Recomendação do CPC, de 7 de novembro de 2012
Objeto: Gestão de conflitos de interesses no setor público Considerando:
Ser a matéria dos conflitos de interesses de fundamental importância nas relações entre os cidadãos e as entidades públicas;
Ser a adequada gestão de conflitos de interesses imprescindível para uma cultura de integridade e transparência, com todos os benefícios daí resultantes para a gestão pública;
Merecerem acolhimento as orientações e recomendações de Organizações Internacionais como a ONU, a OCDE e o GRECO do Conselho da Europa;
Lembrar a Recomendação do CPC, de 1 de julho de 2009, relativa aos Planos de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas;
O Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), em reunião de 7 de novembro de 2012, aprova a seguinte Recomendação:
1 - As entidades de natureza pública, ainda que constituídas ou regidas pelo direito privado, devem dispor de mecanismos de acompanhamento e de gestão de conflitos de interesses, devidamente publicitados, que incluam também o período que sucede ao exercício de funções públicas, com indicação das consequências legais;
2 - A fim de facilitar o cumprimento desta Recomendação, é aprovado o texto de referência em anexo sob o título Conflitos de Interesses no Setor Público, que desta faz parte integrante;
3 - Todas as entidades destinatárias da presente Recomendação devem incluir nos seus relatórios sobre a execução dos planos de prevenção de riscos uma referência sobre a gestão de conflitos de interesses.
7 de novembro de 2012. - O Conselheiro Presidente do TC e do CPC, Guilherme d'Oliveira Martins. - O Diretor-Geral do TC/Secretário-Geral, José F. F. Tavares. - O Inspetor-Geral de Finanças, José Maria Leite Martins. - A Secretária-Geral do Ministério da Economia e do Emprego, Maria Ermelinda Carrachás. - O Procurador-Geral-Adjunto, Manuel Pereira Augusto de Matos. - O Advogado, João Loff Barreto. - O Economista, João Amaral Tomaz.
Conflitos de interesses no setor público
(Recomendação do CPC, de 7 de novembro de 2012) Sumário:
1 - Introdução - enquadramento e noção de conflito de interesses 2 - Quadro legal 3 - A prevenção de conflitos de interesses - Linhas orientadoras de gestão
Referências bibliográficas sobre conflitos de interesses
1 - Introdução - enquadramento e noções de conflitos de interesses A questão dos conflitos de interesses no setor público, a par da problemática da corrupção, com a qual apresenta uma relação direta, tem vindo a assumir um lugar de destaque em Portugal e na Comunidade Internacional.
Na linha das noções que têm sido apresentadas pelos principais organismos internacionais, como a ONU, a OCDE e o GRECO (Conselho da Europa), o conflito de interesses no setor público pode ser definido como qualquer situação em que um agente público, por força do exercício das suas funções, ou por causa delas, tenha de tomar decisões ou tenha contacto com procedimentos administrativos de qualquer natureza, que possam afetar, ou em que possam estar em causa, interesses particulares seus ou de terceiros e que por essa via prejudiquem ou possam prejudicar a isenção e o rigor das decisões administrativas que tenham de ser tomadas, ou que possam suscitar a mera dúvida sobre a isenção e o rigor que são devidos ao exercício de funções públicas.
Podem igualmente ser geradoras de conflito de interesses, situações que envolvam trabalhadores que deixaram o cargo público para assumirem funções privadas, como trabalhadores, consultores ou outras, porque participaram, direta ou indiretamente, em decisões que envolveram a entidade privada na qual ingressaram, ou tiveram acesso a informação privilegiada com interesse para essa entidade privada ou, também, porque podem ainda ter influência na entidade pública onde exerceram funções, através de ex-colaboradores.
A emergência destas questões nos anos mais recentes tem derivado sobretudo da forma como tem evoluído a relação entre o cidadão e o Estado e, correlativamente, os modelos de organização e gestão das entidades da Administração Pública. Tem sido neste contexto evolutivo que têm vindo a adquirir particular relevo questões como a ética no serviço público, a transparência nos procedimentos, o acesso à informação, bem assim como a eficácia, a eficiência e até a economia na ação administrativa.
A interiorização destes conceitos tem-se traduzido numa mudança de valores e estilo no funcionamento dos Serviços Públicos relativamente a vertentes tão importantes como a cultura organizacional, a prestação de contas e o relacionamento com o cidadão e com a sociedade.
As reflexões e os estudos que as organizações internacionais têm promovido procuram aprofundar o conhecimento sobre esta problemática e as suas diversas dimensões, com o objetivo de identificar e caracterizar as principais áreas de risco e a produção de recomendações dirigidas aos Estados no sentido de os incentivar a adotar políticas tendentes ao controlo, redução e prevenção de tais riscos.
Portugal tem acompanhado naturalmente este processo, designadamente através da criação e aplicação de um quadro legal que corresponda ao sentido e alcance de tais recomendações, com o intuito de prevenir a ocorrência de situações de risco desta natureza.
2 - Quadro legal O ordenamento jurídico português dispõe de instrumentos normativos que contemplam o controlo dos conflitos de interesses, de que se destacam os seguintes:
Constituição da República Portuguesa relativamente à responsabilidade, aos estatutos e ao regime dos funcionários da Administração Pública;
Código do Procedimento Administrativo;
Regime de incompatibilidades do pessoal de livre designação por titulares de cargos políticos (Decreto-Lei 11/2012, de 20 de janeiro);
Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos (Lei 64/93, de 26 de agosto, com as alterações posteriores);
Estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da Administração central, regional e local do Estado (Lei 2/2004, de 15 de janeiro, com as alterações posteriores, republicada pela Lei 64/2011, de 22 de dezembro);
Estatuto do gestor público (Decreto-Lei 71/2007, de 27 de março, com as alterações posteriores, republicado pela Lei 8/2012, de 18 de janeiro);
Regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exerçam funções públicas (Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, com as alterações posteriores);
Estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas (Lei 58/2008, de 9 de setembro).
Justifica-se também que se convoquem os princípios consagrados na «Carta Ética da Administração Pública - Dez princípios éticos da Administração Pública», assumindo aqui particular relevância os princípios do serviço público, da legalidade, da justiça, da imparcialidade, da lealdade e da integridade.
Relativamente ao quadro legal referido e às medidas nele preconizadas, importa referir que no âmbito da avaliação realizada ao nosso país entre 2006 e 2008, o GRECO considerou que Portugal se encontra munido de um conjunto satisfatório de normas e de medidas que acautelam os riscos associados a situações de conflitos de interesses.
3 - A prevenção de conflitos de interesses - Linhas orientadoras de gestão Tendo em conta a importância e atualidade da matéria dos conflitos de interesses no Setor Público, incluindo o período que sucede ao exercício de funções públicas, o Conselho de Prevenção da Corrupção considera fundamental reforçar o sentido e o alcance de medidas tendentes a uma cultura administrativa de rigor e transparência neste domínio.
Neste sentido, o Conselho de Prevenção da Corrupção recomenda que os gestores e órgãos de direção de todas as entidades do Setor Público, incluindo os que a qualquer título ou sob qualquer forma tenham de gerir dinheiros, valores ou património públicos, criem e apliquem nas suas organizações medidas que previnam a ocorrência de conflitos de interesses, tais como:
a) Manuais de boas práticas e códigos de conduta relativamente a todas as áreas de atuação, incluindo o período que sucede ao exercício de funções públicas, em conformidade com o quadro legal e os valores éticos da organização;
b) Identificação de potenciais situações de conflitos de interesses relativamente a cada área funcional da sua estrutura orgânica;
c) Identificação de situações que possam dar origem a um conflito real, aparente ou potencial de interesses que envolvam trabalhadores que deixaram o cargo público para exercerem funções privadas como trabalhadores, consultores ou outras;
d) Promoção de medidas adequadas a prevenir e gerir conflitos de interesses relativamente a situações que envolvam trabalhadores que aceitem cargos em entidades privadas que foram abrangidas por decisões em que, direta ou indiretamente, aqueles participaram no exercício de funções públicas, ou porque, por via desse exercício, tiveram acesso a informação privilegiada com interesse para a entidade privada ou, ainda, que possam ter influência na entidade pública onde exerceram funções, através de ex-colaboradores;
e) Identificação e caracterização de áreas de risco, designadamente as que resultem das situações de acumulação de funções, cujo tratamento deve ser efetuado no âmbito e nos mesmos termos do Plano de Gestão de Riscos de Corrupção e infrações conexas;
f) Identificação das situações concretas de conflitos de interesses e respetiva sanção aplicável aos infratores, em conformidade com o quadro punitivo existente;
g) Promoção de uma cultura organizacional na qual impere forte intolerância relativamente às situações de conflitos de interesses;
h) Promoção da responsabilidade individual de todos os trabalhadores, reconhecendo e destacando as boas práticas e os bons exemplos de serviço público e promovendo atitudes ativas de recusa de contacto e processamento relativamente a procedimentos administrativos em que, sob qualquer forma, tenham um interesse, ainda que através de terceiro;
i) Desenvolvimento de ações de formação profissional de reflexão e sensibilização sobre esta temática, junto de todos os trabalhadores dos serviços;
j) Subscrição, por todos os trabalhadores, de declarações de inexistência de conflitos de interesse relativamente a cada procedimento que lhe seja confiado no âmbito das suas funções e no qual, de algum modo, tenha influência;
l) Subscrição, por todos os funcionários que se encontrem em regime de acumulação de funções, de uma declaração atualizada em que assumam de forma inequívoca que as funções acumuladas não colidem sob forma alguma com as funções públicas que exercem, nem colocam em causa a isenção e o rigor que deve pautar a sua ação;
m) Declarações relativas a ofertas no exercício das funções;
n) Promoção de mecanismos de monitorização da aplicação destas medidas, bem como do respetivo sancionamento.
Referências bibliográficas sobre conflitos de interesses A fim de permitir uma reflexão complementar sobre a gestão de conflitos de interesses no Setor Público, o CPC indica de seguida alguns estudos, documentos e relatórios sobre a matéria:
Argandoña, Antonio (2004), Conflicto de intereses: el punto de vista ético, Apresentação à XII conferência anual de Ética, Economia e Direção - http://www.eben-spain.org/docs/Papeles/XII/Antonio_Argandona.pdf Controller and Auditor-General (2007), Managing conflicts of interest: Guidance for public entities, Controller and Auditor-General - http://www.oag.govt.nz/2007/conflicts-public-entities/docs/oag-conflicts-publi c-entities.pdf OCDE (2003), Managing Conflict of Interests in the Public Sector - Guidelines and country experiences, OCDE, http://www.oecd.org/dataoecd/54/31/48994419.pdf?contentId=48994420 OCDE (2005), Guidelines for managing conflict of interest in the public service, Policy brief, OCDE, http://www.oecd.org/dataoecd/51/44/35365195.pdf; OCDE (2005), Managing Conflict of Interests in the Public Sector: a Toolkit, OCDE, http://www.oecd.org/dataoecd/5/48/49107986.pdf?contentId=49107987 ONU (2003), United Nations Convention Against Corruption, http://www.unodc.org/documents/treaties/UNCAC/Publications/Convention/08-- 50026 _E.pdf Oficina anticorrupción (200) Conflictos de intereses: Disyuntivas entre lo público y lo privado y prevención de la corrupción, UNDP Argentina - http://www.anticorrupcion.gov.ar/documentos/ConflictoDeIntereses.pdf Government of Canada (2006), Conflict of interest and post-employment code for public office holders, Government of Canada - http://www.pm.gc.ca/grfx/docs/code_e.pdf Reed, Quentin (2008), Sitting on the fence: Conflicts of interest and how to regulate them, U4 - Chr. Michelsen Institute, http://www.cmi.no/publications/file/3160-sitting-on-the-fence.pdf Transparency International (2012), Money, Politics, Power: Corruption risks in Europe, Transparency International, Berlin, http://www.transparency.org/whatwedo/pub/money_politics_and_power_corru ption_r isks_in_europe Vlassis, Dimitri (2007), The United Nations Convention Against Corruption: a Fundamental Tool to Prevent Conflict of Interest, ONU, http://www.oecd.org/dataoecd/5/11/39368014.pdf Zalaquett, José (s.d.), Conflictos de intereses: Normas y conceptos - http://www.anuariocdh.uchile.cl/index.php/ADH/article/viewPDFInterstitial/1736 3/20544
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