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Acórdão do Tribunal Constitucional 119/2010, de 14 de Abril

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Sumário

Decide pronuncia-se pela inconstitucionalidade de normas do Decreto n.º 8/2010, da Região Autónoma dos Açores, sobre questões relativas ao ambiente e desenvolvimento sustentável (Processo n.º 157/10)

Texto do documento

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 119/2010

Processo 157/10

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Pedido e seu objecto. - O Representante da República para a Região Autónoma dos Açores requer, ao abrigo do n.º 2 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 57.º e seguintes da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), que o Tribunal Constitucional, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, se pronuncie pela inconstitucionalidade das normas contidas nos preceitos a seguir indicados do Decreto 8/2010, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, que lhe foi enviado para assinatura como decreto legislativo regional, nos termos do artigo 233.º, n.os 1 e 2, da CRP:

Nos artigos 8.º a 14.º, por violação conjugada do n.º 4 do artigo 112.º e das alíneas b) do n.º 1 do artigo 165.º e a) do n.º 1 do artigo 227.º, da CRP;

No n.º 3 do artigo 8.º, por desrespeito pelo princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da lei fundamental;

No n.º 2 do artigo 9.º, por violação do princípio da reserva de lei, ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 18.º;

No n.º 3 do artigo 11.º e no artigo 14.º, em consequência da violação conjugada do regime das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (n.º 2 do artigo 18.º) e da liberdade de associação, tal como consignada no n.º 2 do artigo 46.º;

Nos n.os 3, 4 e 5 do artigo 12.º e 1 do artigo 13.º, igualmente por desrespeito dos parâmetros constitucionais das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (n.º 2 do artigo 18.º) e da dimensão da liberdade de associação plasmada no n.º 2 do artigo 46.º O Decreto 8/2010, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, que Regulamenta a elaboração e disponibilização de relatórios de informação pública sobre o estado do ambiente, regula o apoio às organizações não governamentais de ambiente e altera a composição e normas de funcionamento do Conselho Regional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CRADS), aprovado em 10 de Fevereiro de 2010 e enviado ao Representante da República para a Região Autónoma dos Açores para assinatura como decreto legislativo regional, foi emitido «nos termos das disposições conjugadas dos artigos 227.º, n.º 1, alínea a), e 112.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e 37.º, n.os 1 e 2, e 57.º, n.os 1 e 2, alíneas n) e o), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores».

Os preceitos que contêm as normas cuja apreciação de constitucionalidade vem solicitada são do seguinte teor:

«Secção II

Registo regional de organizações não governamentais de ambiente

Artigo 8.º

Registo regional

1 - Na dependência do departamento da administração regional competente em matéria de ambiente funciona um registo regional de organizações não governamentais de ambiente.

2 - São admitidas ao registo as organizações que satisfazendo o disposto no artigo 6.º do presente diploma tenham sede na Região Autónoma dos Açores e agreguem pelo menos 50 associados.

3 - Podem ainda ser admitidos a registo as delegações, os núcleos e outras formas de representação de associações de carácter nacional e internacional que demonstrem ter pelo menos 100 associados residentes nos Açores.

4 - Para efeitos de inscrição, o número de associados das organizações não governamentais de ambiente que resultem do agrupamento de associações é calculado pelo somatório do número de associados das organizações não governamentais de ambiente ou equiparadas que as integram, relevando apenas as associações que visem exclusivamente a defesa e valorização do património natural e construído ou a conservação da natureza.

5 - O conteúdo do registo é público, sendo disponibilizado no portal do Governo Regional na Internet.

Artigo 9.º

Inscrição no registo

1 - O requerimento para inscrição no registo é dirigido ao membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente, instruído com os seguintes documentos:

a) Cópia do acto de constituição e dos estatutos actualizados;

b) Cópia do instrumento pelo qual foi publicado o extracto do acto de constituição e a alteração aos estatutos;

c) Cópia do cartão de identificação de pessoa colectiva;

d) Declaração do número de associados;

e) Declaração do valor das quotas dos associados;

f) Plano de actividades;

g) Relatório de actividades e relatório de contas;

h) Indicação da área geográfica de actuação;

i) Cópia da acta da assembleia geral relativa à eleição dos membros dos órgãos sociais e sua identificação.

2 - Para a correcta apreciação do pedido de inscrição, podem ser solicitados à associação elementos adicionais considerados importantes para a decisão.

3 - Após audiência dos interessados, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, é emitida decisão final, da qual devem constar os respectivos fundamentos de facto e de direito.

4 - Os actos de admissão a registo e respectiva suspensão e cancelamento são publicados no Jornal Oficial por despacho do membro do Governo regional competente em matéria de ambiente.

5 - As organizações não governamentais de ambiente e equiparadas têm direito a obter declaração comprovativa da sua inscrição no registo.

Artigo 10.º

Direitos decorrentes da inscrição no registo

1 - Para além dos direitos que lhes são conferidos pela Lei 35/98, de 18 de Julho, as organizações não governamentais de ambiente e equiparadas inscritas no registo regional gozam dos direitos estabelecidos no presente diploma, nomeadamente o direito ao apoio técnico e financeiro por parte da administração regional autónoma e o de participação na definição das políticas regionais de ambiente.

2 - Os dirigentes e os membros das organizações não governamentais de ambiente designados para exercer funções de representação no âmbito do funcionamento de órgãos consultivos dependentes da administração regional autónoma gozam dos direitos consagrados no artigo 8.º da Lei 35/98, de 18 de Julho.

Artigo 11.º

Deveres decorrentes da inscrição no registo

1 - As organizações não governamentais de ambiente e equiparadas obrigam-se a enviar ao departamento da administração regional autónoma competente em matéria de ambiente, até 30 dias úteis após a sua verificação, as alterações aos seguintes elementos:

a) Extracto da acta da assembleia geral relativa à eleição dos órgãos sociais, identificação dos seus titulares e respectivo termo de posse;

b) Extracto da acta da assembleia geral relativa à alteração dos estatutos;

c) Cópia do instrumento pelo qual foi publicado o extracto da alteração dos estatutos;

d) Alteração do valor da quotização dos seus associados;

e) Alteração da sede.

2 - As organizações não governamentais de ambiente e equiparadas estão ainda obrigadas a enviar até 30 de Abril de cada ano:

a) Os planos de actividades, relatórios de actividades e relatório de contas aprovados pelos órgãos estatutários competentes;

b) A declaração do número de associados em 31 de Dezembro do ano anterior.

3 - As organizações não governamentais de ambiente e equiparadas obrigam-se ainda a aceitar as auditorias que lhes sejam determinadas nos termos do presente diploma e a apresentar, quando recebam apoio técnico ou financeiro da administração regional autónoma, os respectivos relatórios finais de execução e os comprovativos das despesas suportadas.

Artigo 12.º

Modificação e suspensão do registo

1 - O departamento da administração regional competente em matéria de ambiente promove a modificação do registo, oficiosamente ou a requerimento da entidade, sempre que as características de uma associação registada se alterem.

2 - No processo de modificação oficiosa do registo é obrigatória a audiência prévia da entidade interessada.

3 - A inscrição no registo é suspensa a requerimento da entidade interessada ou por decisão fundamentada do membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente, proferida na sequência de uma auditoria.

4 - A inscrição é, ainda, suspensa por decisão do membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente quando a entidade, depois de devidamente notificada, não envie a documentação relativa ao registo e ao apoio financeiro que está legalmente obrigada a apresentar, excepto quando tal facto não lhe seja imputável.

5 - A suspensão da inscrição da organização não governamental de ambiente ou equiparada determina, enquanto durar, a impossibilidade de participação nos órgãos em que tenha assento e de candidatura ao apoio técnico e financeiro previstos no presente diploma.

6 - À modificação e suspensão do registo aplica-se, com as necessárias adaptações, o procedimento estabelecido no artigo 9.º do presente diploma.

Artigo 13.º

Anulação do registo

1 - A inscrição no registo é anulada a requerimento da entidade interessada ou por decisão fundamentada do membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente, proferida na sequência de uma auditoria.

2 - A inscrição é, ainda, anulada quando se verifique a suspensão de inscrição de uma entidade por prazo superior a dois anos.

3 - À anulação do registo aplica-se, com as necessárias adaptações, o procedimento estabelecido no artigo 9.º do presente diploma.

Artigo 14.º

Deveres decorrentes da inscrição no registo

1 - Cabe ao departamento da administração regional autónoma competente em matéria de ambiente fiscalizar o cumprimento da Lei 35/98, de 18 de Julho, e do estabelecido pelo presente diploma através da realização de auditorias regulares ou extraordinárias às organizações não governamentais de ambiente e equiparadas inscritas no registo.

2 - As auditorias têm por objectivo a verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo ou no quadro de apoio técnico e financeiro, designadamente:

a) Plano de actividades, relatório de actividades e relatório de contas;

b) Fichas de associados;

c) Quotizações;

d) Actas de eleição dos corpos sociais.

3 - Das auditorias pode resultar, nos termos dos artigos 12.º e 13.º do presente diploma, a suspensão ou a anulação da inscrição no registo.

4 - As auditorias às organizações não governamentais de ambiente e equiparadas realizam-se na respectiva sede social e são efectuadas por uma comissão nomeada pelo membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente.

5 - A comissão é constituída por trabalhadores que exercem funções públicas do departamento atrás referido e, quando necessário, por peritos externos.

6 - As auditorias extraordinárias são desencadeadas por despacho do membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente quando a entidade não apresente, no prazo fixado, os relatórios relativos à execução de acções financiadas pela administração regional autónoma ou existam fortes indícios de que a entidade:

a) Não preenche os requisitos exigidos para a manutenção da sua inscrição no registo;

b) Não desenvolve qualquer actividade há mais de 12 meses;

c) Não realiza assembleias gerais há mais de 18 meses;

d) Cometeu qualquer irregularidade na aplicação de apoio pela administração regional autónoma.» 2 - Fundamentos do pedido. - O pedido desdobra-se num pedido de pronúncia no sentido da «inconstitucionalidade orgânica» das normas constantes dos artigos 8.º a 14.º e num pedido de pronúncia no sentido da inconstitucionalidade material das normas constantes dos n.os 3 do artigo 8.º, 2 do artigo 9.º e 3 do artigo 11.º, do artigo 14.º e dos n.os 3, 4 e 5 do artigo 12.º e 1 do artigo 13.º do Decreto 8/2010.

2.1 - Relativamente à questão da «inconstitucionalidade orgânica», sustenta o requerente que, por as normas questionadas respeitarem ao regime da liberdade de associação, consignada no artigo 46.º da CRP, versariam matéria de direitos, liberdades e garantias, pelo que deveriam considerar-se abrangidas pela reserva de competência legislativa da Assembleia da República, o que desenvolve do seguinte modo:

«[...] as normas contidas nos artigos 8.º a 14.º extravasam os poderes legislativos das Regiões Autónomas, afigurando-se organicamente inconstitucionais, por violação conjugada do n.º 4 do artigo 112.º e das alíneas b) do n.º 1 do artigo 165.º e a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição.

[...] 2 - Em relação à questão da inconstitucionalidade orgânica, não carece de demonstração que o regime da liberdade de associação, consignada no artigo 46.º, se insere na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, conforme disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, respeitante à matéria dos direitos, liberdades e garantias. E, da mesma forma, não é necessário demonstrar também que a inclusão desse regime - ou de qualquer outro regime - na reserva (relativa ou absoluta) de competência da Assembleia da República implica a sua imediata subtracção à competência legislativa das Regiões Autónomas, nos termos do n.º 4 ao artigo 112.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º Aliás, de entre os vários parâmetros que, historicamente, têm sido usados pelo texto constitucional para proceder à delimitação da competência legislativa regional, é por certo o das 'matérias reservadas aos órgãos de soberania' que apresenta mais estabilidade.

A propósito deste limite da competência legislativa regional, interessa apenas evidenciar que o alcance da reserva parlamentar no que toca aos direitos, liberdades e garantias abarca a totalidade dos regimes legais. Não são apenas as bases gerais ou os princípios dos regimes jurídicos que integram a reserva nem tão-só a disciplina geral da matéria, ficando os regimes especiais igualmente subtraídos ao domínio concorrencial. E, menos ainda, se pode sustentar o confinamento dessa mesma reserva às leis restritivas ou limitadoras de tal categoria de direitos.

Tal como afirmou já o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 711/97 - em sintonia com Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, pp. 670 a 672 -, 'no domínio dos direitos, liberdades e garantias e, portanto, no domínio da liberdade de associação, o alcance da reserva de competência da Assembleia da República situa-se num nível mais exigente, em que toda a regulamentação legislativa da matéria é reservada. Ou seja, a reserva vale não apenas para as restrições (artigo 18.º) mas também para toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e garantias [...]. E valeria, desde logo, também para a matéria da promoção e efectivação dos direitos, liberdades e garantias.' No mesmo sentido, Jorge Miranda sustentou mais recentemente que 'a reserva abrange os direitos na sua integridade - e não somente as restrições que sofram [...]; a reserva abrange quer um regime eventualmente mais restritivo do que o preexistente quer um regime eventualmente ampliativo; não é o alcance da lei mas a matéria sobre a qual incide que a define [...]; a reserva abrange todo o domínio legislativo de cada direito, liberdade e garantia [...]; a reserva é para todo o território nacional; ainda que certa lei se aplique por hipótese apenas numa das Regiões Autónomas, o órgão competente para a emitir - tendo em conta os critérios constitucionais de distribuição de poderes - é a Assembleia da República e não a respectiva assembleia legislativa regional' (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, II, Coimbra, 2006, p. 535).

Quer isto dizer que, no concernente à liberdade de associação, não é só o regime geral previsto no Código Civil (máxime, nos artigos 167.º a 184.º) que integra a reserva da Assembleia da República. São sim todos os normativos que respeitem directamente ou que interfiram de forma não acidental com a liberdade de associação, nas suas diversas faculdades e dimensões, negativas ou positivas, individuais ou institucionais, assim como nas suas diferentes manifestações concretas, independentemente da sua natureza geral ou especial, global ou sectorial. Daí que o legislador parlamentar tenha assumido o encargo de densificar o regime de inúmeras modalidades de associações, desde as associações de jovens (Leis n.os 124/99, de 20 de Agosto, e 23/2006, de 23 de Junho), até às associações de deficientes (Leis n.os 127/99, de 20 de Agosto, e 37/2004, de 13 de Agosto), passando pelas associações de famílias e mulheres (Leis n.os 9/97 e 10/97, ambas de 12 de Maio) e pelas associações de utentes da saúde (Lei 44/2005, de 29 de Agosto). Daí que o legislador nacional tenha também sentido a necessidade de definir um regime específico destinado às organizações não governamentais de ambiente, constante da Lei 35/98, de 18 de Julho - diploma cuja qualificação como lei geral da República pressupunha, ao tempo, a sua aplicação em todo o território nacional.

Neste contexto, não é difícil concluir que os artigos 8.º a 14.º do Decreto 8/2010 são organicamente inconstitucionais por extravasarem as competências legislativas regionais. Por duas razões principais: primeiro, porque as normas contidas naqueles preceitos versam efectivamente sobre liberdade de associação (ainda que porventura não restringissem ou limitassem este direito, liberdade e garantia ou, pelo menos, não o tivessem feito em termos constitucionalmente injustificados); segundo, porque essas mesmas normas se situam no plano legislativo (e não num mero plano regulamentar ou de execução).

3 - Quanto ao primeiro ponto, não há de facto como negar que a criação, a cargo de um departamento administrativo, de um registo público de associações privadas é matéria que versa sobre liberdade de associação, sobretudo se se tiver em conta que da inscrição naquele registo depende o acesso a um conjunto de direitos da maior relevância para a actividade das associações em causa e dos seus corpos dirigentes (artigo 10.º do Decreto 8/2010). Tais como:

a) Direito de acesso à informação administrativa no domínio ambiental (Lei 35/98, artigo 5.º);

b) Direito de participação na definição de políticas ambientais (idem, artigo 6.º);

c) Direito de representação como parceiros sociais [idem, artigo 7.º, e artigo 41.º, n.º 2, alínea l), do Decreto 8/2010];

d) Direito de participação procedimental (idem, artigo 9.º);

e) Legitimidade processual, designadamente para efeitos de acção popular (idem, artigo 10.º);

f) Direito a isenções de emolumentos, custas e impostos (idem, artigos 11.º e 12.º);

g) Direito a obter apoio técnico e financeiro (idem, artigo 14.º, e artigos 15.º e seguintes do próprio Decreto 8/2010).

Desde logo, as regras que presidem à admissão das associações ao registo - por exemplo, as que definem o número mínimo de associados - são absolutamente determinantes para a maior ou menor capacidade de actuação dessas pessoas colectivas, quer no plano jurídico quer no plano material. Nalguns casos, a inscrição no registo surge mesmo nas disposições legais em questão como condição sine qua non do exercício de direitos constitucionais das associações ambientais, como sucede com o direito de acção popular (n.º 3 do artigo 52.º) e como os direitos à informação e à participação procedimental (n.os 1 e 2 do artigo 268.º).

Da mesma forma, também não há como negar que recaem sobre matéria de liberdade de associação as normas que prevêem a necessidade de transferir para uma autoridade administrativa um significativo acervo de informações sobre a organização e a vida interna das associações que pretendam obter a sua inscrição (n.os 1 e 2 do artigo 9.º) - mormente, o número de associados, o valor das quotas, o plano de actividades, o relatório de actividades e o relatório de contas -, assim como aquelas que submetem associações já inscritas a um conjunto de deveres, incluindo o de aceitar a realização de auditorias, na sua própria sede social, determinadas pela entidade pública que organiza o registo (artigos 11.º e 14.º).

De resto, é igualmente indesmentível que as normas que regulam a suspensão e a anulação (ou o cancelamento) do registo das associações não governamentais de ambiente, por decisão do membro do Governo Regional competente, se integram plenamente no âmbito material constitucionalmente definido pela liberdade de associação (n.os 3, 4 e 5 do artigo 12.º e 1 do artigo 13.º). Considerando que, nos termos do n.º 2 do artigo 46.º da Constituição, as associações devem poder prosseguir 'livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas', é manifesto que os actos administrativos de suspensão ou anulação do registo representam uma intervenção - legítima ou ilegítima, não interessa agora - no modo como é desenvolvida a actividade social. Mais precisamente, em conformidade com o que acima se disse, trata-se de actos que inevitavelmente se traduzem numa redução, temporária ou definitiva, mas sempre muito substancial, dos poderes e instrumentos jurídicos (e, porventura, também dos recursos materiais) que as associações têm ao seu alcance para prosseguir as suas finalidades.

4 - Quanto ao segundo ponto acima referido, numa perspectiva formal, não há dúvida que as normas cuja constitucionalidade se questiona revestem natureza legislativa e não meramente regulamentar. O Decreto 8/2010 cita, como norma constitucional habilitante, a alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º, que prevê, precisamente, a competência legislativa primária das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas. E, como normas estatuárias de habilitação, invoca o n.º 1 e as alíneas n) e o) do n.º 2 do artigo 57.º do Estatuto Político-Administrativo açoriano, disposições que respeitam, todas elas, à delimitação material do poder legislativo regional no domínio ambiental. O Decreto 8/2010 não convoca, pois, a alínea d) do n.º 1 do artigo 227.º - regulamentação das 'leis emanadas dos órgãos de soberania', que no caso seria a Lei 35/98 - nem chama à colocação, como normas legais habilitantes, os artigos 17.º e 22.º desta mesma lei parlamentar - aliás, como reclamaria o n.º 7 do artigo 112.º da Constituição, que consigna o dever de os diplomas regulamentares indicarem expressamente a lei regulamentada.

É certo que o legislador regional poderia ter cometido um erro de qualificação jurídica ao escolher as normas constitucionais e estatutárias de habilitação. Mas é também verdade que nada no teor dos artigos 8.º a 14.º do Decreto 8/2010 conduz o intérprete a essa conclusão. Pelo contrário, o carácter inovador da generalidade das normas contidas naqueles sete artigos relativamente ao estipulado na Lei 35/98 - em particular, aos seus artigos 17.º a 20.º -, bem como a natureza absolutamente determinante que o registo das associações tem no acesso aos direitos previstos neste último diploma legal - com uma enorme projecção na actividade desenvolvida pela associação e com reflexos no seu próprio relacionamento com o poder público - indiciam que o regime emanado tem dignidade legislativa e que, por isso, o legislador regional fez a opção certa quanto à forma adoptada.

Recorde-se, outrossim, que estando a matéria dos direitos, liberdades e garantias, por decorrência da sua inserção na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, também sob o influxo do princípio constitucional da reserva de lei, daí resulta para o legislador parlamentar uma particular exigência quanto à densidade da normação que emana. Sobretudo no confronto com a acção administrativa, a reserva de lei importa para o legislador um conjunto de obrigações que visam garantir que é sempre ele a tomar as decisões essenciais quanto ao conteúdo ou quanto ao alcance das normas que conformam ou que afectam a esfera jusfundamental das pessoas (singulares ou colectivas). Por um lado, positivamente, ainda que na nossa Constituição a reserva de lei não seja, em regra, total (ou absoluta) mas apenas parcial (ou relativa) - não se excluindo, portanto, intervenções regulamentares, desde que de natureza executiva e vinculada -, ela traduz-se sempre na exigência de fixação primária do sentido normativo directamente pela mão do legislador, sem possibilidade de delegação. Por outro lado, negativamente, está em causa uma proibição de remissões legais em branco, que permitam intervenções amplamente inovadoras de fontes normativas inferiores ou que transfiram para outros órgãos elevadas margens de liberdade decisória.

Por conseguinte, atendendo à curta extensão do preceituado que a Lei 35/98 dedica à regulação do registo das associações ambientais e, bem assim, a grande relevância que o regime constante dos artigos 8.º a 14.º do Decreto 8/2010 (ainda) assume para a liberdade de associação, não há qualquer razão que permita concluir com segurança que o legislador regional se enganou na qualificação formal do diploma emanado. Bem pelo contrário, à luz do princípio constitucional da reserva de lei - até no sentido histórico desta ideia, como instrumento de defesa das liberdades (e da propriedade) das pessoas em face das intervenções agressivas do poder político -, tudo indica que a matéria concretamente versada se situa, do ponto de vista substantivo, no plano legislativo.

Contra esta conclusão não procede, naturalmente, o argumento de que o Decreto 8/2010 se limita a reproduzir - em larga medida, a reproduzir ipsis verbis - a normação contida na Portaria 478/99, de 29 de Junho, do Governo da República, sucessivamente revista pelas Portarias n.os 71/2003, de 20 de Janeiro, e 771/2009, de 20 de Julho. A circunstância de certa matéria ter sido efectivamente tratada por um diploma regulamentar da República não significa que, de um prisma constitucional, o devesse ter sido nem tão-pouco que o pudesse ter sido nos moldes em que na realidade o foi. Nem a Lei 35/98 nem muito menos as portarias referidas, que procederam à regulamentação daquela, constituem parâmetros delimitadores da competência legislativa (ou regulamentar) regional ou padrões de validade (constitucional) dos decretos legislativos regionais. Em última análise, é apenas em função do confronto com a Constituição (e com o Estatuto Político-Administrativo) que tem de ser aferida a competência da Assembleia Legislativa açoriana para produzir normas como as constantes dos artigos 8.º a 14.º do Decreto 8/2010 - e não, obviamente, em função do cotejo destas últimas com quaisquer normas legais ou regulamentares avulsas.

5 - É sabido, entretanto, que na sequência das novas redacções conferidas pela revisão constitucional de 2004 à primeira parte do n.º 4 do artigo 115.º e à primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º, a Lei 2/2009, de 12 de Janeiro, que procedeu à terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, introduziu neste diploma básico da autonomia insular uma extensa lista de matérias qualificadas como pertencendo à 'competência legislativa própria' da Região Autónoma (artigos 49.º a 67.º). E, entre esse longo enunciado de matérias, encontra-se justamente, no domínio do ambiente e ordenamento do território, o 'associativismo ambiental', referido na alínea o) do n.º 2 do artigo 57.º A circunstância de o Decreto 8/2010 se fundar, precisamente, nesta alínea o) do n.º 2 do artigo 57.º do Estatuto não lhe pode conferir, porém, um salvo-conduto constitucional.

Por um lado, apesar de hoje a lei fundamental delimitar a competência legislativa regional com base em dois únicos parâmetros - um limite positivo, consubstanciado nas 'matérias enunciadas nos respectivos estatutos político-administrativos', e outro limite negativo, consistente nas 'matérias reservadas aos órgãos de soberania' -, isso não significa que esses limites se situem no mesmo plano ou tenha que se encontrar um ponto de equilíbrio entre os dois. O limite negativo, que impede as Assembleias Legislativas de tratar matérias reservadas aos órgãos de soberania, prevalece claramente sobre o limite positivo, não podendo o legislador estatutário integrar no elenco de matérias da competência própria das Regiões Autónomas temas que se situem na esfera reservada dos órgãos legislativos da República. Se o fizer incorre em inconstitucionalidade - como se viu, aliás, nas recentes decisões do Tribunal Constitucional sobre o Estatuto dos Açores (Acórdãos n.os 402/2008 e 403/2009), em que algumas das alíneas definidoras de (pretensas) competências legislativas próprias caíram por violação da reserva de competência dos órgãos de soberania.

Por outro lado, no caso concreto da alínea o) do n.º 2 do artigo 57.º, não parece impossível realizar uma interpretação em conformidade com a Constituição, que trace uma linha divisória entre normas legais que respeitem à liberdade de associação - e, portanto, que estão reservadas ao Parlamento Nacional - e normas legais referentes ao associativismo ambiental em sentido estrito - e que, em consequência, podem ser emanadas pela Assembleia Legislativa da Região. Ainda que a fronteira entre um e outro domínio seja árdua de definir, não custa imaginar formas de cooperação entre as associações ambientais e as entidades administrativas que não contendam com a liberdade daquelas para se auto-organizarem, para desenvolverem a respectiva actividade, para guardar reserva sobre a sua vida interna, para expressarem as suas posições e opiniões publicamente e sem constrangimentos, para prosseguirem os seus intuitos sem interferências externas, etc. Sem prejuízo de se reconhecer que, como é afirmado no Acórdão 711/97, a atribuição de apoios públicos pode 'constituir um poderoso instrumento de interferência e condicionamento da actividade das referidas associações', a verdade é que não se deve também excluir que a definição adequada de regimes de apoio técnico e financeiro possa ser uma forma de legislar sobre 'associativismo ambiental', sem bulir de forma evidente com a liberdade de associação - isto é, sem versar sobre a liberdade de associação na sua vertente negativa, típica dos direitos, liberdades e garantias, enquanto posições jurídicas de defesa contra o poder público.

Assim, olhando para o conteúdo do Decreto da Assembleia Legislativa dos Açores n.º 8/2010, há normas sobre associações ambientais que incidem claramente a matéria da liberdade associativa - os artigos 8.º a 14.º, aqui sindicados -, assim como há também normas que, versando sobre o tópico do 'associativismo ambiental' em sentido estrito, já não invadem o regime constitucionalmente reservado à Assembleia da República em matéria de liberdade de associação - v. g., as contidas nos artigos sobre apoio técnico-financeiro (15.º e seguintes), sobre ecotecas e centros de interpretação ambiental (31.º e seguintes), e até sobre participação das associações de ambiente em órgãos administrativos de natureza consultiva (41.º).» 2.2 - Relativamente às questões de inconstitucionalidade material, expende o requerente:

«[...] algumas das normas constantes desses mesmos artigos 8.º a 14.º são também materialmente inconstitucionais, pelas razões que agora se enunciam e mais adiante melhor se explicitarão. A saber:

O n.º 3 do artigo 8.º, por desrespeito pelo princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da lei fundamental;

O n.º 2 do artigo 9.º, por violação do princípio da reserva de lei, ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 18.º;

O n.º 3 do artigo 11.º e o artigo 14.º, em consequência da violação conjugada do regime das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (n.º 2 do artigo 18.º) e da liberdade de associação, tal como consignada no n.º 2 do artigo 46.º;

Os n.os 3, 4 e 5 do artigo 12.º e 1 do artigo 13.º, igualmente por desrespeito dos parâmetros constitucionais das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (n.º 2 do artigo 18.º) e da dimensão da liberdade de associação plasmada no n.º 2 do artigo 46.º» 2.2.1 - Quanto ao n.º 3 do artigo 8.º:

«6 - Relativamente às inconstitucionalidades materiais acima sumariamente apontadas, a primeira que salta à vista refere-se ao número de associados necessário para se ser admitido a registo. De acordo com o n.º 2 do artigo 8.º, tratando-se de uma associação com sede na Região Autónoma dos Açores, o número de associados requerido é apenas de 50, ao passo que, segundo o n.º 3 do mesmo artigo, tratando-se de uma associação nacional ou internacional, o número de associados residentes nos Açores - organizados em delegações, núcleos ou outras formas de representação - salta para o dobro, para os 100 elementos.

Esta diferenciação de tratamento favorece claramente as associações ambientais de menor dimensão - mais concretamente as associações de origem e dimensão regional - em detrimento de todas as demais, de alcance nacional ou internacional.

Associações de maior dimensão - que são, em princípio, também as que têm mais projecção externa, mais recursos técnicos e humanos, mais influência no espaço mediático, e maior independência crítica em face do poder político e, em particular, dos responsáveis pela definição e execução das políticas públicas de ambiente -, apesar de poderem ter nos Açores bastante mais filiados do que os necessários para as associações regionais obterem a sua inscrição no registo, podem, ainda assim, ver negada a sua pretensão de inscrição e, consequentemente, a possibilidade de dispor de direitos muito importantes para a melhor e mais eficiente consecução dos seus objectivos.

O critério de comparação adoptado pelo legislador e que está na origem do tratamento jurídico diferenciado - ou seja, o critério da localização (insular ou não) da sede social das organizações não governamentais de defesa do ambiente - é, assim, puramente arbitrário, não se vislumbrando qualquer razão substantiva que consiga fundamentar constitucionalmente a duplicidade de regimes quanto ao número de associados.

Compreende-se que a admissão a registo possa ser condicionada pela existência de um número mínimo de membros - 25, 50, 100 ou 150, pouco interessa, recaindo a responsabilidade da escolha sobre o legislador, que no exercício da sua liberdade de conformação apenas está impedido de colocar a fasquia num número irrazoavelmente elevado. De igual modo, pode também o legislador - entenda-se, aqui, o legislador parlamentar - fixar como condição de inscrição registal o preenchimento de outros requisitos objectivos, como a idoneidade da associação e das pessoas que compõem os seus corpos dirigentes, uma duração mínima de existência, etc. Mas, o que o legislador não pode fazer é tratar de forma diferenciada duas realidades que, do ponto de vista substantivo, são idênticas. Quer isto dizer, não pode conceder certos direitos a 50 associados de uma associação que tem sede na Região e, ao mesmo tempo, negar esses mesmos direitos a 50 associados pertencentes a (uma estrutura regional de) uma associação que tem a sua sede fora do território regional - ainda que uns e outros façam rigorosamente a mesma coisa, defendam os mesmos interesses, se encontrem devidamente organizados e representados, cumpram a lei geral, etc.

Nem mesmo o facto de, num caso, haver personalidade jurídica própria e de, no outro caso, as delegações, núcleos ou órgãos representativos não disporem dessa mesma personalidade, integrando-se antes numa outra pessoa colectiva, pode fundamentar a solução adoptada pelo legislador. Em bom rigor, se a falta de personalidade jurídica das estruturas regionais das associações nacionais ou internacionais pudesse ser efectivamente um obstáculo ao registo e ao gozo dos direitos próprios das associações registadas, então, também não se vê como é que a elevação de 50 para 100 do número mínimo de associados poderia resolver o problema. Por isso, repita-se, não há nenhum fundamento material que, constitucionalmente, permita justificar a diferença de tratamento estabelecida nos n.os 3 e 4 do artigo 8.º do Decreto 8/2010 e, em particular, a discriminação das associações ambientais com sede fora da Região Autónoma.» 2.2.2 - Quanto ao n.º 2 do artigo 9.º:

«7 - A segunda inconstitucionalidade material respeita ao n.º 2 do artigo 9.º do Decreto 8/2010, que permite ao membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente solicitar às associações que requerem o seu registo, 'para a correcta apreciação do pedido de inscrição', 'elementos adicionais considerados importantes para a decisão'.

Esta norma significa que o responsável máximo do Governo Regional pela área do ambiente dispõe de um poder discricionário para, em ordem a decidir o pedido de registo, requerer ainda mais informação do que a elencada no n.º 1 do mesmo artigo.

Concretamente, mais informação para além da seguinte:

'a) Cópia do acto de constituição e dos estatutos actualizados;

b) Cópia do instrumento pelo qual foi publicado o extracto do acto de constituição e a alteração aos estatutos;

c) Cópia do cartão de identificação de pessoa colectiva;

d) Declaração de número de associados;

e) Declaração do valor das quotas dos associados;

f) Plano de actividades;

g) Relatório de actividades e relatório de contas;

h) Indicação da área geográfica de actuação;

i) Cópia da acta da assembleia geral relativa à eleição dos membros dos órgãos sociais e sua identificação.' Não obstante ser já discutível a necessidade de esse membro do Governo Regional ter globalmente acesso ao valor da quota dos associados, ao plano e ao relatório de actividades, bem como ao relatório de contas, o n.º 2 do artigo 9.º do Decreto 8/2010 permite-lhe ainda fazer uma recolha mais exaustiva e sistemática de dados relativos à vida interna e às actividades e projectos da associação requerente. O que acontece, para mais, sem que o legislador se tenha preocupado em delimitar em termos razoáveis o tipo de informação que pode ser solicitada, os fundamentos que podem desencadear essa solicitação, ou o modo de avaliação dos dados eventualmente fornecidos.

Sendo assim, a associação requerente do registo fica colocada perante a seguinte alternativa: ou recusa fornecer os elementos adicionais, caso em que o registo não é concedido (a simile com o n.º 4 do artigo 12.º) e nunca poderá aceder a um conjunto de direitos da maior importância para a prossecução dos seus fins; ou envia os elementos discricionariamente solicitados, ficando sem saber segundo que critérios é que eles vão ser apreciados. Com efeito, se é legítimo supor que, em relação aos elementos informativos taxativamente fixados no n.º 1 do artigo 9.º, o órgão decisor não poderá nunca fazer avaliações ou apreciações de tipo subjectivo, designadamente quanto ao mérito ou à oportunidade das actividades constante do respectivo plano ou do correspondente relatório, já o mesmo não se pode dizer com segurança a respeito dos 'elementos adicionais' que o próprio membro do Governo Regional considera 'importantes para a decisão'.

Ora, apesar de a situação então decidida não ser idêntica à presente, importa recordar que o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 589/2004, defendeu já que, mesmo admitindo 'a possibilidade de intervenção dos poderes públicos na fase de constituição das associações, sempre se reconhecerá que uma tal intervenção nunca pode corresponder a um regime de autorização administrativa prévia sem vinculação a pressupostos legalmente definidos' - assim se sublinhando, para o que agora interessa, que, em matéria de liberdade de associação, as autoridades administrativas não devem dispor de um poder que lhes permita, em termos discricionários, condicionar decisivamente a constituição ou o estatuto jurídico das associações privadas.

Neste sentido, acredita-se que a norma em análise - pela sua indeterminação e pela discricionariedade que autoriza, num domínio material particularmente sensível - viola o princípio constitucional da reserva de lei e, mais precisamente, o seu subprincípio da determinabilidade da lei. Ou seja, viola a máxima jurídica que impõe que o sentido do texto legislativo seja preciso e inequívoco, de modo que os seus destinatários possam compreender o respectivo conteúdo e prever com segurança o resultado da sua aplicação, designadamente se e em que medida vão ser afectados nas suas posições jurídicas individuais. Tal como afirmou o Tribunal Constitucional no Acórdão 285/92, 'o grau de exigência de determinabilidade e precisão da lei há-de ser tal que garanta aos destinatários da normação um conhecimento preciso, exacto e atempado dos critérios legais que a Administração há-de usar [...]; e que forneça à Administração regras de conduta dotadas de critérios que, sem jugularem a sua liberdade de escolha, salvaguardem o núcleo essencial da garantia dos direitos e interesses dos particulares constitucionalmente protegidos [...]; e finalmente que permitam aos tribunais um controlo objectivo efectivo da adequação das concretas actuações da Administração face ao conteúdo da norma legal que esteve na sua base e origem' (cf., ainda, Acórdãos n.os 289/92, 589/2004 e 155/2007).» 2.2.3 - No que respeita ao n.º 3 do artigo 11.º e ao artigo 14.º:

«8 - A terceira inconstitucionalidade material apontada respeita antes de mais à norma do n.º 3 do artigo 11.º, segundo a qual resulta para as associações ambientais inscritas no registo - apenas em virtude dessa inscrição - um dever de sujeição às 'auditorias que lhes sejam determinadas nos termos do presente diploma'. E refere-se ainda ao regime das próprias auditorias, previsto no artigo 14.º, com particular incidência na alínea b) do n.º 2 - que permite o livre acesso das equipas de auditoria às 'fichas dos associados' - e no n.º 4 - na medida em que determina que as auditorias se realizam na 'sede social' das associações ambientais.

Mesmo colocando de parte as questões de constitucionalidade que poderiam ser suscitadas a respeito da protecção devida aos dados pessoais dos associados - n.os 4 e 7 do artigo 35.º da Constituição - e do direito das pessoas colectivas à inviolabilidade do seu domicílio - n.º 2 do artigo 34.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 12.º, da Constituição -, afigura-se evidente que existe uma relação de tendencial antinomia entre a possibilidade de o membro do Governo Regional competente em matéria ambiental determinar a realização de auditorias na sede das associações registadas e a afirmação constitucional constante do n.º 2 do artigo 46.º, segundo a qual 'as associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas'.

De facto, ainda que o termo 'interferência' não possua um sentido jurídico muito preciso, ele é suficientemente amplo para englobar a realização de auditorias - sejam elas ordinárias ou extraordinárias - por decisão do titular de um alto cargo público. De acordo com o próprio teor literal do preceito, interferências não são apenas os actos pelos quais o Estado determina a dissolução ou a suspensão das actividades das associações. Essas são apenas as formas mais graves e agressivas de intervenção dos poderes públicos na livre condução das associações pelos seus associados.

Intervenções hão-de ser assim todos aqueles actos ou comportamentos das autoridades públicas que, pela natureza dos meios utilizados ou pelos efeitos produzidos, representem uma intromissão ou uma ingerência na vida interna da pessoa colectiva ou, então, que sejam susceptíveis de prejudicar a livre prossecução das actividades e dos fins desenvolvidos pelas associações.

Não obstante, podendo as intervenções das autoridades públicas no seio das associações prosseguir distintos objectivos e revestir diferentes intensidades, as questões de constitucionalidade que devem ser colocadas não respeitam tanto ao problema de saber se certo acto ou certa conduta das autoridades constituem uma interferência na vida das associações. O que importa aferir é, sobretudo, se essa interferência se subsume no conceito constitucional de restrição e, em caso afirmativo, se se prossegue com ela um fim constitucionalmente legítimo e, ainda, se os meios utilizados para esse efeito não ultrapassam o necessário e razoável. Por outras palavras, a questão jurídico-constitucional que interessa decidir é a de saber se a sujeição das associações ambientais registadas a um regime de auditorias representa uma verdadeira e própria restrição legal à liberdade de associação e, depois, se o modo concretamente definido para a realização dessas auditorias viola o princípio da proporcionalidade, tal como consagrado no n.º 2 do artigo 18.º Assim, quanto ao primeiro ponto - e sem poder entrar aqui nos critérios que permitem fazer a destrinça entre as restrições legais e as figuras jurídicas que com elas mantêm afinidades -, afigura-se que a sujeição das associações registadas a auditorias decretadas por uma autoridade administrativa é uma forma suficientemente caracterizada e intensa de intervenção pública na vida interna daquelas, traduzindo-se numa verdadeira compressão do âmbito de protecção constitucional da liberdade de associação enquanto direito de defesa contra o poder - isto é, naquela sua dimensão subjectiva que melhor a caracteriza como direito, liberdade e garantia -, tal como ela mesma se apresenta configurada no n.º 2 do artigo 46.º Não está em causa, pois, a simples fixação preliminar dos limites exteriores da liberdade de associação em face de outros direitos ou de outros institutos, nem a definição de um regime que contenda apenas com aspectos secundários ou acidentais relativos ao pleno exercício daquela liberdade. Bem pelo contrário, tratando-se de autorizar legalmente uma autoridade pública a invadir jurídica e fisicamente a esfera privada de um sujeito jusfundamental, a sujeição das associações registadas a auditorias consubstancia-se inevitavelmente numa verdadeira e própria restrição legal.

Dito isto, entende-se também, relativamente ao segundo ponto, que o regime concreto das auditorias implica uma restrição da liberdade de associação violadora do princípio da proporcionalidade. Por um lado, nenhum outro direito fundamental justifica, no plano constitucional, a compressão à liberdade de associação agora tentada pelo legislador regional. Nem mesmo no campo dos interesses constitucionais objectivos - preservação do Estado de direito, respeito pela legalidade democrática, transparência da vida pública, etc. - se vislumbra com facilidade quais os bens ou valores presentes na Constituição que se visa acautelar com a realização de auditorias no próprio espaço físico da sede social. Mas, sobretudo, mesmo supondo que os fins prosseguidos pelo legislador podem ser convenientemente identificados e obter suporte num certo princípio constitucional objectivo, fica por demonstrar que esses mesmos fins não poderiam ser igualmente perseguidos com recurso a outros meios menos agressivos da liberdade de associação ou menos invasivos da esfera interna dessa modalidade de pessoas colectivas - por exemplo, através do simples requerimento dos documentos destinados à demonstração do preenchimento dos requisitos necessários para a inscrição no registo.

A desnecessidade - e, portanto, a violação do princípio da proporcionalidade - que caracteriza o regime de realização das auditorias torna-se ainda mais patente quando se verifica que, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º, este tipo de procedimentos inspectivos permite o acesso, algo discricionário e não selectivo, a elementos informativos referentes à associação e aos seus membros, mas que muito pouco relevância podem ter para as autoridades administrativas e, mesmo, para a 'verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo'. É o que sucede, em especial, com o acesso às 'fichas dos associados' - e, por inerência, a todos os dados pessoais que nelas estejam inscritos -, o qual se não apresenta como indispensável para o controlo do número de sócios efectivamente inscritos nas associações ambientais.» 2.2.4 - Relativamente aos n.os 3, 4 e 5 do artigo 12.º e 1 do artigo 13.º:

«9 - Por último, a quarta inconstitucionalidade material mencionada é referente às normas do n.os 3, 4 e 5 do artigo 12.º e 1 do artigo 13.º, enquanto permitem, respectivamente, a suspensão e a anulação da inscrição no registo das associações por simples decisão do membro do Governo Regional competente na área do ambiente.

Considerando, mais uma vez, que a inscrição no dito registo é condição indispensável para que as associações ambientais possam ser titulares e exercer um significativo acervo de direitos - incluindo alguns direitos com arrimo constitucional -, fácil é compreender que a previsão legal de um poder administrativo de suspensão ou de cessação da inscrição e, consequentemente, desse mesmo estatuto favorável se traduz numa verdadeira e própria restrição de direitos, liberdades e garantias, sujeita, portanto, ao disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º O poder administrativo de suspensão e de anulação do registo das associações ambientais tem, pois, de se conformar com as exigências que a lei fundamental formula neste contexto, mormente com a necessidade de uma credencial constitucional (expressa) para proceder a restrições legais e com o princípio da proporcionalidade.

Ora, quanto à primeira exigência, verifica-se que o n.º 2 do artigo 46.º prevê a possibilidade de suspensão das actividades das associações, nos casos previstos na lei, mas exige para o efeito o recurso a tribunal e a prolação de uma decisão judicial.

Não é inequívoco, todavia, o resultado da aplicação deste preceito constitucional ao regime legal em análise. Por um lado, pode sustentar-se que não é de todo aplicável a imposição de uma decisão judicial, uma vez que a suspensão ou a anulação do registo de uma associação não é propriamente uma decisão de suspensão (total) das suas actividades, tal como previsto constitucionalmente. Mas, por outro, em relação às associações em funcionamento e que estejam regularmente inscritas no registo, a verdade é que tanto a suspensão como a anulação da correspondente inscrição - embora em diferentes graus, evidentemente - importam uma perda muito significativa de direitos e de instrumentos de acção que, de forma inevitável, se repercute negativamente na actividade social e na capacidade para prosseguir os seus fins.

Se bem que isso possa variar muito de caso para caso - e mesmo deixando agora de lado a questão da cessação dos apoios técnicos e financeiros já concedidos -, é inegável que a suspensão ou a anulação do registo pode colocar, de um momento para o outro, as associações ambientais destinatárias dessas decisões numa situação de grande dificuldade para continuarem a prosseguir as actividades anteriormente desenvolvidas. Tudo depende do tipo concreto de actividades exercidas e do grau de dependência dessas actividades relativamente aos direitos que integram o estatuto das associações ambientais registadas. Em todo o caso, mesmo que a natureza jurídica possa ser diversa, as decisões (administrativas) de suspensão ou de anulação do registo podem certamente ter um efeito equivalente - embora, porventura, menos extenso - ao de uma decisão (judicial) que proceda formalmente à suspensão das actividades de uma qualquer associação privada.

Nesta senda, ainda que não exista fundamento bastante para impor que a decisão de suspensão ou de anulação do registo das associações ambientais seja tomada por decisão judicial, afigura-se pelo menos exigível que o procedimento administrativo que conduz a tais decisões seja rodeado de garantias suplementares de objectividade, além da tramitação absolutamente comum da audiência dos interessados e da fundamentação de facto e de direito da decisão final (n.º 3 do artigo 9.º, por remissão do n.º 6 do artigo 12.º e do n.º 3 do artigo 13.º). Note-se, a este propósito, que de acordo com o regime legal agora estabelecido, as decisões de suspensão ou de anulação do registo são proferidas pelo próprio membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente e, embora sejam tomadas 'na sequência de uma auditoria' (partes finais do n.º 3 do artigo 12.º e do n.º 1 do artigo 13.º e n.º 3 do artigo 14.º), é também aquele que decide a realização dessa auditoria e nomeia a comissão que a efectua (n.os 4 e 6 do artigo 14.º). Para fechar o círculo, é esta comissão composta, em princípio, por 'trabalhadores que exercem funções públicas' no departamento do Governo Regional competente em matéria de ambiente e, portanto, por subordinados directos daquele membro do executivo regional.

Eis, pois, como um procedimento administrativo comum, desprovido de especiais garantias de independência, acaba por concentrar nas mãos do titular da pasta do ambiente do Governo Regional um importante poder discricionário, que na prática lhe permitirá condicionar negativamente a actividade das associações que operam nesse mesmo sector - conquanto, em termos formais, as decisões de suspensão ou de cancelamento do registo não determinem a suspensão (total) das actividades das associações em causa.

Por sua vez, no que tange à segunda exigência, é muito duvidoso que a restrição da liberdade de associação decorrente das decisões de suspensão e de anulação do registo possam encontrar justificação na defesa de outros direitos fundamentais ou que seja necessária para a salvaguarda de outros bens objectivos ou interesses constitucionalmente protegidos. Efectivamente, se exceptuados os casos mais extremos - como aqueles em que associações promovem a violência ou prosseguem fins contrários à lei penal -, serão poucas as situações em que outros direitos fundamentais reclamem uma compressão da liberdade de associação, traduzida na retirada temporária ou definitiva dos direitos inerentes ao estatuto de associação registada. E mesmo no campo dos valores ou interesses constitucionais objectivos, fora das hipóteses em que as associações ambientais tenham comprovadamente cometido ilegalidades ou irregularidades graves, não se vê que tipo de condutas activas ou passivas dessas mesmas associações é que podem justificar, em termos constitucionais, a necessidade de medidas tão gravosas e perturbadoras do desenvolvimento da actividade social como as de suspensão ou anulação administrativa do registo.

Em abono da verdade, sublinhe-se também que as disposições legais em apreço não procedem a uma tipificação - ou sequer a uma enunciação exemplificativa - dos motivos que podem dar azo a uma decisão administrativa de suspensão ou anulação compulsiva do registo. Da leitura daquelas disposições, depreende-se apenas que tais decisões são proferidas na sequência de uma auditoria e que estas 'têm por objectivo a verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo' (n.º 2 do artigo 14.º).

Subsiste, portanto, a dúvida sobre quais são os fins últimos prosseguidos pelas decisões de suspensão ou anulação do registo das associações - e, naturalmente, sobre se esses (hipotéticos) fins têm respaldo constitucional -, sendo que se afigura desde logo desnecessário - e, por isso, violador do princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do artigo 18.º - mobilizar sem justificação evidente medidas públicas que interferem de forma tão intensa com a actividade desenvolvida pelas associações ambientais.» 3 - Resposta do autor da norma. - Notificado o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º, 55.º e 56.º da Lei do Tribunal Constitucional, veio apresentar resposta dentro do prazo legal, sustentando o seguinte:

«1.º

As normas contidas nos artigos 8.º a 14.º não extravasam os poderes legislativos das Regiões Autónomas nem se afiguram organicamente inconstitucionais, porquanto não está em causa a liberdade de associação, essa sim, matéria da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.

2.º

Efectivamente, no plano da liberdade individual, as normas cuja apreciação se requer não afectam a 'preservação da esfera de autodeterminação de cada pessoa na condição concreta da sua vida, com recusa de interferências exteriores ou, em geral, de actos contrários à sua vontade' (1), não criam 'quaisquer desvantagens por não se pertencer a esta ou àquela associação' (2) nem fazem 'depender o acesso a qualquer estado ou condição ou o exercício de qualquer direito da pertença a uma associação' (3).

3.º

No plano das associações, as normas em apreciação respeitam 'o direito de auto-organização, de livre formação dos seus órgãos e da respectiva vontade e de acção em relação aos seus membros'(4) e 'o direito de livre prossecução dos seus fins' (5), assim como em nenhum momento se permite a dissolução da associação ou a suspensão das suas actividades por acto do poder político.

4.º

Se é verdade que o regime da liberdade de associação, consignado no artigo 46.º da Constituição, se insere na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República e que, tal como se refere no pedido, esta reserva integra 'todos os normativos que respeitem directamente ou que interfiram de forma não acidental com a liberdade de associação, nas suas diversas faculdades, dimensões, negativas ou positivas, individuais ou institucionais', o que acima se disse e o próprio texto do articulado em apreciação excluem os respectivos normativos do âmbito dessa reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.

5.º

Efectivamente, não é o facto de uma matéria constar de uma lei emanada da Assembleia da República que lhe confere o carácter de reserva, absoluta ou relativa, de competência legislativa daquele órgão de soberania, mas sim a circunstância de a matéria em causa poder subsumir-se nos normativos constitucionais que elencam tais matéria de reserva.

6.º

Na verdade, a Lei 35/98, de 18 de Julho, que define o estatuto das organizações não governamentais, divide-se em quatro capítulos, epigrafados de i, 'Disposições gerais', ii, 'Estatuto das ONGA', iii, 'Registo e fiscalização', e iv, 'Disposições transitórias e finais', sendo que apenas aos primeiros dois se poderia atribuir o qualificativo de matéria da reserva da Assembleia da República.

7.º

Se assim não fosse, mal se compreenderia que as matérias referentes ao registo nacional das ONGA, constantes do capítulo iii, 'Registo e fiscalização', remetessem para regulamento os termos e condições desse registo (artigo 17.º, n.º 1),

8.º

e que através da Portaria 478/99, de 29 de Junho, alterada pelas Portarias n.os 71/2003, de 20 de Janeiro, e 771/2009, de 20 de Julho, mantida ao longo de um horizonte temporal de 12 anos, todo o sistema jurídico e judiciário se conformasse com tamanha inconstitucionalidade.

9.º

Em nosso favor acresce o facto de a citada Portaria 478/99, de 29 de Junho, ter como norma habilitante a alínea c) do artigo 199.º da Constituição (competência executiva do Governo) e não qualquer outra competência delegada ou autorizada da Assembleia da República.

10.º

E mais se sublinha que, para o que aqui importa, também deve ter relevância que, tal como refere o pedido, o Decreto 8/2010 'se limita a reproduzir - em larga medida, ipsis verbis - a normação contida na Portaria 478/99, de 29 de Junho, do Governo da República'.

11.º

E caso os argumentos já aduzidos não bastassem para demonstrar que as normas em causa em nada afectam ou colidem com a reserva da competência da Assembleia da República, sempre se dirá que o que a Assembleia Legislativa da Região está a promover não é - nem de perto - legislação que derrogue o regime nacional previsto na Lei 35/98, de 18 de Julho, nem sequer o regime do registo nacional de ONGA, regulamentado na Portaria 478/99, de 29 de Junho.

12.º

Antes pelo contrário. Como é bom de ver, a previsão de um registo regional das ONGA dificilmente poderia enquadrar-se como regulamentação da Lei 35/98, de 18 de Julho, como é indevidamente aflorado no pedido.

13.º

O que a Região quer tratar, tão-só, é da regulação de mais um procedimento de âmbito regional no qual não só não se afastam os direitos e deveres constantes do Estatuto das ONGA nacional como, inclusive, expressamente, os salvaguardam.

14.º

E esta salvaguarda também não é matéria de somenos face aos limites da competência prevista na alínea o) do n.º 2 do artigo 57.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

15.º

A competência legislativa própria da Região na matéria constante das normas objecto do pedido não resulta, portanto, do cotejo de tais normas com quaisquer normas legais ou regulamentares ou avulsas mas sim do confronto com a Constituição e com o Estatuto Político-Administrativo da Região.

16.º

Isto é, à circunstância de se tratar de matéria fora do âmbito da reserva de competência da Assembleia da República acresce o facto de o associativismo ambiental constar do elenco das matérias da competência legislativa própria da Região, expressamente consagrada na alínea o) do n.º 2 do artigo 57.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

17.º

Importa aqui invocar Gomes Canotilho e Vital Moreira, que em comentário à norma constitucional que corresponde ao actual artigo 161.º, alínea c), referem que 'a competência legislativa [alínea d)] é conatural à própria natureza e sentido histórico da assembleia representativa. De acordo com os princípios democrático-representativos convencionais, a ela devia caber em princípio toda a competência legislativa e nenhum domínio lhe estaria vedado. A CRP contém dois desvios a esse princípio: por um lado, existe um domínio vedado à actividade legiferante da AR, que é reservado ao Governo (artigo 201.º, n.º 2); por outro, e mais significativamente, a AR não é o único órgão legislativo, visto que, além das assembleias das Regiões Autónomas, no seu domínio próprio [artigos 115.º, n.º 3, e 229, n.º 1, alínea a)], também o Governo goza de poderes legislativos' (6).

18.º

E, ainda, Jorge Miranda e Rui Medeiros, em comentário ao referido artigo 161.º, alínea c), da Constituição: '[...] por imperativo da autonomia dos Açores e da Madeira, nessas mesmas matérias não reservadas ao Parlamento são as Assembleias Legislativas regionais os órgãos competentes para legislar, quando eles tenham âmbito regional [artigos 112.º, n.º 4, e 227.º, n.º 1, alínea c)]. São tais Assembleias e não a Assembleia da República: esta pode legislar sobre elas para todo ou para uma parte do território;

não pode aí legislar só para uma Região Autónoma' (7).

19.º

Quanto à eventual inconstitucionalidade material das normas objecto do pedido e discordando dos fundamentos invocados no mesmo, dá-se por aqui reproduzido o que se disse nos n.os 9.º a 13.º a propósito da natureza da matéria objecto dessas normas, porquanto,

20.º

o registo público regional das organizações não governamentais de ambiente salvaguarda os direitos, a gradação e o limite de 100 associados para a ONGA de carácter nacional (artigos 17.º da Lei 35/98, de 18 de Julho, 5.º da Portaria 478/99, de 29 de Junho, e 8.º do Decreto 8/2010),

21.º

a Região, através do registo público regional das organizações não governamentais de ambiente alarga, potencia e valoriza, para efeitos exclusivos do próprio, o conjunto de direitos e deveres das ONGA, ao definir um limite de 50 associados para as ONGA com sede na Região (artigos 17.º da Lei 35/98, de 18 de Julho, 5.º da Portaria 478/99, de 29 de Junho, e 8.º do Decreto 8/2010),

22.º

a disponibilização a uma autoridade administrativa de um acervo de informação sobre a organização (artigos 18.º da Lei 35/98, de 18 de Julho, 8.º e 13.º da Portaria 478/99, de 29 de Junho, e 9.º e 11.º do Decreto 8/2010),

23.º

a suspensão, anulação ou cancelamento do registo (artigos 15.º e 16.º da Portaria 478/99, de 29 de Junho, e 12.º e 13.º do Decreto 8/2010),

24.º

e o pedido de elementos adicionais considerados importantes para a decisão (previsto no artigo 9.º, n.º 2, da Portaria 478/99, de 29 de Junho, no mesmos termos em que o está no artigo 9.º, n.º 2, do Decreto 8/2010, pelo que há 12 anos que as questões doutamente enunciadas no pedido se colocam a nível nacional;

25.º

A sujeição às auditorias está prevista nos artigos 19.º a 23.º da Portaria 478/99, de 29 de Junho, em termos em tudo semelhantes aos que constam do Decreto 8/2010 (artigo 14.º), pelo que, também, aqui, há 12 anos que as questões doutamente enunciadas no pedido se colocam a nível nacional;

26.º

A possibilidade de suspensão ou anulação da inscrição no registo das ONGA por decisão do presidente do Instituto de Promoção Ambiental, hoje Agência Portuguesa do Ambiente, está prevista nos artigos 15.º a 16.º da Portaria 478/99, de 29 de Junho, em termos em tudo semelhantes aos que constam do Decreto 8/2010 (artigos 12.º e 13.º), pelo que, também aqui, há 12 anos que as questões doutamente enunciadas no pedido se colocam a nível nacional.

27.º

Significa isto que, se a argumentação do pedido colhesse, teríamos o absurdo de à Região estar vedada a criação de um regime mais favorável e de proximidade para as ONGA ao nível dos direitos de participação, representação e cooperação com os órgãos de governo próprio, e em especial com a administração regional autónoma.» E concluiu:

«Termos em que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores se pronuncia, concluindo que as normas constantes dos artigos 8.º a 14.º do Decreto 8/2010, desta Assembleia Legislativa, não estão feridas de qualquer inconstitucionalidade, orgânica ou material, devendo, consequentemente, o Tribunal Constitucional negar provimento ao pedido do Representante da República para a Região Autónoma dos Açores.»

II - Fundamentação.

A) Inconstitucionalidade orgânica

4 - Sustenta o requerente que as normas contidas nos artigos 8.º a 14.º extravasam os poderes legislativos das Regiões Autónomas, pelo que seriam organicamente inconstitucionais.

Segundo a sua argumentação, o regime da liberdade de associação que estaria em causa nas normas em apreço é uma das matérias que integra a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, conforme disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, respeitante à matéria dos direitos, liberdades e garantias. Por outro lado, a inclusão deste, ou de qualquer outro regime, na reserva (relativa ou absoluta) de competência legislativa da Assembleia da República implicaria a sua imediata subtracção à competência legislativa das Regiões Autónomas, nos termos do n.º 4 do artigo 112.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP. Ora, segundo o requerente, o que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores fez, ao aprovar o decreto cujas normas vêm impugnadas, foi legislar - e não apenas regulamentar - em matéria de direito de associação, constitucionalmente consagrado no artigo 46.º da CRP.

Vejamos.

4.1 - O Decreto 8/2010 regulamenta a elaboração e disponibilização de relatórios e informação pública sobre o estado do ambiente, regula o apoio às organizações não governamentais de ambiente e altera a composição e normas de funcionamento do Conselho Regional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CRADS).

Atentemos no diploma, na parte que se encontra em apreciação:

Os artigos 8.º a 14.º do Decreto 8/2010 instituem um registo regional das organizações não governamentais de ambiente (artigo 8.º), fazendo depender da inscrição no registo o estatuto definido para as organizações não governamentais de ambiente - ONGA - nele registadas, regulam as condições de inscrição nesse registo (artigo 9.º), a modificação, suspensão e anulação dessa inscrição (artigos 12.º e 13.º), as auditorias a que podem ficar sujeitas as ONGA (artigo 14.º), assim como os direitos decorrentes da inscrição (artigo 10.º) e as obrigações que essa mesma inscrição determina (artigo 11.º).

O diploma segue, de perto, mas com adaptações, o regime estabelecido pela Lei 35/98, de 18 de Julho, que definiu o estatuto das organizações não governamentais de ambiente, aplicável às ONGA de âmbito nacional, regional (leia-se supramunicipal) e local, criando um registo nacional (artigo 17.º), e, em especial, o disposto na Portaria 478/99, de 29 de Junho, alterada pelas Portarias n.os 71/2003, de 20 de Janeiro, e 771/2009, de 20 de Julho.

Por força do estabelecido na primeira parte do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto 8/2010, que se aprecia, verifica-se que o legislador regional procede também à recepção de algumas normas constantes do diploma nacional, assim atribuindo às ONGA inscritas no registo regional os direitos concedidos às organizações não governamentais de ambiente inscritas no registo nacional.

Entre estes direitos estão o direito à declaração de utilidade pública (artigo 4.º), o direito de acesso à informação (artigo 5.º), o direito de participação procedimental (artigo 9.º), a legitimidade processual (artigo 10.º), a isenção de emolumentos, preparos, custas e imposto do selo (artigo 11.º), o direito a isenções fiscais (artigo 12.º), a aplicação do regime especial do mecenato aos donativos a favor das ONGA que financiem projectos de interesse público (artigo 13.º) e o direito de antena (artigo 15.º). Na Lei 35/98, e à semelhança do decreto em apreço, também são concedidos às entidades registadas no registo nacional o direito a apoio técnico e financeiro do Estado (artigo 14.º), o direito de participação na definição da política e das grandes linhas de orientação legislativa em matéria de ambiente (artigo 6.º), o direito de representação nos órgãos consultivos da administração central, regional e local (artigo 7.º) e um especial estatuto para os dirigentes e membros das ONGA que exerçam funções de representação (artigo 8.º, para o qual, aliás, remete expressamente o artigo 10.º, n.º 2, do Decreto 8/2010, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores).

4.2 - Como o Tribunal tem afirmado em acórdãos anteriores, após a revisão constitucional de 2004, para se apreciar uma norma legislativa emitida pela Assembleia Legislativa das Regiões Autónomas sob o prisma da competência legislativa regional, deve aferir-se da presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) deve verificar-se se as matérias em causa não estão reservadas aos órgãos de soberania; ii) se estão enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo, e iii) se se contêm no âmbito regional (v. g., Acórdãos n.os 415/2005 e 26/2009).

Comecemos por apurar se as normas aqui em apreço superam o filtro da reserva relativa de competência legislativa da AR. É esse o fundamento catalisador do pedido do requerente quando sustenta que, por disciplinarem a liberdade de associação, as normas constantes do decreto que se vem apreciando deveriam ser objecto de Lei da Assembleia da República, estando vedado ao legislador regional emitir tal normação.

4.3 - Como está patente, será decisivo para resolver a questão, do ponto de vista da conformidade orgânica das normas com a Constituição, verificar se as matérias abrangidas pelas normas impugnadas são matéria de direitos, liberdades e garantias.

Desde logo porque - e é esse o fundamento do requerente -, estando aqui em causa normas atinentes a organizações não governamentais de ambiente, será preciso que o Tribunal Constitucional apure se as disposições em apreciação tocam, efectivamente, e como vem sustentado, aspectos relativos à liberdade de associação, consignada no artigo 46.º da CRP.

A Lei 35/98, de 18 de Julho - que estabelece o estatuto das organizações não governamentais de ambiente (ONGA) -, definiu estas organizações como associações dotadas de personalidade jurídica, constituídas nos termos da lei geral, que não prosseguem fins lucrativos e visam, exclusivamente, a defesa e valorização do ambiente ou do património natural e construído, bem como a conservação da natureza.

Enquanto associações, as ONGA são expressão da liberdade de organização colectiva dos cidadãos (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 643) e vêem ser-lhes constitucionalmente garantido, no artigo 46.º (Liberdade de associação), o direito de associação - traduzido, designadamente, na liberdade de prossecução livre dos seus fins. Embora sendo este um direito complexo, que pode ser decomposto em vários direitos ou liberdades específicos, esta sua faceta é a mais directamente convocada pela questão que importa resolver.

O n.º 2 do artigo 46.º da CRP estabelece o seguinte: «As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.» A disposição constitucional citada abrange «dimensões essenciais da liberdade de associação, designadamente a liberdade de auto-organização, o autogoverno e a autogestão, consubstanciadas na autonomia estatutária (não podendo os estatutos das associações estar dependentes de qualquer aprovação ou sanção administrativa e, muito menos, ser impostos pelas autoridades); a liberdade de escolha dos seus órgãos (não podendo a designação dos órgãos directivos da associação estar dependente de qualquer aprovação ou controlo administrativo, e, muito menos, de imposição administrativa) e a liberdade de gestão (não podendo os seus actos ficar dependentes de aprovação ou referenda administrativa)» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 646; e, na jurisprudência constitucional, v. g. o Acórdão 18/2006).

4.4 - O direito de associação tem um âmbito de protecção próprio que se refere a uma realidade - as associações. E o domínio existencial, material ou realidade da vida aqui protegido é, por exemplo, o acto de um indivíduo se associar ou não associar, ou da própria associação prosseguir livremente os seus fins. Para que se possa afirmar que uma determinada intervenção reguladora tocou um aspecto da realidade a que se refere a protecção constitucional, é importante proceder à delimitação do conteúdo constitucionalmente garantido do direito, assim definindo «o bem ou o interesse jusfundamental protegido pela norma» (José de Melo Alexandrino, A Estruturação do Sistema de Direitos, Liberdades e Garantias na Constituição Portuguesa, vol. ii, Almedina, Coimbra, 2006, p. 472). O mesmo é dizer que sempre será indispensável a realização do juízo prévio de saber se um determinado aspecto do âmbito material de protecção do direito está juridico-constitucionalmente protegido. Por isso - exemplifica a doutrina referindo-se ao direito aqui em causa - «O conteúdo constitucionalmente garantido do direito de associação parece não abranger a garantia de aquisição de personalidade jurídica como pessoa colectiva», segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 645). O que está em causa é um problema de interpretação da norma constitucional de modo a apurar quais «os bens e esferas de acção abrangidos e protegidos pelo preceito que prevê o direito», assim se definindo «o seu objecto e conteúdo principal» (Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 267).

Em suma, «o que se pergunta é se o programa normativo do preceito em causa inclui ou não um certo aspecto ou modo de exercício, isto é, até onde vai o domínio de protecção (a hipótese) da norma» (Vieira de Andrade, ob. cit., p. 278).

Analisemos, então, se são matéria de reserva parlamentar, por respeitarem ao âmbito de protecção da liberdade de associação, as normas questionadas.

5 - Registo: criação, modificação, suspensão e anulação. - 5.1 - O registo instituído ao abrigo do artigo 8.º serve funções de publicidade, tornando públicas situações jurídicas (o conteúdo do registo é público, sendo disponibilizado no portal do Governo Regional na Internet - artigo 8.º, n.º 5; a admissão a registo e suspensão e cancelamento são publicados no Jornal Oficial - artigo 9.º, n.º 4; as ONGA têm direito a obter declaração comprovativa da sua inscrição no registo - artigo 9.º, n.º 5), assumindo ainda funções instrumentais de organização.

Não tem razão o requerente quando invoca que «a criação, a cargo de um departamento administrativo, de um registo público de associações privadas é matéria que versa sobre liberdade de associação».

O registo criado por esta norma não tem uma função constitutiva, no sentido de que da inscrição no registo não depende a existência da ONGA: o registo, facultativo, não é condição para a criação da associação (pelo que não pode ser encarado como uma autorização «encapuçada» para constituição de associação). Mas dá a conhecer as organizações não governamentais de ambiente ou equiparadas que passam, pelo facto de se encontrarem registadas - i. e., por obedecerem a certos requisitos, nomeadamente a natureza jurídica (artigo 6.º), o número de associados (artigo 8.º), a ligação à Região Autónoma pela via da sede ou da residência dos membros (artigo 8.º), a realização de actividades [artigos 9.º, n.º 1, alíneas f) e g), e 14.º, n.º 6, alínea b)] -, a gozar de certos direitos (previstos no artigo 10.º) e a ficar sujeitas a certos deveres (artigo 11.º), permitindo também saber quem são os dirigentes e membros que as representam nos órgãos consultivos dependentes da administração regional autónoma.

A criação deste registo tem igualmente uma função instrumental por permitir, embora definindo condições, conhecer as organizações não governamentais de ambiente ou equiparadas que, pelo facto de estarem registadas, podem, nomeada e eventualmente, ter acesso a apoio técnico e financeiro concedido pela administração da Região Autónoma [artigo 16.º, n.º 1, alínea a)], e designar um representante no órgão consultivo [CRADS, artigo 41.º, n.º 2, alínea l)].

5.2 - Na verdade, a criação, em si mesma, deste registo, que permite conhecer as entidades que actuam num determinado âmbito e respectivas actividades - no caso, típicas do associativismo ambiental - não pode ser entendida como limitando a liberdade de associação, por essa razão não se tornando indispensável que seja uma lei da Assembleia da República (ou o Governo mediante autorização) a definir a sua criação.

Este registo é um mecanismo que permite elencar e conhecer factos e direitos.

Não se vê como da criação do registo, em si, que no caso nem é obrigatório, possa resultar uma intervenção não permitida na liberdade de associação ou, sequer, uma qualquer intervenção no âmbito constitucionalmente protegido desta.

Uma coisa é a criação de um registo para finalidades várias. Outra diversa são os efeitos que se possa fazer decorrer para uma organização não governamental de ambiente que se inscreva no registo. Não deixa de frisar isto mesmo o requerente quando invoca, acerca da constituição do registo, o seu impacte sobre a liberdade de associação «sobretudo se se tiver em conta que da inscrição naquele registo depende o acesso a um conjunto de direitos da maior relevância para a actividade das associações em causa e dos seus corpos dirigentes».

Todavia, não é a previsão da instituição do registo em si, enquanto mero mecanismo que elenca e publicita a existência de certas associações, que origina uma intervenção na liberdade de associação. Da pura criação do registo regional das ONGA não resultam intervenções em matéria de direitos, liberdades e garantias, não se encontrando, por esse facto, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores a legislar em matéria de direitos, liberdades e garantias, de natureza reservada à Assembleia da República, nos termos do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP.

O que será indispensável que se analise - e adiante a isso se procederá - são as consequências que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores optou por atribuir ao registo agora criado, verificando se delas resultam intervenções em matéria de liberdade de associação.

5.3 - Com o mesmo fundamento, o Tribunal entende que o artigo 9.º (inscrição no registo), que regula a inscrição no registo regional, enumerando elementos documentais necessários à inscrição, bem como aspectos meramente procedimentais relativos a essa inscrição, não contende com matéria respeitante à liberdade de associação, nem, por essa via, com direitos, liberdades e garantias. O artigo 9.º limita-se a definir as condições (documentais, procedimentais) para inscrição no registo.

Não se vê, ao contrário do que sustenta o requerente, que os artigos 8.º ou 9.º sejam exemplo daqueles «normativos que respeitem directamente ou que interfiram de forma não acidental com a liberdade de associação».

5.4 - O mesmo vale, por identidade de razão, para as vicissitudes do registo: sua modificação, suspensão (artigo 12.º do decreto) e anulação (artigo 13.º do decreto).

Como atrás se expendeu, não é da norma que autoriza, ou não, a inclusão no registo nem, consequentemente, da norma que admite a sua suspensão, modificação ou cancelamento que resulta a intervenção nos direitos, liberdades e garantias. O registo é realizado para finalidades várias, algumas das quais podem não ter relevância em matéria de direitos, liberdades e garantias. O que pode assumir contornos que abranjam matéria protegida no texto constitucional como direitos, liberdades e garantias são as disposições que façam desse registo condição para o exercício de alguns direitos que pudessem contender com aspectos constitucionalmente protegidos, como os enquadráveis no n.º 2 do artigo 46.º, invocado pelo requerente.

5.5 - Não se nega, contudo, que uma intervenção reguladora que extraia consequências jurídicas da não inscrição no registo, e dependendo da incidência dessas interferências, poderia configurar uma intervenção que apenas pudesse ser imposta, desde logo, nas condições previstas no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP, excluindo-se a intervenção do legislador regional na sua definição [artigos 112.º, n.º 4, da CRP, e 227.º, n.º 1, alínea a), da CRP]. E, neste caso, porque, conforme este Tribunal tem afirmado, a reserva de lei parlamentar em matéria de direitos, liberdades e garantias abrange «tudo o que seja matéria legislativa e não apenas as restrições do direito em causa» (cf., por exemplo, Acórdãos n.os 128/2000 e 491/2002).

É à análise dessas consequências jurídicas (determinadas pelo artigo 10.º do decreto em apreciação) que procederemos de seguida.

6 - O direito ao apoio técnico e financeiro como consequência da inscrição no registo.

- 6.1 - A dependência, relativamente à inscrição no registo regional, do direito das organizações não governamentais de ambiente à obtenção de apoio técnico e financeiro (regulado nos artigos 15.º e seguintes do Decreto 8/2010) resulta do n.º 1 do artigo 10.º O problema de constitucionalidade a resolver respeita a saber se por decreto legislativo regional se pode fazer depender da inscrição no registo a atribuição de apoio técnico e financeiro e outras formas de cooperação a organizações não governamentais do ambiente ou se estes aspectos se encontram entre as matérias reservadas à Assembleia da República por interferirem com a liberdade de associação e, assim, bulirem com direitos, liberdades e garantias.

No caso da dependência dos apoios técnicos e financeiros às organizações não governamentais de ambiente por parte da Região Autónoma relativamente à inscrição no registo regional, a questão controvertida é a de determinar se, e nesse caso em que medida, as normas que a estabelecem interferem no âmbito de protecção do direito de associação, mais propriamente no «momento normativo do âmbito de protecção do direito» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, p. 449), i. e., no seu conteúdo jurídico-constitucionalmente protegido.

Antes de se apurar se uma medida conforma ou restringe um direito fundamental, torna-se necessário começar por saber se chega a nele interferir, para isso se recortando, em termos jurídicos, o âmbito constitucionalmente protegido do direito fundamental, e deste modo se reconhecendo os contornos do seu conteúdo juridicamente garantido pela Constituição, i. e., aquele que a Constituição entendeu ser merecedor de garantia.

Pode adiantar-se que não se considera que as organizações não governamentais de ambiente, enquanto associações, tenham, em razão da liberdade de associação, um direito a apoio técnico e financeiro. Este, a poder considerar-se um direito, não é uma dimensão da liberdade de associação, pelo que o conteúdo constitucionalmente garantido desta liberdade não abrange uma garantia de obtenção destes apoios.

6.2 - Ora, entende-se que a regulação que impõe a inscrição no registo como condição de acesso da associação a apoio técnico e financeiro deixa intocada a protecção jurídico-constitucional reconhecida ao direito de associação. Por outras palavras, não cabe na protecção jurídico-constitucional reconhecida à liberdade de associação um direito à atribuição de apoio técnico e financeiro à associação.

Sendo a possibilidade de se candidatar a apoios apenas um aspecto que pode, ou não, ser concedido à associação, e que não integra a dimensão constitucional da liberdade de associação, antes sendo instituído para além das facetas constitucionalmente protegidas desta, não tem de ficar sujeito ao regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias.

Assim, considerando-se não haver aqui uma intervenção no conteúdo do direito de associação, não se exige, por este motivo, a intervenção da Assembleia da República.

Questão na aparência semelhante foi tratada no Acórdão 711/97, invocado pelo requerente. A solução, todavia, não aproveita neste caso, uma vez que na situação então em análise o parâmetro constitucional em causa foi a falta de interesse específico.

6.4 - Mesmo para quem considere que da atribuição do apoio técnico e financeiro dependerá, muitas vezes, a própria subsistência e a actividade das associações (argumentação do requerente), diga-se que o recorte constitucional da liberdade de associação não pode ter querido contemplar a atribuição de apoios, ainda que necessária à subsistência da associação, como elemento merecedor de protecção constitucional. Nem se argumente que, na falta do apoio, a associação desaparecerá, o que poderia ser visto como a imposição de uma dissolução administrativa, gravemente lesiva das garantias das associações. A liberdade de associação não obriga a Administração a conceder apoios. Tal implicaria encarar o direito de associação, direito fundamentalmente de defesa, numa dimensão nova de direito a prestações do Estado por parte das associações (no sentido amplo de Robert Alexy:

Teoria dos Direitos Fundamentais, tradução portuguesa de Virgílio Afonso da Silva, São Paulo, 2008, p. 442, abrangendo todo o direito a uma acção positiva, ou seja, a uma acção do Estado), pela via da garantia de um feixe de posições fácticas ou até normativas, protegendo a dependência destas relativamente aos apoios públicos. A liberdade de associação não convoca uma dimensão pela qual a associação veria reconhecido o direito a ser mantida pelo Estado, a pretexto do não condicionamento do associativismo. O «direito à própria existência», componente da liberdade de associação, significa que as associações não podem «ser dissolvidas pelos poderes públicos nem ter as suas actividades suspensas senão nos casos previstos na lei (princípio da tipicidade legal) e mediante decisão judicial». Sendo «fundamentalmente um direito negativo, um direito de defesa, sobretudo perante o Estado» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra 2007, p. 646), não pode entender-se que se garanta um direito à existência da associação à custa do Estado, ou que, prevendo um regime legal que possa ser-lhe retirado o apoio, que com isso se viole uma garantia constitucional.

6.4 - Também por outras razões se considera que a questão dos apoios regionais a organizações não governamentais de ambiente não é matéria que tenha de ser legislada pela Assembleia da República (ou pelo Governo mediante autorização).

Sob pena de, levado ao extremo o entendimento do âmbito da reserva parlamentar, esta esgotar toda a matéria atinente às associações ambientais, e excluir a autonomia regional em matéria de atribuição de apoios técnicos e financeiros a situações que, pela sua natureza, revelam especificidades regionais e foram contempladas no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma, não pode entender-se que definir as condições da atribuição de apoios regionais seja matéria a regular mediante intervenção da Assembleia da República.

Sublinha-se que tem de ser garantido nesta matéria - de associativismo ambiental - um núcleo de autonomia regional (artigo 225.º da CRP) e que dele fará parte a definição dos apoios técnicos e financeiros a atribuir pela administração regional às ONGA com ligação ao território regional que promovam bens jurídicos a este associados. Fazer depender a atribuição de apoios regionais às organizações não governamentais de ambiente do exercício de poderes pelo legislador nacional é uma compressão excessiva da autonomia regional que desconsideraria os objectivos dessa mesma autonomia.

Nas normas do decreto agora em apreciação, a conexão com a autonomia regional é evidente: o associativismo ambiental não é um qualquer associativismo, é expressamente reconhecido pelo Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, terá especial ligação ao território insular (pelos requisitos que a lei exige às associações, mas também pela própria relação da protecção do ambiente com o espaço geográfico), sendo o poder de decisão nesta matéria uma particular faceta do poder autonómico regional.

7 - O direito à participação na definição das políticas regionais de ambiente e os direitos dos dirigentes e membros com funções de representação. - 7.1 - O decreto cujas normas se encontram em apreciação fez também depender da inscrição no registo uma forma especial de exercício do direito à participação da organização não governamental de ambiente na definição das políticas regionais de ambiente (artigo 10.º, n.º 1) por ser essa inscrição condição para a participação da ONGA em órgãos consultivos regionais em matéria ambiental.

Essa participação é concretizada no artigo 41.º, n.º 2, alínea l), do Decreto 8/2010, que determina que integram a composição do Conselho Regional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CRADS) «um representante de cada uma das organizações não governamentais de ambiente e equiparadas que estejam validamente inscritas no registo regional a que se refere o artigo 8.º do presente diploma». Este Conselho é criado pelo decreto, no artigo 34.º, como «órgão consultivo do departamento da administração regional autónoma competente em matéria do ambiente, constituído com o objectivo de contribuir para a garantia do direito de participação pública em matéria de política do ambiente e de assegurar o diálogo e cooperação com entidades e organizações da sociedade civil com interesse em matéria ambiental na procura de consensos relativos à política ambiental», cujas competências são definidas no artigo 35.º As normas do artigo 41.º não vêm impugnadas mas não podem deixar de ser convocadas nesta análise pois o direito nelas previsto é um dos direitos para que remete o artigo 10.º, n.º 1, que foi impugnado: «[...] as organizações não governamentais de ambiente e equiparadas inscritas no registo regional gozam dos direitos estabelecidos no presente diploma, nomeadamente o direito [...] de participação na definição das políticas regionais de ambiente».

7.2 - Ainda que as ONGA visem «a defesa e valorização do ambiente ou do património natural e construído, bem como a conservação da natureza», não pode entender-se que a participação na definição das políticas - aqui regionais - de ambiente fique dependente da participação num órgão consultivo. Dito de outro modo, não se nega que este direito que o decreto faz decorrer da inscrição no registo regional - bem como da atribuição de apoios atrás mencionada - tenha, para usar palavras do requerente, «uma enorme projecção na actividade desenvolvida pela associação e com reflexos no seu próprio relacionamento com o poder público (fl. 7)». Mas, embora se compreenda a relevância da participação em órgãos consultivos mediante a indicação de representantes, não pode considerar-se que faça parte do âmbito jurídico-constitucional da norma que protege a liberdade de associação um direito à participação em órgão consultivo. Ou, sequer, à criação do órgão consultivo. A liberdade de associação não postula, por si, um direito de toda e de cada associação à representação em órgão consultivo que se possa inexoravelmente impor à Administração, independentemente de qualquer requisito.

7.3 - Razões pelas quais se considera não existir uma intervenção da Assembleia Legislativa da Região Autónoma que toque matéria de direitos, liberdades e garantias quando se faz depender de inscrição no registo regional o direito de participação na definição das políticas regionais de ambiente concretizado mediante indicação de representante em órgão consultivo.

7.4 - O artigo 10.º, n.º 2, faz depender da inscrição no registo a atribuição aos dirigentes e membros das ONGA de um conjunto de direitos previstos no artigo 8.º da Lei 35/98, de 18 de Julho, para os quais remete.

As razões expendidas nos parágrafos anteriores valem também para estes direitos, por estarem a eles funcionalmente ligados, importando também salientar que o previsto no Decreto 8/2010 não interfere na definição do regime desses direitos, a qual resulta da lei geral.

8 - Deveres decorrentes da inscrição no registo. - O artigo 11.º, n.os 1 e 2 (deixamos para ponto autónomo o seu n.º 3, a tratar em conjunto com o artigo 14.º relativo às auditorias), define deveres decorrentes da inscrição no registo, ficando a ONGA obrigada a enviar ao departamento da administração regional autónoma competente as alterações a alguns elementos (como o extracto da acta da assembleia geral relativa à eleição dos órgãos sociais, identificação dos seus titulares e respectivo termo de posse, o extracto da acta da assembleia geral relativa à alteração dos estatutos, a cópia do instrumento pelo qual foi publicado o extracto da alteração dos estatutos, a alteração do valor da quotização dos seus associados, ou a alteração da sede), ou a remeter em cada ano os planos de actividades, relatórios de actividades e relatório de contas aprovados pelos órgãos estatutários competentes e a declaração do número de associados em 31 de Dezembro do ano anterior.

Não se vê que destas obrigações instrumentais - cujo cumprimento é necessário para realização dos procedimentos relativos à inscrição no registo, designadamente para verificação da obediência aos requisitos que são condição de inscrição e manutenção do mesmo - possa resultar qualquer ingerência que ponha em causa, ou que sequer toque, aspectos constitucionalmente protegidos da liberdade de associação das ONGA.

9 - Auditorias. - Quando o requerente alega que os artigos 8.º a 14.º do Decreto 8/2010 são organicamente inconstitucionais, nesses artigos vão incluídas as normas que regulam as auditorias, como as constantes dos artigos 14.º e 11.º, n.º 3.

9.1 - Relativamente a estas normas, invoca-se que seriam inconstitucionais por estabelecerem um dever de sujeição da organização não governamental de ambiente a auditorias determinadas e realizadas pela administração regional (nos termos do artigo 14.º), pondo em causa a liberdade de associação.

Não é, todavia, assim.

9.2 - A auditoria, como vem configurada, é uma actividade instrumental, quando muito com relevo instrutório, v. g., no procedimento tendente à anulação de um registo (e neste caso seguindo o previsto no Código do Procedimento Administrativo sobre diligências instrutórias), e com marcado cariz de verificação documental.

Em geral, as auditorias podem consistir num conjunto de operações materiais de recolha e apreciação de documentos, sendo por vezes utilizadas como actividade instrutória, enquanto actos materiais preparatórios.

Como referem Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos (Direito Administrativo Geral, t. iii, Dom Quixote, Lisboa, 2007, pp. 381 e segs.), «por natureza é inviável delimitar todos os actos materiais da Administração ou mesmo proceder à sua tipificação», mas são exemplos típicos «a realização de inspecções, vistorias ou buscas no âmbito de instrução de procedimentos».

No caso, as auditorias previstas são mero instrumento que «tem por objectivo a verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo e no quadro do apoio técnico e financeiro», e a manutenção de algumas condições do registo, verificando-se, v. g., se «não preenche os requisitos exigidos para a manutenção da sua inscrição no registo», «não desenvolve actividade qualquer há mais de 12 meses», «não realiza assembleias gerais há mais de 18 meses», «cometeu qualquer irregularidade na aplicação de apoio concedido pela administração regional autónoma». As auditorias realizam-se mediante a verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo e no quadro do apoio técnico e financeiro.

Ora, do mesmo modo que se considerou que a definição de regras para inscrição no registo, bem como a atribuição de apoios, não integram as dimensões jurídico-constitucionalmente protegidas da liberdade de associação, também os mecanismos de aferição da correcção dos elementos submetidos para efeitos de registo e para acesso a apoio técnico e financeiro, para verificação da execução das actividades financiadas, ou de outras irregularidades, não contendem com a liberdade de associação.

Considerar que a protecção constitucional da liberdade de associação exime as associações, no caso as organizações não governamentais de ambiente, da possibilidade de qualquer controlo - mesmo que relativo a verificação de documentos que sustentam pretensões dessa associação, como pedidos (voluntários) de apoio técnico e financeiro, e que isso poderá constituir uma verdadeira interferência das autoridades públicas na livre prossecução dos fins da associação - é manifestamente excessivo. Da auditoria, em si, como vem configurada, não resulta uma intervenção na liberdade de associação.

10 - Concluindo, as normas dos artigos 8.º a 14.º do Decreto 8/2010 ficam fora do âmbito jurídico-constitucional de protecção da norma consagrada no artigo 46.º da CRP. Por essa razão, o Tribunal Constitucional não se pronuncia pela inconstitucionalidade orgânica das normas em apreciação com fundamento na violação dos parâmetros constitucionais invocados pelo requerente: artigos 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1, alínea a), 165.º, n.º 1, alínea b), e 46.º, n.º 2.

11 - A integração de direitos resultante da primeira parte do n.º 1 do artigo 10.º - 11.1 - O artigo 10.º, n.º 1, primeira parte, do Decreto 8/2010 - abrangido pelo pedido de inconstitucionalidade orgânica dirigido ao Tribunal Constitucional - estabelece que «[p]ara além dos direitos que lhes são conferidos pela Lei 35/98, de 18 de Julho, as organizações não governamentais de ambiente e equiparadas inscritas no registo regional gozam dos direitos estabelecidos no presente diploma.».

O Tribunal considera que a norma ínsita nesta primeira parte do n.º 1 do artigo 10.º comporta a interpretação segundo a qual são atribuídas às ONGA inscritas no registo regional os direitos previstos na Lei 35/98 para as ONGA inscritas no registo nacional, ou seja, que da norma mencionada resulta haverem sido integrados no conteúdo prescritivo do Decreto 8/2010 os direitos naquela lei previstos. Dito isto, cumpre ao Tribunal averiguar se desta assimilação resulta a violação da área de reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por parte do legislador regional.

11.2 - O Tribunal considera que os direitos objecto de integração, atendendo à definição atrás efectuada do âmbito de protecção da norma constitucional que consagra a liberdade de associação e à natureza desses direitos, não violam o parâmetro definido pela conjugação dos artigos 165.º, n.º 1, alínea b), e 46.º, n.º 2, da CRP.

11.3 - Não obstante não atender aos fundamentos invocados pelo requerente quanto à inconstitucionalidade da integração a que procede a primeira parte do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto 8/2010, ao Tribunal Constitucional é facultada a possibilidade da emissão de pronúncia de inconstitucionalidade com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos dos invocados, conforme resulta do disposto no artigo 51.º, n.º 5, da LTC.

Note-se, antes de mais, que o que pode vir a revelar-se inconstitucional não é a apropriação dos direitos da Lei 35/98 pelo Decreto 8/2010, em si mesma considerada. Só o será na medida em que para assimilar estes direitos a assembleia regional que legislou não seja para tal competente.

A integração a que procede a primeira parte do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto 8/2010 não é meramente replicativa do conteúdo dos direitos estabelecidos na Lei 35/98, de 18 de Julho, tendo conteúdo inovador.

Por um lado, em virtude da sua aplicação no âmbito regional, na sequência da inscrição num registo regional (quando os direitos em causa foram previstos como consequência de um outro registo, o nacional); por outro, por alargar o âmbito subjectivo da sua aplicação, estendendo a titularidade destes direitos. Isto porque, havendo o Decreto 8/2010 estabelecido o limite mínimo de 50 associados para admissão à inscrição no registo regional (no caso das associações com sede nos Açores) e podendo uma associação inscrita no registo regional com mais de 50 membros e menos de 100 gozar destes direitos e havendo a Lei 35/98 fixado esse número mínimo nos 100 associados, estas disposições sempre teriam conteúdo inovador ao permitirem às associações regionais com menos de 100 membros (e que nunca poderiam inscrever-se no registo nacional) gozar dos direitos agora incorporados.

Mais ainda, da assimilação destes direitos pelo Decreto 8/2010 resulta uma disciplina jurídica que ganha vida própria: ao acolher os direitos da Lei 35/98, o decreto faz seu o actualmente disposto nos artigos da lei para que reenvia, que deixam de acompanhar as vicissitudes a que a Lei 35/98 possa vir a estar sujeita, para dependerem tão-somente dos desígnios do legislador regional.

Sucede que algumas matérias objecto de apropriação pelo Decreto 8/2010 não estão na disponibilidade da Assembleia Legislativa da Região Autónoma. É, desde logo, o que acontece quando estão em causa direitos, liberdades e garantias, caso em que a assimilação realizada pelo Decreto 8/2010 toca matérias da reserva de competência legislativa da Assembleia da República. Este será, aliás, o parâmetro constitucional fundamental.

Importa, assim, analisar quais os direitos previstos na Lei 35/98 que não podem ser recebidos no Decreto 8/2010 por remissão do seu artigo 10.º, n.º 1, primeira parte.

11.4 - Desde logo tal ocorre com a integração do artigo 10.º da Lei 35/98, sobre legitimidade processual. O artigo 10.º regula matéria atinente à acção popular:

«Artigo 10.º

Legitimidade processual

As ONGA, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda, têm legitimidade para:

a) Propor as acções judiciais necessárias à prevenção, correcção, suspensão e cessação de actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam ou possam constituir factor de degradação do ambiente;

b) Intentar, nos termos da lei, acções judiciais para efectivação da responsabilidade civil relativa aos actos e omissões referidos na alínea anterior;

c) Recorrer contenciosamente dos actos e regulamentos administrativos que violem as disposições legais que protegem o ambiente;

d) Apresentar queixa ou denúncia, bem como constituir-se assistentes em processo penal por crimes contra o ambiente e acompanhar o processo de contra-ordenação, quando o requeiram, apresentando memoriais, pareceres técnicos, sugestões de exames ou outras diligências de prova até que o processo esteja pronto para decisão final.» Mesmo sem se apurar se é reproduzido, no todo ou em parte, o disposto na Lei 83/95, de 31 de Agosto (Lei de participação procedimental e de acção popular), a verdade é que, por via da apropriação resultante da primeira parte do n.º 1 do artigo 10.º do decreto, se toca o âmbito de protecção do direito de acção popular.

Este está consagrado no artigo 52.º, n.º 3, da CRP, sendo no seu texto expressamente referida a preservação do ambiente:

«3 - É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:

a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural; (itálico nosso) b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.» O decreto cujas normas estão em crise, ao fazer referência, no seu artigo 10.º, n.º 1, primeira parte, aos direitos conferidos pela Lei 35/98, integra no regime jurídico que disciplina as ONGA a nível regional a atribuição desta especial legitimidade processual para protecção de interesses difusos. Este direito de acção popular é um verdadeiro direito de acção judicial compreendido no catálogo dos direitos, liberdades e garantias.

Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. i, Coimbra Editora, Coimbra, p. 498): «a amplitude da alínea a) do n.º 3 (do artigo 52.º) torna-se patente, na Lei 35/98, de 18 de Julho, ao conferir legitimidade às organizações não governamentais do ambiente».

Não se trata, aqui, de um mero aspecto processual instrumental mas da apropriação, pela legislação regional, de «uma 'declinação' do direito de acção judicial (artigo 20.º)» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 693), aqui na versão de acesso à defesa de interesses difusos.

Considerando-se que a reserva de lei em matéria de direitos, liberdades e garantias abrange não apenas as restrições mas também as intervenções que concedam (ampliem) o direito, então, a assimilação deste direito na ordem jurídica regional, através da emissão de um decreto legislativo regional, será violadora da Constituição, nos seus artigos 165.º, n.º 1, alínea b), 112.º, n.º 4, e 227.º, n.º 1, alínea a), por força do artigo 52.º da CRP.

Mais ainda, tal assimilação também viola a reserva de competência legislativa da Assembleia da República [mas a alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP] ao integrar o disposto na alínea d) do artigo 10.º, que concede às ONGA o direito de «apresentar queixa ou denúncia, bem como constituir-se assistentes em processo penal por crimes contra o ambiente».

11.5 - Ao proceder à apropriação dos direitos previstos na Lei 35/98, determinada pelo artigo 10.º, n.º 1, primeira parte, o Decreto 8/2010 passa a dispor sobre isenções de emolumentos e custas e sobre imposto do selo (artigo 11.º da Lei 35/98), sobre isenções fiscais atribuídas a pessoas colectivas de utilidade pública, sobre isenções fiscais relativas a IVA (artigo 12.º da Lei 35/98) e sobre benefícios fiscais resultantes do regime do mecenato (artigo 13.º da Lei 35/98).

Vejamos os preceitos em causa:

«Artigo 11.º

Isenção de emolumentos e custas

1 - As ONGA estão isentas do pagamento dos emolumentos notariais devidos pelas respectivas escrituras de constituição ou de alteração dos estatutos.

2 - As ONGA estão isentas de preparos, custas e imposto do selo devidos pela sua intervenção nos processos referidos nos artigos 9.º e 10.º 3 - A litigância de má fé rege-se pela lei geral.

Artigo 12.º

Isenções fiscais

1 - As ONGA têm direito às isenções fiscais atribuídas pela lei às pessoas colectivas de utilidade pública.

2 - Nas transmissões de bens e na prestação de serviços que efectuem, as ONGA beneficiam das isenções do IVA previstas para os organismos sem fins lucrativos.

3 - As ONGA beneficiam das regalias previstas no artigo 10.º do Decreto-Lei 460/77, de 7 de Novembro.

Artigo 13.º

Mecenato ambiental

Aos donativos em dinheiro ou em série concedidos às ONGA e que se destinem a financiar projectos de interesse público previamente reconhecido pelo IPAMB será aplicável, sem acumulação, o regime do mecenato cultural previsto nos Códigos do IRS e do IRC.» 11.6 - As custas processuais (objecto do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei 34/2008, de 26 de Setembro) abrangem a taxa de justiça e os encargos e as custas de parte (artigo 3.º).

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem afirmado que a taxa de justiça não é um imposto, como resulta, entre outros, dos Acórdãos n.os 8/2000, 115/2002 e 227/2007.

Também os emolumentos notariais, tendencialmente sinalagmáticos, têm vindo a ser considerados pelo Tribunal como taxas, por se entender que não se quebra o nexo sinalagmático quando «não se mostra excessiva ou manifestamente desproporcionado o preço devido ao Estado para pagamento da prestação por banda deste de actos a que se confere fé pública, praticados por serviços públicos para o efeito constituídos cuja utilização não compete dissuadir (como poderá suceder com os serviços judiciais) e que representa um encargo para quem deles retira vantagens» (Acórdãos n.os 115/2002 e 227/2007). Assim, na maioria dos casos, são apenas taxas.

Estas taxas são cobradas por serviços prestados no âmbito dos registos e notariado, serviços esses que, no caso da Região Autónoma dos Açores, não se encontram regionalizados (embora quanto à Região Autónoma da Madeira, o Decreto-Lei 247/2003, de 8 de Outubro, tenha transferido para a Região as atribuições e competências que o Ministério da Justiça exerce através do Instituto dos Registo e do Notariado, I. P., em matéria de registos e notariado; também do artigo 2.º do Decreto-Lei 129/2007, de 27 de Abril, que criou o Instituto dos Registos e do Notariado, I. P., resulta esta transferência).

Da integração operada pelo artigo 10.º, n.º 1, primeira parte, do presente decreto, resulta igualmente a isenção de outras taxas para que remete o artigo 12.º, n.º 3, da Lei 35/98 (regalias previstas no artigo 10.º do Decreto-Lei 460/77, de 7 de Novembro).

Em todos estes casos estamos perante isenção de taxas, taxas essas que foram criadas como contrapartida da prestação de serviços públicos fornecidos a um determinado sujeito passivo por entidades não regionais (tribunais, no caso da taxa de justiça; serviços notariais ou outros), visando cobrir as despesas do serviço. Poderá um decreto legislativo regional conceder tal isenção? A reserva de competência legislativa da Assembleia da República, fixada, no caso das taxas, como no dos impostos, no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), apenas contempla, no caso daquelas, o regime geral das taxas, ainda não aprovado. Não obstante a falta de aprovação de um regime geral das taxas, não pode deixar de entender-se que o exercício do poder tributário, nesse âmbito material, está balizado, pelo que em face do sistema há que considerar-se como integrando o regime geral. Seguramente que faz parte desse regime geral a regra de precedência de lei. Tal exigência mostra-se aqui cumprida porque a taxa foi criada por decreto legislativo regional [ao abrigo do disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea i)] e é contrapartida da prestação de serviços regionais.

Todavia, como se sublinhou, nos casos em apreço, a taxa que se criara, e que por decreto legislativo regional se isenta de pagamento, não é uma taxa regional, cobrada pela prestação de um serviço pela Região, ou que seja devida pela utilização de um bem do domínio público regional ou pela remoção de um limite jurídico que coubesse à Região remover. São taxas criadas pelo legislador nacional como contrapartida de serviços prestados por entidades nacionais (incluindo os tribunais). A definição destas taxas está, por isso, fora do poder tributário próprio da Região Autónoma previsto no mencionado artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP. Como o estará a sua isenção.

Nestes termos, o artigo 10.º, n.º 1, primeira parte, do Decreto 8/2010, ao proceder à integração do artigo 11.º da Lei 35/98, que estabelece a isenção de custas e de emolumentos para as ONGA, assim isentando de taxas a prestação de serviços de âmbito nacional, viola a Constituição por não se conter dentro do âmbito regional que está obrigado a respeitar, por força dos artigos 227.º, n.º 1, alínea a), e 112.º, n.º 4, da CRP.

11.7 - E quanto às isenções fiscais assimiladas no Decreto 8/2010 por força do segmento normativo supramencionado? O princípio da legalidade tributária, a par da imposição da reserva de lei formal para criação do imposto, determina também que essa criação se faça mediante intervenção legislativa que fixe, para cada imposto, os seus elementos essenciais - taxa, incidência, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes (artigo 103.º, n.º 2, da CRP) - assim se cumprindo o princípio da tipicidade. Este último aspecto respeita à reserva de lei material, substancial ou conteudística, como ensina Casalta Nabais (Direito Fiscal, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 138) e foi abordado, v. g., no Acórdão 616/2003.

No caso das isenções fiscais - questão aqui em análise -, considerando-se que com a sua previsão é definida a incidência negativa de um imposto, seu elemento essencial, entende-se que a sua instituição também está sujeita a reserva de lei material.

Bastará, por isso, um decreto legislativo regional para que se tenha por cumprido o princípio da legalidade tributária? Fez-se referência ao princípio da legalidade tributária, entre muitos, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/2004:

«O princípio da legalidade tributária, que a Constituição de 1976 vem afirmando em todas as suas versões, consta hoje do seu artigo 103.º, n.º 2.

Segundo este, 'os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes'. O princípio tem duas dimensões jurídicas, ambas enfeudadas à sua matriz histórica de não tributação sem a autorização do Parlamento, enquanto representante do povo (princípio da autotributação): uma traduzida na regra constitucional de reserva de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização do Parlamento a que tem de obedecer a criação dos impostos, constante actualmente do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP; outra, consubstanciada na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, abrangendo, assim, a incidência objectiva e subjectiva, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.» A intervenção das assembleias legislativas regionais, ainda que para exercício de poder tributário próprio (de âmbito regional), só poderá ter lugar nos termos da lei, e com o objectivo da criação de impostos regionais ou para adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais [situações previstas no artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP], o que não é aqui o caso.

Assim, é aqui determinante o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, que atribui à Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, o poder de criar impostos e, no caso, de prever as correspondentes isenções fiscais.

Nestes termos, o Decreto 8/2010, ao isentar do pagamento de imposto do selo (artigo 11.º, n.º 2), e ainda que este constitua receita da Região, de acordo com a Lei das Finanças Regionais, e ao criar outras isenções fiscais relativas a outros impostos nacionais (artigo 12.º) está a definir a incidência negativa do imposto, violando o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

11.8 - Pela referência que lhe é feita no artigo 10.º, n.º 1, primeira parte, o Decreto 8/2010 assimila o regime jurídico do mecenato ambiental previsto no artigo 13.º da Lei 35/98.

Por força destas disposições, este regime passaria a ser aplicável às ONGA inscritas no registo regional, alargando-se o universo de sujeitos que dele beneficiariam.

Este regime prevê benefícios fiscais para as entidades que realizem donativos. É o Estatuto dos Benefícios Fiscais (alterado e republicado pela Lei 108/2008, de 26 de Junho) que contém as disposições legislativas relativas ao mecenato. O seu capítulo x refere-se aos «Benefícios fiscais relativos ao mecenato», estabelecendo-se no artigo 61.º:

«Para efeitos fiscais, os donativos constituem entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, previstas nos artigos seguintes, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional.» Vale para os benefícios fiscais boa parte do que se afirmou para as isenções fiscais.

Por força do princípio da legalidade fiscal, a definição dos benefícios fiscais está sujeita a reserva material de lei (artigo 103.º, n.º 2, da CRP) visto ser a lei que cria o imposto, determinando os seus elementos essenciais e, entre eles, os benefícios fiscais (princípio da tipicidade). Do princípio da legalidade fiscal resulta também a reserva (formal) de lei que obriga a que haja, ou uma intervenção de lei parlamentar que fixe toda a disciplina essencial do imposto (elementos essenciais do artigo 103.º, n.º 2), ou que tal intervenção parlamentar (formal) funcione como autorização ao Governo [artigo 165.º, n.º 1, alínea i)]. Pelo que, possibilitando a assimilação normativa operada um alargamento das situações de benefícios fiscais previstas para impostos de âmbito não regional, é violado o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

11.9 - Por força da primeira parte do n.º 1 do seu artigo 10.º, o Decreto 8/2010 assimila também o artigo 15.º da Lei 35/98, que dispõe acerca do direito de antena:

«Artigo 15.º

Direito de antena

1 - As ONGA têm direito de antena na rádio e na televisão nos mesmos termos das associações profissionais.

2 - O exercício do direito de antena pelas ONGA que resultem do agrupamento de associações, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, exclui o exercício do mesmo direito pelas associações agrupadas.» O direito de antena está consagrado no artigo 40.º da CRP e integra a categoria dos direitos, liberdades e garantias. É um direito a um espaço gratuito de emissão na rádio e na televisão, para expressão e difusão ao público de ideias, e, por isso, essencialmente caracterizado como um direito positivo, a uma prestação de facere (Bernardo Diniz de Ayala, «O Direito de Antena Eleitoral», in Jorge Miranda, Perspectivas Constitucionais, Nos 20 Anos da Constituição de 1976, vol. i, Coimbra Editora, 1996, pp. 575 e segs.).

É, no essencial, um direito de pessoas colectivas (embora possa ser de candidatos a eleições). Entre os titulares constitucionais deste direito encontram-se as organizações sociais de âmbito nacional como, v. g., as associações de defesa do ambiente (como define, v. g., para a televisão, o artigo 59.º, n.º 1, da Lei 27/2007, de 30 de Julho, para a rádio, o artigo 52.º, n.º 1, da Lei 4/2001, de 23 de Fevereiro, e como ensinam Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 603 e segs.).

A Constituição distingue diferentes sujeitos passivos do direito de antena. São-no, desde logo, as emissoras de rádio e de televisão do serviço público (o artigo 40.º, n.º 1, da CRP, refere o «serviço público de rádio e de televisão»), cuja existência e funcionamento é garantido pelo Estado, pela República, enquanto entidade pública soberana (cf. o artigo 38.º, n.º 5, da CRP: «O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão»; na doutrina, sobre este entendimento, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. iv, 3.ª ed., 2000, pp.

467 e segs.), embora em regime de concessão (Lei 8/2007, de 14 de Fevereiro - Reestruturação da Concessionária de Serviço Público de Rádio e Televisão; artigos 50.º e seguintes da Lei 27/2007, de 30 de Julho - Lei da Televisão, e artigos 10.º e 45.º e seguintes da Lei 4/2001, de 23 de Fevereiro - Lei da Rádio). São também sujeitos passivos do direito de antena, quando esteja em causa o direito de antena eleitoral (regulado no n.º 3 do artigo 40.º da CRP), todas as estações emissoras de rádio e de televisão de âmbito nacional e regional, públicas ou privadas (na doutrina, acompanhando a interpretação de que a titularidade se estende também às emissoras privadas, v. g., Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., p. 606).

Poderá o direito de antena ser incorporado, por decreto legislativo regional, no regime das ONGA inscritas no registo regional? Sendo este um direito incluído entre os direitos, liberdades e garantias (artigo 40.º da CRP), considera-se interferência no direito fundamental toda a regulação que defina um regime que possa considerar-se abrangido pelo seu âmbito normativo, devendo tal interferência resultar de intervenção parlamentar, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP.

No caso, ainda que se pudesse discutir se no âmbito constitucionalmente protegido do direito de antena caberia a sua extensão às associações regionais (já que o texto do artigo 40.º, n.º 1, da CRP atribui o direito às organizações sociais de âmbito nacional), dúvidas não restam de que o alargamento dos titulares do direito faz com que se toque o âmbito constitucionalmente protegido do direito de antena pelo lado dos seus titulares passivos que são o serviço público de rádio e de televisão, que vêem agravado o ónus de garantir o exercício de tal direito.

Assim sendo, não pode deixar de se considerar como violadora da reserva de competência legislativa da Assembleia da República a assimilação do artigo 15.º da Lei 35/98, a que procede o Decreto 8/2010.

A integração na ordem jurídica regional que deste direito faz o Decreto 8/2010 viola os artigos 165.º, n.º 1, alínea b), 227.º, n.º 1, alínea a), e 112.º, n.º 4, da CRP, que estabelecem que a Região Autónoma só pode legislar quando as matérias não estejam reservadas aos órgãos de soberania.

No caso, por via da integração do artigo 15.º da Lei 35/98, o decreto estende o direito de antena às ONGA registadas no registo regional - que, relembre-se, podem fazê-lo desde que tenham 50 associados, ao contrário dos 100 exigidos a nível nacional - interferindo com a titularidade do direito estipulada pela Lei 35/98.

Titularidade essa que foi definida, nos termos constitucionais, para a utilização do espaço de emissão no serviço público - da República - de rádio e televisão, pelo que as alterações nela introduzidas sempre deverão ser consideradas opções fundamentais a densificar com intervenção da Assembleia da República.

Enquanto prestação de facere, a integração tem como resultado a imposição, por opção legislativa regional, da prestação de um serviço - agora alargado quanto aos titulares - a fornecer pelo serviço público nacional de rádio e de televisão (hoje, a concessionária dos serviços públicos de rádio e televisão: a Radio e Televisão de Portugal, S. A., nos termos da Lei da Rádio, da Lei da Televisão e dos contratos de concessão), e isto mesmo que o serviço seja prestado pelo Centro Regional dos Açores da Rádio e Televisão de Portugal, S. A. (artigo 2.º dos Estatutos da Rádio e Televisão de Portugal, S. A., aprovados pela Lei 8/2007, de 14 de Fevereiro).

O Decreto 8/2010 excede, neste ponto, o limite constitucionalmente estabelecido do respeito pelo âmbito regional das soluções legislativas adoptadas pelas Regiões Autónomas [artigos 112.º, n.º 4, e 227.º n.º 1, alínea a), da CRP].

Recorde-se, sobre este último ponto, o Acórdão 258/2007, que aflora esta questão:

«Como se assinalou (supra, n.º 3.1.1.), o primeiro parâmetro da competência legislativa regional que o requerente considera violado pelas normas questionadas respeita ao 'âmbito regional', que não se limitaria ao âmbito territorial, no sentido de que a legislação regional tem o seu campo de aplicação espacialmente limitado ao território da Região, mas incluiria uma componente institucional, que impediria 'os parlamentos insulares de emanar legislação destinada a produzir efeitos relativamente a outras pessoas colectivas públicas que se encontram fora do âmbito de jurisdição natural das Regiões Autónomas - como sucede, sem sombra de dúvida, com o próprio Estado e, bem ainda, com outras pessoas que integram constitucionalmente a administração autónoma territorial e institucional (autarquias locais, associações públicas e universidades)'.» E nem se alegue que o direito de antena pode sofrer modelações especiais para seu exercício nas Regiões Autónomas (modelação feita, aliás, por lei da Assembleia da República, para os Açores, através das Leis n.os 26/85 e 29/85, e para a Madeira, através das Leis n.os 27/85 e 28/85, todas de 13 de Agosto). O âmbito regional constitucionalmente exigido não resulta apenas do espaço geográfico do exercício do direito ou da ligação regional dos seus titulares mas é também, neste caso, reflexo da qualidade dos seus obrigados quando esteja em causa um direito a prestações.

Razões suficientes para que o Tribunal Constitucional considere que a assimilação do artigo 15.º da Lei 35/98 pelo Decreto 8/2010 extravasa os poderes legislativos da Região Autónoma ao acarretar uma intervenção que excede os limites do âmbito regional constitucionalmente exigidos à legislação das Regiões Autónomas quando impõe uma prestação de serviço a um concessionário de serviço público nacional.

12 - Tudo considerado, o Tribunal pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma constante da parte inicial do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto 8/2010 na medida em que integra os direitos constantes dos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 13.º e 15.º da Lei 35/98.

B) Inconstitucionalidade material

O requerente sustentou também que algumas das normas do Decreto 8/2010 seriam materialmente inconstitucionais.

13 - A norma do artigo 8.º, n.º 3. - 13.1 - O requerente pede que o Tribunal se pronuncie pela inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 8.º por desrespeito pelo princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da lei fundamental.

Invoca, nesse sentido, que de «acordo com o n.º 2 do artigo 8.º, tratando-se de uma associação com sede na Região Autónoma dos Açores, o número de associados requerido é apenas de 50, ao passo que, segundo o n.º 3 do mesmo artigo, tratando-se de uma associação nacional ou internacional, o número de associados residentes nos Açores - organizados em delegações, núcleos ou outras formas de representação - salta para o dobro, para os 100 elementos».

E que «esta diferenciação de tratamento favorece claramente as associações ambientais de menor dimensão».

13.2 - A questão deve ser decidida à luz do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, aqui especialmente convocado enquanto parâmetro constitucional na sua dimensão da proibição do arbítrio.

A jurisprudência constitucional já se debruçou várias vezes sobre o desrespeito pelo princípio da igualdade.

No Acórdão 409/99 escreveu-se:

«O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os Acórdãos n.os 186/90,187/90,188/90,1186/96 e 353/98, publicados in Diário da República, respectivamente, de 12 de Setembro de 1990 e de 12 de Fevereiro de 1997 e o último ainda inédito).» E no Acórdão 245/2000 salientou-se:

«Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot) (cf., por entre muitos outros, o Acórdão 1186/96, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 12 de Fevereiro de 1997), ou, dito ainda de outra forma, o 'princípio da igualdade [...] impõe se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for. Não proíbe as distinções de tratamento se materialmente fundadas;

proíbe, isso sim, a discriminação, as diferenciações arbitrárias ou irrazoáveis, carecidas de fundamento racional' (verbi gratia, Acórdão 1188/96, ob. cit., 2.ª série, de 13 de Fevereiro de 1997).» Retira-se da jurisprudência, como se concluiu no Acórdão 184/2008, que «o legislador ordinário detém uma certa margem de liberdade de actuação, permitindo-lhe a Constituição efectuar diferenciações de tratamento desde que estas sejam material e racionalmente fundadas».

O elemento decisivo a ter em conta para aferir da violação do princípio da igualdade quando se estabelecem distinções é a ratio da norma, pois nesta se fundará, ou não, a razoabilidade da diferenciação de tratamento. Assim o lembrou o Acórdão 232/2003:

«Com efeito, é a partir da descoberta da ratio da disposição em causa que se poderá avaliar se a mesma possui uma 'fundamentação razoável' (vernünftiger Grund), tal como sustentou o 'inventor' do princípio da proibição do arbítrio, Gerhard Leibholz (cf.

F. Alves Correia, O plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pp.

419 e segs). Essa ideia é reiterada entre nós por Maria da Glória Ferreira Pinto:

'[E]stando em causa [...] um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado directamente pela ratio do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico. A ratio do tratamento jurídico é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério' (cf. «Princípio da igualdade: Fórmula vazia ou fórmula 'carregada' de sentido?», separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, Lisboa, 1987, p. 27).

E, mais adiante, opina a mesma autora: '[O] critério valorativo que permite o juízo de qualificação da igualdade está, assim, por força da estrutura do princípio da igualdade, indissoluvelmente ligado à ratio do tratamento jurídico que o determinou. Isto não quer, contudo, dizer que a ratio do tratamento jurídico exija que seja este critério o critério concreto a adoptar e não aquele outro, para efeitos de qualificação da igualdade. O que, no fundo, exige é uma conexão entre o critério adoptado e a ratio do tratamento jurídico. Assim, se se pretender criar uma isenção ao imposto profissional, haverá obediência ao princípio da igualdade se o critério de determinação das situações que vão ficar isentas consistir na escolha de um conjunto de profissionais que se encontram menosprezados no contexto social, bem como haverá obediência ao princípio se o critério consistir na escolha de um rendimento mínimo, considerado indispensável à subsistência familiar numa determinada sociedade' (ob. cit., pp.

31-32).» Explica também a doutrina acerca das dimensões do princípio da igualdade: «O âmbito de protecção abrange na ordem constitucional portuguesa as seguintes dimensões: proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis quer as diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias [...]; obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob.cit., p.

339).

Procurar-se-á verificar se as normas do decreto que fazem depender a inscrição no registo do número total de associados - 50, no caso das ONGA com sede nos Açores - ou do número de associados que residam nos Açores - 100, no caso das ONGA nacionais e internacionais - , estabelecem uma diferenciação fundada numa justificação racional e razoável, de acordo com critérios de valor objectivos constitucionalmente relevantes.

13.3 - Atentando no disposto no artigo 8.º, verifica-se que a diferença de tratamento das associações não é apenas numérica (50 ou 100 associados) mas toca ainda a própria qualidade que têm de ter os associados na sua relação com a associação/território (serem pelo menos 50 os associados que integram o corpo associativo da associação regional, ou serem pelo menos 100 os associados residentes em território regional quando a associação não tenha sede na Região Autónoma). Todavia, esta diferenciação encontra razões suficientes e razoáveis que a sustentam, não sendo arbitrária.

Na verdade, estes requisitos para admissão a registo são impostos a realidades entre si diferentes - muito embora estejam em causa, em qualquer dos casos, organizações não governamentais de ambiente - quando tenham, ou não, sede nos Açores. Pelo que não se torna exigível que se trate de modo igual o que não é igual.

Estas normas, ao exigirem 50 associados para admitir a registo uma ONGA com sede na Região Autónoma, e impondo que as ONGA nacionais ou internacionais tenham, independentemente do número total de associados, pelo menos 100 a viver em território regional, parecem definir uma discriminação entre as associações em função da sua sede. Mas tal está justificado pois o critério adoptado para a diferenciação tem de servir o fim que se pretende realizar com a diferenciação, é por ele funcionalizado, o que significa que é preciso existir um fundamento material bastante que justifique a diferença. É aqui que se estabelecerá a fronteira entre a diferenciação justificada e o arbítrio: no haver, ou não haver, uma razão idónea, um fim relevante que materialmente justifique o critério em que a diferença se funda.

13.4 - Apesar de se aceitar a importância global das questões ambientais, não pode deixar de se considerar que a protecção do ambiente está, naturalmente, muito ligada ao território e, em particular, no caso de um espaço isolado pela sua especial geografia, reconhecidamente encarado, em sede constitucional, como tendo carácter ultraperiférico [artigo 9.º, alínea g), in fine]. A defesa e valorização do ambiente e do património natural e a conservação da natureza nos Açores interessam, desde logo, aos que no território fazem a sua vida. E daí que quer as associações com sede nos Açores quer as que, não tendo aí a sua sede, provem ter um número razoável de membros residindo no território possam, no entender do legislador regional, ser inscritas no registo e ter acesso aos direitos que daí derivam. A ligação ao território, pela sua relevância para a actuação concreta na área do ambiente, determina a escolha de ONGA com ligação aos Açores, pela via da sede, ou da efectiva existência de membros residindo nos Açores.

A ligação especial ao território foi já evidenciada no Acórdão 44/84 (in AcTC, 3.º vol., 1984, pp. 133 e segs.). Nele o Tribunal considerou que a residência seria um critério de preferência relevante e aceitável na colocação de clínicos gerais, por propiciar uma maior inserção do médico na zona onde é chamado a exercer funções, o que não seria irrelevante para a garantia de uma maior qualidade do serviço a prestar, por essa razão não se apresentando como injustificada, arbitrária ou irrazoável em face do princípio da igualdade. Mas não deixou de se assinalar um aspecto relevante para a justificação a que aqui se atende: «A residência - relação entre a pessoa e o lugar onde ela centra a sua vida - não é algo que de uma vez para sempre se defina, não é algo que adira ao homem como qualidade ou marca dele inseparável.» É precisamente essa ligação territorial, que embora presente em ambos os casos, radica em pressupostos de facto diferenciados, que pode determinar um critério para que se estabeleça uma diferenciação nos requisitos para a inscrição no registo.

Sendo certo que, seja qual for a sede da ONGA, a ligação aos Açores é requisito para que qualquer delas possa inscrever-se no registo, estabeleceu-se uma diferenciação no número de associados exigidos para justificar essa mesma ligação geográfica: a ONGA com sede insular deverá ser constituída por pelo menos 50 associados, não se exigindo número mínimo de membros que residam na Região Autónoma; quando a sede não seja nos Açores, 100 membros deverão residir na Região Autónoma.

Desta forma, a ONGA a registar sempre terá associados com ligação à Região Autónoma. Em qualquer dos casos, a ideia é a de garantir que haja um número suficiente de envolvidos com ligação ao território.

13.5 - Mas a ligação dos associados à ONGA não é a mesma nas duas situações.

Sendo diferente a ligação da associação ao território - tendencialmente preferencial, nas que têm sede nos Açores, e não exclusiva, nas restantes -, parece razoável que se exija um número de membros diverso, que possa, no caso da falta da ligação exclusiva (e por isso possivelmente dispersante) ao território regional, exigir-se um número agravado de membros que, pela ligação ao território, colmatem a hipotética menor importância que as questões da região poderiam ter para uma associação com sede noutro local e com objectivos de actuação mais alargados geograficamente, assim garantindo o reforço da atenção da associação nas questões regionais. O próprio vínculo de ligação ao território insular revela diferenças entre as duas situações: tendencialmente duradouro, no caso de a organização não governamental ter sede (espaço, aliás, onde por natureza se desenrola a vida da associação) na Região Autónoma, mais volátil, no caso do domicílio dos associados.

A menor exigência relativamente às organizações não governamentais insulares é, por um lado, justificada ao permitir ampliar a voz das associações cuja actividade incide de modo especial na região, fomentando o associativismo regional. Nos trabalhos preparatórios, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, o Secretário Regional do Ambiente e do Mar, em audição perante a Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho afirmava «que o diploma traduz um alargamento e flexibilização do quadro de apoio às organizações e associações ambientais, que vai beneficiar as ilhas mais pequenas» (relatório da Comissão, fl. 7).

Por outro, as associações nacionais e internacionais de defesa do ambiente desenvolverão, por natureza, acções em diferentes pontos. A sua atenção para com um território pode depender do número de associados com ele geograficamente imbricados. No caso das associações com sede nos Açores, a sua especial ligação ao território insular tenderá a favorecer o empenho destas na defesa e valorização do ambiente, do património natural e a conservação da natureza nos Açores. O que à luz da autonomia regional, também expressa nestas escolhas, não deixará de ser relevante.

Acresce ainda, e no que aos apoios diz respeito, que as associações não regionais poderão encontrar apoio técnico e financeiro para as suas actividades junto de outras entidades de âmbito não regional, a desenvolver em qualquer ponto geográfico da sua intervenção, e também nos Açores. As regionais tenderão a depender do apoio técnico e financeiro concedido regionalmente. O que também justificará a diferenciação de tratamento beneficiadora das associações insulares.

Fazer caber nas potenciais ONGA candidatas a apoios as associações regionais que tenham pelo menos 50 associados pretende dar-lhes a vantagem de concorrerem com as de âmbito nacional, estando aquelas, previsivelmente, mais carecidas de apoios técnico-financeiros do que as associações nacionais.

Há, pois, aqui, uma liberdade de conformação que deve ser reconhecida ao legislador, pois encontra uma justificação razoável. A distinção em causa não se mostra injustificada, arbitrária ou irrazoável.

Assim, o Tribunal não se pronuncia pela inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 8.º do Decreto 8/2010.

14 - O artigo 9.º, n.º 2, do Decreto 8/2010. -14.1 - O requerente sustenta também que é materialmente inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto 8/2010 no ponto em que permite ao membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente solicitar às associações que requerem o registo, «para correcta apreciação do pedido de inscrição», «elementos adicionais considerados importantes para a decisão».

Neste sentido, alega-se que a norma em causa, pela sua indeterminação e discricionariedade, viola o princípio constitucional da reserva de lei e, mais precisamente, o seu subprincípio da determinabilidade da lei. Ou seja, viola a máxima jurídica que impõe que o sentido do texto legislativo seja preciso e inequívoco, de modo que os seus destinatários possam compreender o respectivo conteúdo e prever com segurança o resultado da sua aplicação, designadamente se e em que medida vão ser afectados nas suas posições jurídicas individuais. E invoca-se, a propósito, a doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 285/92, em que se afirmou o seguinte: «o grau de exigência de determinabilidade e precisão da lei há-de ser tal que garanta aos destinatários da normação um conhecimento preciso, exacto e atempado dos critérios legais que a Administração há-de usar».

14.2 - No entanto, na situação versada neste aresto estava em causa directamente a definição dos critérios materiais legalmente estabelecidos para a identificação do pessoal dos serviços e organismos que seriam afectados por medidas de racionalização, que o diploma impugnado pretendia instituir, podendo colocar-se, com propriedade, a questão da possível violação do princípio da determinabilidade ou da reserva de lei quando tais critérios legais pudessem ser considerados de tal modo vagos ou inconcludentes que se tornariam imprestáveis para definir o regime legalmente aplicável.

Nessa hipótese, poderia entender-se que o legislador renunciou ao exercício da função legislativa, violando o princípio de precedência de lei, permitindo que fosse a Administração a fixar na prática, de acordo com uma ampla margem de apreciação, os elementos integradores do regime legal que deveria servir de base para a constituição de pessoal excedente.

Contrariamente, porém, o n.º 2 do artigo 9.º do Decreto 8/2010, ao estipular que «para correcta apreciação do pedido de inscrição, podem ser solicitados elementos adicionais considerados importantes para a decisão», limita-se a consignar um conceito jurídico indeterminado (elementos adicionais importantes), cujo preenchimento, além do mais, apenas releva para efeitos instrutórios, isto é, para coligir os elementos de informação necessários para adoptar a decisão final relativa ao pedido de inscrição. A previsão normativa não gera, em si, qualquer situação de indeterminabilidade nem interfere com o enunciado das condições materiais de que depende a admissão ao registo (as quais estão definidas no antecedente artigo 8.º) e unicamente confia à Administração a tarefa da formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, permitindo que a entidade competente possa obter outros elementos de que careça para decidir no sentido do deferimento ou indeferimento do pedido. Além de que se trata, no caso, de um conceito indeterminado de valor, cujo critério de concretização resulta, por forma directa, da exegese dos textos legais e que, como tal, é jurisdicionalmente sindicável (neste sentido, os Acórdãos do STA de 14 de Junho de 2007, processo 140/07, e de 17 de Janeiro de 2007, processo 1068/06). Elementos importantes para a decisão, neste contexto, apenas poderão ser aqueles que relevem para apreciação do pedido, tendo em conta os requisitos legalmente exigíveis para a inscrição e que, em todo o caso, só poderão ser solicitados se os documentos obrigatoriamente juntos ao requerimento, como prevê o n.º 1 desse artigo 9.º, não forem já suficientemente elucidativos para adoptar uma posição fundamentada no âmbito do procedimento.

Estando assim em causa o preenchimento de um conceito indeterminado, envolvendo o mero exercício administrativo de livre apreciação em matéria de instrução procedimental, não pode ter-se como verificada a pretendida inconstitucionalidade por violação do princípio da determinabilidade e reserva de lei.

Pelo exposto, o Tribunal não se pronuncia pela inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto 8/2010.

15 - Auditorias e princípio da proibição do excesso. - 15.1 - Relativamente às auditorias, vem alegado que o artigo 11.º, n.º 3, bem como o artigo 14.º, «com particular incidência na alínea b) do n.º 2 e no n.º 4», padeceriam de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 46.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2, da CRP.

Já atrás se decidiu relativamente ao primeiro argumento apresentado pelo requerente, fundamentalmente sustentado na compressão da liberdade de associação provocada pela sujeição às auditorias, havendo-se decidido que das normas impugnadas não decorreria uma verdadeira intromissão em matéria de direitos, liberdades e garantias, podendo a Assembleia Legislativa da Região Autónoma legislar, impondo auditorias e definindo os seus termos.

Considera-se, neste ponto, o segundo argumento do requerente, segundo o qual o regime instituído resultaria na violação do princípio da proporcionalidade tal como consagrado pelo artigo 18.º, n.º 2, da CRP, em virtude do regime fixado para a realização das auditorias, que autoriza a sua realização na sede social da associação e permite o acesso às fichas dos associados.

15.2 - Uma vez decidido que do regime das auditorias globalmente considerado não resulta uma intervenção em matéria de direitos, liberdades e garantias, há, ainda, que apurar se o regime instituído pelo decreto em apreço impõe medidas desproporcionadas, não por confronto com o parâmetro das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 2, da CRP, associado ao artigo 46.º, n.º 2, da CRP) invocado pelo requerente, mas por violação do princípio da proibição do excesso decorrente do princípio do Estado de direito democrático (consagrado no artigo 2.º da CRP).

Há, assim, que responder à questão suscitada pelo requerente quanto a saber se as verificações que são feitas em matéria de auditoria são, ou não, ajustadas do ponto de vista do princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade em sentido amplo.

Vem questionada, em particular, a parte do artigo 14.º em que se permite que as auditorias possam ser realizadas no local da sede social - artigo 14.º, n.º 4 -, assim como a que prevê o acesso às fichas dos associados - o n.º 2 do artigo 14.º Cumpre decidir se o sacrifício imposto à ONGA com a sujeição a uma auditoria (previsto no artigo 11.º, n.º 3), mesmo se não considerado como um atentando contra a livre realização dos seus fins associativos (ponto a que já se respondeu), será excessivo.

15.3 - Como se afirmou já, a auditoria prevista no artigo 14.º e determinada pelo artigo 11.º, n.º 3, do Decreto 8/2010 é um mecanismo instrumental. Tem por objectivo a verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo, assim como dos elementos necessários ao apoio técnico e financeiro concedido pela administração regional às ONGA. Este objectivo do controlo, realizado mediante auditoria, é um objectivo legítimo e a auditoria é um meio idóneo, apropriado para o atingir.

A questão fundamental está em saber se é o meio necessário ou exigível em relação a este fim, ou seja, o que menos onera a ONGA.

Resulta do n.º 3 do artigo 14.º do Decreto 8/2010 que as auditorias são um mecanismo, entre outros, para verificação dos elementos relativos ao apoio técnico e financeiro. O n.º 3 do artigo 14.º refere igualmente outros mecanismos como a obrigação da apresentação dos relatórios finais de execução, bem como de apresentação dos comprovativos das despesas suportadas. As próprias auditorias têm, segundo o estabelecido no diploma, diferenças entre si: são regulares, visando a verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo ou no quadro do apoio técnico e financeiro, ou extraordinárias, sendo desencadeadas quando a entidade não apresente, no prazo fixado, os relatórios relativos à execução de acções financiadas, ou existam fortes indícios de que a ONGA não preenche os requisitos exigidos para a manutenção da sua inscrição no registo, ou não desenvolve qualquer actividade há mais de 12 meses, ou não realiza assembleias gerais há mais de 18 meses, ou cometeu qualquer irregularidade na aplicação de apoio concedido.

Em suma, o regime previsto no Decreto 8/2010 modela o grau da medida prevista, moldando-o com diferentes intensidades, de acordo com as finalidades da fiscalização, permitindo encontrar a justa medida.

15.4 - De todo o modo, resulta do pedido que o requerente pretende ver analisado o respeito das auditorias relativamente ao princípio da proibição do excesso em dois aspectos particulares que, na sua opinião, demonstrariam a excessiva intensidade do encargo imposto à - insiste - liberdade de associação da ONGA pela auditoria.

Sustenta que a terceira inconstitucionalidade material «refere-se ainda ao regime das próprias auditorias, previsto no artigo 14.º, com particular incidência na alínea b) do n.º 2 - que permite o livre acesso das equipas de auditoria às 'fichas dos associados' - e no n.º 4 - na medida em que determina que as auditorias se realizam na 'sede social' das associações ambientais».

16 - As normas dos n.os 2, alínea b), e 4 do artigo 14.º - 16.1 - O requerente alegou que «o acesso às 'fichas dos associados' - e, por inerência, a todos os dados pessoais que nelas estejam inscritos [...] se não apresenta como indispensável para o controlo do número de sócios efectivamente inscritos nas associações ambientais», o que conduziria a uma violação do princípio da proporcionalidade.

Vejamos se a razão lhe assiste.

16.2 - O acesso às fichas, previsto no artigo 14.º, n.º 2, alínea b), do Decreto 8/2010, pode ter lugar durante uma auditoria. As auditorias têm por objectivo a verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo ou no quadro de apoio técnico e financeiro. De entre os elementos requeridos para efeitos de inscrição no registo conta-se, v. g., a «declaração do número de associados» e a «declaração do valor das quotas dos associados».

O acesso às fichas parece ser realizado para verificar algum destes elementos.

Acontece, contudo, que prever o acesso às fichas dos associados para esta finalidade se revela excessivo.

Das fichas dos associados poderão constar as mais variadas informações, ainda que conexas com a associação e sua actividade. Essas informações constituem dados pessoais por serem informações respeitantes às pessoas individualizadas em cada ficha.

A pretexto das auditorias, permite-se que os elementos integrantes de uma comissão constituída por trabalhadores que exercem funções públicas no departamento responsável pelo ambiente e ou peritos externos (artigo 14.º, n.os 4 e 5) possam conhecer informações pessoais não relevantes para o exercício das suas funções.

16.3 - Ora, deve sempre ter-se em mente que é o princípio da finalidade dos tratamentos de dados que deve guiar (também) o legislador na definição da justa medida para o acesso a dados pessoais. No caso, para, ao que parece resultar do texto, determinar o número de associados e valor total de quotas que recebe uma associação, prevê-se o franquear do acesso a todo um conjunto de informações pessoais suplementares que não é possível considerar pertinentes para tal finalidade.

O que é revelador de excesso.

Atente-se no Acórdão 632/2008, explanando as operações lógicas implicadas num juízo de proporcionalidade:

«A segunda precisão a acrescentar é relativa à ordem lógica de aplicação dos três subprincípios, que se devem relacionar entre si segundo uma regra de precedência do mais abstracto perante o mais concreto ou mais próximo (pelo seu conteúdo) da necessária avaliação das circunstâncias específicas do caso da vida que se aprecia.

Quer isto dizer, exactamente, o seguinte: o teste da proporcionalidade inicia-se logicamente com o recurso ao subprincípio da adequação. Nele, apenas se afere se um certo meio é, em abstracto e enquanto meio típico, idóneo ou apto para a realização de um certo fim. A formulação de um juízo negativo acerca da adequação prejudica logicamente a necessidade de aplicação dos outros testes. No entanto, se se não concluir pela inadequação típica do meio ao fim, haverá em seguida que recorrer ao exame da exigibilidade, também conhecido por necessidade de escolha do meio mais benigno. É este um exame mais 'fino', ou mais próximo das especificidades do caso concreto: através dele se avalia a existência - ou inexistência -, na situação da vida, de várias possibilidades (igualmente idóneas) para a realização do fim pretendido, de forma que se saiba se, in casu, foi escolhida, como devia, a possibilidade mais benigna ou menos onerosa para os particulares. Caso se chegue à conclusão de que tal não sucedeu - o que é sempre possível já que pode haver medidas que, embora tidas por adequadas, se não venham a revelar no entanto necessárias ou exigíveis -, fica logicamente prejudicada a inevitabilidade de recurso ao último teste de proporcionalidade.» 16.4 - Ora, em abstracto, a consulta às fichas dos associados pode até parecer útil à auditoria, e, por isso, adequada às finalidades. Mas numa análise mais fina, não se vê como possa esta medida - que interfere com a privacidade - resistir ao teste da proporcionalidade, quando procuramos apurar se esta seria a medida menos gravosa para os associados.

Consequentemente, só pode concluir-se pela violação do princípio da proibição do excesso, por ausência de uma relação equilibrada entre meios e fins.

É a finalidade do acesso aos dados que sempre deverá ter-se como justificação primeira do acesso às fichas. Assim sendo, e determinando a norma que se aprecia a possibilidade de acesso às fichas individuais dos associados sem que se justifique tal intrusão, uma vez que não pode considerar-se que esse acesso seja a medida menos onerosa para o associado, a consulta das fichas pessoais dos associados não pode constituir uma solução exigível e caracterizada como a justa medida para as finalidades apontadas para a auditoria.

Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se no sentido da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 14.º, n.º 2, alínea b), do Decreto Legislativo Regional 8/2010, por violação do artigo 2.º da CRP.

17 - A norma do n.º 4 do artigo 14.º - 17.1 - O requerente, ao sustentar que as auditorias implicam restrições à liberdade de associação por possibilitarem «invadir jurídica e fisicamente a esfera privada de um sujeito jusfundamental», invoca que a sua realização no próprio espaço físico da sede social seria, por um lado, um meio agressivo da liberdade de associação, por outro, que «fica por demonstrar que esses mesmos fins não poderiam ser igualmente perseguidos com recurso a outros meios menos agressivos da liberdade de associação».

Mas não é assim.

17.2 - Nem se diga que por estar prevista a possível realização da auditoria na sede social há «questões de constitucionalidade que poderiam ser suscitadas a respeito [...] do direito das pessoas colectivas à inviolabilidade do seu domicílio - n.º 2 do artigo 34.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 12.º, da Constituição», como aflora o requerente no seu pedido.

O Tribunal tem já jurisprudência firmada quanto à extensão às pessoas colectivas da protecção concedida às pessoas físicas no que respeita à tutela da intimidade privada.

Estabeleceu-se no Acórdão 593/2008:

«A susceptibilidade, em princípio, de extensão da tutela da privacidade às pessoas colectivas não implica, pois, que ela actue, nesse campo, em igual medida e com a mesma extensão com que se afirma na esfera da titularidade individual. Dessa tutela estarão excluídas, forçosamente, as dimensões nucleares da intimidade privada, que pressupõem a personalidade física.» Relativamente à não extensão da protecção concedida constitucionalmente ao domicílio das pessoas físicas às pessoas colectivas, os argumentos apontados pelo citado acórdão foram os seguintes:

«A apreciação do eventual desrespeito desta disposição requer, como questão prévia, a definição rigorosa do objecto da inviolabilidade do domicílio. O que deve entender-se, para este efeito, por domicílio? Não é fácil a resposta, até porque o conceito técnico de domicílio, compreendido como a 'residência habitual' (artigo 80.º do Código Civil), é aqui imprestável, por demasiado restritivo, atentos o sentido e a função da tutela constitucional. Seguro é apenas que, no âmbito do artigo 34.º da CRP, o conceito vem dotado de maior amplitude, abarcando, sem margem para dúvidas, qualquer local de habitação, seja ela principal, secundária, ocasional, em edifício ou em instalações móveis. Mas já não é consensual a extensão da protecção ao domicílio profissional (em sentido afirmativo, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição Portuguesa Anotada, i, 4.ª ed., Coimbra, 2007, p.

540; contra, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa, 2007, pp. 478-479).

Mas, quando se extravasa da esfera domiciliária das pessoas físicas, entrando no campo de actividade das pessoas colectivas, afigura-se que saímos também para fora do âmbito normativo de protecção da norma constitucional, pois decai a sua razão de ser.» Como expressam os primeiros autores a que fizemos referência (ob. cit., p. 541):

«Já quanto às pessoas colectivas, a protecção que é devida às respectivas instalações (designadamente quanto à respectiva sede) contra devassas externas não decorre directamente da protecção do domicílio, de cuja justificação não compartilha, como se viu acima, mas sim do âmbito de protecção do direito de propriedade e de outros direitos que possam ser afectados, como a liberdade de empresa, no caso das empresas.» Essa conclusão decorre do substrato e das conexões valorativas do direito à inviolabilidade do domicílio, «ainda um direito à liberdade da pessoa pois está relacionado, tal como o direito à inviolabilidade de correspondência, com o direito à inviolabilidade pessoal (esfera privada espacial, previsto no artigo 26.º), considerando-se o domicílio como projecção espacial da pessoa».

O bem protegido com a inviolabilidade do domicílio e o étimo de valor que lhe vai associado têm a ver com a subtracção aos olhares e ao acesso dos outros da esfera espacial onde se desenrola a vivência doméstica e familiar da pessoa, onde ela, no recato de um espaço vedado a estranhos, pode exprimir livremente o seu mais autêntico modo de ser e de agir.

Dando conta desta identificação do domínio protegido com a esfera da intimidade do ente humano, afirmou-se no Acórdão 67/97:

«Parece incontroverso que o conceito constitucional de domicílio deve ser dimensionado e moldado a partir da observância do respeito pela dignidade da pessoa humana, na sua vertente de reserva da intimidade da vida familiar - como tal conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 26.º da CR - assim acautelando um núcleo íntimo onde ninguém deverá penetrar sem consentimento do próprio titular do direito.» Não se ignora que, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º da CRP, as pessoas colectivas podem ser titulares de direitos fundamentais desde que compatíveis com a sua natureza. E não custa reconhecer que o direito à privacidade não é incompatível, em absoluto, com a natureza própria das pessoas colectivas, pelo que a titularidade desse direito não lhes pode, a priori, e em todas dimensões, ser negada.

Mas, como acentua Jorge Miranda, reportando-se, em geral, à titularidade 'colectiva' de direitos fundamentais, 'daí não se segue que a sua aplicabilidade nesse domínio se vá operar exactamente nos mesmos termos e com a mesma amplitude com que decorre relativamente às pessoas singulares' (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, i, Coimbra, 2005, p. 113). É esta uma orientação firme, tanto da doutrina (cf., também, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., p. 331, e Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª ed., Coimbra, 2007, pp. 126-127), como da jurisprudência (cf. os Acórdãos n.os 198/85 e 24/98).» No caso vertente, esta jurisprudência é útil para que se possa compreender que, estabelecendo a norma em análise que a auditoria terá lugar na sede social, tal não significa que o legislador regional esteja a emitir norma em matéria de direito à inviolabilidade de domicílio - direito incluído nos direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 34.º da CRP, como lateralmente invocava o requerente -, o que, a verificar-se reforçaria, no entender deste, a sua qualificação como meio agressivo para a liberdade de associação.

O que, sendo assim, só fortalece os argumentos aduzidos no sentido da não inconstitucionalidade das normas dos artigos 11.º, n.º 3, e 14.º, e, em especial, do seu n.º 4, por violação da liberdade de associação.

17.3 - Por outro lado, o segundo argumento apresentado pelo requerente seria o de que a realização da auditoria na sede social violaria o princípio da proporcionalidade.

Nos Acórdãos n.os 632/2008, 187/2001 e 634/93, foram sintetizados, seguindo a doutrina, os subprincípios do princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade em sentido amplo:

«O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato), e princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).» No caso, a realização da fiscalização na sede social serve, sem dúvida, as finalidades da auditoria, designadamente de consulta de documentos. O que não se vê é que do texto da norma resulte que qualquer pedido ou consulta de documento tenha de realizar-se por deslocação de uma equipa auditora à sede social, e que fique impossibilitada, v. g., a simples remessa aos serviços dos documentos em falta destinados à demonstração do preenchimento dos requisitos, como determinam os n.os 1 e 2 do artigo 11.º O que, aliás, sempre resultaria, v. g, das regras gerais instrutórias previstas no Código do Procedimento Administrativo.

Assim, o Tribunal não se pronuncia pela inconstitucionalidade da norma contida no n.º 4 do artigo 14.º do Decreto 8/2010.

18 - As normas constantes dos n.os 3, 4 e 5 do artigo 12.º e 1 do artigo 13.º do Decreto 8/2010. - 18.1 - Por último, vem invocada a inconstitucionalidade material referente às normas dos n.os 3, 4 e 5 do artigo 12.º e 1 do artigo 13.º, enquanto permitem a suspensão e a anulação da inscrição no registo das associações por simples decisão do membro do Governo Regional competente na área do ambiente, sem que tais disposições procedam a uma tipificação, ou sequer a uma enunciação exemplificativa, dos motivos que podem dar azo a uma decisão administrativa desse tipo.

Pretende o requerente que, sendo a inscrição no registo uma condição indispensável para que as associações ambientais possam ser titulares de um significativo acervo de direitos, a previsão legal de um poder administrativo de suspensão ou de cessação da inscrição e, consequentemente, desse mesmo estatuto favorável, se traduz numa verdadeira restrição de direitos, liberdades e garantias, sujeita, portanto, ao disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP, que, como tal, teria de se conformar com as exigências da lei fundamental, mormente quanto à necessidade de uma credencial constitucional expressa e ao princípio da proporcionalidade.

18.2 - O que as referidas disposições propugnam é a possibilidade de suspensão ou anulação do registo a requerimento da entidade interessada ou por decisão fundamentada do membro do Governo Regional competente em matéria de ambiente, ou ainda a suspensão desse registo por incumprimento do dever de envio da documentação que a associação está legalmente obrigada a apresentar.

Embora o requerente invoque a violação do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, a questão de constitucionalidade que está em causa, face aos termos em que o pedido se encontra formulado, é ainda a relativa ao princípio da precisão ou determinabilidade das leis, associado ao princípio de reserva de lei, visto que o que essencialmente se sindica é a possibilidade de suspensão ou anulação do registo, com o consequente condicionamento da actividade da associação, mediante o exercício de um mero poder discricionário e, por isso, sem qualquer prévia vinculação a requisitos predefinidos.

O argumento é, no entanto, improcedente.

Fora o caso em que a suspensão ou anulação do registo é decidida a requerimento da entidade interessada, qualquer desses efeitos jurídicos apenas podem ser determinados por decisão fundamentada do membro do Governo Regional competente e na sequência de uma auditoria. A alusão a uma decisão fundamentada significa que se trata de uma decisão vinculada quanto aos fundamentos, não podendo o inciso deixar de ser correlacionado, numa interpretação sistemática, com as pertinentes disposições que regulam os requisitos da inscrição no registo, bem como os respectivos aspectos procedimentais, e que resultam dos precedentes artigos 8.º e 9.º A norma apenas poderá ser entendida, por conseguinte, como atribuindo um poder de suspensão ou anulação quando se verifique, por alteração de circunstâncias ou facto superveniente, qualquer situação de incumprimento ou inobservância das condições de que depende, nos termos legalmente estipulados, a admissão ao registo. E envolve, nestes termos, um poder administrativo vinculado.

Não se coloca, por isso, qualquer questão de violação de precedência de lei, pelo que não é possível dar como verificado o mencionado vício de inconstitucionalidade.

Razão pela qual o Tribunal não se pronuncia no sentido da inconstitucionalidade material das normas constantes dos n.os 3, 4 e 5 do artigo 12.º e 1 do artigo 13.º do Decreto 8/2010.

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:

1) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma constante da parte inicial do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto 8/2010, na medida em que integra:

a) O artigo 10.º da Lei 35/98, por violação das disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alíneas b) e c), 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1, alínea a), e 52.º, n.º 3, todos da CRP;

b) O artigo 11.º da Lei 35/98, por violação das disposições conjugadas dos artigos 227.º, n.º 1, alínea a), e 112.º, n.º 4, da CRP;

c) Os artigos 11.º, n.º 2, quando dispõe acerca do imposto do selo, 12.º e 13.º, todos da Lei 35/98, por violação das disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), 103.º, n.º 2, e 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP;

d) O artigo 15.º da Lei 35/98, por violação das disposições conjugadas dos artigos 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1, alínea a), e 40.º da CRP;

2) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 14.º, n.º 2, alínea b), do Decreto 8/2010, por violação do artigo 2.º da CRP;

3) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade das restantes normas que vêm impugnadas.

(1) Miranda, Jorge, Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, t. i, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 469.

(2) Idem.

(3) Miranda, Jorge, Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, t. i, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 469.

(4) Idem.

(5) Ibidem.

(6) Gomes Canotilho, J. J., Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. revista, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 649.

(7) Ob. cit., t. ii, p. 496.

Lisboa, 26 de Março de 2010. - Catarina Sarmento e Castro (com declaração) - Benjamim Rodrigues (com declaração) - Joaquim de Sousa Ribeiro - Ana Maria Guerra Martins (com declaração que anexo) - Carlos Fernandes Cadilha (pronunciei-me no sentido da inconstitucionalidade orgânica do segmento inicial do n.º 1 do artigo 10.º do decreto, pelas razões expendidas pelo conselheiro Cura Mariano na sua declaração e ainda pela inconstitucionalidade material da norma do artigo 14.º, n.º 4, por violação do princípio da proporcionalidade, por considerar que a realização de auditorias na sede social da associação não é necessária à verificação dos elementos de que depende a inscrição no registo) - Maria João Antunes (vencida nos termos da declaração junta) - Carlos Pamplona de Oliveira (vencido nos termos da declaração que junto) - João Cura Mariano (vencido, em parte, nos termos da declaração que junto) - Vítor Gomes (vencido, em parte, conforme declaração que junto) - José Borges Soeiro [vencido, no que se refere ao decidido sob a alínea d) do n.º 1, pelas razões constantes da declaração de voto que junto] - Gil Galvão (vencido quanto ao n.º 2 da decisão, conforme declaração anexa) - Maria Lúcia Amaral (vencida quanto ao n.º 2 da decisão, conforme declaração anexa) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Embora relatora, e tendo votado favoravelmente a pronúncia de inconstitucionalidade material da norma constante do n.º 2, alínea b), do artigo 14.º do Decreto 8/2010, relativa ao acesso às fichas dos associados, por violação do princípio da proibição do excesso, entendi que esta norma seria, antes de mais, organicamente inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP, por respeitar a matérias atinentes a direitos, liberdades e garantias, no que fiquei vencida.

Em minha opinião, por na norma se prever a consulta das fichas dos associados que, por natureza, conterão dados pessoais, são nela regulados aspectos que dizem respeito à protecção dos cidadãos perante o tratamento de dados pessoais, prevista no artigo 35.º da CRP. E isto quer as informações pessoais se encontrem em formato electrónico ou em formato de papel, como resulta expressamente do n.º 7 do mesmo artigo.

Aliás, o juízo de proporcionalidade que no acórdão se faz sobre o acesso às fichas pressupõe, pelo menos, que se tenha em conta a finalidade do tratamento de dados, a que se deve respeito em virtude do disposto no n.º 1 do artigo 35.º da CRP. - Catarina Sarmento e Castro.

Declaração de voto

Com a declaração de sérias dúvidas relativamente à inconstitucionalidade orgânica conectada com a incorporação pelo n.º 1 do artigo 10.º do Decreto 8/2010, aqui em causa, do artigo 15.º da Lei 35/98 (direito de antena), porquanto, desde que entendida essa incorporação cingida ao âmbito regional, se admite como possível a ampliação dos direitos de prestação para além da densificação prestadora que conste do texto constitucional.

Nesta senda, desde que exista um serviço regional de rádio e televisão, parece-nos que não estará o legislador regional, como legislador ordinário, impedido de atribuir o direito de antena para além da extensão definida no artigo 40.º da CRP, no âmbito regional, através de decreto legislativo regional. - Benjamim Rodrigues.

Declaração de voto

Votei a decisão de inconstitucionalidade do artigo 14.º, n.º 2, alínea b), do Decreto 8/2010, embora por razões diferentes das que vingaram no plenário deste Tribunal.

Em meu entender, a verificação das fichas dos associados nas auditorias - ainda que não estejam informatizadas - por conterem dados pessoais, encontram-se abrangidas pelo âmbito de protecção das normas do artigo 35.º, n.os 1 e 7, da CRP. Ou seja, tratando-se de matéria respeitante aos direitos, liberdades e garantias, está vedado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores legislar sobre ela, na medida em que a mesma se encontra reservada à Assembleia da República, nos termos dos artigos 165.º, n.º 1, alínea b), e 227.º, n.º 1, alínea a), da CRP.

Assim sendo, considero que o artigo 14.º, n.º 2, alínea b), do Decreto 8/2010 é organicamente inconstitucional, pelo que não chegaria sequer a apreciar a questão da inconstitucionalidade material do preceito em apreço. Porém, tendo sido apreciada, acompanhei a decisão do plenário. - Ana Maria Guerra Martins.

Declaração de voto

1 - Não acompanho a pronúncia de inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 10.º do decreto em apreciação na parte em que integra o disposto no artigo 15.º da Lei 35/98, de 18 de Julho - direito de antena. Entendo que o artigo 40.º da Constituição não é convocável relativamente a organizações não governamentais de ambiente com registo regional e que o artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, enquanto atribui às Regiões Autónomas poderes para «legislar no âmbito regional», não é violado. Do Decreto 8/2010 nada resulta no sentido de o serviço público de rádio e de televisão ser prestado pelo serviço público nacional.

2 - Não acompanho a pronúncia de inconstitucionalidade da norma do artigo 14.º, n.º 2, alínea b), daquele decreto pelas razões constantes da declaração de voto do conselheiro Gil Galvão. - Maria João Antunes.

Declaração de voto

1 - O requerente sustentou o seu pedido de pronúncia pela inconstitucionalidade das normas dos artigos 8.º a 14.º na violação conjugada do n.º 4 do artigo 112.º e das alíneas b) do n.º 1 do artigo 165.º e a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição, normas que, assim, enfermariam de inconstitucionalidade orgânica.

Ora, diferentemente do caminho percorrido maioritariamente pelo Tribunal, divirjo globalmente desse juízo.

Assim: dando por verificado o requisito positivo que habilita a Região a legislar nesta área, deve aceitar-se que lhe cabe dispor sobre o apoio que pretende conferir a organizações não governamentais de ambiente que exercem a sua actividade na Região, de resto, em moldes semelhantes e de forma plenamente compatível com a legislação nacional. Em consequência, a determinação do critério de selecção das associações a apoiar e da concretização dos benefícios a conceder, situa-se claramente dentro da competência legislativa regional.

A questão agudiza-se, no entanto, quanto ao conjunto de direitos e deveres atribuídos a essas associações que a Região não pode - por lhe faltar, para tanto, competência legislativa primária - mobilizar. A verdade, no entanto, é que o diploma regional mais não faz do que incluir tais entidades no tipo de pessoas colectivas que a legislação nacional - Lei 35/98 de 18 de Julho - beneficia com esse conjunto de direitos e deveres.

Pode, por isso, entender-se que o diploma regional reenvia para a legislação nacional a determinação concreta desse «estatuto», não pretendendo exercer aqui verdadeiramente uma competência legislativa, conformadora dos deveres e direitos que pretende atribuir a tais entidades.

Questão diversa - que o pedido, todavia, não inclui - consistirá em determinar o âmbito preceptivo dessa norma regional, designadamente quanto aos direitos que podem ser exercidos fora da Região.

Em todo o caso, bem pode concluir-se que as normas em causa, não interferindo na liberdade de associação, se inserem no poder legislativo da Região e não violam o n.º 4 do artigo 112.º, a alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º e o artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

2 - Votei o acórdão quanto à não inconstitucionalidade material das normas impugnadas a este título.

Divirjo, no entanto, da pronúncia de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 14.º, n.º 2, alínea b), do decreto em análise, por violação do artigo 2.º da Constituição, que o Tribunal adoptou.

Com efeito, o acesso às fichas dos associados, previsto na referida norma do artigo 14.º, n.º 2, alínea b), é, por excelência, o meio de verificação de elementos fornecidos pela associação para efeitos de registo, designadamente quanto ao número de associados e montante das respectivas quotas. Ora, essas «fichas» não são documentos pessoais dos sócios, tratando-se de documentos da associação, abertos à consulta de autoridade pública, que apenas contêm os elementos que os próprios associados entendem poder divulgar. Além disso, a actuação da entidade regional encarregada da auditoria fica submetida à disciplina da actividade administrativa, designadamente quanto às restrições que oneram o acesso administrativo a dados pessoais dos administrados.

Entendo, por isso, que a norma constante do artigo 14.º, n.º 2, alínea b), do Decreto Legislativo Regional 8/2010 não viola o artigo 2.º da Constituição.

3 - Em conclusão, votei no sentido de o Tribunal não declarar a inconstitucionalidade de qualquer das normas impugnadas. - Carlos Pamplona de Oliveira.

Declaração de voto Votei parcialmente vencido por não ter concordado com o julgamento de constitucionalidade das seguintes normas constantes do Decreto 8/2010:

Artigo 10.º, n.º 1, primeira parte;

Artigo 10.º, n.º 2, quando remete para o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 8.º da Lei 35/98, de 18 de Julho;

Artigo 14.º, n.º 4, na parte em que determina o local de realização das auditorias.

Discordei ainda da fundamentação apresentada para a declaração de inconstitucionalidade do artigo 14.º, n.º 2, alínea b), do referido decreto.

a) No n.º 1, do artigo 10.º, enunciam-se de uma forma genérica os direitos que são concedidos às ONGA inscritas no registo regional instituído por este diploma.

E na primeira parte deste número diz-se que, além dos direitos cujo conteúdo se encontra previsto no próprio decreto, essas associações ambientais também gozarão dos direitos consagrados na Lei 35/98, de 18 de Julho.

Ora, os direitos ao reconhecimento como pessoas colectivas de utilidade pública (artigo 4.º), de acesso à informação administrativa no domínio ambiental (artigo 5.º), de participação na definição de políticas ambientais (artigo 6.º), de representação como parceiros sociais (artigo 7.º), de participação procedimental (artigo 9.º), de legitimidade processual (artigo 10.º), de isenção de emolumentos, custas e impostos (artigos 11.º e 12.º), de aplicação do regime do mecenato cultural aos donativos em dinheiro ou em série (artigo 13.º), de obtenção de apoio técnico e financeiro (artigo 14.º) e de antena (artigo 15.º), previstos na Lei 35/98, de 18 de Julho, têm um âmbito nacional, sendo atribuídos apenas às ONGA inscritas no registo nacional instituído por este diploma.

Se nada impede que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores crie um registo regional de ONGA, com requisitos de acesso diversos dos estabelecidos para o registo nacional, e atribua direitos às associações inscritas no registo regional, esses direitos só poderão ter um âmbito regional, uma vez que as Regiões só podem legislar com esse alcance, conforme impõe o artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da CRP. E foi com esse âmbito limitado que o decreto definiu o conteúdo dos direitos ao apoio técnico e financeiro por parte da administração regional autónoma (artigos 15.º e seguintes) e o de participação na definição das políticas regionais do ambiente [artigo 41.º, alínea l)]. Já quanto aos restantes direitos previstos na Lei 35/98, de 18 de Julho, o decreto em causa limitou-se a efectuar uma remissão genérica para eles, visando, desse modo, transpô-los para a ordem jurídica regional, sem limitar os seus efeitos à Região.

Esta transposição de direitos de âmbito nacional para a ordem jurídica regional não pode ser efectuada desta forma, exigindo um trabalho legislativo de adaptação, de modo a limitar o alcance desses direitos à Região, o qual não pode ser feito pelo intérprete.

Não tendo sido efectuada pelo legislador regional essa tarefa, os direitos para cuja consagração em lei nacional se remeteu são transpostos com esse âmbito para a legislação regional, mas atribuídos a diferentes sujeitos, o que excede manifestamente a competência legislativa da Região.

Com estes pressupostos, que tenho como seguros, declararia a inconstitucionalidade orgânica do segmento normativo constante da primeira parte do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto 8/2010, abrangendo toda a remissão genérica para os direitos conferidos pela Lei 35/98, de 18 de Julho, por violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 4, e 227.º, n.º 1, alínea a), da CRP.

b) No n.º 2 do artigo 10.º do decreto sob fiscalização, atribui-se aos dirigentes e aos membros das ONGA designados para exercer funções de representação no âmbito do funcionamento de órgãos consultivos dependentes da administração regional autónoma os direitos consagrados no artigo 8.º da Lei 35/98, de 18 de Julho.

Esses direitos são os seguintes:

Os trabalhadores por conta de outrem têm direito a usufruir de um horário de trabalho flexível, em termos a acordar com a entidade patronal, sempre que a natureza da respectiva actividade laboral o permita (artigo 8.º, n.º 2);

Os períodos de faltas dadas por motivo de comparência em reuniões dos órgãos em que os dirigentes exerçam representação ou com membros de órgãos de soberania são considerados justificados, para todos os efeitos legais, até ao máximo acumulado de 10 dias de trabalho por ano e não implicam a perda das remunerações e regalias devidas (artigo 8.º, n.º 3);

Os estudantes gozam das prerrogativas dos dirigentes estudantis previstas no Decreto-Lei 152/91, de 23 de Abril, designadamente quanto a faltas e regime de exames (artigo 8.º, n.º 4).

Os dois primeiros direitos reportam-se à organização do trabalho por conta de outrem, nomeadamente ao horário de trabalho e regime de faltas.

Estamos em matéria dos direitos dos trabalhadores garantidos pelo artigo 59.º, n.º 1, da CRP, designadamente nas suas alíneas b) e d).

Apesar de a atribuição dos referidos direitos não ter as suas razões nos interesses que avultam na área das relações laborais, mas sim nos interesses que prevalecem no domínio ambiental, eles projectam-se naquelas relações jurídicas, sendo por isso direitos dos trabalhadores que simultaneamente são representantes das ONGA nos órgãos consultivos dependentes da administração regional autónoma em matéria de ambiente, o que não lhes faz perder o seu conteúdo exclusivamente laboral.

Por esse motivo a consagração de tais direitos constitui uma intervenção no domínio dos direitos dos trabalhadores, garantidos no artigo 59.º, n.º 1, da CRP, cujo regime constitucional é o dos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.º, n.º 2, da CRP), pelo que tal intervenção encontra-se reservada à Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP, não podendo a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores produzir normas sobre essa matéria.

Nestes termos teria declarado a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 10.º, n.º 2, do Decreto 8/2010, na parte em que remete para os n.os 2 e 3 do artigo 8.º da Lei 35/98, de 18 de Julho, por violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1, alínea a), e 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP.

c) No n.º 4 do artigo 14.º do decreto sob fiscalização, consagrou-se que as auditorias às ONGA «realizam-se na respectiva sede social».

A redacção deste preceito ao não referir tal prática como uma mera possibilidade permite a interpretação de que as auditorias se realizarão obrigatoriamente na sede social das ONGA.

Ora, consistindo os trabalhos deste tipo de auditoria, sobretudo na consulta de documentação, é perfeitamente possível que os mesmos se realizem com uma menor intromissão na vida da associação, nomeadamente mediante a simples apresentação desses documentos, pelo que a exigência de que a auditoria decorra obrigatoriamente na sede das ONGA vai, escusadamente, além daquilo que é necessário para se obter o resultado pretendido, pelo que se mostra violado o princípio constitucional da proporcionalidade, como emanação do Estado de direito democrático.

Nestes termos teria declarado a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 14.º, n.º 4, do Decreto 8/2010, na parte em que prevê que os trabalhos de auditoria decorram na sede social das ONGA, por violação do princípio da proporcionalidade inerente à ideia do Estado de direito democrático, imposto pelo artigo 2.º da CRP.

d) Na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º do decreto sob análise, permite-se que as auditorias de fiscalização das ONGA, inscritas no registo regional, possam ter acesso às fichas dos associados, para verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo ou no quadro de apoio técnico e financeiro.

No artigo 35.º da CRP, consagra-se a protecção dos cidadãos perante o tratamento de dados pessoais.

Um desses instrumentos jurídicos de garantia é a proibição contida no n.º 4 do artigo 35.º da CRP, que, como regra, veda o acesso aos dados pessoais de terceiros, de forma a impedir a sua devassa.

Note-se, contudo, que esta proibição não impede o acesso apenas aos dados íntimos de uma pessoa mas a todos os dados a ela relativos, mesmo que em nada afectem a sua privacidade. O que se pretende preservar é a informação individual de uma pessoa, independentemente de esta respeitar ou não à sua intimidade, prevenindo-se um potencial risco de violação de direitos fundamentais do cidadão, nomeadamente o direito à reserva da intimidade da vida privada (v., neste sentido Helena Moniz, em «Notas sobre a protecção de dados pessoais perante a informática», na RPCC, ano 7, n.º 2, pp. 250-251).

Protege-se o chamado direito à autodeterminação informacional, o qual tem um círculo de aplicação, apenas parcialmente coincidente com o círculo de aplicação do direito à reserva da intimidade da vida privada, e que funciona como direito de garantia deste.

O legislador ordinário, utilizando a liberdade de conformação legislativa concedida no n.º 2 do artigo 35.º da CRP, veio a definir o conceito de dados pessoais (inicialmente na Lei 10/91, de 29 de Abril), e fá-lo, actualmente, através da Lei 67/98, de 26 de Outubro, (a LPDP), em declarada transposição da Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro.

De acordo com o referido diploma legal, entende-se por dados pessoais «qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável ('titular dos dados'); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social» [artigo 3.º, alínea a), da LPDP].

A LPDP «aplica-se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos em ficheiros manuais ou a estes destinados» (artigo 4.º, n.º 1).

Assim, as fichas dos associados das ONGA contêm necessariamente dados pessoais, nos termos do artigo 3.º, alínea a), da LPDP, e, portanto, sujeitos às regras estabelecidas no artigo 35.º da CRP.

Estando nós perante um direito reconhecido constitucionalmente em sede de direitos, liberdades e garantias, qualquer previsão legal que, excepcionalmente, admita um acesso a dados pessoais por terceiros é matéria reservada à Assembleia da República [artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP], pelo que não pode a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores emitir uma norma como aquela que consta da referida alínea.

Assim, independentemente da inconstitucionalidade material que poderia afectar esse regime de excepção à proibição do acesso por terceiros a dados pessoais e que foi declarada pelo tribunal, teria declarado a inconstitucionalidade orgânica desta norma, por falta de competência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores para emitir uma norma como a que consta da alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto 8/2010, por violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 4, 227.º, n.º 1, alínea a), e 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP. - João Cura Mariano.

Declaração de voto

Vencido quanto à pronúncia pela inconstitucionalidade da norma contida na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º do decreto em apreciação (acesso às fichas dos associados). O acesso da auditoria às fichas de associados é um meio adequado à verificação dos elementos (designadamente, o número mínimo e a residência) relevantes para efeitos de registo e reconhecimento ou atribuição dos direitos que disso dependem. Não se vislumbra que das fichas de associado de uma ONGA, em condições de normalidade de organização administrativa interna, possam constar dados sensíveis relativos à actividade da associação ou à vida privada dos seus membros.

Se outros dados a ONGA fizer constar das fichas respectivas, além daqueles que correspondem aos elementos de identificação e localização, será a esse modo de organização, pela qual é responsável, e não à prescrição contida na norma em causa que deve imputar-se a devassa que o acórdão considera comportar risco desnecessário para a privacidade dos associados. Tanto mais que a ONGA sabe, pela própria definição legal do objectivo da auditoria, que se trata de elementos sobre que poderá incidir a fiscalização da administração regional em decorrência da relação especial que com esta voluntariamente estabelece.

Não acompanho, portanto, o juízo de violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito, a que o acórdão chegou. - Vítor Gomes.

Declaração de voto

Dissenti do decidido no n.º 20 do acórdão que fez vencimento (fls. 76 e seguintes), porquanto o parâmetro invocado - artigo 40.º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o seu n.º 1 - releva a seguinte redacção:

«Artigo 40.º

Direitos de antena, de resposta e de réplica política

1 - Os partidos políticos e as organizações sindicais, profissionais e representativas das actividades económicas, bem como outras organizações sociais de âmbito nacional, têm direito, de acordo com a sua relevância e representatividade e segundo critérios objectivos a definir por lei, a tempos de antena no serviço público de rádio e de televisão.

2 - Os partidos políticos representados na Assembleia da República e que não façam parte do Governo têm direito, nos termos da lei, a tempos de antena no serviço público de rádio e televisão, a ratear de acordo com a sua representatividade, bem como o direito de resposta ou de réplica política às declarações políticas do Governo, de duração e relevo iguais aos dos tempos de antena e das declarações do Governo, de iguais direitos, gozando, no âmbito da respectiva região, os partidos representados nas assembleias legislativas regionais.

3 - Nos períodos eleitorais os concorrentes têm direito a tempos de antena, regulares e equitativos, nas estações emissoras de rádio e de televisão de âmbito nacional e regional, nos termos da lei.» Verifica-se, assim, que o n.º 1 do citado artigo 40.º, inequivocamente aponta para a concessão do direito de antena a organizações sociais de âmbito nacional.

Na situação presente, sucede que a associação que está em causa tem tão-só uma esfera de incidência regional, isto é, encontra-se circunscrita à Região Autónoma dos Açores.

Conforme referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, i, p. 443, são nítidas as diferenças entre os três números (do artigo 40.º): «No n.º 1 trata-se de direito de antena em geral; no n.º 2 de direito de antena inerente à oposição; no n.º 3 de direito de antena em especial em razão das eleições e por força do paralelismo entre as duas situações (artigo 10.º, n.º 2), necessariamente em razão dos referendos nacionais e regionais.» Sendo certo que a Constituição da República não define tempo de antena, tendo, no entanto, presente a lição de Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, i, 2007, p. 603, constata-se que possui séria relevância saber se a liberdade de conformação legislativa não estará sujeita aos princípios da efectividade e da optimização desse direito, o que justificará o reconhecimento do exercício do direito de antena em horas comunicativamente úteis («horas de grande audiência»). E acrescentam «além disso, os mesmos princípios sugerem a emissão de tempos de antena no serviço de programas de cobertura nacional» (o itálico é nosso).

Assim sendo, por se encontrar ausente do preceito - artigo 15.º da Lei 35/98 - uma dimensão nacional à respectiva organização social (de protecção do ambiente), cingindo-se o mencionado direito de antena tão-somente à realidade regional, afigura-se-me, salvo melhor opinião, que este preceito não afronta o parâmetro constitucional, pelo que votaria pela sua constitucionalidade, já que não estamos perante matéria reservada dos órgãos de soberania mas sim da competência legislativa da Região Autónoma dos Açores. - J. Borges Soeiro.

Declaração de voto

Votei vencido quanto ao n.º 2 da decisão por entender, no essencial, que a consulta das fichas dos associados, para fins de «verificação dos elementos fornecidos para efeitos de registo ou no quadro do apoio técnico e financeiro», é perfeitamente legítima, não podendo ser posta em causa pela presença de elementos, porventura excessivos (mas que o Tribunal desconhece), delas constantes. A isto acresce, aliás, que é absolutamente irrelevante que o legítimo controlo visado pela consulta seja efectuado pelo acesso às fichas dos associados ou pelo exame de uma listagem contendo os seus nomes e moradas. - Gil Galvão.

Declaração de voto

Vencida quanto ao n.º 2 da decisão: não votei a pronúncia de inconstitucionalidade da norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do decreto.

O Tribunal fundou a sua pronúncia apenas na violação do princípio da proibição do excesso, decorrente do artigo 2.º da CRP. No entanto, de duas uma: ou se entenderia que seria excessiva a medida legislativa por implicar ela uma restrição desproporcionada em certo direito de liberdade, como seja o direito à reserva de intimidade da vida privada ou o direito à protecção de dados pessoais, ou se entenderia que seria excessiva a medida por impor à administração, de forma inelutável, um comportamento concreto também ele excessivo, e, portanto, inconstitucional nos termos do artigo 266.º, n.º 2, da CRP. Apenas neste segundo caso poderia o juízo de inconstitucionalidade viver por si só. No primeiro caso, haveria inevitavelmente, também, juízo de inconstitucionalidade orgânica, visto se estar, então, em pleno domínio de reserva de competência dos órgãos de soberania [artigos 165.º, n.º 1, alínea b), e 267.º, n.º 1, alínea a)], não podendo a Região legislar sobre a matéria.

Não escolheu o Tribunal nem um nem outro caminho, optando por fundar o seu juízo, exclusivamente, na violação do princípio da proporcionalidade.

É certo que a proporcionalidade é um modo devido de actuação do Estado em todas as suas funções, e, dentro da função legislativa, em outras circunstâncias que não apenas as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. Dito isto, no entanto, só será desproporcionada a acção estadual que for intrusiva, não a sendo, à partida, os actos que o legislador adoptar no âmbito da sua liberdade de conformação. Não vejo, na verdade, como pode julgar-se desproporcionada uma acção do legislador que não seja limitada por parâmetros constitucionais outros que não o próprio princípio da proporcionalidade. Qual a limitação que no caso ocorreria, se se entendeu, como se entendeu, que o acesso às fichas não implicaria por si só nenhuma restrição de um direito, liberdade e garantia? A única possibilidade seria, como referi, a de considerar que o legislador havia, aqui, disposto de tal modo que obrigaria a administração a comportamentos concretos inelutavelmente desproporcionados, e, portanto, eles próprios lesivos (por determinação da lei) do princípio contido no artigo 266.º, n.º 2, da CRP.

Não vi que se pudesse demonstrar que tal sucederia - pelos mesmos motivos, aliás, que impossibilitavam a obtenção de uma certeza quanto à violação de direitos de defesa.

Por isso, não votei, quanto a este ponto, a pronúncia de inconstitucionalidade. - Maria Lúcia Amaral.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2010/04/14/plain-272834.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/272834.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1977-11-07 - Decreto-Lei 460/77 - Presidência do Conselho de Ministros

    Aprova o estatuto das pessoas colectivas de utilidade pública.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1991-04-23 - Decreto-Lei 152/91 - Presidência do Conselho de Ministros

    Aprova o estatuto do dirigente associativo estudantil.

  • Tem documento Em vigor 1991-04-29 - Lei 10/91 - Assembleia da República

    Aprova a Lei da Protecção de Dados Pessoais face à Informática e cria a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados.

  • Tem documento Em vigor 1992-08-17 - Acórdão 285/92 - Tribunal Constitucional

    PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA QUE SE EXTRAI DA CONJUGACAO DO ARTIGO 3, NUMERO 1, PARTE FINAL, COM O NUMERO 2 DO MESMO ARTIGO E O NUMERO 6 DO ARTIGO 2 DO DECRETO REGISTADO NA PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS SOB O NUMERO 171/92 (QUE DEU ORIGEM AO DECRETO LEI 247/92, DE 7 DE NOVEMBRO), POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DE DETERMINABILIDADE DA LEI E DA RESERVA DE LEI, DECORRENTES DAS DISPOSIÇÕES CONJUGADAS DOS ARTIGOS 2 E 18, NUMERO 3, POR REFERÊNCIA AO ARTIGO 53, TODOS DA CONSTITUICAO. PRONUN (...)

  • Tem documento Em vigor 1995-08-31 - Lei 83/95 - Assembleia da República

    Define o direito de participação procedimental e de acção popular.

  • Tem documento Em vigor 1998-01-24 - Acórdão 711/97 - Tribunal Constitucional

    Decide pronunciar-se pela insconstitucionalidade das normas do Decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.º 29/97, sobre registo regional das associações de promoção dos direitos das mulheres e regime de apoios a conceder a essas associações, aprovado por aquele orgão em 17 de Outubro de 1997, para ser assinado como decreto legislativo regional, por violação dos artigos 227º, n.º 1, alínea a), 112º, n.º 4, e 228º da Constituição. (Proc. n.º 616/97).

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-07-18 - Lei 35/98 - Assembleia da República

    Define o estatuto das organizações não governamentais do ambiente (ONGA).

  • Tem documento Em vigor 1998-10-26 - Lei 67/98 - Assembleia da República

    Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 95/46/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados. - Lei da Protecção de Dados Pessoais.

  • Tem documento Em vigor 2001-02-23 - Lei 4/2001 - Assembleia da República

    Aprova a Lei da Rádio.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-17 - Acórdão 232/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade do segmento normativo que contém o critério respeitante aos candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores, constante da parte final da alínea a) do n.º 7 do artigo 25.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário.(Pocesso nº 306/2003)

  • Tem documento Em vigor 2003-10-08 - Decreto-Lei 247/2003 - Ministério da Justiça

    Transfere para a Região Autónoma da Madeira as atribuições e competências administrativas que o Ministério da Justiça exerce através da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, em matéria de registos e notariado.

  • Tem documento Em vigor 2004-03-13 - Acórdão 616/2003 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do artigo 3.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro (diploma que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos), limitando os efeitos da inconstitucionalidade.( Proc. nº 340/99 )

  • Tem documento Em vigor 2004-11-04 - Acórdão 589/2004 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 13.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro, relativa à promoção e constituição de associações internacionais em Portugal (Proc. 337/99).

  • Tem documento Em vigor 2005-08-29 - Lei 44/2005 - Assembleia da República

    Lei das associações de defesa dos utentes de saúde.

  • Tem documento Em vigor 2007-02-14 - Lei 8/2007 - Assembleia da República

    Aprova a lei que procede à reestruturação da concessionária do serviço público de rádio e televisão. A Rádio e Televisão de Portugal,SGPS, S.A. passa a denominar-se Rádio e Televisão de Portugal, S.A. e são publicados em anexo os seus Estatutos.

  • Tem documento Em vigor 2007-04-27 - Decreto-Lei 129/2007 - Ministério da Justiça

    Aprova a orgânica do Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN, I.P.), definindo as respectivas atribuições, órgãos e competências.

  • Tem documento Em vigor 2007-05-15 - Acórdão 258/2007 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade [fiscalização preventiva] das normas constantes dos artigos 1.º, n.º 1, segunda parte, 7.º, n.os 1, 10, 12 a 18, 21 a 24, 26, 27, primeira parte, 28 a 31, 32, primeira parte, e 38, este na parte referente à «administração local», 9.º, n.º 1, 10.º, n.os 1 e 2, 15.º a 18.º e 20.º do Decreto n.º 8/2007, sobre Regime das Precedências Protocolares e do Luto Regional, aprovado na sessão de 7 de Março de 2007 da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. (Processo (...)

  • Tem documento Em vigor 2007-07-30 - Lei 27/2007 - Assembleia da República

    Aprova a Lei da Televisão, que regula o acesso à actividade de televisão e o seu exercício.

  • Tem documento Em vigor 2008-02-26 - Decreto-Lei 34/2008 - Ministério da Justiça

    Aprova o Regulamento das Custas Processuais, procedendo à revogação do Código das Custas Judiciais e procede às alterações ao Código de Processo Civil, ao Código de Processo Penal, ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao Código do Registo Comercial, ao Código do Registo Civil, ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 28 de Agosto, à Lei n.º 115/99, de 3 de Agosto, e aos Decretos-Leis n.os 75/2000, de 9 de Maio, 35 781, de 5 de Agosto de 1946, e 108/2006, de 8 de Junho.

  • Tem documento Em vigor 2008-04-22 - Acórdão do Tribunal Constitucional 184/2008 - Tribunal Constitucional

    Decide não declarar a inconstitucionalidade nem a ilegalidade da norma constante do artigo 46.º, n.º 3, do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, na redacção dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro e decide não declara a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 10.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 15/2007. Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória gera (...)

  • Tem documento Em vigor 2009-01-09 - Acórdão do Tribunal Constitucional 632/2008 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade [fiscalização preventiva] da norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do Código do Trabalho, na revisão aprovada pelo Decreto n.º 255/X da Assembleia da República, quando aplicada aos trabalhadores que exercem trabalho indiferenciado.

  • Tem documento Em vigor 2009-01-12 - Lei 2/2009 - Assembleia da República

    Aprova a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, e procede à sua republicação

Ligações para este documento

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