da responsabilidade financeira sancionatória, afirma:
"Os recorrentes vieram invocar a prescrição do procedimento relativamente à infração sancionatória pela qual foram condenados.
Trata-se da infração prevista e punida no artigo 65.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, da Lei 98/97, de 26 de Agosto [...] doravante LOPTC, por violação do Despacho Conjunto 235/99, de 1 de Março, proferido ao abrigo do artigo 11.º dos Estatutos do INPI, da Resolução 82/78, de 30 de Maio, e do artigo 22.º, n.º 2, do Decreto-Lei 155/92, de 28 de Julho, e reportada a autorizações de pagamento de 14 de Julho e 18 de Dezembro de 2003, 15 de Julho e 20 de Dezembro de 2004 e 29 de Junho de 2005, com exceção do Recorrente Jaime Serrão Andrez em que os factos se reportam apenas aos anos de 2003 e 2004.
Nos termos do artigo 70.º da LOPTC, o prazo de prescrição do procedimento por responsabilidades sancionatórias é de 5 anos, contando-se a partir da data da infração, mas suspende-se com a entrada da conta no Tribunal de Contas ou com o início da auditoria e até à audição do responsável, sem poder ultrapassar dois anos.
Dispõe o n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil que "a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente".
Por seu lado, dispõe o n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal que "A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade".
O Regime Geral das Contra-Ordenações consagra também que "a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade" (cf. artigo 28, n.º 3, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro).
Este regime constante do Código Penal e do Decreto-Lei 433/82 aplica-se igualmente em sede de responsabilidade financeira sancionatória.
[...]
No que concerne à autorização de pagamento de 15-07-2004, constata-se que o procedimento prescreveria em 20-08-2010 para o Recorrente Jaime Andrez, em 16-08-2010 para a Recorrente Maria Leonor Trindade e em 28-08-2010 para o Recorrente José Serrão, o que não se verificou face à interrupção da prescrição por via da citação em 16-07-2010, 21-07-2010 e 16-07-2010, respetivamente.".
Conforme se infere da matéria dada como assente nos pontos 1 e 2, existem duas decisões, transitadas em julgado, e em oposição quanto à consideração da citação como causa interruptiva da prescrição do procedimento por responsabilidade financeira sancionatória.
Verificam-se, pois, todos os pressupostos para conhecer do presente Recurso.
É isso, de resto, o que resulta do despacho de fls. 119 dos autos, quando se admitiu o recuso interposto pelo M.P., nos termos dos artigos 101.º, n.os 1 a 3, 96.º, da LOPTC, e 447.º do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 80.º, alínea c), da LOPTC.
Refira-se que a citação como causa interruptiva da prescrição, para além do Acórdão 5/2013, foi assumida em outros Acórdãos proferidos em Plenário da 3.ª Secção deste Tribunal, a saber:
. Acórdão 2/2006, 18OUT;
. Acórdão 4/2008, de 21MAI;
. Acórdão 6/2008, de 15JUL;
. Acórdão 1/2014, de 8JAN.
C. Evolução legislativa
Para uma melhor análise da problemática em apreço, mostra-se essencial ter presente não apenas a legislação em vigor, mas, igualmente, a que lhe é prévia.
Nesse sentido, assinala-se, desde já, que a Lei 86/89, de 8 de setembro [designada Lei de Reforma do Tribunal de Contas], não continha normas processuais específicas, recorrendo-se, no domínio do processo de responsabilidade financeira, às leis subsidiárias do processo civil e penal, aplicáveis genericamente à atividade jurisdicional, bem como a outras normas específicas, destacando-se, aqui, o artigo 34.º, do Decreto 22 257, de 25 de fevereiro de 1933, que estabelecia o regime da prescrição, e para os quais a Lei 86/89, através do seu artigo 62.º, n.º 1, remetia, utilizando a seguinte fórmula jurídica:
"A tramitação processual e os prazos dos correspondentes actos do Tribunal são regulados por lei.".
Não tendo a Lei de n.º 86/89 operado uma revogação expressa do Decreto 22 257, mas apenas uma revogação tácita na parte em que o regime nele contido se revelou incompatível com o então vigente, manteve-se em vigor o regime prescricional previsto no seu artigo 34.º que dispunha, com relevância, o seguinte:
"& 1.º Prescrição - regra geral
- O prazo de prescrição é de 30 anos ininterruptos - aplicável aos julgamentos dos processos de contas de todos os responsáveis bem como à responsabilidade resultante dos alcances julgados.
- A prescrição da obrigação de prestar contas começa a correr desde o dia da última gerência dos responsáveis ou desde o dia do último ato praticado no processo.
- A prescrição da responsabilidade por dívidas à Fazenda Nacional resultantes de alcances começa a correr desde o dia em que o respetivo acórdão passou em julgado ou desde o dia do último ato praticado no processo de execução;
& 2.º Interrupção
- A prescrição interrompe-se por qualquer citação ou intimação ao responsável ou seus herdeiros ou por qualquer diligência ou ato previsto no Regimento do Tribunal de Contas ou outras leis e regulamentos tendentes à organização do processo e sua preparação para julgamento;
- A interrupção inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente.
& 3.º Obrigatoriedade de declaração pelo Tribunal
- A prescrição não se presume, sendo necessário a sua declaração pelo Tribunal de Contas para produzir efeitos, pode ser aplicada ex officio.
[...]".
A Lei 98/97, de 26 de agosto, que tomou o lugar da Lei 86/89, [atual Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas], veio, no artigo 70.º, consagrar, finalmente, normas de natureza processual e enquadrar juridicamente o instituto da prescrição do procedimento por responsabilidades financeiras nos seguintes termos:
"1 - É de 10 anos a prescrição do procedimento por responsabilidades financeiras reintegratórias e de 5 anos a prescrição por responsabilidades sancionatórias.
2 - O prazo de prescrição do procedimento conta-se a partir da data da infração ou, não sendo possível determiná-la, desde o último dia da respetiva gerência.
3 - O prazo de prescrição do procedimento suspende-se com a entrada da conta no Tribunal ou com o início da auditoria e até à audição do responsável, sem poder ultrapassar dois anos.
4 - Nos casos a que se refere o n.º 2 do artigo 89.º, o prazo de prescrição do procedimento suspende-se pelo período decorrente até ao exercício do direito de ação ou à possibilidade desse exercício, nas condições aí referidas. (4)".
Para o adequado enquadramento jurídico desta matéria é igualmente importante a norma constante do artigo 80.º, da LOPTC, que, em matéria processual, manda aplicar, supletivamente, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal [este último, no domínio sancionatório], bem como outras normas e, designadamente, o artigo 91.º, n.º 3, que, em matéria de citações e notificações, remete expressamente para a lei processual civil.
Perante a ausência de referência expressa na LOPTC, nomeadamente, no seu artigo 70.º, à possibilidade de interrupção do prazo de prescrição do procedimento, importa, assim, esclarecer se existe uma lacuna de previsão, ou se, ao invés, essa lacuna não existe, devendo, em conformidade, considerar-se a citação do demandado causa interruptiva daquele instituto jurídico [a prescrição].
Conhecido o quadro legislativo, na sua amplitude evolutiva, analisaremos, de seguida, as posições sob confronto.
Passaremos, pois, à necessária abordagem.
D - O regime de prescrição constante da LOPTC e Respetiva caracterização
1. Conforme já se afirmou, o artigo 70.º, da LOPTC, estabelece o prazo de prescrição do procedimento da responsabilidade financeira e regula a suspensão do mesmo, consagrando os seguintes princípios e normativos:
. O prazo de prescrição do procedimento é diverso consoante o tipo de responsabilidade em causa, sendo de 5 anos para a responsabilidade sancionatória e de 10 anos para a responsabilidade reintegratória;
. Os prazos de prescrição do procedimento contam-se a partir da data da infração ou, caso não seja possível determiná-la, deste o último dia da gerência em causa;
. A suspensão dos prazos de prescrição do procedimento ocorre com a entrada da conta de gerência no Tribunal de Contas ou com o início da auditoria e até à audição dos responsáveis;
. A suspensão dos prazos de prescrição do procedimento não pode ultrapassar dois anos;
. Nos casos em que o direito de ação é exercido, subsidiariamente, pelas entidades e nos termos previstos no artigo 89.º, n.º 2, a suspensão estende-se até ao exercício ou à possibilidade de exercício desse direito.
1.1. Retenha-se, no entanto, que o enquadramento jurídico do instituto da prescrição não se limita ou circunscreve ao regime previsto no citado artigo 70.º, da LOPTC.
Na verdade, e sublinhe-se, o instituto da prescrição encontra-se, agora, conexionado com o processo de julgamento das responsabilidades financeiras, instituído, como é sabido, mediante a reforma estrutural operada pela Lei 98/97, de 26.8.
E este [processo de julgamento de responsabilidades financeiras] constitui, sem dúvida, uma marcante inovação introduzida por aquela Lei [n.º 98/97], porquanto até à publicação deste diploma legal não existia no Tribunal de Contas uma separação funcional entre a atividade da auditoria e a atividade jurisdicional. Ou seja, e explicitando, o julgamento era efetuado no âmbito da secção [2.ª] e assumindo a condição de relator o Juiz que havia presidido à instrução do processo.
A Lei 98/97, de 26.8., instituiu uma nova secção [3.ª], composta por Juízes prioritariamente oriundos das magistraturas [artigo 15.º, n.º 4], sem qualquer intervenção na preparação e realização das auditorias, que julgam mediante requerimento de julgamento deduzido pelo Ministério Publico, ou por alguma das entidades mencionadas no artigo 89.º, n.º 1, al. b), da LOPTC, no âmbito de um processo jurisdicional com intervenção obrigatória de advogado e a realização de uma audiência de julgamento.
Esta reforma do procedimento financeiro, aliás, profunda, logrou continuação através das Leis n.os 48/2006, de 29.8, 35/2007, de 13.8, 61/2011, de 7.12 e 2/2012, de 6.1.
O processo jurisdicional de julgamento das responsabilidades financeiras mostra-se regulado no Cap. VII, da LOPTC, daqui resultando a estruturação de um processo jurisdicional delineado por forma simplificada.
Vista a Lei em causa [Lei 98/97], verifica-se, também, que o legislador, no âmbito da regulação da tramitação do processo jurisdicional para efetivação das responsabilidades financeiras, optou pela convocação de normas, por forma supletiva, e constantes do Código de Processo Civil e do Código de Processo Penal [vd. o disposto nos artºs 80.º, als. a) e c), 91.º, n.º 3, e 93.º, da LOPTC]. Já se compreende, pois, a ausência, no domínio da Lei 98/97, de disciplina específica e alargada dirigida à tramitação do referido processo jurisdicional.
2. Aqui chegados, importa ponderar a particularidade de a norma contida no artigo 70.º, da LOPTC, não contemplar a interrupção do prazo de prescrição do procedimento financeiro, adiantando-se, naturalmente, argumentação tendente à compreensão de tal omissão.
Analisada a norma contida no citado artigo 70.º, da LOPTC, logo se intui que a mesma apenas atenta nos prazos prescricionais e no instituto da suspensão da prescrição. E, considerando a inserção sistemática daquele preceito, apreende-se, de imediato, a intenção do legislador.
Na verdade, ao estabelecer tal delimitação de objeto, o mesmo legislador pretendeu, tão-só, adequar e compatibilizar tais prazos com o procedimento para efetivação da responsabilidade financeira e uma vez relevadas as especificidades dos processos de auditoria e demais ações de controlo do Tribunal de Contas.
Admite-se, pois, que, nos termos aí previstos [vd. artigo 70.º da LOPTC], o prazo de prescrição se suspenda com a entrada da conta no Tribunal ou com o início da auditoria e até à audição do responsável, embora limitado a dois anos.
De facto, mal se entenderia que o prazo de prescrição decorresse enquanto as gerências estavam sob verificação ou submetidas a um processo de auditoria e inerente controlo.
Mas a circunstância de o legislador apenas ter consagrado no artigo 70.º, da LOPTC, a suspensão do prazo de prescrição do procedimento por responsabilidade financeira, não legitima a conclusão de que o mesmo teve a intenção de, deliberadamente, excluir daquele diploma legal qualquer causa interruptiva da prescrição.
Na verdade, tal omissão, resulta, isso sim, da constatação de que tal previsão seria redundante, uma vez que o modelo processual constante da LOPTC e predominantemente assente nas regras do Código do Processo Civil e do Processo Penal sempre conduziria ao mesmo resultado.
E, na fundamentação e explicitação do afirmado, lembramos que o artigo 80.º, als. a) e c), da LOPTC, integrado no Cap. VII e relativo ao processo no Tribunal de Contas, prevê, como lei supletiva, e no respeitante à 3.ª Secção, o Código de Processo Civil, mandando, ainda, aplicar, e também supletivamente, o Código de Processo Penal em matéria sancionatória.
Para além disso, e erradicando dúvidas, o n.º 3, do artigo 91.º, da LOPTC, dispõe que "às citações e notificações aplicar-se-ão, ainda, todas as regras constantes do Código de Processo Civil".
Ora, consabidamente, a citação, nos termos do artigo 564.º, do Código do Processo Civil, e do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, tem como efeito a interrupção da prescrição.
E a convocação da norma contida no artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, também não suscitará fundada objeção, porquanto o referido artigo 564.º, do CPC [corresponde ao artigo 481.º, do CPC, entretanto revogado], manda retirar da citação os efeitos especialmente previstos na lei, ou seja, e mais concretamente, o efeito interruptivo da prescrição a que alude o artigo 323.º, n.º 1, do Código civil.
Na ilustração do afirmado, transcreve-se o teor da norma contida no citado artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, que dispõe:
"A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o Tribunal seja incompetente".
E, a propósito, salienta-se, ainda, que em matéria de efetivação de responsabilidades financeiras, de natureza reintegratória e sancionatória, a LOPTC manda, através da citação, dar conhecimento ao demandado de que contra si corre uma ação judicial, em ordem a possibilitar-lhe o pagamento, extinguindo-se, assim, o procedimento, ou no sentido de, querendo, contestar. Tal significa que, à semelhança do que ocorre nos demais processos jurisdicionais, também no processo financeiro a citação tem por objetivo dar a conhecer ao infrator/devedor a diligencia do credor no sentido de exigir a satisfação e ou reparação dos interesses financeiros públicos lesados, evidenciando-se, assim, que uma das consequências decorrentes da citação é a interrupção da prescrição.
Refira-se, até, que a consideração da citação do demandado como causa interruptiva da prescrição do procedimento da responsabilidade financeira será o único entendimento que se compatibiliza com uma leitura integrada de todos os preceitos enquadradores e reguladores do processo jurisdicional financeiro, à semelhança, de resto, do verificado nos demais processos jurisdicionais, onde pontificam causas interruptivas da prescrição dos atinentes procedimentos.
2.1. Presente o exposto, já se intui que o legislador responsável pela elaboração da Lei 98/97, de 26.8 [diploma que operou uma reforma profunda do Tribunal, nomeadamente, no domínio do processo de julgamento das responsabilidades financeiras] não adotou, de facto, um regime autónomo de prescrição que, pela sua abrangência e completude, conferisse, nesta parte, autonomia e suficiência normativa a tal diploma legal.
Com efeito, o referido legislador optou, isso sim, pela convocação de normas inseridas em outros diplomas legais [Códigos de Processo Civil e de Processo Penal], ordenando a sua aplicação por forma supletiva [vd. artºs 80.º e 91.º, n.º 3, da LOPTC]. O que, de resto, constitui uma orientação já vertida na Lei 86/89, de 8.9, que, no seu artigo 62.º, dispunha que "a tramitação processual e os prazos dos correspondentes atos do Tribunal são regulados por lei" [incluindo-se, aí, o Dec. n.º 22257, de 25.2.1933].
Uma opção que, para além de legal, permite, com inteira propriedade, concluir pela inclusão na LOPTC do instituto da interrupção da prescrição e, mais particularmente, da citação enquanto causa interruptiva desta última, e, enfim, reafirmar que o enquadramento jurídico do instituto da prescrição do procedimento por responsabilidades financeiras não se circunscreve ou limita à previsão normativa do artigo 70.º, da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.
2.2. Mas, para além da argumentação acima alinhada, perfilam-se outras razões reforçadoras da bondade do entendimento que vimos seguindo e que, afinal, se traduz na admissão, ainda que por remissão, do instituto jurídico da interrupção da prescrição no domínio da Lei 98/97, de 26.8, e, ainda, da citação enquanto causa indutora da mesma [interrupção da prescrição].
Vejamos.
2.3. Condicionar a aplicação do instituto da interrupção da prescrição nos processos jurisdicionais deste Tribunal à expressa previsão e regulação daquele [instituto da interrupção da prescrição] no artigo 70.º, da LOPTC, conduzir-nos-ia a uma situação absurda e não enquadrada nos fundamentos do mesmo, determinando, até, que só nos processos jurisdicionais financeiros os efeitos da diligência do credor dos interesses financeiros públicos ficassem sem efeito, por decurso do tempo, apesar da atempada citação do devedor em processo próprio.
Por outro lado, a exclusão de qualquer causa interruptiva da prescrição do domínio do procedimento por responsabilidade financeira exibiria manifesta incongruência com as necessidades de prevenção geral e especial em matéria que, por respeitar à gestão dos dinheiros públicos, sempre relevaria particular delicadeza, para além de, obviamente, contrariar a opção tomada em outros domínios do direito punitivo, destacando-se, aí, e exemplificativamente, o regime contra-ordenacional.
Por último, e na consideração do acervo argumentativo deduzido pelo Ministério Público em sede própria, salienta-se que a remissão para a Lei adjetiva civil e penal prevista nos artºs 80.º e 91.º, da LOPTC, revela, por um lado, que o direito financeiro sancionador integra os princípios gerais do direito desencadeadores da efetivação das responsabilidades de cariz sancionatório e reparador [incluindo-se, nesta parte, os fatores interruptivos da prescrição], e, do outro, obriga, ainda, a pressupor a integração dos princípios fundamentais do direito substantivo, cuja efetivação passará pelo acionamento das referidas leis processuais.
Os direitos adjetivo e substantivo em causa constituem, pois, um complexo jurídico caracterizado pela complementaridade, o que, de resto, se ajusta ao artigo 20.º, da CRP [neste, o acesso ao direito e a defesa dos direitos configuram um direito fundamental integrado]. Faz, pois, sentido que a ordem jurídica financeira seja integrada pelo instituto da prescrição e respetiva interrupção, o qual, embora de natureza substantiva, também se dimensiona processualmente.
3. Como é sabido, o artigo 80.º, al. c), da LOPTC, dispõe que o processo, no Tribunal de Contas, se rege pelo disposto na Lei 98/97, de 26.8, e, supletivamente, também pelo Código de Processo Penal em matéria sancionatória.
E, também, não se ignora que, de acordo com o disposto no artigo 121, n.º 1, al. b), do Código Penal, a prescrição do procedimento interrompe-se com a notificação da acusação.
Acresce que, nos termos do artigo 8.º do Código Penal, as disposições contidas neste diploma são aplicáveis aos factos puníveis por legislação de carácter especial, salvo disposição em contrário.
Embora se admita que a notificação da acusação em processo penal, porque interruptiva da prescrição, se equipara à citação em processo civil [aplicável no domínio do processo no Tribunal de Contas], também indutora daquele efeito interruptivo, afigura-se-nos dispensável o aprofundamento de tal discussão, por inútil e desadequada.
Com efeito, quer nos situemos no domínio do procedimento por responsabilidades financeiras reintegratórias, quer nos confrontemos com o procedimento por responsabilidades sancionatórias, a respetiva efetivação tem lugar em processo adequado e em vigor no Tribunal de Contas e que se rege, supletivamente, pelo Código de Processo Civil. E, acentue-se, este último diploma legal disciplina, ainda, as citações e notificações e, até, a tramitação da audiência de discussão e julgamento [vd. artigo 80.º, n.º 1, al. a), 91.º, n.º 3 e 93.º, da LOPTC].
A convocação do Código de Processo Penal nesta matéria assumirá, assim, mera residualidade, impondo-se apenas quando se suscitar a aplicação de normas e princípios constantes do Código Penal [ex: aplicação das leis no tempo, aplicação da lei mais favorável ao demandado ...].
A previsão da eventual aplicação do Código do Processo Penal reportada no citado artigo 80.º, da LOPTC, revela-se, pois, neutra e indiferente face à questão que nos ocupa - [in]verificação do instituto da interrupção da prescrição e respetiva causa no âmbito da LOPTC -, pois, manifestamente, não lhe é aplicável e não tem sobre a mesma qualquer poder regulador.
Nesta parte, bastamo-nos com as considerações expostas.
III. Em síntese
. A responsabilidade financeira é uma forma de responsabilidade autónoma, que não se confunde com as demais formas de responsabilização, designadamente, civil e penal, apesar de tributárias destas últimas;
. O processo de julgamento de responsabilidades financeiras rege-se pelo disposto na LOPTC e, supletivamente, pelo Código de Processo Civil e pelo Código de Processo Penal, este último em matéria sancionatória [artigo 80.º, n.º 1, alíneas a) e c)];
. A prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a notificação da acusação, ou, na falta desta, com a notificação da decisão instrutória - vd. artigo 121.º, do Código Penal.
. Em matéria de efetivação de responsabilidade financeira, reintegratória ou sancionatória, a LOPTC manda dar conhecimento ao demandado de que contra ele corre uma ação jurisdicional através de uma citação, em ordem a contestar ou proceder ao pagamento do devido;
. Em razão do disposto nos artigos 80.º, alínea a) e 91.º, n.º 3 da LOPTC, o processo no Tribunal de Contas rege-se, ainda, e supletivamente, pelo CPCivil, sendo que às citações e notificações aplicam-se as regras constantes deste último diploma legal.
. Tem, assim, aplicação no processo de responsabilidade financeira o efeito interruptivo da prescrição resultante da citação do demandado, atento o disposto nos artigos 564.º, do CPCivil [anterior artigo 481.º], e 323.º, n.º 1, do Código Civil.
. A interrupção da prescrição constitui um princípio geral aplicável a todo o ordenamento jurídico e assenta no facto de o titular do direito manifestar clara e pessoalmente ao sujeito passivo a intenção de exercer o seu direito, colocando-o, assim, em condições de assegurar a respetiva defesa.
IV. Decisão
Pelo exposto, o Plenário Geral do Tribunal de Contas decide o seguinte:
. Julgar procedente o presente recurso;
. Fixar a seguinte jurisprudência:
A citação é causa de interrupção da prescrição do procedimento por responsabilidades financeiras sancionatórias.
Publique-se na 1.ª Série do Diário da República - artigo 9.º, n.º 1 da LOPTC.
Sem emolumentos legais.
Lisboa, 14 de julho de 2014. - Os Juízes Conselheiros: Alberto Fernandes Brás, relator - João Francisco Aveiro Pereira - Nuno Manuel Pimentel Lobo Ferreira, "Vencido, nos termos da declaração apresentada pela Sr.ª Conselheira Helena Ferreira Lopes" - António Manuel Fonseca da Silva - João Alexandre Tavares Gonçalves de Figueiredo - José Manuel Monteiro da Silva - Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes - José Luís Pinto Almeida - José António Mouraz Lopes, "Vencido, nos termos da declaração apresentada pela Sr.ª Conselheira Helena Ferreira Lopes" - Ernesto Luís Rosa Laurentino da Cunha - Helena Maria Mateus de Vasconcelos Abreu Lopes - José de Castro de Mira Mendes - João Manuel Macedo Ferreira Dias, "Voto vencido e adere à declaração de voto da Sr.ª Cons.ª Helena F. Lopes" - António José Avérous Mira Crespo - António Augusto Pinto dos Santos Carvalho, "Vencido com declaração autónoma" - Helena Maria Ferreira Lopes, "Voto vencida, conforme declaração anexa" - Laura Tavares da Silva - Guilherme de Oliveira Martins, Presidente do Tribunal de Contas.
Processo RE n.º 01/2013
Voto separado
Vencido: a posição da maioria transborda, no meu entender, das margens da separação colaborante dos poderes do Estado, ou das funções atribuídas ao judiciário pela CRP. Com efeito, não pode retirar-se do direito constituído uma necessidade lógico-normativa de co-ligação de todos os regimes da prescrição sancionatória: a prescrição interrompida para renascer (aparente da hegemonia) antes é figura antiquada (para não dizer caduca) face ao direito fundamental reformado (1997 (5)), e imediato, de celeridade dos julgamentos - artºs 18/1 e 20/4 CRP. Elegi e continuaria a eleger pois a solução defendida no projeto recusado, para que remeto (na síntese que dele mesmo a propósito ficou no relatório deste acórdão). - O Juiz Conselheiro, António Augusto Pinto dos Santos Carvalho.
ACÓRDÃO 1/2014 - PL
Voto vencido:
1 - O processo no Tribunal de Contas rege-se pelo disposto na LOPTC e, supletivamente: no que respeita à 3.ª Secção, pelo Código de Processo Civil (alínea a) do artigo 80.º da LOPTC); pelo Código de Processo Penal, em matéria sancionatória (alínea c) do artigo 80.º da LOPTC);
2 - E embora à citação se apliquem todas as regras do Código de Processo Civil não é de atribuir àquela qualquer efeito interruptivo da prescrição, por um lado, porque o artigo 91.º, n.º 3, da LOPTC, se reporta às "regras" e não aos "efeitos" da citação, e, por outro, porque o artigo 481.º do CPC (corpo), a que, atualmente, corresponde o artigo 564.º, quando diz que a citação tem os efeitos prescritos na lei, está-se a referir aos efeitos prescritos no direito civil ou quiçá aos prescritos numa qualquer norma de natureza substantiva, e o direito financeiro sancionatório não prescreve tal causa de interrupção da prescrição do procedimento.
3 - De resto, a citação em direito processual civil só interrompe a prescrição civil porque o próprio Código Civil assim o diz (artigo 323.º, n.º 1), não sendo um efeito direto da citação, enquanto ato processual destinado a dar conhecimento ao demandado de que foi proposta contra ele determinada ação;
4 - O que o artigo 8.º do Código Penal determina é a aplicação subsidiária do Código Penal a toda a legislação penal substantiva, a qual, quando não disponha de outro modo, se subordina às normas e princípios consagrados no Código Penal;
5 - Está, por isso, excluído qualquer outro tipo de legislação, designadamente as normas que constituem o acervo do direito financeiro sancionatório;
6 - O regime prescricional por responsabilidade financeira sancionatória esgota-se no artigo 70.º da LOPTC, não lhe sendo aplicável subsidiariamente quaisquer outras normas, designadamente do Código Penal ou do Código Civil (vide artigo 80.º da LOPTC).
7 - Os elementos literal, histórico, racional ou teleológico e sistemático, na interpretação do artigo 70.º da LOPTC, concorrem todos para a conclusão de que o legislador eliminou, conscientemente, qualquer causa interruptiva da prescrição do procedimento por responsabilidades financeiras sancionatórias, não havendo, por isso, qualquer lacuna na lei;
8 - De entre aqueles elementos é de realçar o elemento histórico, já que no direito pré-vigente se previam causas interruptivas da prescrição (artigo 34.º &2.º do Decreto 22.257, de 25/02/1933); equivale isto a dizer que o legislador da LOPTC, quando inovou, quis deixar bem vincada a sua opção legislativa de não prever causas interruptivas da prescrição.
Acresce ainda o seguinte:
9 - A prescrição é um instituto que tem como função eliminar o poder do Estado de utilizar o seu dever legal de responsabilizar determinada pessoa pela prática de uma infração ou o exercício de um direito;
10 - O Estado, optando por um princípio de pacificação social, estabelece um tempo, com prazos pré-definidos, para que as instituições formais de controlo exerçam esse poder;
11 - O princípio da legalidade impõe que todos os prazos em que as instituições formais de controlo exercem os seus poderes (de investigação, de regulação ou sancionatórios) têm que ser pré conhecidos. Nomeadamente os prazos da prescrição, incluindo os que permitem a sua interrupção;
12. "A interpretação e o desenvolvimento do direito através de esquemas metodológicos rigorosos (analogias, redução teleológica, integração de lacunas) por mais criativos que possam ser (sobretudo na aplicação a constelações de casos não previstos pelo legislador) têm que mover-se sempre nos quadros normativos (regras e princípios) de ordem jurídico-constitucional" - Gomes Canotilho, Vital Moreira, CRP, Anotada, II Vol. P 5115.
13 - Estando a matéria em apreciação incluída no domínio da responsabilidade financeira, que é direito público e punitivo, no caso da responsabilidade sancionatória, com a especificidade de tratar de matéria relacionada com dinheiros públicos, não é possível a interpretação in malem partem de normas substantivas daquele regime.
14 - Não estando previstas na LOPTC normas específicas relativas à interrupção da prescrição, a citação não pode ser interpretada como constituindo uma causa de interrupção no âmbito da responsabilidade financeira sancionatória.
Por tudo quanto foi dito, concluiríamos do seguinte modo:
"A citação não é causa de interrupção da prescrição do procedimento por responsabilidades financeiras sancionatórias".
A Juíza Conselheira, Helena Ferreira Lopes.
(1) Trata-se do 1.º Demandado. O que justificou a prescrição do procedimento pelas responsabilidades financeiras sancionatória e reintegratória foi o seguinte: "[...] quando a auditoria se iniciou em 15/7/2011 - fls. 25 da pasta do processo de auditoria apenso - já os prazos de prescrição estariam esgotados, quer fossem os da responsabilidade financeira sancionatória (em 15/6/2003 ou 14/11/2005), quer fossem os da reintegratória (em 15/6/2008 ou 14/11/2010), por força do disposto nos artigos 69.º, n.os 1 e 2, alínea a), e 70.º, n.os 1 e 2, da Lei 98/97, de 26/8)"
(2) Os Demandados em questão são o 2.º a 14.º
(3) O Demandado em questão é o 15.º
(4) Número aditado pela Lei 48/2006, de 29 de agosto.
(5) No ano de 1997 é também editada a Lei 98/97, de 26/8, coeva portanto.