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Acórdão 616/2003, de 13 de Março

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do artigo 3.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro (diploma que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos), limitando os efeitos da inconstitucionalidade.( Proc. nº 340/99 )

Texto do documento

Acórdão 616/2003
Processo 340/99
Acordam em plenário no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República, veio requerer a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 3.º, n.os 1 e 2, 4.º, segunda parte, e 5.º, n.º 4, da Lei 62/98, de 1 de Setembro (diploma que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos).

Estas normas dispõem o seguinte:
"Artigo 3.º
Fixação do montante da remuneração
1 - O montante da remuneração referida no artigo anterior é anualmente fixado, em função do tipo de suporte e da duração do registo que o permite, por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura, ouvidas as entidades referidas nos artigos 6.º e 8.º

2 - Sempre que a utilização seja habitual e para servir o público, o preço de venda ao público das fotocópias, electrocópias e demais suportes inclui uma remuneração cujo montante é fixado por acordo entre a pessoa colectiva prevista no artigo 6.º e as entidades públicas e privadas, com ou sem fins lucrativos, que utilizem aparelhos que permitam a fixação e a reprodução de obras e prestações.

3 - ...
4 - ...
Artigo 4.º
Isenções
Não são devidas as remunerações referidas nos artigos anteriores quando os equipamentos ou os suportes sejam adquiridos por organismos de comunicação audiovisual ou produtores de fonogramas e de videogramas exclusivamente para as suas próprias produções ou por organismos que os utilizem para fins exclusivos de auxílio a pessoas portadoras de diminuição física visual ou auditiva, bem como, nos termos de despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura, por entidades de carácter cultural sem fins lucrativos para uso em projectos de relevante interesse público.

Artigo 5.º
Cobrança
1 - ...
2 - ...
3 - ...
4 - Para os efeitos do disposto no número anterior, serão celebrados acordos entre as entidades interessadas no procedimento, que regularão os modos de cumprimento das obrigações previstas na presente lei.

5 - ...»
O requerente considera que as normas constantes dos artigos 3.º, n.os 1 e 2, e 4.º, segunda parte, da Lei 62/98, de 1 de Setembro, violam os artigos 165.º, n.º 1, alínea i), 103.º, n.º 2, e 112.º, n.º 6, da Constituição da República e que o artigo 5.º, n.º 4, do mesmo diploma viola o disposto nas normas constitucionais dos artigos 103.º, n.º 3, e 112.º, n.º 6.

Para fundamentar o pedido, o requerente desenvolveu uma argumentação que pode sintetizar-se do seguinte modo:

a) A Lei 62/98, de 1 de Setembro, veio determinar, no seu artigo 2.º, que "no preço de venda ao público de todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, electrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras e, bem assim, de todos e quaisquer suportes materiais virgens analógicos das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se incluir-se-á uma quantia destinada a beneficiar os autores, os artistas intérpretes ou executantes, os editores, os produtores fonográficos e os videográficos»;

b) A "quantia» a que se refere a parte final dessa norma assume uma natureza peculiar, porquanto incide indistintamente sobre obras potencialmente protegidas (cf. o artigo 1.º, n.º 1, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos) e situações que se colocam fora do âmbito da legislação relativa ao direito de autor;

c) Esta afirmação pode ser ilustrada com o seguinte exemplo: a "quantia» a que se refere o artigo 2.º da Lei 62/98 é paga com a aquisição de uma cassete de vídeo, independentemente da utilização que lhe venha a ser dada - reprodução de obra protegida ou registo de uma cena doméstica;

d) A "quantia» em causa comporta necessariamente uma componente tributária e corresponde aos elementos utilizados pela doutrina e pela jurisprudência para caracterizar a figura do imposto: é uma prestação pecuniária, unilateral e definitiva, estabelecida por lei e exigida por uma entidade que exerce as respectivas funções tendo em vista a realização de fins de interesse público, desprovidos de carácter sancionatório;

e) Trata-se, com efeito: de uma prestação pecuniária; de uma prestação unilateral, pois que não se vislumbra qualquer contrapartida individualizada, contraprestação específica ou vantagem concedida ao sujeito passivo da relação, não podendo dizer-se que tal vantagem reside na utilização de obras protegidas, porquanto, como se assinalou, tal quantia incide indistintamente sobre obras protegidas e sobre situações colocadas fora do âmbito de protecção do direito de autor; de uma prestação definitiva, não originando qualquer reembolso, restituição ou indemnização; de uma prestação legal e, nessa medida, obrigatória ou coactiva; de uma prestação a favor de uma pessoa colectiva, cujos contornos são algo indefinidos, mas que indiscutivelmente surge investida de poderes de autoridade, exercendo funções públicas em princípio apenas cometidas ao Estado ou a outras entidades públicas, como é o caso da arrecadação e gestão de receitas tributárias, com titularidade em nome próprio desse poder tributário, podendo eventualmente enquadrar-se no conceito de associação pública; de uma prestação de carácter não sancionatório, não estando em causa a tributação de actividades ilícitas, como a utilização ilegal de obras protegidas, pois, como já se assinalou, a prestação é devida mesmo em situações que se encontram fora do âmbito de protecção do direito de autor - e, acrescenta ainda o Provedor de Justiça, se se tratasse de um imposto sancionatório, que visasse suprir a impossibilidade prática de fiscalização do uso ilícito de obras protegidas, tal imposto seria inconstitucional, por corresponder a uma punição automática por via legislativa, contrariando o disposto no artigo 32.º da Constituição;

f) A "pessoa colectiva» referida tem o dever de afectar 20% do total das remunerações percebidas para acções de incentivo à actividade cultural e à investigação e divulgação dos direitos de autor e direitos conexos (artigo 7.º, n.º 1, da Lei 62/98), tendo, por outro lado, o Estado, com a previsão da quantia em apreço, elevado a fim público o objectivo de compensação dos autores e outros intervenientes designados na lei;

g) A caracterização como imposto é reforçada pela anualidade estipulada para a fixação da remuneração devida;

h) E mesmo que se entenda que se trata de uma figura enquadrável no âmbito das receitas parafiscais, sempre estará sujeita ao regime e à disciplina jurídica dos impostos, designadamente ao princípio da legalidade tributária;

i) Ora, no caso em apreço, a figura criada não respeita os princípios da legalidade e da tipicidade em matéria fiscal - artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da Constituição -, porquanto o montante da quantia devida é fixado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura (artigo 3.º, n.º 1), o montante da remuneração a incluir especificamente no preço de venda ao público das fotocópias, electrocópias e outros suportes é fixado por acordo entre a pessoa colectiva gestora da mesma e outras entidades públicas e privadas (artigo 3.º, n.º 2), e o regime dos benefícios fiscais é definido por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura (artigo 4.º, segunda parte);

j) Por outro lado, a liquidação e a cobrança da quantia estabelecida pela Lei 62/98 são feitas através de acordos celebrados entre as entidades interessadas no procedimento (artigo 5.º, n.º 4), em violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 3, e 112.º, n.º 6, da Constituição;

l) Finalmente, as normas em causa - nomeadamente o artigo 3.º, n.º 2, da Lei 62/98 - põem em causa os princípios da certeza e da segurança jurídicas e, potencialmente, o princípio da não retroactividade das leis tributárias.

Nos autos encontram-se dois pareceres jurídicos, juntos pelo requerente, que são subscritos pelo Prof. Doutor Jorge Miranda.

2 - Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e juntou os exemplares do Diário da Assembleia da República contendo os trabalhos preparatórios da Lei 62/98, de 1 de Setembro.

3 - Discutida e fixada a orientação do Tribunal com base em memorando elaborado pelo vice-presidente, por delegação do Presidente, nos termos dos artigos 63.º, n.º 1, e 39.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, cumpre elaborar o correspondente acórdão.

II - Fundamentos
4 - As normas impugnadas integram-se na Lei 62/89, de 1 de Setembro, que visa regular o artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (diploma que, aprovado pelo Decreto-Lei 63/85, de 14 de Março, viu suspensa a vigência dos seus artigos 201.º a 215.º pela Resolução da Assembleia da República n.º 16/85, de 30 de Maio, e foi alterado pela Lei 45/85, de 17 de Setembro, pela Lei 114/91, de 3 de Setembro - que alterou o artigo 82.º -, pelo Decreto-Lei 332/97, de 27 de Novembro, e pelo Decreto-Lei 334/97, de 27 de Novembro).

Este artigo 82.º, com a epígrafe "Compensação devida pela reprodução ou gravação de obras», dispõe, por sua vez:

"1 - No preço de venda ao público de todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, eléctricos, electrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras e, bem assim, de todos e quaisquer suportes materiais das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se incluir-se-á uma quantia destinada a beneficiar os autores, os artistas, intérpretes ou executantes, os editores e os produtores fonográficos e videográficos.

2 - A fixação do montante da quantia referida no número anterior, sua cobrança e afectação serão definidas por decreto-lei.

3 - O disposto no n.º 1 deste artigo não se aplica quando os aparelhos e suportes ali mencionados sejam adquiridos por organismos de comunicação audiovisual ou produtores de fonogramas e videogramas exclusivamente para as suas próprias produções ou por organismos que os utilizem para fins exclusivos de auxílio a diminuídos físicos visuais ou auditivos.»

A figura prevista neste artigo 82.º não tinha correspondência no Código do Direito de Autor anterior ao actual (aprovado pelo Decreto-Lei 46980, de 27 de Abril de 1966). Foi prevista pela primeira vez no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei 63/85, de 14 de Março, no então artigo 83.º, como uma "quantia destinada a beneficiar os autores e os artistas nacionais», que seria "fixada em função do tipo e da qualidade dos aparelhos e suportes por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano, do Comércio e Turismo e da Cultura».

Logo a Lei 45/85, de 17 de Setembro, que produziu a primeira alteração àquele Código, além de alterar a numeração do artigo para a actual, veio, porém, prever que essa quantia se destinaria "a fomentar as actividades culturais e a compensar os autores, os artistas e os produtores fonográficos e videográficos nacionais», tendo a actual redacção da norma - com supressão da referência a finalidades culturais e da restrição em função da nacionalidade e com alargamento dos beneficiários aos editores - sido dada pela referida Lei 114/91, de 3 de Setembro. Por sua vez, o artigo 143.º, n.os 2 e 3, do Código, previa já o dever de comunicação à Direcção-Geral dos Espectáculos e do Direito de Autor das quantidades e suportes materiais para obras fonográficas e videográficas importadas, fabricadas e vendidas (podendo os autores fiscalizar também os armazéns e fábricas dos suportes materiais), por parte dos importadores, fabricantes e vendedores, bem como das quantidades de fonogramas e videogramas prensados ou duplicados, por parte de quem fabricar ou duplicar fonogramas e videogramas.

Interessa ainda referir que, após a entrada em vigor da Lei 62/98, de 1 de Setembro, foi aprovada a Lei 83/2001, de 3 de Agosto, que veio regular a constituição, organização, funcionamento e atribuições das entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos. Neste diploma prevê-se, designadamente, a liberdade de criação dessas entidades (artigo 2.º, n.º 1), a sua caracterização como associações ou cooperativas de regime jurídico privado (artigo 2.º, n.º 2), sujeitas à tutela do Ministro da Cultura, através da Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC) (artigo 24.º), a definição do seu objecto como, entre o mais, "a gestão dos direitos patrimoniais que lhes sejam confiados em relação a todas ou a algumas categorias de obras, prestações e outros bens protegidos» [artigo 3.º, n.º 1, alínea a)] e a imposição às entidades de gestão colectiva do direito de autor de um registo junto da IGAC (artigo 6.º) que lhes permite adquirir a natureza de pessoas colectivas de utilidade pública (artigo 8.º).

Por sua vez, pelo despacho conjunto, da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministro da Cultura, n.º 845/2001, de 7 de Agosto (Diário da República, 2.ª série, n.º 209, de 8 de Setembro de 2001, pp. 15221 e segs.), foi criada a comissão encarregada da avaliação das condições de aplicação da Lei 62/98, de 1 de Setembro (cf. o artigo 8.º desta lei).

Segundo informação obtida junto do Gabinete de Direito de Autor do Ministério da Cultura, foi já constituída a Associação de Gestão da Cópia Privada (AGECOP), mas não foi ainda proferido qualquer despacho dos Ministros das Finanças e da Cultura a fixar o montante da remuneração, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, ou a determinar isenções, nos termos do artigo 4.º, ambos da Lei 62/98, de 1 de Setembro.

5 - A justificação para a previsão desta "quantia» pelo artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos encontra-se, como resulta da própria epígrafe desse artigo, na ideia de "compensação devida pela reprodução ou gravação de obras».

Com efeito, ao autor é atribuído, em exclusivo, "o direito de fruir e utilizar, no todo ou em parte, a obra literária ou artística», compreendendo, nomeadamente, "as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, directa ou indirectamente, nos limites da lei», e constituindo a "garantia das vantagens patrimoniais resultantes dessa exploração [...], do ponto de vista económico, o objecto fundamental da protecção legal» (artigo 67.º, n.os 1 e 2, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos). Tal exploração económica da obra pode fazer-se, "segundo a sua espécie e natureza, por qualquer dos modos actualmente conhecidos ou que de futuro o venham a ser», incluindo, igualmente, a reprodução e a gravação da obra [artigo 68.º, n.os 1 e 2, especialmente as alíneas d), e) e i), do citado Código].

Ora, abrangendo o direito de autor, nesta sua vertente patrimonial, a faculdade de controlar a reprodução e a gravação, por qualquer modo que sejam feitas, a verdade é que a evolução tecnológica das últimas décadas veio a facilitar em muito tais actos, susceptíveis agora de ser realizados em massa sem custo significativo, por particulares, e sem que ninguém deles tenha conhecimento. Verifica-se mesmo uma extrema dificuldade ou, até, impossibilidade prática de o autor controlar quem executa certos actos de reprodução ou gravação ou de se instituir qualquer compensação individualizada impraticável, desde logo, quer pelas exigências burocráticas que implicaria quer por requerer um controlo constante do conteúdo dos documentos copiados - assim, José de Oliveira Ascensão, Direito de Autor e Direitos Conexos, Coimbra, 1992, p. 249 ("é impossível pensar em remunerações individuais»). Assim, "não é possível um controlo sistemático das violações do direito de autor, mas, por outro lado, não pode aceitar-se uma isenção do direito de autor para todos os particulares procedimentos de gravação» (assim, Adolf Dietz, El derecho de autor en España y Portugal, Madrid, 1992, p. 122).

E é esta razão que tem levado os legisladores, incluindo o português, a optar por uma "compensação» ou "remuneração» colectiva dos titulares dos direitos - cobrada por uma entidade que representa os titulares de direitos e depois a reparte -, remuneração, essa, calculada à forfait e, devido à dificuldade de controlo dos actos de reprodução e de gravação, incidente sobre os aparelhos e suportes que possibilitam para tais actos.

Assim, na doutrina salienta-se que a figura prevista no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos tem uma função de compensação pela utilização de processos de reprografia e gravação incontroláveis, salientando-se também a sua ligação às restrições legais dos poderes do autor, designadamente quanto à "cópia privada» - cf. Luiz Francisco Rebello, Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos Anotado, 2.ª ed., Coimbra, 1998, p. 136, anotação ao artigo 82.º (considerando, designadamente, as limitações que o artigo 81.º impõe ao conteúdo do direito de autor, ao consentir a reprodução em determinadas circunstâncias, e salientando que não seria correcto "confundir» essa quantia com uma taxa ou um imposto), J. Oliveira Ascensão, Direito de Autor e Direitos Conexos, pp. 248 e 251 ("contrapartida da reprografia», mas não do uso privado, que estaria fora do direito de autor; "remuneração colectiva a atribuir pela utilização reprográfica duma categoria de obras», mas sendo "o direito à remuneração assim satisfeito através da consagração do que em si é um imposto») e Adolf Dietz, ob. cit., pp. 123 e 127-129 (direito de "remuneração por utilizações massivas incontroladas de obras»; regime "em conexão com as disposições sobre os limites», tal como o caso do direito alemão).

E o mesmo se verifica lá fora, na doutrina - cf., por exemplo, Manfred Rehbinder, Urheberrecht, 9.ª ed., Munique, 1996, pp. 194 e segs., Wilhelm Nordemann, Urheberrecht: Kommentar zum Urheberrechtsgesetz und zum Urheberrechtswahrnehmungsgesetz, 9.ª ed., Estugarda, 1998, pp. 425 e segs. e p. 430, Matias Vallés Rodríguez, Comentarios a la Ley de Propiedad Intelectual, Rodrigo Bercovitz Rodríguez-Cano (org.), 2.ª ed., Madrid, 1997, pp. 533 e segs. - e na jurisprudência: cf. as decisões do Tribunal Constitucional Federal Alemão de 7 de Julho de 1971 (Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, vol. 31, pp. 255 e segs., especialmente a p. 267, caso da reprodução de gravações: Tonbandvervielfältigung), de 11 de Outubro de 1988 (idem, vol. 79, pp. 1 e segs., especialmente a p. 25 - caso da remuneração por cassetes vazias - Leerkassettenvergütung), de 3 de Outubro de 1989 (idem, vol. 81, pp. 12 e segs., caso da proibição de locação - Vermietungsvorbehalt) e, ainda, de 19 de Setembro e de 20 de Outubro de 1996 (decisões/Kopierladen I e II), nas quais se levantou mesmo o problema de saber se, por virtude da garantia constitucional da propriedade (e, em particular, da indemnização por expropriação), o legislador estaria vinculado a compensar a restrição aos poderes de disposição do autor mediante a previsão de uma obrigação de compensação, tendo-se, porém, podido deixar em aberto a resposta a esta questão, por se ter entendido que tal compensação fora efectivamente prevista (a afirmação de que o direito de autor, na sua vertente patrimonial, é igualmente abrangido pelas normas constitucionais sobre a propriedade privada encontra-se igualmente noutras decisões do Tribunal Alemão, como designadamente, no caso Kirchen-Schulgebrauch, in Entscheidungen, vol. 31, pp. 229 e segs.).

A exigência de uma "compensação» pelas excepções ou restrições aos poderes do autor está, aliás, prevista na Directiva n.º 2001/29/CE , do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação (Jornal Oficial, n.º L-167, de 22 de Junho e 2001, pp. 10-19), que, nos termos do seu artigo 1.º, n.º 1, "tem por objectivo a protecção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos no âmbito do mercado interno, com especial ênfase na sociedade de informação». Depois de o artigo 2.º deste instrumento comunitário consignar o dever dos Estados membros de "prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, directas ou indirectas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe, designadamente, aos autores», admitem-se, no artigo 5.º, "excepções e limitações ao direito de reprodução», designadamente, nos termos do n.º 2, alíneas a) e b), deste artigo:

"a) Em relação à reprodução em papel ou suporte semelhante, realizada através de qualquer tipo de técnica fotográfica ou de qualquer outro processo com efeitos semelhantes, com excepção das partituras, desde que os titulares dos direitos obtenham uma compensação equitativa;

b) Em relação às reproduções em qualquer meio efectuadas por uma pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos, desde que os titulares dos direitos obtenham uma compensação equitativa que tome em conta a aplicação ou a não aplicação de medidas de carácter tecnológico, referidas no artigo 6.º, à obra ou outro material em causa;» (Itálicos aditados.)

E, no considerando 35 da directiva, pode ler-se que, "[e]m certos casos de excepção ou limitação, os titulares dos direitos devem receber uma compensação equitativa que os compense de modo adequado da utilização feita das suas obras ou outra matéria protegida», devendo, "na determinação da forma, das modalidades e do possível nível dessa compensação equitativa [...] ser tidas em conta as circunstâncias específicas a cada caso», mas sendo o principal critério da avaliação destas circunstâncias "o possível prejuízo resultante do acto em questão para os titulares de direitos».

Uma compensação semelhante fora já introduzida em vários países da União Europeia, podendo destacar-se, pelo seu papel pioneiro, o caso da lei alemã sobre o direito de autor e direitos conexos (Gesetz über Urheberrecht und verwandte Schutzrechte, ou Urheberrechtsgesetz, de 9 de Setembro de 1965), que, para os casos em que "seja de esperar, segundo o tipo de obra, que ela seja reproduzida», veio prever um "dever de remuneração» adequada, nos §§ 54 e seguintes, a cargo do fabricante e do importador de aparelhos e suportes que sejam reconhecivelmente destinados a tal reprodução - na versão original, de 1965, previa-se apenas uma contribuição pelos aparelhos (uma Geräteabgabe), tendo a remuneração relativamente aos suportes (designadamente, a "compensação por cassetes vazias») e, em certos casos, também por utilizadores particularmente intensivos (Betreiberabgabe, para escolas, universidades, etc.) sido introduzida em 1985. Quanto ao montante da remuneração - que só pode ser exigida, nos termos do § 54h, através de uma sociedade de fruição do direito de autor (uma Verwertungsgesellschaft) -, valem desde 1985, nos termos do § 54d, as regras constantes de um anexo à lei, "se nada tiver sido convencionado em sentido diverso» (o referido anexo fixou os montantes da "compensação»: por exemplo, por cada aparelho de gravação de voz, um montante de 2,50 marcos alemães, por cada aparelho de fixação de imagem, com ou sem som, um montante de 18 marcos, etc.). O regime dessa "remuneração» foi já, aliás, apreciado pelo referido Tribunal Constitucional Federal, quer na sua versão de 1965 (pela citada decisão de 7 de Julho de 1971), quer na versão modificada em 1985 (pela também já referida decisão de 11 de Outubro de 1988), tendo concluído aqui pela inexistência de inconstitucionalidade, por, considerando os montantes previstos e o facto de "o consumo de obras ser um fenómeno de natureza sobretudo imaterial», se ter reconhecido que o legislador alemão, na prognose e no cálculo que efectuou, havia conciliado de forma adequada os interesses em presença (e afirmando-se, na primeira decisão, que a referida "compensação» teria natureza jurídico-privada).

Figuras afins - embora com variações relevantes, quer quanto aos sujeitos devedores quer quanto ao seu alcance e à forma de determinação dos seus montantes - à que está em causa no presente processo existem também em quase todos os países europeus.

Assim, por exemplo, a Lei de Propriedade Intelectual Espanhola (cujo texto refundido foi aprovado pelo Real Decreto Legislativo n.º 1/1996, de 12 de Abril; v., anteriormente, já o Real Decreto 287/1989, de 21 de Março de 1989, e o Real Decreto 1434/1992, de 27 de Novembro de 1992, que desenvolveram o artigo 25.º da Lei 22/1987, de 11 de Novembro, sobre propriedade intelectual) prevê, no artigo 25.º, um "direito de remuneração por cópia privada», "destinada a compensar os direitos de propriedade intelectual que se deixarem de receber em razão da referida reprodução». Essa "remuneração» - ligada expressamente, ao contrário do que acontece no nosso artigo 82.º e na Lei 62/98, à cópia para uso privado - é determinada "para cada modalidade em função dos equipamentos, aparelhos e materiais» idóneos para a reprodução, sendo dela devedores, designadamente, os fabricantes e importadores, e credores os autores, "através das entidades de gestão dos direitos de propriedade intelectual» (n.os 2, 4, 7 desse artigo 25.º). O legislador fixou logo "a importância da remuneração que deverá satisfazer cada devedor», por cada aparelho ou material (artigo 25.º, n.º 5, da citada lei; os n.os 11 a 20 deste artigo 25.º regulam a forma de determinação e pagamento dos montantes devidos por cada devedor).

Na doutrina espanhola tem-se discutido a natureza jurídica desta "remuneração», qualificada por alguns como "obrigação legal de natureza civil» e por outros aproximada mesmo de uma responsabilidade por actos lícitos, afirmando-se a sua "singularidade jurídica», mas dizendo-se, tendo em conta a finalidade do direito em questão, os seus titulares, e o seu modo de exercício, que nenhum destes aspectos revela plenamente um interesse público, mas, antes, um interesse privado concreto, pelo que não seria um verdadeiro tributo (alguns autores não deixam, porém, de salientar que, economicamente, a referida compensação equivale a um "esquema combinado imposto-subsídio» - v. sobre estas posições, Matias Vallés Rodríguez, ob. cit., pp. 535-537, com indicações).

No direito italiano, por sua vez, o decreto legislativo, de 9 de Abril de 2003, n.º 68 (publicado na Gazzetta Ufficiale, n.º 87, de 14 de Abril), que veio efectuar a transposição da referida Directiva n.º 2001/29/CE , introduziu também - num novo artigo 71.º-septies, acrescentado à lei de protecção do direito de autor e de outros direitos conexos ao seu exercício, de 22 de Abril de 1941 - uma "compensação pela reprodução privada de fonogramas e de videogramas», que é constituída, "para os aparelhos exclusivamente destinados à gravação analógica ou digital de fonogramas ou de videogramas, por uma quota do preço pago pelo adquirente final ao revendedor» (para os aparelhos polifuncionais, é "calculada sobre o preço de um aparelho com características equivalentes às do componente interno destinado à gravação, ou, se tal não for possível, por um montante fixo»). Nos termos do n.º 2 deste artigo 71.º-septies, o montante desta compensação - devida, não pelos adquirentes finais, mas pelos fabricantes ou importadores, à sociedade italiana dos autores e editores (que trata da sua repartição) - é "determinado por decreto do ministro para os bens e actividades culturais», tendo, porém, logo o artigo 39.º do referido decreto legislativo n.º 68, de 9 de Abril de 2003, "fixado os montantes até 31 de Dezembro de 2005, e, em todo o caso, até ao decreto a que se refere o artigo 71.º-septies» (por exemplo, (euro) 0,23 por cada hora de gravação, para suportes áudio analógicos, etc.). Anote-se ainda que, segundo os trabalhos preparatórios deste decreto, o cálculo destes montantes terá sido efectuado tomando como base a média europeia dessas quantias e multiplicando-a pela percentagem de mercado dos aparelhos e suportes em causa que não são destinados a usos diversos (por exemplo, para ficheiros ou documentos pessoais).

Na Bélgica, por sua vez, os artigos 55.º e seguintes da lei relativa ao direito de autor e direitos conexos (de 30 de Junho de 1994) prevêem igualmente uma "remuneração» pela cópia privada, "paga pelo fabricante, importador ou adquirente intracomunitário de suportes utilizáveis para a reprodução de obras sonoras e audiovisuais, ou de aparelhos que permitam essa reprodução». Nos termos do artigo 56.º, tal remuneração é fixada por arrêté real decidido em Conselho de Ministros e é calculada em função do preço de venda praticado, tendo as quantias sido, porém, logo fixadas pelo legislador, para o caso de falta de tal arrêté.

Já noutras ordens jurídicas, a lei que veio prever "compensações» semelhantes a estas não veio logo fixar quaisquer montantes. Assim, no direito francês, o artigo 311-1 do Code de la propriété intellectuele (partie législative), na redacção das Leis 98-536, de 1 de Julho de 1998 e 2001-624, de 17 de Julho de 2001), dispõe que "os autores e os artistas intérpretes das obras fixadas em fonogramas ou videogramas, bem como os produtores destes fonogramas ou videogramas, têm direito a uma remuneração a título da reprodução dessas obras», realizada nas condições autorizadas pela lei (nos artigos 122-5 e 211-3, n.º 2). E tal remuneração é também devida aos autores e editores de obras fixadas noutros suportes, em certas condições. Esta remuneração, avaliada de forma forfaitaire (artigo 311-3), é devida pelo fabricante ou importador, e, nos termos do artigo 311-5 "os tipos de suporte, as taxas de remuneração e as modalidades de pagamento são determinados por uma comissão» presidida por um representante do Estado e composta, ainda, por representantes das organizações beneficiárias, dos devedores e dos consumidores. As deliberações desta comissão são publicadas no jornal oficial francês.

6 - Pode, pois, concluir-se que figuras próximas da prevista no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e na Lei 62/98, de 1 de Setembro, se encontram igualmente em legislações próximas da nossa, correspondendo, até, a previsão de uma "compensação adequada» a uma obrigação imposta, nos termos referidos, pela Directiva n.º 2001/29/CE , para o caso de as legislações nacionais preverem determinadas "excepções e limitações» ao direito do autor de controlar a reprodução.

A figura prevista no nosso direito - a que se reportam as normas em questão - apresenta, porém, alguns traços específicos.

Assim, segundo o artigo 2.º da Lei 62/98, "[n]o preço de venda ao público [...] incluir-se-á uma quantia [...]», cindindo-se, nos termos do artigo 6.º da Lei 62/98, a "responsabilidade pelo pagamento das remunerações», que incumbe ao "primeiro adquirente dos aparelhos e suportes em território nacional, desde que estes não se destinem a exportação ou reexportação», da "responsabilidade pela cobrança e entrega à pessoa colectiva» beneficiária, que "incumbe aos fabricantes estabelecidos no território nacional e aos importadores». Estes últimos não são, pois, verdadeiramente os devedores da quantia (como acontece em várias ordens jurídicas europeias), a qual deve, antes, ser paga pelo primeiro adquirente dos aparelhos e suportes. Os fabricantes e importadores são apenas responsáveis pela sua cobrança e entrega à pessoa colectiva, não se verificando, na situação dos adquirentes, apenas a repercussão nestes de uma dívida imposta aos fabricantes e importadores.

Embora o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e o artigo 2.º da Lei 62/98, de 1 de Setembro, se refiram apenas a "uma quantia destinada a beneficiar os autores, os artistas, intérpretes ou executantes, os editores e os produtores fonográficos e videográficos», o artigo 7.º, n.º 1, deste último diploma impõe à pessoa colectiva beneficiária que afecte "20% do total das remunerações percebidas para acções de incentivo à actividade cultural e à investigação e divulgação dos direitos de autor e direitos conexos», apenas o remanescente sendo repartido entre organismos representativos dos autores, dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e videográficos e dos editores, nos termos do n.º 2 do referido artigo 7.º Uma parte, que não pode ser considerada insignificante, das receitas da "quantia» em questão é, pois, afectada desde logo a fins públicos - como as acções de incentivo à actividade cultural -, que transcendem as categorias de beneficiários em causa.

Por outro lado, importa notar que não está em causa, no pedido em análise, a "remuneração» pelos aparelhos de fixação e reprodução, para a qual o n.º 3 do artigo 3.º da Lei 62/98, de 1 de Setembro, logo previu um montante: "3% do preço de venda estabelecido pelos respectivos fabricantes e importadores». Está, apenas, em causa, quanto aos n.os 1 e 2 do artigo 3.º desse diploma, a fixação do montante quanto aos suportes, bem como quanto a fotocópias e electrocópias. Nem tem, sequer, este Tribunal de tratar, no quadro da presente questão de constitucionalidade, da questão da articulação entre os n.os 1 e 3 do artigo 3.º da Lei 62/98, ou da justificação para a previsão de uma quantia tanto sobre os suportes como sobre os aparelhos - cf., a este propósito, a declaração de voto do deputado José Magalhães, in Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 86, de 30 de Junho de 1998, em especial a p. 3006; e, sobre a conveniência de se estender também uma remuneração aos suportes (prevista desde 1985 no direito alemão, no qual, como se disse, também se impõe uma remuneração a grandes utilizadores, como escolas, bibliotecas, etc.), cf. a já decisão citada do Tribunal Constitucional Federal Alemão sobre a "remuneração por cassetes vazias», de 11 de Novembro de 1988, in Entscheidungen..., vol. 79, p. 27 (onde se refere que, caso contrário, não seria assegurado um rendimento pela reprodução e gravação mesmo depois de os níveis de venda de aparelhos estagnarem, continuando, porém, a ser utilizados).

Ora, quanto à "quantia» relativa aos suportes, avulta a circunstância de o nosso legislador não ter previsto, sequer de forma indicativa ou supletiva, nem o "montante da remuneração» em causa nem o intervalo ou o limite dentro do qual esta haverá de situar-se, limitando-se a referir a distinção segundo o tipo de suporte e a duração do registo permitido ("em função do tipo de suporte e da duração do registo que o permite») e remetendo, quanto ao mais, para fixação anual por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura ou por acordo entre a pessoa colectiva beneficiária e as entidades "que utilizem aparelhos que permitam a fixação e a reprodução de obras e prestações». E isto, diversamente do que se propunha, quanto aos suportes de gravação de áudio e vídeo, no artigo 3.º, n.º 1, da proposta de lei 64/VII, que deu origem à Lei 62/98, onde logo se fixava o montante da respectiva remuneração - e embora, quanto às fotocópias, electrocópias e demais suportes, se remetesse já, no proposto n.º 2 do artigo 3.º, para o referido acordo (cf. Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 6, de 16 de Novembro de 1996, pp. 81-83).

Ao questionar este regime, o requerente reconhece que a figura em causa assume características peculiares, incidindo quer sobre situações em que podem vir a estar em causa reproduções de obras potencialmente protegidas, quer sobre situações totalmente estranhas ao regime do direito de autor. E sustenta que a "quantia» em causa tem natureza tributária, correspondendo a um imposto, pois é uma prestação pecuniária, unilateral e definitiva, estabelecida por lei e exigida por uma entidade que exerce as respectivas funções tendo em vista a realização de fins de interesse público, desprovidos de carácter sancionatório.

Antes de prosseguir, cumpre notar, porém, que, mesmo aceitando a qualificação efectuada no pedido, e segundo este, o que está em causa não é propriamente a legitimidade constitucional da previsão de um imposto com a finalidade referida (da "quantia» a que se referem as normas em causa, como imposto), mas antes a forma como ela foi efectuada - rectius, o cumprimento dos requisitos constitucionalmente exigidos para a sua previsão, designadamente a definição por lei dos elementos relativos ao seu montante, às isenções e à liquidação e cobrança, e, concomitantemente, a "insegurança, indefinição e incerteza» da previsão legal em questão.

Irá, pois, analisar-se de seguida os parâmetros constitucionais invocados no pedido.

7 - O requerente fundamenta o pedido na violação das normas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), 103.º, n.º 2, e 112.º, n.º 6, da Constituição - quanto às normas dos artigos 3.º, n.os 1 e 2, e 4.º, 2.ª parte, da Lei 62/98 - e das normas dos artigos 103.º, n.º 3, e 112.º, n.º 6, da Constituição - quanto à norma do artigo 5.º, n.º 4, da Lei 62/98 (se, no artigo 40.º do pedido, se reporta ainda a inconstitucionalidade das normas dos artigos 3.º, n.os 1 e 2, e 4.º, 2.ª parte, da Lei 62/98 à violação do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, no final conclui-se apenas, quanto a essas normas, pela violação dos artigos 165.º e 112.º e do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição).

Importa apurar qual é exactamente o parâmetro constitucional mais adequado para a aproximação ao problema que vem posto pelo requerente. Trata-se, designadamente, de saber se se deverá iniciar a abordagem pela norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), ou pela norma do artigo 103.º, n.º 2, ambas da Constituição.

Na concretização do princípio da legalidade tributária (Steuergesetzämssigkeit), interessa mencionar que, a par da reserva de lei formal, a reserva de lei em sentido material, correspondente ao princípio da tipicidade (Tatbestandsmässigkeit), exige que a lei defina, relativamente a cada imposto, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (cf. o artigo 103.º, n.º 2, da Constituição).

Ora, afigura-se que a primeira questão posta pelo requerente se reconduz especificamente ao confronto com o princípio da tipicidade, porquanto o requerente questiona, em síntese, a circunstância de elementos essenciais de um imposto serem objecto de tratamento por actos de carácter não legislativo (despachos e acordos). Este princípio da tipicidade tem a sua sede própria no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição e não decorre apenas de uma qualquer articulação com a norma sobre a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição]. Na verdade, a segunda parte do artigo 103.º, n.º 2, corresponde a uma concretização do princípio da legalidade, que se relaciona com a assunção, por parte do legislador constitucional, do princípio da reserva de lei fiscal em sentido material - ou seja, com o princípio da tipicidade. Mas não se trata de uma mera refracção ou projecção do princípio da reserva de lei que se contém na norma da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, como se pode concluir, desde logo, porque tal princípio da tipicidade manteria um sentido próprio, ainda que, por hipótese, não existisse na lei fundamental qualquer reserva de lei parlamentar em matéria fiscal.

Iniciar-se-á, pois, a abordagem pelo confronto com o artigo 103.º, n.º 2, da Constituição, que é a norma constitucional específica para o tratamento do problema de constitucionalidade que vem posto ao Tribunal - e não pela norma que prevê a reserva de competência legislativa parlamentar [o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição].

8 - O Tribunal Constitucional já teve de defrontar-se com a densificação do princípio da tipicidade em matéria fiscal, a propósito da contribuição autárquica (Acórdão 358/92, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 23.º vol., pp. 189 e segs.) e também, quanto ao imposto sobre rendimento das pessoas singulares, no Acórdão 57/95 (Diário da República, 2.ª série, n.º 87, de 12 de Abril de 1995); noutros acórdãos, entendeu que tal princípio vale apenas no domínio dos impostos, e não já no âmbito das taxas ou figuras afins (cf. os Acórdãos n.os 274/86, 205/87 e 461/87, publicados, respectivamente, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º vol., pp. 31 e segs., 9.º vol., pp. 209 e segs., e 10.º vol., pp. 181 e segs.).

Suscita-se, assim, antes de mais, o problema da caracterização da "quantia» a que se refere o artigo 2.º da Lei 62/98 - também qualificada como "compensação», no proémio desse artigo, ou como "remuneração», nos artigos 3.º, 4.º e 5.º -, ao dispor que "[n]o preço de venda ao público de todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, electrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras e, bem assim, de todos e quaisquer suportes materiais virgens analógicos das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se incluir-se-á uma quantia destinada a beneficiar os autores, os artistas intérpretes ou executantes, os editores, os produtores fonográficos e os videográficos» (itálico acrescentado).

Como se sabe, existe uma abundante jurisprudência constitucional sobre a noção de imposto, designadamente quanto à sua distinção da taxa, enquanto outra espécie de tributo [cf., para uma resenha, J. Casalta Nabais, "Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria fiscal», in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1993, especialmente a pp. 254 e segs., e Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra, 2003, pp. 24 e segs., e J. M. Cardoso da Costa, "O enquadramento constitucional do direito dos impostos em Portugal: a jurisprudência do Tribunal Constitucional», in Perspectivas Constitucionais. Nos 20 Anos da Constituição de 1976, Jorge Miranda (org.), vol. II, Coimbra, 1997, especialmente a pp. 401 e segs.].

Para extremar a noção de "imposto» constitucionalmente relevante da de "taxa», o Tribunal tem-se socorrido essencialmente de um critério que pode qualificar-se como "estrutural», porque assente na "unilateralidade» dos impostos (cf., por exemplo, os Acórdãos n.os 76/88, 412/89 e 382/94, publicados, respectivamente, no Diário da República, 1.ª série, n.º 93, de 21 de Abril de 1988, e 2.ª série, n.os 213, de 15 de Setembro de 1989, e 208, de 8 de Setembro de 1994), admitindo ainda, porém, como factor adicional de ponderação, que se tome em consideração a "razão de ser ou objectivo das receitas em causa», quer para recusar a certas receitas o carácter de imposto quer como argumento ponderoso para afastar o carácter de taxa a uma dada prestação pecuniária coactiva (elemento, este, finalístico, que transparece, por exemplo, nos Acórdãos n.os 7/84, 497/89 ou 70/92, publicados, respectivamente, no Diário da República, 2.ª série, n.os 102, de 3 de Maio de 1984, 27, de 1 de Fevereiro de 1990, e 189, de 18 de Agosto de 1992).

Esta orientação jurisprudencial não foi, aliás, alterada nos mais recentes arestos sobre a matéria, podendo citar-se, a título exemplificativo, os Acórdãos n.os 558/98 (taxas de publicidade em veículos particulares, in Diário da República, 2.ª série, n.º 261, de 11 de Novembro de 1998), 621/98 (taxas do IROMA, in Diário da República, 2.ª série, n.º 65, de 18 de Março de 1999), 747/98 (direitos compensadores, inédito), 63/99 (taxa de publicidade, in Diário da República, 2.ª série, n.º 76, de 31 de Março de 1999), 307/99 (taxa de radiodifusão, in Diário da República, 2.ª série, n.º 166, de 19 de Julho de 1999), 357/99 (regulamento da taxa municipal de urbanização de Amarante, in Diário da República, 2.ª série, n.º 52, de 2 de Março de 2000), 369/99 (Diário da República, 2.ª série, n.º 58, de 9 de Março de 2000), 370/99 (inédito), 473/99 (Diário da República, 2.ª série, n.º 262, de 10 de Novembro de 1999), 481/99, 512/99 e 581/99 (inéditos), 130/2000 (taxa da peste suína, inédito), 582/99 (regulamento municipal de obras da Câmara Municipal do Porto, inédito), 515/2000 (taxas da Câmara Municipal de Sintra, in Diário da República, 2.ª série, n.º 19, de 23 de Janeiro de 2001), 346/2001 (inédito) e 96/2000 (taxa de publicidade, in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 65, de 17 de Março de 2000), 115/2002 (tabela de emolumentos notariais, in Diário da República, 2.ª série, de 28 de Maio de 2002), 143/2002 (estampilha da Liga dos Combatentes, in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 107, de 9 de Maio de 2002), 273/2002 (inédito), 274/2002, 286/2002 e 305/2002 (inéditos), 308/2002 (tabela de emolumentos notariais, inédito), 306/2002 (tabela de emolumentos do registo predial, inédito), 336/2002 (emolumentos do Tribunal de Contas, in Diário da República, 2.ª série, n.º 237, de 14 de Outubro de 2002), 349/2002 (custas judiciais, in Diário da República, 2.ª série, n.º 264, de 15 de Novembro de 2002) ou 415/2002 (regulamento de obras na via pública da Câmara Municipal de Lisboa, in Diário da República, 2.ª série, n.º 291, de 17 de Dezembro de 2002).

Assim, assinalou-se no Acórdão 143/2002, quanto àquele critério "estrutural»:

"[...] tanto na jurisprudência uniforme do Tribunal, como na orientação unânime da doutrina, um elemento ou pressuposto estrutural há-de, desde logo e necessariamente, verificar-se para que determinado tributo se possa qualificar como uma 'taxa', qual seja o da sua 'bilateralidade': traduz-se esta no facto de ao seu pagamento corresponder uma certa 'contraprestação' específica, por parte do Estado (ou de outra entidade pública). Se tal não acontecer, teremos um 'imposto' (ou uma figura tributária que, do ponto de vista constitucional, deve, pelo menos, ser tratada como tal).

Se se não divisarem características de onde decorra a 'bilateralidade' da imposição pecuniária, nada mais será preciso indagar para firmar a conclusão de harmonia com a qual é de arredar a qualificação dessa imposição como 'taxa'.

Quanto às modalidades de que a 'contraprestação' de uma 'taxa' pode revestir-se, entre elas incluem-se, seguramente, a da prestação de um serviço e a da possibilidade de utilização de um bem semipúblico, a quem ou por quem a paga. Parte da doutrina e, agora, a lei geral tributária (artigo 4.º, n.º 2) acrescentam a modalidade da remoção de um limite (ou obstáculo) jurídico à possibilidade da prática de certa actividade ou gozo de certa situação; mas uma outra parte da doutrina - que o Tribunal tem acompanhado (cf., por último, o citado Acórdão 115/2002) - considera que, nesta última hipótese, só há 'taxa' se a remoção do limite respeitar ao uso de um bem público.»

Por outro lado, a propósito do elemento relativo à "razão de ser ou objectivo das receitas em causa», pode recordar-se o que se afirmou em algumas das citadas decisões relativas à denominada "taxa da peste suína». Assim, nos citados Acórdãos n.os 369/99 e 370/99, por exemplo, disse-se:

"[...] no caso da taxa da peste suína não se está perante uma contraprestação de um serviço prestado, mas antes perante uma forma de financiar uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas em geral ou de uma certa categoria abstracta de pessoas, não se verificando, no caso, os elementos definidores de uma taxa, pelo que o 'tributo' em questão é um imposto ou, pelo menos, tem de ser considerado como se de um imposto se tratasse. O que vale por dizer que não pode deixar de se considerar como integrando a reserva da lei fiscal.»

E no citado Acórdão 473/99 reconheceu-se constituir "objecção de peso» à perspectivação desse tributo como uma verdadeira taxa o facto de "uma das finalidades dessa imposição ser a de custear despesas do Estado que, directamente, não têm uma relação com vantagens imediatas dos a ela sujeitos, ou seja, as actividades ligadas à polícia sanitária, algumas despesas com o pessoal e material e investigação e produção dos meios de luta».

Afirmações semelhantes encontram-se, por exemplo, no citado Acórdão 96/2000, que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas sobre a "taxa» da peste suína.

Saliente-se, ainda, que o Tribunal Constitucional não tem estabelecido distinção, no que respeita à incidência do princípio da legalidade tributária, entre impostos e as chamadas "receitas parafiscais» - cf. o que se parece inferir, ainda que implicitamente, dos Acórdãos n.os 7/84 e 474/99 (cf., no entanto, o Acórdão 20/84, reproduzindo doutrina constante do Acórdão 341 da Comissão Constitucional).

9 - Na doutrina nacional encontram-se também contributos relevantes para a delimitação do conceito constitucional de "imposto». Assim, depois de se definir genericamente o imposto como uma "prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado ou por outros entes públicos, com vista à realização de fins públicos», afirma-se que ele se distingue da figura da taxa pela sua natureza unilateral: o "imposto é uma prestação unilateral, o que significa que ao pagamento do respectivo montante - que é um pagamento definitivo, quer dizer, não dando lugar a uma ulterior restituição - não corresponde nenhuma contraprestação específica por parte do Estado [...] Sendo pois o imposto uma prestação unilateral, não se confunde com outras receitas coactivas do Estado a que falta essa característica. Assim, e desde logo, não se confunde com as taxas, as quais, sendo preços autoritariamente estabelecidos pagos pela utilização individual de bens semipúblicos, têm a sua contrapartida numa actividade do Estado especialmente dirigida ao respectivo obrigado» (J. M. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2.ª ed., actualizada, Coimbra, 1972, pp. 10-11; e cf. ainda "O enquadramento constitucional ...», in ob. cit., pp. 401-402).

Em sentido próximo, escreve-se também, a propósito da noção de taxas, que as mesmas têm "contrapartida numa actividade do Estado especialmente dirigida àquele que está obrigado a pagá-las, pelo que é da sua essência o nexo sinalagmático» (Carlos Pamplona Corte-Real, Curso de Direito Fiscal, I vol., Lisboa, 1982, p. 162), e que o elemento caracterizador das taxas é a sua natureza sinalagmática, que "deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública, ou na utilização de bens do domínio público, ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 1983, pp. 42 e segs.). Escrevendo especificamente sobre o conceito jurídico de taxa, Maria Margarida Mesquita Palha observa que "essencial à definição desta figura é a ideia de um tributo devido por ocasião da prestação de um serviço dirigido directamente ao contribuinte ou da utilização de um bem do domínio público» ("Sobre o conceito jurídico de taxa», in Centro de Estudos Fiscais. Comemoração do XX Aniversário. Estudos, vol. II, Lisboa, 1983, p. 586).

Segundo António Braz Teixeira, "[d]a observação das duas espécies tributárias ressalta que, de um ponto de vista jurídico, o elemento que fundamentalmente as distingue é a existência ou inexistência de uma contraprestação por parte do sujeito activo da respectiva relação, é o carácter unilateral do imposto e a natureza bilateral da taxa, os quais resultam de, num caso, o facto gerador do tributo consistir na mera revelação de determinada capacidade contributiva e, no outro, de tal facto se traduzir numa ocorrência directamente ligada a uma actividade específica do sujeito activo de que beneficia individualmente o sujeito passivo» (Princípios de Direito Fiscal, vol. I, 3.ª ed., actualizada e revista, Coimbra, 1985, p. 43).

Também concedendo relevo à sinalagmaticidade da taxa, salienta-se que "atendendo à diversidade da estruturação legal, o vínculo jurídico de taxa tem por causa a prestação por uma entidade pública de utilidades individualizadas. Quer dizer que a taxa, como, aliás, o preço também, apresenta origem sinalagmática. É este aspecto precisamente que separa com nitidez a taxa do imposto. Porque a taxa tem por causa a realização de uma utilidade individualizada, ela depende de outro vínculo jurídico, o que não acontece com o imposto» (Pedro Soares Martinez, Manual de Direito Fiscal, 3.ª reimp., Coimbra, 1989, p. 35). E Nuno Sá Gomes escreve, a este propósito, "[e]m meu critério, o que caracteriza definitivamente a taxa em face do imposto é o carácter sinalagmático, bilateral, desta última e o carácter unilateral, não sinalagmático, do primeiro» (Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1993, p. 74).

Por seu turno, António Sousa Franco sustenta que, entre outros traços fundamentais, o imposto se caracteriza por ser uma receita unilateral, "pois não existe qualquer contrapartida específica, em virtude de uma relação concreta com bens ou serviços públicos; ele terá apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços públicos estaduais» (Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. II, 4.ª ed., Coimbra, 1992, p. 73). Ao analisar o princípio da legalidade fiscal, Ana Paula Dourado afirma, a propósito das taxas, que, "ao caracterizarem-se pela existência de um vínculo sinalagmático, as taxas pressupõem uma contraprestação pública individualizada, que pode traduzir-se, para o particular, quer numa utilidade quer no pagamento de custos [...] e o montante a pagar não deverá ultrapassar essa contraprestação [...]» ("O princípio da legalidade fiscal na Constituição portuguesa», in Perspectivas Constitucionais, vol. II, Coimbra, 1997, p. 439).

Depois de caracterizar o imposto como uma prestação unilateral, J. J. Teixeira Ribeiro afirma: "[...] logo se vê onde ele se distingue da taxa: também é prestação coactiva; mas já não é prestação unilateral, uma vez que ao seu pagamento corresponde a contraprestação de um serviço por parte do Estado» (Lições de Finanças Públicas, 5.ª ed., refundida e actualizada, Coimbra, 1995, p. 258; cf. ainda "Noção jurídica de taxa», in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 117.º). Aníbal Almeida refere que a figura da taxa detém, "como differentia specifica em relação à figura do imposto, o seu carácter bilateral» (Estudos de Direito Tributário, Coimbra, 1996, p. 62). Também num sentido próximo, Camilo Cimourdain de Oliveira escreve que as "taxas são [...] cobradas em contrapartida da prestação de serviços públicos» (Lições de Direito Fiscal, Porto, 1997, 6.ª ed., p. 107). E Diogo Leite de Campos e Mônica Leite de Campos observam que "o imposto é uma prestação unilateral, no sentido de que ao seu cumprimento não corresponde uma contraprestação específica por parte do Estado», e, mais adiante, que "a distinção entre taxas e impostos estará [...] no carácter bilateral das primeiras, e no carácter unilateral dos impostos» (Direito Tributário, Coimbra, 1996, pp. 26 e 28).

Por seu lado, J. L. Saldanha Sanches define o imposto como "uma prestação pecuniária, singular ou reiterada, que não apresenta qualquer conexão com qualquer contra-prestação retributiva e de que é titular uma entidade pública que utiliza as receitas assim obtidas para a cobertura das suas despesas e que surge quando a lei liga a uma determinada fattispecie um dever de prestar», aludindo, a propósito das taxas, à exigência de um sinalagma (Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1998, p. 13 e pp. 18 e segs.).

José G. Xavier de Basto e António Lobo Xavier entendem que, para a caracterização do conceito de taxa, é essencial identificar a contrapartida pública que anda ligada ao seu pagamento e, por outro lado, a proporção adequada entre o seu montante e o valor do serviço prestado, subscrevendo o conceito de "taxas fiscais» (taxes fiscales), cunhado pela doutrina francesa, e que corresponde a receitas coactivas cobradas a favor do Estado, de colectividades locais ou de organismos públicos administrativos, em razão do funcionamento de um serviço público, sem que o respectivo montante esteja em correlação com esse serviço ("Ainda a distinção entre taxa e imposto: a inconstitucionalidade dos emolumentos notariais e registrais devidos pela constituição de sociedades e pelas modificações dos respectivos contratos», in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXVI, 1994, n.os 1, 2 e 3, especialmente a pp. 6 e segs.). Salientam, ainda (p. 26), que hão-de ter-se por impostos, para o efeito da aplicação do princípio da legalidade tributária, "as receitas coactivas que, cobradas aquando da prestação de serviços públicos individualizados, não se relacionam, na determinação do seu montante, nem com o custo nem com o valor desse serviço, antes com elementos relativos à capacidade contributiva dos utentes».

Por fim, José Casalta Nabais (Direito Fiscal, 2.ª ed., 2003, pp. 20 e segs.), depois de referir a existência de uma "divisão tripartida ou ternária» dos tributos, "que distingue entre impostos, taxas e contribuições ou tributos especiais», afirma-se favorável, "ao menos em sede jurídico-constitucional ou para efeitos jurídico-constitucionais, a uma verdadeira summa divisio, a uma divisão dicotómica ou binária dos tributos, sendo estes, independentemente do nome que ostentam, ou tributos unilaterais que integram a figura dos impostos, ou tributos bilaterais que se reconduzem à figura das taxas». Assim, defende que, "perante um tributo, para sabermos se, do ponto de vista jurídico-constitucional, estamos perante um tributo unilateral ou um imposto, ou perante um tributo bilateral ou uma taxa, o que há a fazer é o teste da sua medida ou do seu critério, estando pois perante um imposto se apenas pode ser medido ou aferido com base na capacidade contributiva do contribuinte, ou perante uma taxa se é susceptível de ser medido ou aferido com base na referida ideia de proporcionalidade» - e acrescenta (nota 38) que, "[e]m rigor há aqui dois testes: o da bi/unilateralidade do tributo e, se neste se concluir pelo seu carácter bilateral, o da sua medida ou critério de justiça, muito embora seja este último teste o decisivo, já que, se a proporcionalidade entre o tributo e a respectiva contraprestação específica estiver ausente, então estaremos perante um tributo cujo regime constitucional não pode deixar de ser o dos impostos». Noutra obra, já observara J. Casalta Nabais que o imposto, do ponto de vista objectivo, é uma prestação pecuniária unilateral, pois não lhe corresponde nenhuma específica contraprestação em favor do contribuinte, definitiva e coactiva (O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra, 1998, p. 224; cf. ainda "Jurisprudência...», in ob. cit., p. 254).

Na doutrina fiscalista está, pois, com algumas variações, assente a ideia de que o conceito de taxa, por oposição ao de imposto, se caracteriza a partir da "bilateralidade» ou "natureza sinalagmática», ou seja, pela existência de uma contraprestação, por parte do Estado ou demais entidades públicas, que justifica o seu pagamento.

Pode notar-se, aliás, a este propósito, que também a lei geral tributária veio determinar, no n.º 2 do seu artigo 4.º, que "as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares».

10 - Como se disse, as normas em apreço levantam, desde logo, o problema da qualificação jurídica da figura a que a Lei 62/98, de 1 de Setembro, se refere como "quantia», "compensação» ou "remuneração», para efeitos de aplicação das disposições constitucionais em matéria fiscal, invocadas pelo requerente.

Em face da jurisprudência deste Tribunal e da doutrina referida, não oferece dúvidas que, de entre as espécies de tributos a que a Constituição faz referência, tal figura não corresponde a uma "taxa» e deve antes ser aproximada do conceito de "imposto» ou de outras figuras - cf. a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, que se refere a "impostos», "taxas» e "demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas».

Na verdade, no caso em apreço não se verifica qualquer das condições - a prestação concreta de um serviço público ou a utilização de um bem do domínio público (ou, sequer, a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares) - que permitam afirmar a bilateralidade que define o conceito de taxa e o extrema dos impostos ou de outro tipo de receitas "parafiscais».

Como afirmou o Tribunal no Acórdão 143/2002 (citado), na esteira de anterior jurisprudência, "se se não divisarem características de onde decorra a 'bilateralidade' da imposição pecuniária, nada mais será preciso indagar para firmar a conclusão de harmonia com a qual é de arredar a qualificação dessa imposição como 'taxa'».

Tal "bilateralidade», disse-o ainda o Tribunal no citado acórdão, "traduz-se [...] no facto de ao seu pagamento corresponder uma certa 'contraprestação' específica, por parte do Estado (ou de outra entidade pública). Se tal não acontecer, teremos um 'imposto' (ou uma figura tributária que, do ponto de vista constitucional, deve, pelo menos, ser tratada como tal)».

Ora, é manifesta a ausência de "bilateralidade» na receita coactiva que é incluída no preço de venda ao público de todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, electrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras e, bem assim, de todos e quaisquer suportes materiais virgens analógicos das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se.

Do pagamento dessa quantia não resulta, nem este pressupõe, qualquer contraprestação - nem ela tem de destinar-se a compensar essa contraprestação -, porquanto, apesar de o proémio do artigo 2.º da Lei 62/98 se referir a uma "compensação devida pela reprodução ou gravação de obras», se é certo que o material adquirido permite a fixação e reprodução de obras protegidas, não pode afirmar-se que o adquirente o utilizará necessariamente para esse fim.

A aquisição de um aparelho de gravação/reprodução de imagens vídeo ou de uma cassete de vídeo ou de uma cassete de áudio não é, pois, acompanhada, por parte do titular dos direitos de autor ou da entidade que procede à gestão colectiva dos mesmos, do fornecimento de uma qualquer contraprestação específica. Antes pode, por exemplo, destinar-se à gravação ou reprodução, para fins profissionais ou particulares, de conjuntos de sinais comunicativos - imagens ou sons, designadamente - que não estão sequer protegidos como obras de autoria alheia. Mas a "quantia» incluída no preço de venda de uma cassete de vídeo virgem - para utilizar o exemplo avançado pelo Provedor de Justiça - é devida mesmo por quem, por exemplo, pretenda proceder à gravação de imagens domésticas e familiares, não utilizando com esse material qualquer obra alheia.

E, do mesmo modo, a circunstância de o preço de quaisquer fotocópias incluir uma "remuneração» destinada aos autores não atende à circunstância de tais fotocópias não terem necessariamente por objecto obras protegidas.

Por outras palavras, a compra de aparelhos ou materiais que permitem a reprodução de obras não implica, nem pressupõe, forçosamente, a utilização de obras protegidas pela legislação relativa aos direitos de autor.

11 - Não pode, por outro lado, acompanhar-se o argumento de que estamos perante uma compensação com uma contrapartida, que, por isso, não se encontra sujeita ao mesmo tratamento jurídico-constitucional dos impostos, não correspondendo a uma contribuição de direito público, mas, antes, a uma obrigação de natureza jurídico-privada, apesar de ter a sua origem directamente na lei. Ou, se preferirmos as palavras do então Ministro da Cultura no decurso do debate parlamentar que levou à aprovação da Lei 62/98, a consideração de que se trata de um "pagamento, ainda que mínimo, do benefício obtido pela pessoa ao fruir a obra objecto de reprodução», resultante de uma relação entre "autor e consumidor da obra» (in Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 48, de 7 de Março de 1997, p. 1717), ou de que se trataria de uma "justa compensação» pelos prejuízos resultantes da permissão de reprodução pelo artigo 81.º do Código do Direito de Autor (assim, Luiz Francisco Rebello, Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos Anotado, cit., p. 136, afirmando ainda que seria errado confundir tal compensação com uma taxa ou com um imposto).

Na verdade, é, desde logo, indubitável que a prestação em causa tem a sua origem numa imposição coactiva, no exercício do imperium estatal, e não num exercício pelo particular da sua autonomia privada nem directamente pelo particular adquirente de aparelhos ou suportes, nem sequer, colectivamente, por seus representantes.

Por outro lado, suscitam-se dúvidas sobre a verdadeira natureza jurídico-privada da "pessoa colectiva» beneficiária, prevista no artigo 6.º da Lei 62/98, considerando, designadamente, a previsão da sua constituição pelo legislador, a sua aparente unicidade ("uma pessoa colectiva» - artigo 6.º, n.º 1), o dever de "organizar-se e agir de modo a integrar como membros os organismos que se venham a constituir e que requeiram a sua integração», em ordem a garantir os princípios da igualdade, representatividade, liberdade, pluralismo e participação, e a sujeição dos litígios sobre a integração de organismos e representatividade dos interesses e direitos a arbitragem obrigatória, "sendo o árbitro presidente designado por despacho do Ministro da Cultura» (artigo 6.º, n.os 3 e 4, da Lei 62/98). Aliás, é também o legislador que determina como devem ser afectadas as receitas resultantes das remunerações (artigo 7.º), instituindo ainda uma "comissão de acompanhamento», "presidida por um representante do Estado designado por despacho do Primeiro-Ministro e composta por uma metade de pessoas designadas pelos organismos representativos dos titulares de direito, por um quarto de pessoas designadas pelos organismos representativos dos fabricantes ou importadores de suportes e aparelhos [...] e por um quarto de pessoas designadas pelos organismos representativos dos consumidores», e sendo estes organismos, bem como o número de pessoas a designar por cada um, determinados por despacho do Ministro da Cultura (artigo 8.º). Justamente por isso se salienta na doutrina, com referência ao artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, a "necessidade de erigir uma entidade simultaneamente pública e privada que assegure a prossecução de todas estas finalidades» referidas acima (Oliveira Ascensão, loc. cit., itálico aditado).

E não deve, ainda, deixar de referir-se que o legislador previu a participação de entidades administrativas e policiais na cobrança e na fiscalização das regras sobre a "quantia» em questão, quer impondo uma obrigação de comunicação à IGAC, nos termos do artigo 5.º, n.º 5, da Lei 62/98, quer cometendo a fiscalização do cumprimento de todas as disposições deste diploma à IGAC e "a todas as autoridades policiais e administrativas».

Seja como for, pode, porém, deixar-se em aberto a exacta caracterização desta "pessoa colectiva» beneficiária da "quantia» em causa, pois ela não é essencial para a sujeição da previsão desta figura às regras constitucionais sobre impostos. Na verdade, se bem que a finalidade dessa "quantia», proclamada pela lei, seja a de "beneficiar os autores, os artistas intérpretes ou executantes, os editores, os produtores fonográficos e os videográficos» (artigo 2.º da Lei 62/98, de 1 de Setembro, e já o artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos), a verdade é que, entre os destinos impostos pela Lei 62/98 (mas não pelo referido artigo 82.º do Código do Direito de Autor, na redacção dada pela Lei 114/91, de 3 de Setembro) para esta "quantia» se encontra também a sua afectação a finalidades que vão além de uma verdadeira remuneração dos autores ou dos outros beneficiários em causa "acções de incentivo à actividade cultural e à investigação e divulgação dos direitos de autor e direitos conexos», nos termos do citado artigo 7.º da Lei 62/98. Isto é, finalidades que "não são finalidades próprias de um grupo determinado, mas finalidades da comunidade, em que Estado, organizações culturais e público estão igualmente interessados» (assim, J. Oliveira Ascensão, Direito de Autor , cit., p. 250). Trata-se, pois, pelo menos numa parte que não é insignificante, de montantes afectos também a finalidades públicas, que transcendem o universo dos titulares dos direitos de autor, indo para além de uma eventual compensação a estes.

Ora, as regras constitucionais sobre a definição dos elementos caracterizadores dos impostos não podem deixar de aplicar-se por existir uma consignação legal das receitas a favor de uma entidade diversa do Estado ou de uma pessoa colectiva de direito público, e que - como será porventura o caso - tenha natureza híbrida, desde que para a prossecução de finalidades públicas.

Acresce - decisivamente - que não podem considerar-se exactos, em face do regime que resulta da Lei 62/98, nem a qualificação da prestação em causa como "compensação», ou "remuneração», por uma contraprestação realizada pelo titular do direito de autor, nem a sua qualificação como ressarcimento de prejuízos causados a este (assim, em face do artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, Adolf Dietz, El derecho de autor, p. 127: "indemnização dos titulares do direito de autor para os casos permitidos pela lei sem a autorização do autor»).

Na verdade, a primeira qualificação assenta necessariamente na ideia de que o adquirente de materiais, equipamentos ou suportes irá fruir ou reproduzir obras protegidas, pois só então poderá existir uma contrapartida. Mas, como se disse, não é forçoso que tal ocorra, podendo os suportes ou aparelhos em questão ser adquiridos e utilizados para fins diversos da reprodução ou gravação de obras protegidas. E, por outro lado, é claro que a eventual possibilidade de se vir a descontar, no cálculo dos montantes da compensação em causa, a percentagem aproximada de mercado dos aparelhos e suportes que não são utilizados para reprodução de obras protegidas como terá ocorrido, conforme se viu, no direito italiano - também em nada alterará a circunstância de, em muitos casos individuais, não existir qualquer contraprestação.

Quanto à ideia de que se trataria de uma reparação por danos causados licitamente - de um caso de responsabilidade por actos lícitos -, verifica-se igualmente a impossibilidade de imputação objectiva de prejuízos a qualquer comportamento do adquirente, desde logo, nos casos em que este não visar reproduzir qualquer obra que seja objecto de protecção autoral.

Na configuração adoptada pelo legislador português, em que os adquirentes dos aparelhos e suportes são, nos termos da lei, os devedores da "quantia» em questão, apenas sendo esta cobrada através dos fabricantes e importadores, também não pode, aliás, dizer-se que esses devedores criem, com o seu acto de aquisição, sequer a possibilidade de ofensa ao direito de autor e que retirem dessa criação ganhos económicos (como fez o Tribunal Constitucional Federal alemão, nas citadas decisões de 1971 Entscheidungen, cit., vol. 31, p. 265 - e de 20 de Outubro de 1996, referindo-se a "ofensas possibilitadas [pelo fabricante ou importador] no direito de exploração do autor que devem ser compensadas ao nível do direito privado»). Antes são devedores pessoas que se limitam a adquirir tais aparelhos ou suportes, possivelmente - e em muitos casos, com certeza - para reproduzir ou gravar documentos e informação diversos de qualquer obra protegida. A simples aquisição desses bens não pressupõe nem cria, pois, ipso facto, uma relação entre "autor e consumidor da obra», para retomar palavras do Ministro da Cultura (loc. cit.), mas o pagamento da quantia é igualmente imperativo - imposto, hoc sensu -, como uma receita coactiva.

12 - Conclui-se, pois, que a prestação pecuniária coactiva prevista no artigo 2.º da Lei 62/98 - e, já antes, no artigo 82.º, n.º 1, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos - não possui a característica de "bilateralidade» que define estruturalmente a figura das taxas.

Pelo que, nesta medida, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional indicada, não é preciso proceder a mais indagações sobre a sua exacta natureza.

Designadamente, é indiferente, na perspectiva do Tribunal, a qualificação precisa da figura em causa como imposto ou como realidade situada no domínio da "parafiscalidade», tratando-se, de qualquer modo, de um tributo que deve ser objecto do tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos (cf., aliás, J. Oliveira Ascensão, Direito de Autor, cit., pp. 248 e 251, com referência ao artigo 82.º do Código do Direito de Autor: "substancialmente um imposto», "consignação do que em si é um imposto»).

E é também despiciendo averiguar, nomeadamente, outras características do conceito de imposto avançadas pelo Provedor de Justiça (prestação definitiva, legal, obrigatória, de carácter não sancionatório), ou determinar os precisos contornos da "entidade» a que se refere o artigo 6.º da Lei 62/98.

Não deixe, aliás, de notar-se que a dúvida sobre a constitucionalidade desta figura se levantou logo durante a própria discussão parlamentar referida (cf., em especial, o relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que incidiu sobre as propostas de lei n.os 57/VII e 64/VII, in Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 27, de 13 de Março de 1997, em especial a p. 408, e cf. também a intervenção do deputado Miguel Macedo in Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 48, de 7 de Março de 1997, em especial a p. 1725).

Pode, assim, concluir-se que, deva ou não ser rigorosamente caracterizada como imposto ou, antes, como receita coactiva "parafiscal», dele próxima, a "quantia» ou "remuneração» prevista na Lei 62/98, de 1 de Setembro, deve ser tratada, do ponto de vista jurídico-constitucional, no quadro da norma do artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República, que determina que caberá à lei determinar a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (e isto, portanto, apenas no plano da tipicidade e da legalidade tributárias, deixando em aberto a constitucionalidade material desta figura, para além destes parâmetros).

Por conseguinte, o montante da remuneração devida - que, grosso modo, se aproxima do conceito de "taxa» do imposto - teria de ser fixado por lei, não podendo sê-lo, como se prevê no artigo 3.º, n.º 1, da Lei 62/98, através de despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura, ou, nos termos do n.º 2 desse mesmo artigo 3.º, através de acordo entre a associação criada pelo artigo 6.º da Lei 62/98 e as entidades públicas ou privadas que utilizem aparelhos que permitam a fixação e a reprodução de obras e prestações.

13 - Cumpre seguidamente analisar se a forma como são atribuídas as isenções previstas na parte final do artigo 4.º da Lei 62/98 por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura, para a aquisição de equipamentos ou suportes "por entidades de carácter cultural sem fins lucrativos para uso em projectos de relevante interesse público» - se mostra desconforme à exigência constitucional do artigo 103.º, n.º 2, nos termos da qual caberá à lei determinar "os benefícios fiscais» (sobre benefícios fiscais relacionados com a propriedade intelectual, ainda que sem relevância directa para a questão sub judice, pode ver-se o Acórdão 1057/96, deste Tribunal, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 272, de 23 de Novembro de 1996).

É certo que esse artigo 4.º remete, ao fixar isenções, para "as remunerações referidas nos artigos anteriores», e que a aplicação prática das isenções das remunerações pressupõe que o regime destas seja aplicável, com um regime de fixação do seu montante - regime, esse, justamente afectado pela conclusão a que se chegou quanto ao artigo 3.º, n.os 2 e 3, da Lei 62/98. Afigura-se, todavia, que não perde utilidade a apreciação da questão da constitucionalidade da norma que prevê isenções, desde logo, atenta a eventualidade de vir a ser expurgada a inconstitucionalidade das normas antes apreciadas.

Ora, não oferece dúvida que a isenção em causa corresponde a um benefício fiscal (cf. o artigo 2.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e, na doutrina, Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Lisboa, 1991, em especial a pp. 101 e segs.). Neste sentido, deve estar prevista na lei, só assim podendo considerar-se respeitado o inciso do artigo 103.º, n.º 2, da Constituição, que se refere aos benefícios fiscais (sobre a projecção do princípio da legalidade nas isenções fiscais, cf., na doutrina, J. L. Saldanha Sanches, ob. cit., pp. 32 e segs.).

Assim, se ao despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura fosse cometido o encargo de definir em abstracto o universo dos sujeitos potencialmente abrangidos pela isenção - por exemplo, dispondo genericamente sobre o que se deveria entender por "entidades de carácter cultural» ou "projectos de relevante interesse público» - a norma em apreço poderia suscitar dúvidas de constitucionalidade.

14 - Entende-se, no entanto, que a norma sub judicio é passível de uma outra interpretação, e que é esta que, por conforme à Constituição, o Tribunal deve preferir.

Na verdade, entende-se que a lei define de forma clara e objectiva o universo dos titulares do benefício fiscal: podem ser objecto de isenção as entidades de carácter cultural sem fins lucrativos para uso em projectos de relevante interesse público (artigo 4.º, segunda parte, da Lei 62/98). Objecto de despacho será, pois, neste entendimento, apenas a mera verificação, no caso concreto, dos pressupostos que dão lugar à isenção tributária, e, designadamente, o interesse público relevante dos projectos a que se destina a aquisição de equipamentos ou suportes. Ao despacho não cabe, assim, proceder a uma determinação genérica dos conceitos definidos na lei, mas tão só aplicá-los aos casos concretos e às situações de vida que sejam colocados com o fim de obter a isenção tributária.

Ora, é manifesto que não cabe à lei tal determinação em concreto, ou, mais precisamente, que não nos encontramos aqui já "no domínio necessário da lei» - para usar a expressão de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 512) - que releva para efeitos do parâmetro constitucional em análise.

Não terá, de facto, de ser a lei - e dificilmente poderá mesmo ser ela - a determinar se a concreta entidade A possui tais características, ou se a entidade B pretende desenvolver um projecto de relevante interesse público para o qual necessite de equipamentos ou suportes, em cujo preço deveria estar incluída uma quantia destinada a beneficiar os autores. Nem é, tão-pouco, viável que seja a lei a enunciar uma listagem de tais entidades, cujo universo é potencialmente ilimitado e insusceptível de ser recortado ex ante.

Necessário - e, neste aspecto, suficiente - é, antes, que a lei defina, com densidade bastante, os critérios a que deve obedecer a atribuição da isenção tributária. E, nesse particular, é manifesto que tais critérios se apresentam claramente definidos na Lei 62/98, não existindo margem para qualquer discricionariedade regulamentar ou administrativa na definição dos elementos essenciais da isenção. Estas normas "contêm conceitos necessariamente genéricos tendo em vista, designadamente, a sua aplicação num horizonte temporal longo» - para usar a expressão que este Tribunal usou no Acórdão 173/2003 (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 122, de 27 de Maio de 2003) -, mas não deixam de possuir uma densidade regulativa suficiente para se poder considerar que nelas se encontram todos os elementos essenciais da isenção tributária.

Por estas mesmas razões, não pode dizer-se que o artigo 4.º da Lei 62/98 vem atribuir a um acto de outra natureza - neste caso, um despacho - o poder de, com eficácia externa, a interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar, em violação do disposto no artigo 112.º, n.º 6, da Constituição.

E, nestes termos, conclui-se que a norma da segunda parte do artigo 4.º da Lei 62/98, de 1 de Setembro, se não mostra desconforme à exigência constitucional do artigo 103.º, n.º 2, da Constituição - nem, por identidade de razão, aos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 112.º, n.º 6, da lei fundamental.

15 - Resta apreciar a conformidade constitucional do artigo 5.º, n.º 4, da Lei 62/98, de 1 de Setembro. Ora, apesar de inserida num artigo que tem como epígrafe "Cobrança», esta norma não trata, em rigor, da liquidação e cobrança da "quantia» prevista no artigo 2.º da Lei 62/98.

Nesse sentido, entende-se que não tem o Tribunal de discutir a questão de saber se a liquidação e cobrança dos impostos ou figuras equiparadas é matéria de reserva de lei, e qual a dimensão ou o alcance de tal reserva: designadamente, se, por um lado, tal reserva equivale a uma reserva de lei parlamentar, ou permite a intervenção, na área de competência legislativa concorrente, de decretos-leis do Governo (cf., neste último sentido, o Acórdão 168/2002, in Diário da República, 2.ª série, n.º 126, de 1 de Junho de 2002), e, por outro, se a reserva cobre todos os aspectos relacionados com a liquidação e cobrança, incluindo aspectos de natureza administrativa que assim ficariam subtraídos à intervenção do Governo através de regulamentos (cf. a parte final do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição).

Nem é, de resto, este o plano em que o requerente situa o problema, porquanto em relação a esta norma do artigo 5.º, n.º 4, não faz intervir o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição, mas antes o n.º 3 do mesmo artigo (o que, note-se todavia, não vincula o Tribunal - cf. o artigo 51.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional).

É certo que, numa certa leitura, a parte final do n.º 4 - "acordos [...] que regularão os modos de cumprimento das obrigações previstas na presente lei» - poderia fazer supor que ela também viria definir, afinal, a forma como os consumidores procedem ao pagamento da "quantia» incluída no preço de venda de certos equipamentos ou produtos.

Mas, manifestamente, não é disso que se trata neste preceito.
Na verdade, as regras relativas à responsabilidade pelo pagamento e à responsabilidade pela cobrança são claramente definidas, respectivamente, nos n.os 1 e 2 do artigo 5.º O modo de cumprimento da obrigação de pagamento de tal "remuneração» ou "compensação» está claramente desenhado na lei: ela é paga pelo primeiro adquirente dos aparelhos e suportes em território nacional, desde que estes não se destinem a exportação ou reexportação (artigo 5.º, n.º 1), e, como se viu, incluída no preço de venda ao público dos bens (artigo 2.º), num montante que será fixado por despacho dos Ministros das Finanças e da Cultura (artigo 3.º, n.º 1) ou por acordo (artigo 3.º, n.º 2), prevendo-se, desde já, em norma cujo alcance não é fácil definir, a fixação de uma "taxa» de 3% (artigo 3.º, n.º 3).

A norma do artigo 5.º, n.º 4, está, antes, em articulação com o número anterior do mesmo artigo, que determina que "os montantes pecuniários referidos no n.º 2 deverão ser pagos trimestralmente, mediante depósito em conta bancária a favor da pessoa colectiva prevista no artigo 6.º» (artigo 5.º, n.º 3). Recorde-se a formulação do artigo 5.º, n.º 4: "Para os efeitos do disposto no número anterior, serão celebrados acordos entre as entidades interessadas no procedimento, que regularão os modos de cumprimento das obrigações previstas na presente lei» (itálico acrescentado).

Entende-se, assim, que esta norma visa tão-só dispor sobre a forma como se processam as relações entre os fabricantes estabelecidos no território nacional e os importadores (que procedem à cobrança), a pessoa colectiva prevista no artigo 6.º e as entidades interessadas no procedimento. É tão-só no domínio do cumprimento das obrigações recíprocas entre essas entidades que se irão celebrar acordos, nos termos do n.º 4 do artigo 5.º

Nesta leitura - que é, aliás, a única susceptível de conduzir a uma interpretação em conformidade com a Constituição, e, por isso, a que este Tribunal deve preferir -, os consumidores/contribuintes são totalmente afastados do âmbito de regulação do n.º 4 do artigo 5.º da Lei 62/98. O problema situa-se antes, a jusante da relação tributária: os acordos previstos na norma em apreço não terão por objecto definir o modo de liquidação ou cobrança do imposto, mas tão-só estipular a forma como, realizada a cobrança, se processarão as relações entre as entidades intervenientes no processo.

Nesse sentido, a norma em apreço não se projecta sobre as garantias dos contribuintes e, não assumindo qualquer natureza fiscal, fica subtraída à incidência do princípio da legalidade tributária. Recorde-se, aliás, que não é no âmbito do princípio da legalidade tributária em sentido estrito - artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da Constituição - que o requerente situa a questão da constitucionalidade da norma sub judicio, mas antes à luz do preceito constitucional que determina que "ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei» (n.º 3 do artigo 103.º da Constituição).

Assente esta conclusão - repete-se: a conclusão de que a norma sub judicio se situa fora da órbita tributária, regulando tão-só as relações internas das entidades que procedem à cobrança, gerem as receitas e representam os autores -, também não se vislumbra fundamento para convocar o problema da segurança jurídica dos contribuintes.

De facto, os acordos para repartição dos proventos auferidos pela aquisição de certos bens, entre as entidades referidas, em nada poderão afectar a posição e os interesses dos contribuintes. De modo algum poderão afectar o princípio da não retroactividade das leis tributárias - pois esses acordos não fixam o montante da compensação nem a forma do seu pagamento. E de modo algum poderão afectar o modo como a prestação é acordada e devida, pois tal prestação é devida nos termos da lei e dos despachos e dos acordos previstos no artigo 3.º - já atrás apreciado. A afectação potencial das garantias dos contribuintes poderia situar-se, isso sim, na norma do artigo 3.º, pela possibilidade de fixação da "taxa» por despacho ou por acordo - e essa norma, como se assinalou, deve ser declarada inconstitucional.

Finalmente, não se vê em que medida esta norma do artigo 5.º, n.º 4, da Lei 62/98 pode violar o artigo 112.º, n.º 6, da lei fundamental, porquanto através dela se não realiza qualquer "deslegalização» em sentido próprio, não atribuindo aquela norma legal a um acto de outra natureza - in casu, um acordo - o poder de a interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar.

E, nestes termos, conclui-se que o Tribunal não deve declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 5.º, n.º 4, da Lei 62/98, de 1 de Setembro.

16 - Não é claro se o regime instituído pela Lei 62/98 já entrou efectivamente em vigor. Mas não é este, de resto, um problema com que o Tribunal Constitucional tenha de se debater. Alcançadas as conclusões precedentes, é apenas necessário ter presente que existem razões de segurança jurídica que justificam a utilização, por parte do Tribunal, da faculdade de restrição de efeitos da inconstitucionalidade que vai declarar, nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da lei fundamental.

Na verdade, a declaração de inconstitucionalidade, com eficácia ex tunc, da norma do artigo 3.º, n.os 1 e 2, da Lei 62/98, de 1 de Setembro, levaria a que, caso o regime deste diploma tivesse produzido efeitos, os adquirentes de milhares de equipamentos ou produtos suportes para reprodução teriam o direito de exigir o reembolso das "quantias» indevidamente pagas.

Mas, desde logo, teriam de fazer a prova de que foram os primeiros adquirentes daqueles bens, pois só esses estão sujeitos ao pagamento (artigo 5.º, n.º 1). Por outro lado, não seria claro a que entidade se deveriam dirigir: ao vendedor, ao fabricante ou importador, à entidade prevista no artigo 6.º da Lei 62/98, às entidades de gestão colectiva dos direitos dos autores. Isso dependeria, em cada caso em concreto, da avaliação do lugar onde, numa cadeia sucessiva, se encontrava a quantia indevidamente paga: no vendedor, no fabricante, na entidade prevista no artigo 6.º ou nos organismos representativos dos autores, dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos ou videográficos ou dos editores. Essa avaliação teria de ser feita caso a caso - potencialmente para muitos milhares de casos -, tudo dependendo da data de aquisição do bem ou do equipamento.

Elementares razões de segurança jurídica aconselham, pois, que este Tribunal limite os efeitos retroactivos da inconstitucionalidade, no uso do poder conferido pelo artigo 282.º, n.º 4, da Constituição da República.

Diferentes são as situações em que o consumidor impugnou já o pagamento da quantia que, em seu entender, pagou indevidamente. Em tais situações, pendentes de impugnação, a restrição de efeitos prevista no artigo 282.º, n.º 4, não deve, naturalmente, operar.

III - Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do artigo 3.º, n.os 1 e 2, da Lei 62/98, de 1 de Setembro, por violação do artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;

b) Não declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 4.º, segunda parte, e 5.º, n.º 4, da Lei 62/98, de 1 de Setembro;

c) Limitar os efeitos da inconstitucionalidade, nos termos do artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, de modo que só se produzam após a publicação do presente acórdão no Diário da República, sem prejuízo das situações entretanto objecto de impugnação.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2003. - Paulo Mota Pinto - Bravo Serra - Gil Galvão - Maria Helena Brito - Maria Fernanda Palma - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos - Artur Maurício - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Mário José de Araújo Torres (vencido nos termos da declaração de voto junta) - Carlos Pamplona de Oliveira (vencido nos termos da declaração do Sr. Conselheiro Mário Torres) - Luís Nunes de Almeida.


Declaração de voto
Votei vencido quanto à decisão de declaração de inconstitucionalidade das normas do artigo 3.º, n.os 1 e 2, da Lei 62/98, de 1 de Setembro, pois entendo que não ocorre violação do artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), preceito que considero inaplicável à "compensação» ou "remuneração» em causa.

1 - Como o precedente acórdão começa por sublinhar - nesta parte merecendo a minha concordância -, a justificação para a previsão de uma "compensação devida pela reprodução ou gravação de obras», estabelecida pelo originário artigo 83.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), aprovado pelo Decreto-Lei 63/85, de 14 de Março, editado no uso da autorização concedida pela Lei 25/84, de 13 de Julho (que passaria a artigo 82.º, na redacção dada pela Lei 45/85, de 17 de Setembro, ao mencionado Código, posteriormente alterado pela Lei 114/91, de 3 de Setembro), foi a de, perante a "impossibilidade prática de o autor controlar quem executa certos actos de reprodução ou gravação, ou de se instituir qualquer compensação individualizada», assegurar a justa compensação aos titulares dessas específicas formas de propriedade privada (autores, artistas, intérpretes, executantes, editores e produtores fonográficos e videográficos), através de uma "compensação» ou "remuneração» colectiva desses titulares de direitos, calculada à forfait, cobrada por um entidade que os representa e que depois a reparte.

É a lei que expressamente refere que a quantia em causa se destina "a beneficiar os autores e os artistas nacionais» (n.º 1 do artigo 83.º da versão originária do CDADC), "a beneficiar os autores, os artistas, intérpretes ou executantes, os editores e os produtores fonográficos e videográficos» (n.º 1 do artigo 82.º da versão actual do CDADC, introduzida pela Lei 114/91, que significativamente eliminou a referência à finalidade de "fomentar as actividades culturais» que constava da redacção do n.º 1 do artigo 82.º na versão da Lei 45/85, que rezava: "quantia destinada a fomentar as actividades culturais e a compensar os autores, os artistas e os produtores fonográficos e videográficos nacionais»).

E, por outro lado, é a própria lei a qualificar a entidade de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos como tendo a natureza de associações ou cooperativas de regime jurídico privado (artigo 6.º, n.º 1, da Lei 62/98, de 1 de Setembro, e artigo 2.º, n.º 1, da Lei 83/2001, de 3 de Agosto).

Visando a "remuneração» em causa compensar os titulares do direito de autor e dos direitos conexos pela utilização por terceiros dessas específicas formas de propriedade privada e revestindo a entidade de gestão colectiva desses direitos natureza privada, não me parece sustentável - salvo o devido respeito pela opinião contrária - que aquela "remuneração» se deva considerar sujeita às exigências que para a criação de impostos são estabelecidas pelo artigo 103.º, n.º 2, da CRP: "Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.»

2 - A "remuneração» em causa é obtida por três formas:
1) Fazendo incidir sobre o preço de venda ao público de todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, electrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras uma taxa que o legislador parlamentar directamente fixou em 3% do preço de venda estabelecido pelos respectivos fabricantes e importadores (n.º 3 do artigo 3.º da Lei 62/98);

2) Fazendo incidir sobre o preço de venda ao público de todos e quaisquer suportes materiais virgens analógicos das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se uma remuneração de montante anualmente fixado, em função do tipo de suporte e da duração do registo que o permite, por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura, ouvidas a entidade de gestão colectiva e a comissão de acompanhamento prevista no artigo 8.º (n.º 1 do artigo 3.º da Lei 62/98); e

3) Fazendo incidir sobre o preço de venda ao público de fotocópias, electrocópias e demais suportes, quando se trate de utilização habitual e para servir o público, de uma remuneração cujo montante é fixado por acordo entre a entidade de gestão colectiva e as entidades públicas e privadas, com ou sem fins lucrativos, que utilizem aparelhos que permitam a fixação e a reprodução de obras e prestações (n.º 2 do artigo 3.º da Lei 62/98).

Quanto à remuneração mencionada no n.º 2), referente a suportes, a proposta de lei 64/VII, que esteve na origem da Lei 62/98, previa, no seu artigo 3.º, n.os 1 e 4, que o montante dessa remuneração seria, nos suportes de gravação de áudio, de 30$00/hora, e nos suportes de gravação de vídeo de 45$00/hora, montantes anualmente actualizáveis por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura. Foi por, no decurso do debate parlamentar, terem surgido dúvidas sobre a constitucionalidade, face ao então artigo 115.º, n.º 5 (hoje, artigo 112.º, n.º 6), da CRP, da permissão de alteração, por despacho ministerial, de estatuições directamente constantes da lei, que acabou por se optar por se confiar a tal despacho a própria definição inicial (e subsequentes actualizações) de tal remuneração (cf. relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, in Diário da Assembleia da República, VII Legislatura, 2.ª sessão legislativa (1996-1997), 2.ª série-A, n.º 27, de 13 de Março de 1997, pp. 407-408; e debate e declarações de voto constantes do mesmo Diário da Assembleia da República, VII Legislatura, 2.ª sessão legislativa (1996-1997), 1.ª série, n.os 48, de 7 de Março de 1997, pp. 1716-1732, e 3.ª sessão legislativa (1997-1998), e 86, de 30 de Junho de 1998, pp. 3005-3007).

Como o precedente acórdão assinala, apenas estão em causa as remunerações tendo por referência os suportes e as fotocópias, pois quanto à concernente aos aparelhos, directamente determinada pela Assembleia da República, nenhuma questão de inconstitucionalidade se coloca.

Mas mesmo em relação àquelas duas primeiras formas de remuneração, entendo que é descabido falar-se em eventual violação do princípio da legalidade tributária, seja na perspectiva formal, seja na perspectiva material, pela razão elementar de que não está em causa nenhum imposto, nem taxa, nem qualquer outro tributo ou receita parafiscal a que se justifique estender o regime constitucional dos impostos. Em suma: não estamos perante "contribuições financeiras a favor das entidades públicas» [para usar a formulação da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP], mas sim perante formas especiais de remuneração pela utilização de bens privados estabelecidas em exclusivo benefício dos titulares desses bens, cuja gestão colectiva, por razões de praticabilidade, é confiada a entes de natureza privada.

3 - A eventualidade de os suportes e fotocópias não servirem, em determinados casos, para reprodução de obras protegidas é uma consequência inevitável da inviabilidade prática de uma remuneração individualizada, que impõe o recurso a métodos de cálculo à forfait, sem que daí derive necessariamente a "publicização» da remuneração, com a sua deslocação do campo das relações privadas, que é o seu próprio, para o âmbito da fiscalidade.

A intervenção do Estado na determinação das remunerações devidas insere-se claramente no exercício da sua função legislativa, regulando relações privadas, acrescendo, aliás, no que à remuneração por fotocópias concerne, que aí a fixação do "preço» é deixado à autonomia privada, através de acordos entre os representantes das entidades envolvidas.

A apertada regulamentação da constituição e funcionamento do ente de gestão colectiva justifica-se ainda pela relevância social da sua actividade, mas não o transforma em entidade pública.

Por outro lado, quanto à alegada atribuição de finalidades públicas a esse ente, impondo-lhe a afectação de 20% do total das remunerações percebidas para acções de incentivo à actividade cultural e à investigação e divulgação dos direitos de autor e direitos conexos (artigo 7.º, n.º 1, da Lei 62/98), dir-se-á que essa previsão - para além de não ser muito conforme com a já aludida eliminação, operada pela Lei 114/91, no artigo 82.º, n.º 1, do CDADC, da referência ao fomento de actividades culturais, introduzida nesse preceito pela Lei 45/85 - também não basta para alterar a natureza jurídica do ente. Acresce que agora está esclarecido, pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea b), da Lei 83/2001, que se trata de actividades de natureza cultural (e social) "que beneficiem colectivamente os seus associados ou cooperadores», designadamente "acções de formação destes, promoção das suas obras, prestações e produtos, e ainda à divulgação dos direitos compreendidos no objecto da sua gestão». Trata-se, pois, de actividades que se inserem no objecto próprio da associação ou cooperativa, em benefícios dos seus associados ou cooperadores, e não da imposição ao ente colectivo da execução de actividades públicas, típicas do Estado.

4 - No precedente acórdão, o Tribunal Constitucional não chegou a tomar posição definida sobre a natureza jurídica do ente de gestão colectiva (questão que "deix[ou] em aberto» - cf. quinto parágrafo do ponto 11), nem sequer sobre a natureza da "remuneração», "compensação» ou "quantia» em causa, limitando-se a referir que bastava concluir que não era taxa, sendo indiferente a qualificação precisa como imposto ou como realidade situada no domínio da parafiscalidade, pois se trataria, "de qualquer modo, de um tributo que deve ser objecto do tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos», daqui derivando a aplicabilidade do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que imporia a fixação pela lei do montante da remuneração devida, sendo inconstitucional a atribuição dessa fixação a despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura ou a acordo entre o ente de gestão colectiva e as entidades utilizadoras dos aparelhos de gravação e reprodução de obras e prestações (cf. n.º 12 do acórdão).

Em suma: mesmo sem proceder à qualificação jurídica precisa da "prestação» em causa e mesmo sem apurar a natureza jurídica do ente colectivo, o Tribunal Constitucional não teve dúvidas em entender aplicável ao caso a norma do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que reserva à lei a criação de impostos e a determinação da sua incidência e taxa, dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes.

Não posso compartilhar deste entendimento.
Entendo, ao invés, que a "remuneração» questionada não constitui receita pública, de que seja beneficiária uma entidade pública, para financiar a prossecução das finalidades públicas postas a seu cargo. Antes constitui uma forma de remuneração da utilização de obras, prestações e outros bens privados protegidos, de que são beneficiários os titulares dos direitos patrimoniais incidentes sobre esses bens, cabendo a sua gestão, incluindo a cobrança dessas remunerações e a subsequente repartição, a uma associação ou cooperativa de natureza privada, justificando-se a intervenção do Estado, a nível legislativo e a nível administrativo, na determinação dessa remuneração pela relevância social das relações jurídico-privadas em causa. - Mário José de Araújo Torres.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/169966.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1966-04-27 - Decreto-Lei 46980 - Ministério da Educação Nacional - Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes

    Aprova e republica em anexo o Código do Direito de Autor.

  • Tem documento Em vigor 1984-07-13 - Lei 25/84 - Assembleia da República

    Concede ao Governo autorização legislativa para definir em geral ilícitos criminais e penas.

  • Tem documento Em vigor 1985-03-14 - Decreto-Lei 63/85 - Ministério da Cultura

    Aprova o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

  • Tem documento Em vigor 1985-09-17 - Lei 45/85 - Assembleia da República

    Altera o Decreto Lei 63/85, de 14 de Março que aprova o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. Republicado em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1989-08-24 - Lei 62/89 - Assembleia da República

    Eleva a povoação de São Pedro da Cova, do concelho de Gondomar, à categoria de vila.

  • Tem documento Em vigor 1991-09-03 - Lei 114/91 - Assembleia da República

    Altera o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março.

  • Tem documento Em vigor 1993-01-26 - Acórdão 358/92 - Tribunal Constitucional

    Decide não declara a inconstitucionalidade nem a ilegalidade dos artigos 12.º, 13.º, n.os 1 e 2, e 14.º, n.os 1, 2 e 3, da Lei n.º 2/92, de 9 de Março, não declara a inconstitucionalidade do artigo 38.º da Lei n.º 2/92, de 9 de Março, e declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma da alínea b) do artigo 50.º da Lei n.º 2/92, de 9 de Março, por violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição (Processo n.º 120/92).

  • Tem documento Em vigor 1997-11-27 - Decreto-Lei 334/97 - Ministério da Cultura

    Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 93/98/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 29 de Outubro, relativa à harmonização do prazo de protecção dos direitos de autor e de certos direitos conexos.

  • Tem documento Em vigor 1997-11-27 - Decreto-Lei 332/97 - Ministério da Cultura

    Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 92/100/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual.

  • Tem documento Em vigor 1998-09-01 - Lei 62/98 - Assembleia da República

    Regula o disposto no artigo 82º (compensação devida pela reprodução ou gravação de obras) do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto Lei 63/85 de 14 de Março, na redacção dada pelas Leis 45/85 de 17 de Setembro e 114/91 de 3 de Setembro. Cria uma comissão de acompanhamento, cuja composição, designação, funcionamento e atribuições são definidas neste diploma. Atribui à inspecção Geral das Actividades Culturais, bem como a todas as autoridades policiais e administrativas a com (...)

  • Tem documento Em vigor 2000-03-17 - Acórdão 96/2000 - Tribunal Constitucional

    Declara inconstitucionais, com força obrigatória geral, por violação da alínea o) do artigo 167º, conjugada com o nº 2 do artigo 168º, um e outro da versão originária da Constituição, as normas constantes do artigo 1º do Decreto-Lei nº 547/77, de 31 de Dezembro (actualização da taxa sobre a importação da carne de suíno para o território metropolitano) e do artigo 1º do Decreto-Lei nº 19/79, de 10 de Fevereiro, limitando a produção de efeitos desta declaração por forma a não serem afectadas as liquidações nã (...)

  • Tem documento Em vigor 2001-08-03 - Lei 83/2001 - Assembleia da República

    Regula a constituição, organização, funcionamento e atribuições das entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos.

  • Tem documento Em vigor 2002-05-09 - Acórdão 143/2002 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 275-A/93, de 9 de Agosto, restringindo-se os efeitos da inconstitucionalidade por forma que os mesmos só se produzam após a publicação deste acórdão no Diário da República. (Processo 508/98).

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2010-04-14 - Acórdão do Tribunal Constitucional 119/2010 - Tribunal Constitucional

    Decide pronuncia-se pela inconstitucionalidade de normas do Decreto n.º 8/2010, da Região Autónoma dos Açores, sobre questões relativas ao ambiente e desenvolvimento sustentável (Processo n.º 157/10)

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