Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2011
Revista n.º 1839/06.9TBMTS.P1.S1
(Julgamento ampliado de revista)
Acordam no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:Relatório. - EP - Estradas de Portugal, E. P. E., devidamente identificada nos autos, requereu a expropriação litigiosa urgente por utilidade pública da parcela n.º 42, terreno com área de 3616 m2, e que corresponde ao prédio rústico, sito no lugar de Recarei de Baixo, freguesia de Leça do Balio, concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o n.º 01651/170297, inscrito na matriz predial sob o artigo 53.º, tudo contra o pagamento da indemnização de (euro) 270 300, atribuída por decisão arbitral às expropriadas Maria Aldina Pereira da Silva Moutinho, casada com Carlos da Silva Moutinho, e Maria Arminda Pereira da Silva, todos com os sinais dos autos.
A utilidade pública e urgência foram declaradas por despacho do Secretário das Obras Públicas, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 31 de Agosto de 2004.
Da decisão arbitral recorreram os expropriados e expropriante e, admitidos ambos os recursos, procedeu-se à avaliação, sendo junto um laudo subscrito e apresentado por todos os peritos, no qual apresentam unanimidade de opiniões quanto à caracterização da parcela e valor da indemnização da benfeitoria que fixaram em (euro) 2118,75.
Divergiram quanto à classificação do solo e, consequentemente, quanto à valoração do terreno em causa.
Quanto à classificação do solo, os peritos nomeados pelo tribunal e os designados pelos expropriados foram de opinião de que o solo se deveria classificar como «solo apto para construção», defendendo que, segundo tal critério, a indemnização deveria ser fixada em (euro) 304 286,40, pelo que, somando tal valor ao da indemnização devida pela benfeitoria, o resultado seria o da quantia global de (euro) 306 405,15.
O perito da expropriante pronunciou-se no sentido de a classificação ser de «solo apto para outros fins», arbitrando-lhe uma indemnização de (euro) 104 140,80, que adicionada à da benfeitoria, constituiria um total de (euro) 106 259,55.
Após a tramitação legal, foi proferida sentença, da qual foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, tendo este tribunal anulado a sentença recorrida e determinado que fossem colhidos mais elementos em sede de peritagem, o que foi cumprido, tendo sido apresentados novos laudos, continuando os peritos a divergir quanto à classificação do solo e, quanto ao mais, verificou-se uma precisão no sentido de que apenas cerca de 75 m2 de terreno da parcela não estão em zona RAN e REN, situando-se esse terreno com a área indicada na extrema sul/poente da parcela (na parte mais afastada da Rua da Mainça) e situam-se em zona «zona urbana-urbanizável, mais concretamente em «área predominantemente de serviços».
Assim, cerca de 3541 m2 estão em «zona de salvaguarda estrita», dos quais a totalidade está em RAN e cerca de 2461 m2 estão simultaneamente em RAN e REN.
Em face dos novos elementos colhidos e dos novos laudos apresentados, expropriante e expropriados apresentaram alegações, tendo sido proferida sentença, onde se negou provimento ao recurso da expropriante e se concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelos expropriados e, em consequência, fixou-se em (euro) 306 405,15 a indemnização a atribuir aos recorrentes expropriados, valor esse a ser actualizado desde a data da declaração pública e corrigido em função dos índices dos preços no consumidor.
Da referida sentença, apelou a expropriante para a Relação do Porto, tendo este tribunal superior julgado procedente o referido recurso e, em conformidade, revogado a sentença recorrida e fixado em (euro) 106 259,55 a indemnização a pagar pela expropriante aos expropriados, indemnização essa a actualizar nos termos antes decididos em 1.ª instância.
Foi a vez de os expropriados recorrerem para este supremo tribunal, com fundamento em oposição de acórdãos, pedindo que o mesmo prosseguisse para julgamento ampliado da revista, nos termos dos artigos 678.º, n.º 4, e 732.º-A do CPC, ambos na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto, que é a aplicável aos presentes autos e onde pedem que, além de ser dado provimento ao recurso, seja uniformizada a jurisprudência nos seguintes termos:
«Para efeitos de indemnização por expropriação, a verificação de qualquer das circunstâncias previstas nas alíneas a) a d) do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações determina, necessária e automaticamente, a classificação do solo como apto para construção, ainda que, por lei ou regulamento, designadamente um plano urbanístico, não esteja destinado a esse fim.» Para tanto, rematam as suas alegações com as seguintes:
Conclusões:
1 - A questão controvertida é a da classificação, para efeitos de cálculo da indemnização por expropriação, de uma área de terreno da parcela expropriada que, no PDM, está inserida em área RAN, encontrando-se inserida em núcleo urbano e sendo servida de todas as infra-estruturas urbanísticas e, como tal, adequadas a servir edificações.
2 - Está em causa a interpretação do artigo 25.º, n.os 2 e 3, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei 168/99 de 18 de Setembro.
3 - É evidente a oposição de acórdãos sobre a mesma questão jurídica e dentro do mesmo quadro factual.
4 - Não é desejável, tanto mais quanto as partes e os factos são os mesmos, esta disparidade de soluções jurídicas, devendo, quanto antes, ser firmada jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, por ser o que faz a mais correcta interpretação do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações, em obediência ao disposto no artigo 9.º do Código Civil.
5 - Para efeitos do cálculo da indemnização para expropriação, a definição de solo apto para construção assenta, já desde o Código de 91, nos elementos certos e objectivos enunciados no n.º 2 do artigo 25.º do CE que espelham essa aptidão construtiva.
6 - Pelo que basta a verificação de um deles para se estar perante um solo classificado como apto para construção, para efeitos de cálculo da indemnização para expropriação, independentemente da sua inserção em RAN ou do constante de plano urbanístico em vigor.
7 - Na vigência do Código de 91, apenas por força do n.º 5 do artigo 24.º era excluído da classificação como solo apto para construção a que o n.º 2 levaria, aquele solo que, por lei ou regulamento, não pudesse ser utilizado na construção.
8 - Dada a eliminação da regra constante do n.º 5 do artigo 24.º do Código revogado, para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo continua a ser apto para a construção, ainda que, por lei ou por regulamento, designadamente um plano urbanístico vinculativo, não esteja destinado a esse fim.
9 - Se o legislador de 99 tivesse pretendido continuar a equiparar a solo apto para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não permite a construção, como defende o acórdão recorrido, tê-lo-ia feito facilmente, mantendo aquele n.º 5 do antigo artigo 24.º, que obrigava a essa equiparação.
10 - Não o fez, numa clara opção legislativa.
11 - Defende o acórdão recorrido, em última análise, uma interpretação do artigo 25.º do CE que, bem vistas as coisas, nega que o legislador tenha sabido exprimir o seu pensamento adequadamente, em violação grosseira do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.
12 - Se o pensamento do legislador fosse o de que as situações enunciadas no n.º 2 do artigo 25.º são o mínimo exigível para que possa afirmar-se a existência de uma efectiva e real potencialidade edificativa, havendo outras situações que, não obstante, tal potencialidade edificativa não existe na realidade, como explica o acórdão recorrido, então concerteza que o teria sabido exprimir, nomeadamente mantendo o n.º 5 do revogado artigo 24.º - que ressalvava precisamente essa situação.
13 - Da conjugação de todos os factores hermenêuticos, do gramatical ao sistémico, passando pelo histórico e teleológico, resulta de forma evidente e clara que se tem necessariamente de classificar como «solo apto para construção» - para efeitos de fixação da indemnização por expropriação - aquele que cumpre, objectivamente, um dos quatro requisitos das alíneas do n.º 2 do artigo 25.º, preceito muito claro na sua formulação de enunciação alternativa dos requisitos daquela classificação.
14 - A essa conclusão leva também a interpretação «a contrario» do n.º 3 do preceito, que prevê que, para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo apenas se classifica como «solo apto para outros fins» quando não se encontra em nenhuma das situações previstas no número anterior.
15 - O sentido propugnado pelo acórdão recorrido não tem qualquer ressonância nas palavras da lei, na formulação da norma.
16 - Tal como refere o acórdão fundamento, o legislador visou eliminar uma condicionante injusta na fixação da justa indemnização, que conduzia a situações de acentuadas desigualdades, pois não é pelo simples facto de um terreno se incluir em RAN que, por si só, já não pode ser valorizado como terreno apto para construção, para efeitos de cálculo do valor da indemnização por expropriação.
17 - Acresce que é manifestamente sem fundamento fáctico que o acórdão recorrido afirma que o valor do bem apurado com base na classificação do «solo como apto para construção» não corresponde ao valor real e corrente, pois não tem o mínimo apoio na perícia maioritária, onde, pelo contrário, os peritos do tribunal afirmaram, em referência ao valor por metro quadrado apurado com base nessa classificação, que «é o montante que os peritos signatários entendem corresponder ao valor real e corrente.» 18 - Hoje já não colhem quaisquer considerações no sentido de se buscar uma efectiva potencialidade edificativa, como faz o acórdão recorrido, como se estivéssemos perante um conceito indeterminado, e que teria que ser determinado caso a caso, para se poder classificar e avaliar como solo para construção.
19 - A partir do momento em que o legislador optou por classificar o «solo como apto para a construção» com base em determinados e objectivos requisitos, basta a verificação de um deles para estamos, para efeitos de cálculo da indemnização por expropriação, perante solo apto para construção.
20 - Note-se que é uma classificação para efeitos de se fixar uma indemnização por uma expropriação, por uma ablação da propriedade, por acto unilateral da administração, pelo que há que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade - um princípio de justiça, em suma.
21 - A Constituição, em particular o artigo 62.º, não configura deste modo restritivo o dever de indemnizar, em que está em causa acautelar a compensação do expropriado pela ablação do seu direito, em nome do interesse público.
22 - Só perante uma manifesta desproporção entre o valor fixado e o valor do bem (que no caso não existe, porque os peritos afirmaram ser aquele o valor real e corrente) é que se poderá colocar um problema de eventual ultrapassagem da justa indemnização por excesso.
23 - Também não se pode, como faz o acórdão recorrido, fazer uma comparação entre realidades intrinsecamente distintas: por um lado, a realidade e as normas pelas quais se rege o cálculo da indemnização, no caso de expropriação, e, por outro, as regras de comportamento dos agentes actuando no mercado, em caso de venda por um não expropriado.
24 - Ao que acresce, e não temos por seguro que o artigo 62.º, n.º 2, da CRP o autorize, que a suposta afirmação de direitos de terceiros não parte na relação expropriativa (os outros proprietários não expropriados) possa servir ao expropriante para lograr a diminuição do valor a satisfazer ao expropriado pelo sacrifício que lhe impõe.
25 - Resulta do supra-exposto que a interpretação feita pelo acórdão fundamento do disposto no artigo 25.º do CE é aquela a que todos os elementos interpretativos conduzem, em respeito da história do preceito, da sua formulação e do disposto no artigo 9.º do Código Civil, ou seja, partindo do princípio que o legislador consagrou a solução mais adequada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
26 - Deve ser fixada jurisprudência nos seguintes termos: para efeitos de indemnização por expropriação, a verificação de qualquer das circunstâncias previstas nas alíneas a) a d) do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações determina, necessária e automaticamente, a classificação do solo como apto para construção, ainda que, por lei ou regulamento, designadamente um plano urbanístico, não esteja destinado a esse fim.
27 - Reportando-nos ao caso concreto, é evidente que o terreno expropriado preenche as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 25.º do CE/99, na medida em que tem todas as infra-estruturas urbanísticas que permitem servir edificações a construir e situa-se em núcleo urbano existente.
28 - Verificam-se dois dos quatro requisitos/elementos objectivos que o artigo 25.º, n.º 2, do CE exige para reconhecer capacidade edificativa aos solos, pelo que é por demais evidente que o prédio expropriado cabe na previsão dessa norma.
29 - Não pode, por isso, ser classificado de «solo apto para outros fins», como fez o acórdão em crise, por não lhe ser aplicável o disposto no n.º 3 do normativo, que se aplica apenas e tão-somente aos terrenos que não preenchem nenhuma daquelas alíneas.
30 - Estar ou não estar destinado no PDM a adquirir as características descritas na alínea a) do n.º 2 do preceito, ou seja, estar destinado a ser um prédio edificável, é apenas um dos elementos objectivos elegidos pelo Código para a aferição da aptidão para a construção de um terreno, para efeitos da sua avaliação, no âmbito de um processo de expropriação.
31 - Tendo a parcela expropriada as provadas características que faziam dela, nos termos do n.º 2 do artigo 25.º do CE, na sua totalidade, um «solo apto para construção», seria absolutamente indevido avaliá-la como solo apto para outros fins, por tal avaliação não ser susceptível de conduzir ao valor real e corrente da mesma, fim último da avaliação nos processos de expropriação.
32 - O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 9.º, n.os 2 e 3, do Código Civil e no artigo 25.º, n.os 2 e 3, do Código das Expropriações.
33 - A interpretação feita deste normativo pelo acórdão recorrido viola ainda o disposto nos artigos 62.º, n.º 2, e 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a recorrida pela manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos, essencialmente, do artigo 684.º, n.º 3, do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste tribunal.
Fundamentos. - Das instâncias, vem dada como provada a seguinte factualidade:
1 - A parcela expropriada designada com o n.º 42 tem uma área de 3616 m2 e constituía um prédio rústico, inscrito na matriz predial da freguesia de Leça do Balio sob o artigo n.º 53 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º 01651/170297.
2 - A parcela expropriada situa-se no lugar da Mainça, freguesia de Leça do Balio, concelho de Matosinhos, e possuía as seguintes confrontações: norte - ribeiro das Avessas (canalizado); sul - C. M. de Matosinhos (Ecocentro da Mainça); nascente - estrada municipal n.º 546-6; poente - herd. de Manuel Domingues Santos.
3 - A parcela expropriada tem um formato sensivelmente trapezoidal e confrontava com a estrada municipal (EM) n.º 546-6 na extensão de aproximadamente 64,50 m lineares.
4 - A parcela que confrontava com a EM 546-6, situava-se numa parte desta, onde a Rua da Mainça entronca na mesma.
5 - O arruamento que confrontava com a parcela expropriada era pavimentado a betuminoso, com passeios (de ambos os lados), e dispunha de redes públicas de abastecimento de água, de distribuição de energia eléctrica, de saneamento, com ligação a estação depuradora, de drenagem de águas pluviais, de gás e rede telefónica.
6 - O prédio confronta pelo norte com uma linha de água (ribeira das Avessas), na extensão aproximada de 80 m.
7 - Num raio de 300 m existem vários núcleos de construções habitacionais unifamiliares (moradias unifamiliares isoladas, geminadas e em banda com um e dois pisos acima do solo) e multifamiliares (habitação colectiva), com cérceas variáveis (com três e quatro pisos), várias unidades industriais e de armazenagem, além de duas unidades comerciais (do tipo grande superfície).
8 - A sul do prédio existem variadas construções industriais, fábricas, armazéns, de um lado e do outro da Via Norte; nas imediações, a norte, existem vários aglomerados populacionais, antigos e recentes, e a nordeste coexistem vários aglomerados populacionais e construções do tipo industrial;
de um lado e outro da Via Norte existem terrenos agrícolas e florestais.
9 - O terreno está inserido numa zona em franca expansão urbanística, com muito boas acessibilidades rodoviárias e bem servida por transportes públicos.
10 - No PDM de Matosinhos (publicado no Diário da República, n.º 266, de 17 de Novembro de 1992) a parcela estava na sua quase totalidade classificada como «zona de salvaguarda estrita», zona esta que abrange os terrenos incluídos em Reserva Agrícola Nacional (RAN), ou na Reserva Ecológica Nacional (REN), ou em simultâneo. Mais concretamente, apenas cerca de 75 m2 estarão em «zona urbana e urbanizável», mais concretamente em «área predominantemente de serviços».
11 - Assim, 3541 m2 estão em «zona de salvaguarda estrita», dos quais a totalidade (3541 m2) está em RAN e cerca de 2461 m2 estão simultaneamente em RAN e REN.
12 - A parcela possuía a seguinte benfeitoria: muro de vedação em blocos de cimento (não rebocado), ao longo da confrontação com o arruamento confinante com o prédio, interrompido na extensão de 8 m, com 1,25 m de altura e 0,15 m de espessura.
13 - Assim, o comprimento total do muro de vedação era de: 64,50 m - 8 m = 56,50 m, pelo que e valorando-se em (euro) 30/metro quadrado, a avaliação do muro cifra-se em (euro) 2118,75.
Como proficientemente salienta o Ministério Público no seu douto parecer emitido nos presentes autos, «está em causa a classificação de uma parcela, expropriada para implantação de vias de comunicação (1), como «solo para outros fins», nos termos dos n.os 1, alínea b), e 3 do artigo 25.º do CE, parcela incluída por PDM na Reserva Agrícola Nacional (RAN), bem como na Reserva Ecológica Nacional (REN) - incluída na sua «quase totalidade», cerca de 3541 m2 em cerca de 3616 m2, na RAN e cerca de 2461 m2, cumulativamente, na REN (2) -, dado «como assente que não foram demonstrados quaisquer factos que legitimem uma qualquer expectativa razoável de que [...] viria a ser desafectada da RAN e da REN e de que neles viria a ser autorizada a construção» (3), embora objectivamente preenchendo o requisito estabelecido na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo».
I - Da oposição de julgados
A oposição de julgados reside, na feliz síntese dos recorrentes Maria Aldina Pereira da Silva Moutinho e outros, em o acórdão recorrido ter decidido, no que tange à interpretação do artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações, no sentido de que «a verificação das circunstâncias previstas nas alíneas a) a d) do citado preceito não determina, necessária e automaticamente, a classificação do solo como «apto para construção»; não podendo ser classificado como «apto para construção» um terreno em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor, não é permitida a construção, ainda que tal terreno se encontre nas situações previstas no artigo 25.º, n.º 2, do CE», enquanto no acórdão fundamento se decidiu no sentido de que «para a classificação do solo, o legislador estabeleceu uma série de requisitos (quatro alíneas do n.º 2 do artigo 25.º) que constituem automaticamente prova de aptidão construtiva de um solo; e que, dada a eliminação do n.º 5 do artigo 24.º - que não foi feita por acaso -,o solo continua a ser considerado apto para a construção, ainda que, por lei ou regulamento, designadamente um plano urbanístico, não esteja destinado a esse fim».Em nosso entender, verifica-se, efectivamente, oposição entre acórdãos da Relação do Porto sobre a mesma questão de direito, que pode justificar a revista ampliada a que se refere o artigo 732.º-A do CPC, com a redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, por ser a aplicável.
Cumpre, antes do mais, salientar que, embora a factualidade provada não seja totalmente idêntica em ambos os arestos, havendo diferenças sensíveis, das quais a principal é a de a parcela expropriada nos presente autos estar na sua quase totalidade, com excepção de cerca de 72 m2, inserida numa zona classificada no Plano Director Municipal (PDM) de Matosinhos, como zona de salvaguarda estrita, classificação esta que abrange os solos incluídos na REN (Reserva Ecológica Nacional) e na RAN (Reserva Agrícola Nacional), enquanto que, no acórdão fundamento, apenas uma parte do terreno expropriado estava inserido na zona de salvaguarda estrita da RAN (6091 m2) a verdade é que não foi com base na factualidade específica deste processo que se decidiu da apelação aqui interposta (revogando a sentença recorrida que, aderindo à tese maioritária dos peritos, havia classificado a parcela expropriada como «solo apto para construção»), mas apenas por se ter entendido, ao contrário do entendimento perfilhado no acórdão fundamento, que em caso de uma parcela expropriada se integrar em zonas RAN ou REN, dada a proibição legal de construção, por princípio, em tais zonas, o respectivo solo tem de ser considerado como «solo apto para outros fins».
Sintetizando, para um mais cristalino equacionamento das posições antagónicas em presença, diremos que a antinomia reside apenas na diametralmente oposta interpretação do artigo 25.º do CE em vigor, entre o acórdão ora sob recurso e o acórdão fundamento, ambos da Relação do Porto.
Nesta conformidade, foram os presentes autos apresentados, com a informação do relator, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 732.º-A do CPC, ao presidente deste Supremo Tribunal, que, por douto despacho de fls. 804 dos autos, determinou que o julgamento deste recurso de revista se fizesse com a intervenção do pleno das secções cíveis.
Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 732.º-B do CPC, tendo o procurador-geral-adjunto neste Supremo Tribunal emitido lúcido e douto parecer, a fls. 809-836, com ampla e criteriosa fundamentação, no sentido de que seja negada a revista e uniformizada jurisprudência no seguinte sentido:
«Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como "terreno apto para construção", nos termos dos artigos 25.º, n.os 1, alínea a), e 2, e 26.º do Código das Expropriações, aprovado pelo artigo 1.º da Lei 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele n.º 2.»
II - As teses jurisprudenciais em confronto
Com efeito, ponderou-se no referido acórdão recorrido, entre outros argumentos, que «não existe qualquer justificação para avaliar um determinado solo de acordo com potencialidades edificativas que não tem, tendo em conta a classificação que lhe é atribuída pelo PDM, nos casos em que tais potencialidades edificativas já não existiam à data da sua aquisição».
Segundo o mesmo aresto, verifica-se impedimento legal para a classificação, da parcela expropriada, como «solo apto para a construção», isto porque «a partir da publicação do novo regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, aprovado pelo Decreto-Lei 38/99, de 22 de Setembro, ficou claro que o regime de uso do solo é definido nos planos de ordenamento do território através da classificação e da qualificação do solo [cf. artigo 71.º, alínea b), n.º 1, do mesmo diploma legal]» e porque «não pode aqui ser questionado que no PDM de Matosinhos a parcela expropriada estava na sua maior parte classificada como "zona de salvaguarda estrita", correspondente a terrenos incluídos na RAN ou REN», razões essas que aliadas à lauta fundamentação que vem tecida, tendo ainda no horizonte o quanto se decidiu no acórdão que ora é apresentado pelos recorrentes como acórdão fundamento, sobre a mesma questão de direito, a Relação do Porto sufragou, no aresto recorrido, o entendimento anteriormente plasmado em outro acórdão do mesmo tribunal, de 24 de Setembro de 2009, que, aliás, acompanha de perto, e onde se sentenciou o que, para cabal elucidação, se passa a transcrever:
«A classificação de um solo como "solo apto para construção", para efeitos de fixação da justa indemnização, não decorre, necessária e automaticamente, da verificação das situações previstas no citado artigo 25.º, n.º 2, não podendo ser assim classificado um terreno que, embora se encontre naquela situação, não tem, na realidade, qualquer potencialidade edificativa devido à impossibilidade - decorrente das leis e regulamentos em vigor - de nele proceder a qualquer construção. Como se refere no acórdão da Relação do Porto de 29 de Maio de 2008, número convencional JTRP00041471, http://www.dgsi.pt, "se por lei ou regulamento se limita a capacidade construtiva, não pode essa limitação deixar de ser atendida, só sendo de afastar quando, perante as circunstâncias concretas do caso, as condições e características de determinado bem expropriado, ainda que afectado por essas limitações, permitam afirmar-lhe "uma muito próxima, ou efectiva, potencialidade edificativa, o que não sucede "quando a potencialidade edificativa seja uma simples possibilidade abstracta, sem qualquer concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento, ou numa licença de construção [...] Só devem avaliar-se os solos como aptos à construção quando, do ponto de vista físico e legal, é possível e admissível construir nesses terrenos, sem ficcionar uma potencialidade que os mesmos não têm, nem podem ter, nem se perspectiva.
Temos, pois, como assente que não pode ser classificado como "apto para construção" um terreno em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor, não é permitida a construção e relativamente ao qual não existe qualquer expectativa legítima e concreta de tal construção vir a ser autorizada, ainda que tal terreno se encontre nas situações previstas no artigo 25.º, n.º 2, do CE.
A não ser assim, chegar-se-ia a um valor indemnizatório que não é justo porque, não correspondendo ao valor real e corrente do bem no mercado, é desproporcionado relativamente ao valor do bem» (processo 7625/05.3TBMTS.P1 in www.dgsi.jtrp/pt).
Esta posição jurisprudencial, segundo a qual, «a classificação de um solo como "solo apto para construção", para efeitos de fixação da justa indemnização, não decorre, necessária e automaticamente, da verificação das situações previstas no citado artigo 25.º, n.º 2, não podendo ser assim classificado um terreno que, embora se encontre naquela situação, não tem, na realidade, qualquer potencialidade edificativa devido à impossibilidade - decorrente das leis e regulamentos em vigor - de nele proceder a qualquer construção» colide frontalmente com a defendida no acórdão da mesma Relação, de 11 de Dezembro de 2007, que ora se apresenta como fundamento e que perfilhou o entendimento de que «não é pelo simples facto de um terreno se incluir em RAN que, por si só, já não pode ser valorizado como terreno apto para construção» e arrima-se a outro aresto da mesma Relação, de 7 de Fevereiro de 1991 onde se lê que «a circunstância de um terreno se situar em zona de Reserva Agrícola Nacional, não obsta, só por si, a que esse terreno possa ser considerado e avaliado como apto para construção» (Col. Jur., ano xvi, t. 1, p. 246).
O acórdão fundamento dá notícia também do seguinte: «sendo certo que há jurisprudência a defender que tais solos não podem ser considerados "aptos para construção" mas tão só "para outros fins", de acordo com a sua função natural como já vimos supra, pelo contrário, acórdãos desta Relação e ainda de Guimarães, entre outros, têm sido proferidos e de forma crescente no sentido de que tais classificações não impedem que sejam considerados "solos aptos para construção", desde que se verifiquem os requisitos de que o Código das Expropriações faz depender a inclusão nesta categoria, acrescentando-se, por vezes, ser necessário haver uma expectativa forte de ser possível construir nos mesmos.» Após este breve esboço das posições antinómicas em presença, é chegado o momento de se entrar na apreciação do mérito do presente recurso! Comecemos por equacionar as teses em confronto, indicando, de forma sumária e brevitatis causa, os argumentos essenciais esgrimidos em cada uma das teses jurisprudenciais em confronto.
No sentido do acórdão recorrido, a razão primordial invocada é da proibição de construção (ainda que não absoluta) em terrenos situados em zonas de Reserva Ecológica Nacional (REN) ou em zonas de Reserva Agrícola Nacional (RAN), por imperativo legal.
O argumento «ex adverso» de que a observância de tal proibição é susceptível de colisão com o princípio constitucional da igualdade, é refragado, desde logo, tal como ocorre no acórdão recorrido, com a afirmação de que «o princípio da igualdade pressupõe que se trate da mesma forma o que é igual e de forma diferente o que é diferente e o facto é que um solo incluído na RAN ou REN, ainda que dotado de infra-estruturas, não é igual a um terreno que, estando igualmente dotado de infra-estruturas, está inserido em local destinado a construção».
A posição sufragada no acórdão fundamento tem as suas escoras argumentativas, designadamente, no falado acórdão da Relação do Porto de 7 de Fevereiro de 1991, onde se ponderou que «em causa não estão agora considerações de natureza, estrutura intrínseca ou composição dos solos.
O que influencia esse valor, ou também o pode influenciar, são as desinências, as marcas que lhe impõe a dinâmica das gentes.
Daqui resulta já que a qualificação que os peritos atribuíram ao prédio expropriado de apto à construção não obriga o conceptualismo estabelecido pelo diploma legal citado acima.
Legislador e peritos movem-se em áreas diferentes.
Aquele visa impedir hoje que se construa nas áreas que prévia e abstractamente seleccionou para a agricultura.
É o plano legal.
Estes vêem-se obrigados a encontrar um valor justo para terrenos concretamente determinados e analisados segundo as suas potencialidades.
Para tal têm inclusivamente que ponderar o hoje e o amanhã da vida do prédio em causa como modo de impedir a possível injustiça entre prédios similares resultando de uma sua apreciação a tempos diferentes e sob prismas legislativos de reserva, porventura, também já diferentes».
Dito isto, cumpre dizer que o Supremo Tribunal de Justiça, embora não tenha ainda fixado jurisprudência sobre esta divergência de posições, já tomou posição sobre esta questão no seu acórdão de 20 de Abril de 2006, de que foi relator o conselheiro Salvador da Costa, e onde se sentenciou, relativamente ao quanto ora importa, que «os solos a que se reporta o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999 são os que, se não fosse a sua nova afectação decorrente dos planos gerais, regionais ou municipais de ordenamento do território, dadas as suas características objectivas, integrar-se-iam na classificação de aptos para construção.
Integrado o prédio rústico cuja parcela foi expropriada por utilidade pública na zona de reserva agrícola nacional, o respectivo valor é insusceptível de ser determinado em função de solo apto para construção a que alude o artigo 25.º, n.º 2, quedando inaplicável na espécie o normativo do artigo 26.º, n.º 12, ambos desse Código» (processo 06B1092, in www.dgsi.pt).
Esta decisão do STJ viria, contudo, a ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, que, pelo douto Acórdão 469/2007, de 25 de Setembro (relator, o conselheiro Mário Torres), proferiu a seguinte decisão:
«a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, acolhida no acórdão recorrido, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objectivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação como "solo apto para a construção", mas que foi integrado na Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os "solos para outros fins", e não de acordo com o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido Código; e, em consequência b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade.» Em conformidade com esta decisão do TC, proferida em sede de recurso, o citado acórdão deste Supremo Tribunal foi reformulado nos termos decisórios seguintes:
«Pelo exposto, reformulando o acórdão proferido por este tribunal no dia 20 de Abril de 2006, nega-se provimento ao recurso interposto pela Rede Ferroviária Nacional - REFER, E. P., do acórdão da Relação, mas precisando dever ter-se em conta que a fixação da indemnização não opera como se a mencionada parcela de terreno fosse solo apto para construção, mas de harmonia com o que se prescreve no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, e condena-se aquela no pagamento das custas respectivas.» Em síntese, o acórdão deste Supremo Tribunal a que nos temos vindo a referir, na sua versão reformulada face ao juízo de inconstitucionalidade mencionado, julgou improcedente o recurso interposto, mas manteve incólume que a fixação da indemnização não deflui da consideração da parcela expropriada como sendo "solo apto para construção», mas apenas do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do CE/91.
Aqui chegados, importa, para mais perfeito entendimento dos contornos da questão em presença, considerar a «ratio decidendi» do aresto do Tribunal Constitucional que determinou a reformulação, e nada melhor, para o efeito, do que transcrever «data venia» um excerto, relativamente amplo, daquela decisão, esclarecedor do pretendido:
«As considerações que têm levado esta 2.ª Secção a não julgar inconstitucionais os critérios normativos, aplicados nas decisões então recorridas, que consideram aplicável o regime do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999 à determinação da indemnização por expropriação de terrenos que preencham os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação dos solos como aptos para a construção mas que venham a ser integrados na RAN por instrumento de gestão territorial posterior à aquisição do terreno pelos expropriados justificam que, inversamente, se julgue inconstitucional o critério normativo, aplicado na decisão ora recorrida, que considerou inaplicável aquele regime a situação similar.
É esta uma conclusão que, por pura coerência lógica, se impõe, desde logo, a quem perfilhe o entendimento sufragado nos Acórdãos n.os 114/2005, 234/2007 e 239/2007; mas também a quem, no último acórdão citado, fundou o juízo de não inconstitucionalidade aí emitido na consideração de que «a edificação das "áreas de serviço" e a actividade e fins que, prevalentemente, prosseguem mais não representa, quando se verifica a situação prevista no artigo 26.º, n.º 12, do CE/99, do que a manifestação de uma objectiva aptidão anterior de edificabilidade, pelo que a valoração do solo como sendo para construção não deixa de corresponder a uma forma de "evitar a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais" (cf. Fernando Alves Correia, "A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133, pp. 53/54)»; e, assim, «numa tal situação, a expectativa do expropriado em nada sai privilegiada relativamente a outros não expropriados que tenham os seus terrenos sujeitos a idêntico regime jurídico "situacional"», donde se conclui «que a norma questionada não ofende nem o princípio da justa indemnização nem o princípio da igualdade, na sua vertente externa». Estas considerações são extensíveis ao presente caso, em que a parcela expropriada não se destina directamente à construção de uma via de comunicação, mas antes à edificação de um terminal ferroviário, para apoio a um parque industrial.
Apenas haverá que salientar que, neste contexto, surge como desprovida de fundamento constitucionalmente relevante, perante situações estruturalmente idênticas - expropriação de parcela de terreno que, pelas suas características objectivas, por preencher os requisitos do n.º 2 do artigo 25.º, merecia, à partida, a qualificação como «solo apto para a construção», mas que é privada dessa potencialidade edificativa por instrumento de gestão territorial superveniente à aquisição do terreno pelos proprietários expropriados -, a discriminação do critério para determinação do valor da indemnização consoante esse instrumento de gestão haja classificado o terreno como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos (hipótese em que se aplica o regime do n.º 12 do artigo 26.º, calculando-se o valor do solo em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada) ou o haja integrado em RAN (hipótese em que se considera relevante o regime do artigo 27.º, que, no caso, por ser impossível aplicar o critério do n.º 1, a sentença da 1.ª instância, neste ponto confirmada pelo acórdão ora recorrido, entendeu ser de atender ao definido no n.º 3 desse artigo 27.º, todos do Código das Expropriações de 1999).
Salvo o devido respeito, contrariamente ao que o acórdão recorrido parece subentender, o terreno ora em causa detinha, à data da declaração de utilidade pública, tal como os directamente previstos no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999, capacidade edificativa objectiva, dado que preenchia os requisitos do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código. A lesão que à «posição de vantagem» que os seus proprietários detinham, na perspectiva do futuro aproveitamento económico do terreno para edificação urbana, resultou do superveniente cerceamento dessa possibilidade por força da integração desse terreno na RAN merece um tratamento similar ao dos proprietários de terrenos cujo valor edificativo foi afectado por superveniente classificação como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos.
Com esta equiparação não se está a criar simultanea-mente uma nova situação de desigualdade, desta feita entre proprietários de terrenos com capacidade edificativa objectiva integrados na RAN que foram expropriados e os proprietários de idênticos terrenos que não foram expropriados. É que, quanto aos primeiros, com a expropriação desaparece irremediavelmente a eventualidade de virem a beneficiar de posterior alteração da classificação dos solos, atenta a mutabilidade dos instrumentos de gestão territorial e a conhecida tendência de alargamento das áreas urbanas em detrimento das rústicas, potencialidade esta que se mantém incólume quanto aos que conservam a propriedade dos terrenos, como, aliás, já se salientou no transcrito voto de vencido aposto ao Acórdão 145/2005.
E saliente-se, por fim, que não se trata de equiparar a presente situação à dos «solos aptos para a construção», definidos no artigo 25.º, n.º 2, a que são aplicáveis os critérios de determinação do valor da indemnização descritos nos n.os 1 a 11 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999. Apesar de este Código aparentemente assentar numa divisão dicotómica dos solos expropriados - entre «solo apto para a construção» e «solo para outros fins» -, a situação agora contemplada no n.º 12 do artigo 26.º representa uma situação específica relativamente à qual o legislador tem hesitado em a considerar uma subespécie do solo apto para outros fins (como fazia no Código de 1991, em que a norma correspondente ao actual n.º 12 do artigo 26.º surgia como n.º 2 do então artigo 26.º, dedicado ao «cálculo do valor do solo para outros fins») ou uma subespécie do solo apto para a construção (como resulta da sua inserção sistemática actual). Instituindo um tertium genus, a que corresponderá indemnização mais elevada do que se tratasse apenas de terreno agrícola, mas menos elevada que a devida aos terrenos com actual capacidade edificativa, a previsão do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, alargada às situações de superveniente integração na RAN de prédios à partida aptos para a construção, representa uma solução que se reputa adequada à salvaguarda do direito à justa indemnização dos expropriados, com respeito pelo princípio da igualdade.».
Um apontamento sumário da jurisprudência constitucional mais recente contribuirá, decerto, para uma melhor perspectivação da matéria sob este concreto prisma.
III - Panorâmica sumária da jurisprudência constitucional
É vasta, na verdade, a jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de expropriações, embora, como se lê no douto e recente acórdão daquele Tribunal, de 25 de Janeiro de 2011, «parte significativa tem versado sobre interpretações normativas respeitantes à classificação de terrenos que, sendo dotados de capacidade edificativa objectiva por reunirem os elementos do n.º 2 do artigo 25.º do CE, estão vinculados, por instrumento de gestão territorial, a fim diverso do da construção».
Como, com inteira razão, afirma o magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal, no seu douto parecer, relativamente ao thema decidendum nos presentes autos, «na articulação da jurisprudência das Relações e do Tribunal Constitucional, identificam-se, com clareza, «duas linhas de orientação divergente», sendo de considerar, aqui e agora, a que foi iniciada no quadro do Código de Expropriações de 1991 (CE/91) e que se manteve no domínio do actual CE, não obstante o artigo 25.º deste diploma, correspondente ao artigo 24.º do Código anterior, não ter mantido disposição idêntica à que constava do n.º 5 do CE de 1991.
Para um brevíssimo bosquejo referencial relativo à jurisprudência do TC, permitimo-nos respigar do voto de vencido do conselheiro Cura Mariano, formulado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2010, de 12 de Janeiro, que, aliás, vem citado no bem elaborado parecer do Ministério Público a que nos vimos referindo, uma passagem do seguinte teor:
«Apesar do Código das Expropriações de 1999 não ter adoptado um preceito idêntico ao n.º 4, do artigo 25.º, do Código das Expropriações de 1991, isso não impediu que alguma jurisprudência continuasse a entender que os solos integrados na RAN devessem ser catalogados como "solos aptos para outro fim", mesmo que reunissem as condições exigidas pelo artigo 25.º, n.º 2, para um solo ser considerado apto para construção, atenta a proibição legal de neles construir, tendo por isso prosseguido a mencionada discussão de constitucionalidade no domínio deste novo Código.
E neste quadro normativo, o acórdão 398/2005 (no Diário da República, 2.ª série, de 14 de Julho de 2005) reiterou o juízo que não era inconstitucional a norma do n.º 3, do artigo 25.º, do Código das Expropriações de 1999, interpretada com o sentido de excluir da classificação de "solo apto para a construção" solos integrados na RAN expropriados para implantação de vias de comunicação.
No mesmo sentido se pronunciaram posteriormente os acórdãos n.os 416/2007 (no Diário da República, 2.ª série, de 18 de Julho de 2007) e 337/2007 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).
E, indo um pouco mais longe, os Acórdãos n.os 275/2004 (em ATC, 59.º vol., p. 227), 417/2006 (no Diário da República, 2.ª série, de 11 de Julho de 2006) e 118/2007 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt) consideraram mesmo que era inconstitucional o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
Por sua vez, o Acórdão 114/2005 (em ATC, 61.º vol., p. 415) não julgou inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, considerada aplicável à determinação do valor do solo incluído na RAN, expropriado para a implantação de vias de comunicação, quando resultam satisfeitos em relação a ele os critérios, enquadráveis na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
E, no mesmo sentido, se pronunciaram os Acórdãos n.os 234/2007 (em ATC, 68.º vol., p. 847) e 239/2007 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).
Também o Acórdão 276/07 (em ATC, 69.º vol., p. 157) considerou que não eram inconstitucionais as normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.os 1 e 12, ambos do Código das Expropriações de 1999, quando interpretadas no sentido de incluírem na classificação de "solo apto para a construção", e a serem indemnizados de acordo com as regras constantes deste n.º 12, os solos adquiridos em data anterior à entrada em vigor de plano director municipal que os integrou em zona RAN e expropriados para a implantação de "áreas de serviço" de auto-estradas.
Já o Acórdão 469/2007 (em ATC, 70.º vol., p. 231) julgou mesmo inconstitucional a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objectivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação como "solo apto para a construção", mas que foi integrado na RAN por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os "solos para outros fins", e não de acordo com o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido Código».
Entretanto, em 25 de Janeiro do corrente ano foi proferido pelo Tribunal Constitucional o douto Acórdão 37/2011, que decidiu julgar inconstitucional, por violação do princípio de «justa indemnização» (artigo 62.º, n.º 2, da Constituição) e do princípio da igualdade (artigo 13.º), a norma do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações (aprovado pela Lei 168/99, de 18 Setembro, com as alterações posteriores), quando interpretada no sentido de classificar como «solo apto para construção um solo abrangido no plano director municipal por área florestal estruturante», com total desconsideração desta vinculação administrativa».
IV - Fundamentação da posição perfilhada
Foi neste sentido, afinal, que foi proferido o acórdão da Relação do Porto, ora sob recurso, e temos por seguro que esta é, na verdade, a posição jurisprudencial a perfilhar, dada a sua evidente consonância com os parâmetros e critérios jurídicos mais adequados à realidade sócio-económica.
Com efeito, como bem se ponderou no aresto deste Supremo Tribunal, que vimos de citar, tendo sempre em tela que o artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa proclama que «a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição» e que logo no seu n.º 2 o referido preceito constitucional dispõe que «a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização», a verdade é que o legislador constitucional, no que tange à determinação do conceito de justa indemnização, remeteu para a lei ordinária a definição dos critérios atinentes à sua concretização.
E, segundo reza o mencionado aresto deste STJ «o referido normativo é concretizado na lei ordinária por via do artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações, segundo o qual, a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração da utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias de facto existentes naquela data» (sublinhado nosso).
Ora, para dar cumprimento a esta injunção legal, que reflecte a orientação constitucional supraconsiderada, não podem os intérpretes da lei, com especial destaque para os seus aplicadores - os tribunais - deixar de ter em consideração as disposições legais contidas em outros diplomas directamente comprometidos com o objecto do acto expropriativo.
Com toda a razão, apontam os ilustres constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira que «o direito de propriedade é garantido pela Constituição. A fórmula parece supérflua mas não o é; trata-se de sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e com as restrições previstas e definidas noutros lugares da Constituição (e na lei, quando a Constituição para ela remeter ou quando se trate de revelar limitações constitucionalmente implícitas) por razões ambientais, de ordenamento territorial e urbanístico, económicas, de segurança, de defesa nacional» (4) (sublinhado nosso).
A lei proíbe ou restringe fortemente a construção nos terrenos incluídos na RAN e na REN, como se pode ver dos normativos que hic et nunc se impõe convocar.
Assim, importa atentar no que dispõe, desde logo, o Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, no preceito que seguidamente se transcreve:
Artigo 8.º
«1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente as seguintes:a) Obras hidráulicas, vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações;» (sublinhado e destaque nosso).
Apesar de tal proibição e a título excepcional, a referida lei veio permitir, no seu artigo 9.º, n.º 2, mediante prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola, a utilização não agrícola dos solos integrados na RAN, quando estejam em causa, inter alia, vias de comunicação e seus acessos, além de outros empreendimentos ou construções de interesse público, desde que não haja alternativa técnica economicamente aceitável para o seu traçado ou construção (artigo 9.º, n.º 2, do citado diploma legal).
Este diploma legal, que vigorava à data da declaração de utilidade publica (doravante designada pela sigla DUP), que teve lugar em 10 de Agosto de 2004, apenas foi revogado pelo Decreto-Lei 73/2009, de 31 de Março (cf.
artigo 49.º, n.º 2, do referido diploma legal), sendo certo, todavia, que o novo diploma continua a proibir no seu artigo 21.º (sob a epígrafe de «Acções interditas») as obras de loteamento e urbanização, construção ou ampliação, com excepção das utilizações previstas no artigo seguinte.
Ora não se pode olvidar que resultaram provados os seguintes factos:
10 - No PDM de Matosinhos (publicado no Diário da República, n.º 266, de 17 de Novembro de 1992) a parcela estava na sua quase totalidade classificada como «zona de salvaguarda estrita», zona esta que abrange os terrenos incluídos em Reserva Agrícola Nacional (RAN), ou na Reserva Ecológica Nacional (REN), ou em simultâneo. Mais concretamente apenas cerca de 75 m2 estarão em «zona urbana e urbanizável», mais concretamente em «área predominantemente de serviços».
11 - Assim 3541 m2 estão em «zona de salvaguarda estrita», dos quais a totalidade (3541 m2) está em RAN e cerca de 2461 m2 estão simultaneamente em RAN e REN.
No que tange ao regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (REN), criada pelo Decreto-Lei 321/83, de 5 de Julho, importa ter presente o disposto no artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei 93/90, de 19 de Março, que assim dispõe:
«Artigo 4.º
Regime
1 - Nas áreas incluídas na REN são proibidas as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal.» No n.º 2 do referido inciso legal são contempladas determinadas excepções à regra geral proibitiva, designadamente na sua alínea c), «a realização de acções de reconhecido interesse público, nacional, regional e local, desde que seja demonstrado não haver alternativa económica aceitável para a sua realização».Por outro lado, não é de somenos importância ter também presente que o artigo 71.º do novo regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, aprovado pelo Decreto-Lei 380/99, de 22 de Setembro, veio a consagrar em letra de lei o que já era tido tradicionalmente em consideração, isto é, que o uso do solo é definido nos planos municipais de ordenamento do território através da classificação e da qualificação do solo.
Em face do quanto fica dito, não podemos deixar de reconhecer razão ao acórdão recorrido na seguinte passagem do mesmo:
«Assim, face ao regime a que estão submetidos, é evidente a inaptidão construtiva dos solos incluídos na RAN, pelo menos em termos imediatos, e essa circunstância não deixaria de ser tomada em consideração pelo comprador avisado que, naturalmente e em condições normais de mercado, não estaria disposto a pagar por esse terreno o mesmo valor que pagaria por um terreno onde a construção não estava sujeita a quaisquer limitações ou restrições.» Não tem assim qualquer viabilidade, ressalvado sempre o respeito que é devido por posição adversa, a tese dos recorrentes, de que «para efeitos do cálculo da indemnização para expropriação, a definição de solo apto para construção assenta, já desde o Código de 91, nos elementos certos e objectivos enunciados no n.º 2 do artigo 25.º do CE que espelham essa aptidão construtiva, pelo que basta a verificação de um deles para se estar perante um solo classificado como apto para construção, para efeitos de cálculo da indemnização para expropriação, independentemente da sua inserção em RAN ou do constante de plano urbanístico em vigor», defendida nas suas alegações recursórias, e condensadas nas conclusões 5.ª e 6.ª das mesmas.
Desde logo, não podem os tribunais desconhecer as proibições ou restrições legais do «jus edificandi» ou outras, emergentes do ordenamento jurídico do Estado, como órgãos de soberania que são e a quem compete assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos.
Nos termos do disposto no artigo 3.º da Lei 52/2008, de 28 de Agosto (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), tal como no artigo 2.º da Lei 38/87, de 23 de Dezembro (anterior diploma legal congénere), incumbe aos tribunais judiciais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, pelo que não devem interpretar e aplicar um único diploma ou norma legal, sem ter em consideração a existência de outros que regulam a mesma situação de facto ou o mesmo direito, como é o caso da capacidade edificativa de um solo ou do direito de construção (jus edificandi).
Tem assim inteira razão a recorrida ao clamar pelo respeito por essa trave mestra da hermenêutica jurídica que é a unidade do sistema jurídico, segundo a qual o intérprete - com maior ênfase, os tribunais, a quem cabe a aplicação das leis - na interpretação das regras jurídicas deve considerar o sistema jurídico na sua totalidade, como, de resto, é referido no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, que indica ao intérprete o dever de ter «sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
Daí que, como é de cristalina evidência, não possam os tribunais ignorar regras jurídicas que apontam em sentido diverso de um texto legal sobre a mesma questão ou sobre o mesmo objecto, sobretudo se limitativas ou supressivas da permissão normativa que o referido texto legal concede.
Estão, manifestamente, nesta situação o Decreto-Lei 196/89 de 14 de Junho, e o Decreto-Lei 93/90, de 19 de Março, que regulam o regime jurídico da RAN e da REN.
O conceito de solo apto para construção é um conceito jurídico-normativo que, como a generalidade, senão a totalidade dos conceitos jurídicos, não é de natureza ôntico-naturalística, mas de natureza axiológico-normativa, é dizer «valorativa», isto é, os parâmetros indicados na lei para a densificação do mesmo conceito não se referem apenas às características físicas do terreno, mas sim ao seu valor económico-jurídico, tendo em pauta que se trata de um conceito destinado exactamente a permitir um justa indemnização em consonância com os ditames da ordem jurídico-constitucional.
Não basta, destarte, ter em consideração os valores médios do mercado para, consoante os mesmos, se proceder à determinação ou cálculo do valor indemnizatório de um terreno que, não obstante possuir as características referidas no artigo 25.º, n.º 2, do CE/99 sofre a limitação legal da capacidade edificatória resultante da sua inserção na RAN ou na REN.
Vem aqui a propósito recordar uma brevíssima passagem da declaração de voto de vencido do juiz conselheiro do Tribunal Constitucional, Rui Moura Ramos, no Acórdão 145/2005, de 16 de Março de 2005, daquele Tribunal, exactamente sobre questão referente à classificação de solos, para efeitos indemnizatórios decorrentes de expropriação, e que se prendia com invocada violação do princípio da igualdade, do seguinte teor:
«Considero, com efeito, que, tratando-se de determinar a conformidade constitucional de uma disposição do CE com as características da norma sub judicio, a comparação entre o expropriado e os não expropriados - a análise da indemnização na perspectiva da chamada relação externa da expropriação - não deve realizar-se na base de conjecturas quanto ao valor de mercado (o mercado é uma realidade social e não normativa) dos terrenos dos restantes proprietários não expropriados, ficcionando uma hipotética venda dos terrenos destes.» Mais adiante, lê-se na citada declaração de voto: «o mercado é a interacção do conjunto de vendedores e compradores, actuais ou potenciais que se interessam pela transacção de determinado produto» (Fernando Araújo, Introdução à Economia, vol. 2.ª ed., Coimbra) e funciona com base numa lógica insusceptível de assimilação a uma realidade que se expressa através de conteúdos normativos».
É evidente que, com isto, não se pretende negar o relevo do mercado concorrencial na avaliação dos preços dos terrenos expropriados, designadamente, mediante o cotejo com os que, possuindo características similares, não foram objecto de expropriação.
Tal é, aliás, uma das referências ou índices a atender na determinação desse valor, maxime, quando esteja em causa o princípio da igualdade, de relevo jurídico-constitucional (artigo 13.º da CRP).
Mas o que jamais pode ser indiferente a tal cálculo é a realidade normativa resultante da proibição genérica de construção que incide sobre os terrenos, como o dos autos, sob pena de, assim não acontecendo, se vulnerar exactamente o princípio de igualdade constitucionalmente tutelado.
Nesta conformidade se pronunciou o Tribunal Constitucional, ao afirmar no seu Acórdão 145/2005 (relatora, a conselheira Maria Helena Brito) que «considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde ao seus "justo valor" [...] mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido contemplados com a expropriação (Ac. TC, de 16 de Março de 2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Por isso, como também aponta a recorrida, «no rematar deste raciocínio, o Tribunal Constitucional veio a "considerar que a interpretação das normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999), que conduz a incluir na classificação de "solo apto para construção" e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição».
Esta doutrina viria, como já se viu, a obter consagração no recente aresto do Tribunal Constitucional de 25 de Janeiro de 2011 supracitado.
Como bem sintetiza o falado parecer do Ministério Público, no presente recurso, as questões decidendas que se mostram equacionadas na alegação dos recorrentes e que resultam, por sua vez, do desdobramento da questão principal, são essencialmente as seguintes:
A violação, no caso, dos princípios da justa indemnização e da igualdade - artigos 62.º, n.º 2, e 13.º da CRP;
A classificação da parcela expropriada como «solo apto para outros fins», no quadro do artigo 25.º do CE;
A não transposição da norma contida no n.º 5 do artigo 24.º do CE/91 para o actual CE (artigo 25.º, cit.).
Desde já se adianta que não se vislumbra qualquer violação dos princípios da justa indemnização e da igualdade, como clamam os recorrentes.
Com efeito, assim se ponderou no Acórdão 347/2003, do Tribunal Constitucional (relator, o conselheiro Benjamim Rodrigues, disponível no site daquele Tribunal, anteriormente indicado), cuja argumentação acompanhamos inteiramente, por também no caso sub judicio haver que respeitar a «vinculação situacional» da parcela expropriada com as inerentes limitações, e donde nos permitimos transcrever data venia o seguinte excerto:
«Na verdade, de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 274/92, de 12 de Dezembro, e 278/95, de 25 de Outubro), REN (Decreto-Lei 93/90, de 19 de Março) ou áreas non aedificandi previstas nos planos directores municipais, planos de urbanização ou planos de pormenor (Decreto-Lei 69/90, de 2 de Março), não é possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua "vinculação situacional", nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica. No que tange a este último parâmetro constitucional, haverá, ainda, que acentuar que o juízo feito pelo legislador, quanto à necessidade e concreta extensão física de inclusão dos terrenos na RAN, deve ser acolhido pelo Tribunal, por respeito à sua competência legislativa constitucional e à discricionariedade que a mesma comporta. Só nos casos em que se evidenciasse uma distorção grosseira que fosse passível de censura segundo os cânones do princípio do Estado de Direito, ínsito no artigo 2.º da CRP, que aqui não ocorre, é que o Tribunal poderia invalidar a restrição efectuada.
A circunstância de uma outra parcela pertencente ao mesmo prédio ter sido considerada como solo apto para construção, em outro processo de expropriação, como a recorrida diz ter acontecido, não releva por si. É que isso tanto poderá ter acontecido apenas por força de uma atitude simplesmente processual das partes, deixando transitar a decisão que assim a classificou e avaliou, como por força dessa parcela, conquanto integrada no mesmo prédio, estar sujeita a uma diferente "vinculação situacional"
decorrente da sua não inclusão em qualquer daquelas áreas que se referiram.
De notar que nem sequer se evidencia estar-se perante uma situação jurídica de manipulação das regras urbanísticas por parte da administração que reclame uma interpretação constitucionalmente adequada.» Em reforço de tal entendimento, também se poderia convocar o Acórdão 20/2000, de 11 de Janeiro (relator, o conselheiro Paulo Mota Pinto, disponível no mesmo site), onde se escreveu o seguinte:
«Recorde-se, na verdade, que o proprietário de prédio integrado na RAN não tinha qualquer expectativa de poder vir a valorizar o solo para finalidades edificativas, pois ele próprio não podia construir, nem desafectar o solo da RAN, e a aptidão edificativa não é sequer confirmada pela utilização visada com a expropriação.
Se a expropriação é justamente para edificação de prédio urbano, então mostra-se que a integração na RAN não poderia excluir a qualificação como "solo apto para construção" para efeitos de indemnização, pois a potencialidade edificativa do prédio é justamente confirmada pela utilização dada pelo expropriante - para mais, se o prédio foi anteriormente desanexado da RAN, como acontecia na situação do Acórdão 267/97.
Já não será assim, porém, numa situação como a dos presentes autos, em que a expropriação levada a efeito pela Brisa se destina exclusivamente a um sublanço da auto-estrada Famalicão-Guimarães, não se destinando, pois, à edificação de construções urbanas, ainda que de interesse público, em terrenos com presumida e essencial vocação agrícola. Verifica-se, como bem notou o Ministério Público, que a parcela de terreno expropriada não passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo mesmo que a especial afectação de parcela à construção de tal via pública de comunicação se revela também (como a utilização agrícola) incompatível com qualquer vocação edificativa de construções urbanas no terreno expropriado.» Tem, assim, inteira razão a recorrida, quando advoga que «a indemnização por expropriação só será justa se repuser o princípio de igualdade, através da reconstituição da situação patrimonial que os expropriados detinham. Ora isto significa que, se o terreno à data da DUP era desprovido de capacidade edificativa, não podem os expropriados pretender indemnização correspondente a um solo apto para construção».
Assim só não aconteceria se os ora recorrentes/expropriados lograssem demonstrar que haviam adquirido a parcela de que tratam os presentes autos antes de a mesma ser integrada em Reserva Agrícola Nacional e em Reserva Ecológica Nacional, situação essa em que seria de aplicar o disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999, exactamente no sentido preconizado pelo Ac. do TC n.º 469/2007, de 25 de Setembro, que julgou inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, a interpretação, feita no Acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Março de 2006, dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do CE de 1999 e determinou a sua reformulação em conformidade.
No caso apreciado e decidido naquele processo, estava em causa um terreno, expropriado para a construção de um terminal ferroviário, que objectivamente preenchia os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º do CE/99, para a classificação como «solo apto para a construção», mas que foi integrado na RAN por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados.
No caso em apreço tal situação não ocorre, pois, como refere o Acórdão da Relação, ora em recurso, «na hipótese em apreço nestes autos devemos concluir que não se verifica esse requisito essencial à aplicação do artigo 26.º, n.º 12, na medida em que sabemos que o PDM de Matosinhos foi publicado em 1992 e o prédio apenas foi registado a favor dos expropriados em Maio de 2002».
De resto, nem os recorrentes colocam em crise tal asserção da 2.ª instância, entidade soberana no julgamento da matéria de facto.
Não se mostra violado, face ao quanto se deixou amplamente exposto, o princípio de justa indemnização, ao contrário do que sustentam os recorrentes nas suas alegações.
De igual sorte, não se mostra vulnerado o princípio de igualdade.
Com efeito, é consabido que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado, de forma pacífica e com apoio doutrinário, que o princípio de igualdade se desdobra em dois níveis de comparação, isto é, no âmbito da relação interna e no da relação externa (por todos, o Acórdão do TC de 16 de Fevereiro de 2007 de que foi Relator o conselheiro Vítor Gomes, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Como se explica no aresto acabado de citar, «no domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos».
Mais adiante, o mesmo aresto doutamente considera:
«Considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde ao seu "justo valor" - para o determinar há que atender ao valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está, necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado -, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido contemplados com a expropriação.
Nesse sentido, escreveu-se nos acórdãos n.os 333/2003 e 557/2003 já citados:
"[...] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da "justa indemnização", de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.
E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado, os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na REN e delas não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente estabelecida. Ora, se é verdade que o "princípio da igualdade de encargos"
entre os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização, obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso, não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública. Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção».
Passemos, finalmente, à derradeira questão que é a da não transposição da norma contida no n.º 5 do artigo 24.º do CE/91 para o actual CE, daí se concluindo o que os recorrentes condensam, essencialmente, nas conclusões 8.ª a 10.ª da sua minuta recursória, que a seguir se transcrevem para maior comodidade de consulta:
Dada a eliminação da regra constante do n.º 5 do artigo 24.º do Código revogado, para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo continua a ser apto para a construção, ainda que, por lei ou por regulamento, designadamente um plano urbanístico vinculativo, não esteja destinado a esse fim.
Se o legislador de 99 tivesse pretendido continuar a equiparar a solo apto para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não permite a construção, como defende o acórdão recorrido, tê-lo-ia feito facilmente, mantendo aquele n.º 5 do antigo artigo 24.º, que obrigava a essa equiparação.
Não o fez, numa clara opção legislativa.
Diremos, desde já, com o respeito que é devido, que falece razão aos recorrentes.
Na verdade, da simples ausência de um determinado preceito legal constante de um determinado compêndio legislativo, no diploma legal que lhe sucedeu, não se pode inferir, sem mais, que o legislador perfilhou a solução inversa da que resultava daquele preceito.
Assim, toda a razão assiste aos recorridos quando recordam, nas suas doutas contra-alegações, que o argumento a contrario sensu exige uma tarefa muito cautelosa do intérprete.
Essa é, aliás, a recomendação da generalidade dos autores que à matéria da hermenêutica jurídica dedicam o seu labor.
Nesta linha de orientação, escreveu o saudoso Professor Dias Marques nas suas preciosas lições de Introdução ao Estudo do Direito: «o argumento a contrario sensu é uma forma de desenvolvimento do sentido da lei que necessita de ser usado com toda a cautela, por isso que nem sempre que o legislador exprime uma norma para certo caso, há-de querer, para os casos não mencionados, a regra inversa» (5).
O mesmo catedrático de Lisboa assim continuava o seu magistral ensino: «a utilização do argumento a contrario sensu só é, pois, lícita quando o espírito que está na base do preceito tem um carácter excepcional e portanto se é levado a concluir que todos os outros não contemplados estão sujeitos a regra inversa» (6).
Também Baptista Machado, na sua obra de referência Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, alertava para o carácter periclitante do argumento a contrario, considerando ser este um argumento que deve ser usado com muita prudência e que «por meio dele deduz-se o de um ius singulare, isto é, da disciplina excepcional estabelecida para certo caso, um princípio-regra de sentido oposto para os casos não abrangidos pela norma excepcional» (7).
Por último, last, but not the least, citaremos a passagem da obra de Elias da Costa que, como bem aponta a recorrida, «defende que o facto de a norma do artigo 24.º, n.º 5, do CE de 1991 não ter sido transposta para o Código de 1999, não pode levar a concluir-se pela inexistência de limitações à aptidão construtiva dos solos, decorrentes da lei ou dos instrumentos de gestão de ordenamento do território, isto é, que a potencialidade edificativa não esteja condicionada pela lei e pelos regulamentos administrativos».
Efectivamente, o referido autor, depois de considerar que já não se encontra no CE vigente qualquer disposição que esclareça como deve ser valorizado um solo onde não seja possível construir, acrescenta: «apesar de não se encontrar no Código actual um preceito homólogo do n.º 5 do artigo 24.º do CE de 1991, entendemos que se deve continuar a aplicar a tese nele contida.» (8) No caso em análise, têm plena aplicação diplomas legais que expressamente proíbem ou condicionam de forma fortemente restritiva, a construção nos solos integrados na REN ou na RAN, diplomas esses de idêntica hierarquia à do Código das Expropriações, pelo que o solo integrado naquelas reservas nacionais, pelas razões que expostas foram, não pode ser classificado como «solo apto para construção», ainda que objectivamente disponham dos requisitos constantes do n.º 2 do artigo 25.º do CE/99.
Nem se diga que o preceito em pauta do Código das Expropriações constitui uma norma especial em relação às normas proibitivas/restritivas dos diplomas legais que regulam a gestão territorial em consideração, com isso se advogando uma derrogação da lei geral pela especial (lex specialis derogat legi generali).
Entre tais diplomas não intercorre uma relação de especialidade, por forma a que os diplomas das reservas nacionais citados se configurem como «genus proximum» do que disciplina o regime jurídico das expropriações e, portanto, este não constitui lei especial (species) em relação àquele.
Estabelecendo o artigo 25.º do referido compêndio legal uma classificação dicotómica dos solos para efeitos do cálculo da indemnização, a única classificação possível, pela via residual, e não se verificando o pressuposto da aplicação do n.º 12 do artigo 26.º (anterioridade de aquisição do terreno relativamente à integração nas reservas nacionais) só pode ser a de «solo para outros fins», como decidiu a Relação no Acórdão recorrido, já que, como tem vindo a decidir o Tribunal Constitucional, o disposto no n.º 12 do artigo 26.º do mesmo Código aqui não tem aplicação por força das considerações expostas.
Como se referiu no já falado Acórdão 469/2007, de 25 de Setembro, do TC, relativamente à norma do artigo 26.º, n.º 12, do CE/99, «instituindo um tertium genus, a que corresponderá indemnização mais elevada do que se tratasse apenas de terreno agrícola, mas menos elevada que a devida aos terrenos com actual capacidade edificativa, a previsão do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, alargada às situações de superveniente integração na RAN de prédios à partida aptos para a construção, representa uma solução que se reputa adequada à salvaguarda do direito à justa indemnização dos expropriados, com respeito pelo princípio da igualdade».
Esta, porém, não era a situação dos recorrentes nos presentes autos à data da DUP, como tivemos ocasião de referir, pelo que não está em causa hic et nunc o disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações.
Importa aqui registar, por fim, que recentemente este Supremo Tribunal proferiu o Acórdão de 8 de Fevereiro de 2011, de que foi relator o juiz conselheiro Sebastião Póvoas (processo 153/04.9TBTMC.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), assim sumariado, na parte que ora interessa:
«A reserva, no PDM, de solos integráveis na previsão do n.º 12 do artigo 26.º daquele diploma, mas que tenham aptidão objectiva para a edificabilidade, a aferir pela verificação dos requisitos do n.º 2 do citado artigo 25.º, não impede o seu tratamento, para efeitos de justa indemnização, como aptos para construção.» Após tudo quanto amplamente exposto ficou, cremos insubsistirem dúvidas de que não se verificou, na interpretação seguida pelo Acórdão recorrido, violação dos princípios de justa indemnização e de igualdade (artigo 62.º, n.º 2, e artigo 13.º da nossa Lei Fundamental), nem de qualquer outro princípio jurídico-constitucional, bem como de qualquer dos preceitos legais indicados pelos recorrentes nas suas alegações, claudicando, destarte, todas as conclusões das mesmas, o que determina inexoravelmente a improcedência do presente recurso, com a confirmação integral da decisão recorrida.
Decisão. - Face a tudo quanto exposto fica, acordam os juízes que constituem o pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista e uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:
«Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para construção», nos termos do artigo 25.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo artigo 1.º da Lei 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele n.º 2.» (1) Para «construção da parte do sublanço Via Norte/Águas Santas da SCUT do Grande Porto - A4/IP4» (n.º 13 dos factos assentes na decisão da 1.ª instância, fl. 232).
(2) N.os 10 e 11 dos factos provados no acórdão da Relação, a fl. 519: em termos de PDM de Matosinhos, integrada em «zona de salvaguarda estrita», que considera e abarca aquelas áreas territoriais especiais - artigos 2.º, alínea c), 51.º e 54.º do respectivo regulamento, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Novembro de 1992 (fotocópia no processo, a fls. 754 e segs.).
(3) Passo do acórdão recorrido (com contextuais concordâncias gramaticais), a fl. 523.
(4) Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa (anotada), vol. i, Coimbra Editora, 4.ª ed. revista, 2007, p. 801.
(5) José Dias Marques, Introdução ao Estudo do Direito, 2.ª ed., 1994, p. 153.
(6) Idem, p. 154.
(7) João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1996, p. 187.
(8) Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, Almedina, 2.ª ed., p. 284.
Custas pelos recorrentes.
Processado e revisto pelo relator.
Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Abril de 2011. - Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues (relator) - Fernando de Azevedo Ramos - Manuel José da Silva Salazar - Sebastião José Coutinho Póvoas - António Manuel Machado Moreira Alves - Nuno Pedro de Melo e Vasconcelos Cameira - António Alberto Moreira Alves Velho - Camilo Moreira Camilo - João Mendonça Pires da Rosa - Carlos Alberto de Andrade Bettencourt de Faria - José Joaquim de Sousa Leite - José Amílcar Salreta Pereira - João Luís Marques Bernardo - João Moreira Camilo - Paulo Armínio de Oliveira e Sá - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza - Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos - António José Pinto da Fonseca Ramos - Ernesto António Garcia Calejo - Henrique Manuel da Cruz Serra Baptista - Helder João Martins Nogueira Roque - José Fernando de Salazar Casanova Abrantes - Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego - Orlando Viegas Martins Afonso - José da Cunha Barbosa - Paulo Távora Victor - Sérgio Gonçalves Poças - Gregório Eduardo Simões da Silva Jesus - José Augusto Fernandes do Vale - Manuel Fernando Granja Rodrigues da Fonseca - Fernando da Conceição Bento - João José Martins de Sousa - Gabriel Martim dos Anjos Catarino - Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira - Emídio José da Costa - João Carlos Pires Trindade - José Tavares de Paiva - António da Silva Gonçalves - Joaquim Manuel Cabral e Pereira da Silva.