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Acórdão 34/2010, de 25 de Fevereiro

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Sumário

Decide declarar extinto procedimento contra-ordenacional relativo ao incumprimento do dever de reflectir nas contas da campanha eleitoral para as eleições legislativas, realizadas no dia 20 de Fevereiro de 2005, determinadas receitas e despesas referentes a acções de propaganda política.

Texto do documento

Acórdão 34/2010

Acta

Aos vinte e seis dias do mês de Janeiro de dois mil e dez, achando-se presentes o Excelentíssimo Conselheiro Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmos.

Conselheiros Maria João da Silva Baila Madeira Antunes, Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, João Eduardo Cura Mariano Esteves, Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro, Vítor Manuel Gonçalves Gomes, Ana Maria Guerra Martins, José Manuel Cardoso Borges Soeiro, Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, Maria Lúcia Amaral, Benjamim Silva Rodrigues e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, foram trazidos à conferência os presentes autos, para apreciação.

Após debate e votação, foi ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o

seguinte:

I - Relatório. - 1 - No âmbito dos presentes autos, instaurados ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.103.º-A da LTC para conhecimento de factos subjectivamente supervenientes à apreciação das contas da campanha eleitoral para as eleições legislativas realizadas no dia 20 de Fevereiro de 2005, veio o Ministério Público em 9 de Dezembro de 2009, na sequência da vista que lhe foi concedida nos termos previstos no referido preceito legal, promover em suma o seguinte:

«A. Factos:

1 - Decorre dos elementos probatórios coligidos nos autos que:

Durante o período da campanha eleitoral para as Eleições Legislativas, realizadas em 20 de Fevereiro de 2005, foram efectuadas, no Brasil e tendo em vista o Círculo de Emigração de Fora da Europa, várias acções de propaganda política no âmbito da candidatura do Partido Socialista, envolvendo meios financeiros com alguma expressão financeira e que não estão reflectidas nas contas da campanha eleitoral em causa, entregues, por este Partido, no Tribunal Constitucional.

Estamos, pois, perante factos supervenientemente conhecidos e autónomos dos já verificados e sancionados no âmbito do processo normal de prestação das contas da campanha eleitoral para essas eleições, no que ao Partido Socialista diz respeito.

2 - Concretamente, essas acções de propaganda realizaram-se no Estado e cidade do

Rio de Janeiro e traduziram-se na:

a) Contratação de 30 programas de rádio, em diversas emissoras na cidade do Rio de Janeiro, com, pelo menos, quatro inserções do anúncio de propaganda por programa, sendo o texto do anúncio do seguinte teor (que se encontra documentado no CD-R

junto aos autos):

"Você quer um Consulado de Portugal moderno e eficiente, Você quer a dignificação do emigrante português, Se você quer ser tratado com igualdade com os portugueses residentes em Portugal, Se você quer ser um cidadão português no pleno uso dos seus direitos...

Então vote em quem vai governar Portugal.

Por Portugal e pelos portugueses vote no Partido Socialista. Vote PS.

Vote em Aníbal Araújo e Vítor Ramos";

b) Divulgação diária de propaganda, paga, na Rede de Televisão Bandeirantes, conforme vídeo documentado no DVD-R junto aos autos, e cujo texto do anúncio é:

"Você é emigrante português que vota nas eleições de 20 de Fevereiro? Vote no Partido Socialista para continuar a luta pelas comunidades.

Vote Aníbal Araújo, Vítor Ramos e José Lello pedem o seu apoio.

Por Portugal e pelos portugueses vote no PS, partido que defende o emigrante";

Sublinhe-se que as imagens que servem de suporte ao anúncio, se referem, a uma refeição em que participam muitas pessoas, refeição essa, porém, que contou, ainda, com a presença do Sr. Engenheiro José Manuel Lello Ribeiro de Almeida, José Lello, durante as quais surgem os símbolos que identificam o PS.

c) Contratação e colocação de propaganda em vários autocarros, na cidade do Rio de Janeiro, de que a fotografia de fls. 150 constitui exemplo, e onde se pode constatar que, na parte posterior de um autocarro, que circula com matrícula do Rio de Janeiro, se encontra um anúncio com o seguinte texto:

"Por Portugal e Pelos Portugueses no Brasil Vota Partido Socialista" (seta a indicar o símbolo do PS)

"Continua a luta pelas Comunidades

Aníbal Araújo com José Sócrates e José Lello"

(com as fotografias de José Sócrates, Aníbal Araújo e José Lello);

d) Contratação de transporte, de avião, sobrevoando as praias do Rio de Janeiro, de faixas com conteúdo de propaganda a favor da candidatura do PS;

e) Montagem de uma central telefónica, utilizada para contactar potenciais eleitores, convidando-os a votarem no Partido Socialista, e, ainda, de uma frota para transportar os votos dos eleitores, das residências destes até aos correios, onde eram despachados

por essa via.

B. Enquadramento dos factos e enumeração de circunstâncias que relevam na apreciação dos mesmos, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova.

3 - Importa, aqui, esclarecer que Aníbal Araújo (Aníbal de Oliveira Araújo), a que se referem os suportes publicitários a que se acabou de fazer referência, foi cabeça de lista do Partido Socialista nessas eleições, para o Círculo de Fora da Europa, a convite de do Sr. Engenheiro José Manuel Lello Ribeiro de Almeida, coordenador da campanha eleitoral do PS para as legislativas de 2005 e mandatário do Partido Socialista no Círculo Eleitoral da Europa e no Círculo Eleitoral de Fora da Europa.

Por sua vez, Vítor Ramos (Fernando Vítor Ramos da Silva Serra), era o segundo candidato da lista do PS para esse mesmo Círculo Eleitoral.

4 - De salientar, também, o ofício/carta, datado de 28 de Janeiro de 2005, assinado por Oliveira Nunes, coordenador desta mesma campanha eleitoral, do Partido Socialista no Rio de Janeiro, dirigido aos "Radialistas" Luso-Brasileiros, autorizando a inserção na rádio dos anúncios de propaganda do PS, de quarenta e cinco segundos cada, quatro vezes por programa, nos fins de semana de 29/30 de Janeiro, de 5/6 de

Fevereiro e de 12/13 de Fevereiro, de 2005.

Como se pode ler no referido ofício/carta, do coordenador do PS, no Rio de Janeiro, para estas eleições (cf. fls. 149 dos autos), por cada programa seria paga a quantia de quatrocentos reais, pagamento esse que deveria ser agendado com a "Sr.ª Linda", pelo

telefone n.º 2495/9163.

5 - Ora, após diligências efectuadas pela Polícia Judiciária (PJ), através de pesquisas livres na Internet, (cf. fls. 101), apurou-se que esse número de telefone pertence, de facto, ao Partido Socialista no Rio de Janeiro, Brasil, com morada na R. Gildásio Amado, 55 Salas 1501 a 1504, Edifício Centro da Barra, Barra da Tijuca, Rio de

Janeiro.

Esta é, pois, a morada da sede do PS no Rio de Janeiro (fls. 103), sendo que o edifício, em que a mesma se situa, pertence a Licínio Soares Bastos, filho de Desidério Bastos, Presidente de Honra da Secção PS do Brasil (ver fls. 105), entretanto falecido.

6 - Sublinha-se, ainda, que Licínio Soares Bastos veio, mais tarde, a ser nomeado, por despacho de 16 de Maio de 2006, do Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, António Fernandes da Silva Braga, para o cargo de cônsul honorário de Portugal em Cabo Frio, Brasil, consulado este criado uns dias antes, por despacho de 3 de Maio de 2006, do Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

No entanto, por despacho de 3 de Setembro de 2007, proferido pelo Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, foi revogada a sua nomeação para tal cargo, após conhecimento público de notícias do envolvimento de Licínio Bastos na chamada

"Operação Furacão".

A investigação realizada no âmbito deste processo, que, no Brasil, desmantelou uma rede de jogo ilícito, de branqueamento de capitais e de corrupção, veio a colocar Licínio Bastos como um dos principais suspeitos pelo que este, depois de ter andado foragido à justiça, acabou por vir a ser detido no âmbito da mesma investigação.

7 - Destaca-se, também, que o subscritor da mencionada carta aos "Radialistas", Oliveira Nunes, de seu nome completo, Francisco José de Oliveira Nunes, foi membro do Secretariado do Partido Socialista no Rio de Janeiro, desempenhando, à data dos factos, o cargo de Presidente da Comissão Política da Secção do PS no Rio de

Janeiro.

Ora, na altura dos factos em apreciação, o Sr. Oliveira Nunes apresentava-se como coordenador da campanha do PS no Rio de Janeiro e era publicamente reconhecido

como tal.

8 - Não pode, por isso, deixar de se manifestar alguma estranheza, senão mesmo completa estupefacção, com o depoimento do Sr. Eng. José Lello, bem como do esclarecimento prestado a fls. 276 pelo PS, sobre os factos atrás apontados.

Com efeito, de ambos os esclarecimentos prestados pretende-se - embora se não veja, concretamente, como, perante indícios tão concludentes - que resulte que o Sr. Eng.

José Lello se terá deslocado, apenas em viagem privada ao Brasil, circunscrita a amigos, concretamente, ao Rio de Janeiro, no fim de semana de 22 e 23 de Janeiro de

2005.

No entanto, nessa mesma altura - e de forma pouco ou nada consentânea com o carácter privado de tal visita -, esteve presente num jantar de aniversário em Niterói, numa visita a uma associação, foi entrevistado por uma rádio da comunidade local e

por um programa de televisão local.

9 - Por outro lado, o Sr. Aníbal Araújo, cabeça de lista do PS para o Círculo Eleitoral de Fora da Europa, no depoimento que prestou, refere expressamente que, durante os meses de Janeiro e Fevereiro de 2005, se deslocou ao Brasil, Canadá e Estados Unidos da América para acções de campanha, entrevistas, encontros com militantes, dirigentes associativos e comunidade emigrante em geral, tendo sido acompanhado pelo Sr. Eng. José Lello. Será, então, possível que o Sr. Aníbal Araújo estivesse em viagem oficial da campanha, mas o Sr. Eng. José Lello em mera viagem particular? Possível, será, mas tal argumentação afigura-se como pouco credível.

Acresce, que, relativamente às acções de propaganda aqui em análise, menciona o Sr.

Aníbal Araújo, ter constatado, "in loco", a sua existência/ocorrência, pelo que não põe,

sequer, em causa, a sua realização.

10 - Também o Sr. Carlos António Páscoa Gonçalves, pessoa que participou os factos aqui em apreciação ao Partido Social Democrata, e que foi eleito deputado nas eleições legislativas em causa, por este mesmo Partido, para o Círculo Eleitoral de Fora da Europa, no depoimento que prestou, mencionou ter tido conhecimento directo de todas as denunciadas acções de campanha, com excepção das faixas transportadas por avião, e que, no período de tempo compreendido entre 20 de Agosto de 2004 e 20 de Fevereiro de 2005, ou seja, nos seis meses imediatamente anteriores à data do acto eleitoral (cf. artigo 19.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20/06), o Sr. Eng. José Lello, assim como o Sr. Aníbal Araújo, estiveram várias vezes no Rio de Janeiro.

C. Responsabilidade contra-ordenacional.

11 - Da análise efectuada aos elementos probatórios coligidos nos autos, resulta, pois, inequívoca, a nosso ver, a ocorrência das acções de campanha aqui denunciadas, com o intuito de promover a candidatura do Partido Socialista nas Eleições Legislativas de 2005, no Círculo Eleitoral de Fora da Europa.

Destaca-se a referência inequívoca, em todas as acções de campanha, ao Partido Socialista, a José Sócrates e aos dois candidatos do PS no Círculo Eleitoral de Fora da Europa, Aníbal Araújo e Vítor Ramos, bem como a José Lello, destacado dirigente do PS, bem conhecido junto das comunidades portuguesas na emigração, nomeadamente do Brasil, onde granjeou várias amizades e contactos, sobretudo no Estado e cidade do Rio de Janeiro, desde o tempo em que desempenhou as funções de Secretário de

Estado das Comunidades Portuguesas.

12 - Acresce que, sempre que foi utilizado o meio gráfico para a propaganda, a imagem é acompanhada do símbolo oficial do Partido Socialista e das fotografias dos

enunciados dirigentes e candidatos do PS.

13 - Por outro lado, importa sublinhar que todas estas acções de propaganda não

foram ocasionais ou fortuitas.

Pelo contrário, tiveram uma incidência temporal reiterada, perduraram por vários dias ao longo do período da campanha eleitoral em causa, com especial incidência nos

meses de Janeiro e Fevereiro de 2005.

14 - Estamos, pois, sem margem para dúvida, perante acções de propaganda, organizadas por quem estava à frente da estrutura do Partido Socialista no Estado e cidade do Rio de Janeiro, em nome do Partido Socialista e com o conhecimento dos seus dirigentes locais e nacionais, nomeadamente, do seu mandatário para as Eleições Legislativas 2005, no Círculo Eleitoral da Europa e no Círculo Eleitoral de Fora da

Europa, Sr. Eng. José Lello.

15 - Convém, aqui, relembrar que as imagens, que servem de suporte ao anúncio de propaganda do PS, divulgadas na Rede de Televisão Bandeirantes, documentadas no DVD junto aos autos, cujo texto transcrevemos anteriormente (pág.2), com forte apelo ao voto no PS e nos seus candidatos para o Círculo Eleitoral de Fora da Europa, são de uma refeição com muitas pessoas, com a presença destacada do Sr. Eng. José Lello, e com a focagem inequívoca em símbolos que identificam o PS, ao mesmo tempo que o anúncio expressa o pedido de apoio, do Sr. Eng. José Lello ao voto no PS e nos

seus candidatos.

16 - É, assim, notório e óbvio que o conjunto de acções de propaganda, aqui em apreciação, teve como intuito beneficiar a candidatura do Partido Socialista, não podendo este Partido alhear-se, agora, das mesmas, invocando, nomeadamente, o facto de se terem desenrolado fora do território nacional.

17 - Com efeito, mesmo que a iniciativa destas sucessivas acções tenha pertencido a terceiros, como também é alegado pelo PS, o certo é que as acções foram realizadas em nome do Partido Socialista, com o conhecimento dos seus responsáveis locais e nacionais, nomeadamente, do mandatário do PS para o Círculo Eleitoral onde as mesmas decorreram e com a participação dos referidos responsáveis em muitas dessas

acções e iniciativas.

Aliás, a candidatura do Partido Socialista não repudiou tais acções; pelo contrário, aceitou-as e delas beneficiou eleitoralmente.

18 - Por todas estas razões, as despesas decorrentes das acções de propaganda melhor especificadas na Parte A desta promoção, não podem deixar de ser imputadas

à candidatura do Partido Socialista.

Porém, tais despesas não foram reflectidas nas contas da campanha eleitoral para as Eleições Legislativas de 2005, apresentadas pelo PS no Tribunal Constitucional.

De igual modo, das contas apresentadas nada se infere quanto às receitas da campanha

que tenham custeado tais acções.

19 - Como tal, as contas de campanha não identificam as receitas, nem as despesas associadas a estas acções de campanha, o que coloca em causa a fidedignidade das contas apresentadas e a possibilidade de o Tribunal fiscalizar o cumprimento dos limites das despesas estipulados no artigo 20.º, o que viola o disposto no artigo 15.º, n.º 1,

ambos da Lei 19/2003, de 20/06.

20 - Outrossim, o incumprimento do dever de reflectir as receitas e despesas, relativas a estas acções de campanha, nas contas da campanha entregues no Tribunal Constitucional, vem frustrar o controlo efectivo do cumprimento das regras de financiamento e de organização das contas da campanha apresentadas, em violação do dever genérico de organização referido no artigo 12.º, n.º 1, bem como nos n.º s 4 e 7 (que impõem a inclusão de todas as receitas da campanha nas respectivas contas), do mesmo artigo 12.º, aplicável por força do artigo 15.º, n.º 1, parte final, todos da Lei n.º

19/2003.

21 - Ora, o Partido Socialista, dada a experiência que detém na realização de sucessivos actos eleitorais, não podia desconhecer a importância e relevância do cumprimento destes deveres para a comprovação das contas da campanha e do seu financiamento, nem que o seu incumprimento é expressamente sancionado pelo artigo

31.º, n.º 2, da Lei 19/2003.

Consequentemente, o incumprimento dessas obrigações deve ser imputado ao Partido Socialista, a título de dolo, atenta a ausência de motivos justificativos em contrário.

22 - Pelo que, promovemos, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 2, parte final, da Lei 28/82, de 15/11, (Lei do Tribunal Constitucional), que, pelos ilícitos contra-ordenacionais atrás especificados, seja aplicada ao Partido Socialista a coima correspondente, estabelecida pelo artigo 31.º, n.º 2, da Lei 19/2003, a graduar em conformidade com os critérios gerais decorrentes do preceituado no artigo 18.º do Regime Geral das Contra-ordenações (DL n.º 433/82 de 27/10)».

2 - Notificado da promoção do Ministério Público, veio o Partido Socialista

responder-lhe nos seguintes termos:

"O Partido Socialista (PS), com sede no Largo do Rato, n.º 2 em Lisboa, notificado para responder à promoção do Ministério Público proferida nos autos de apreciação das contas da campanha eleitoral para as eleições legislativas realizadas em 20 de Fevereiro de 2005, à margem identificados, vem expor o seguinte:

1 - Pelo Acórdão 563/2006, o Tribunal Constitucional apreciou e julgou prestadas as contas apresentadas pelo Partido Socialista relativas à campanha eleitoral para as legislativas realizadas em 20 de Fevereiro de 2005.

2 - No âmbito dessa apreciação considerou o Tribunal verificadas determinadas irregularidades e ilegalidades, devidamente discriminadas a fls. 78 a 79 do Acórdão n.º

563/2006.

3 - Reconhecendo esse Acórdão a existência de casos de violação de determinados deveres estipulados pela Lei 19/2003, ordenou-se a notificação do Ministério Público, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 43.º da Lei Orgânica 2/2005,

para promoção das respectivas coimas.

4 - Pelo Acórdão 417/2007, o Tribunal Constitucional entendeu aplicar uma coima ao Partido Socialista no montante de (euro) 21.357,90.

5 - Paralelamente, pelo Acórdão 405/2009, veio o Tribunal Constitucional a aplicar uma coima ao Mandatário Financeiro no montante de (euro) 1.100.00.

6 - Os Acórdãos em causa foram proferidos no âmbito de um processo especial de apreciação e fiscalização das contas das campanhas eleitorais, regulado pela Lei 19/2003, de 20 de Junho e pela Lei Orgânica 2/2005 de 10 de Janeiro.

7 - Como é sabido este processo especial comporta duas fases: na primeira o Tribunal aprecia a regularidade e legalidades das contas, na segunda, procede à aplicação de coima sempre que as ilegalidades são susceptíveis de aplicação de coima.

8 - A aplicação de coima não pode ser efectuada sem que o Tribunal tenha previamente considerado verificada determinada irregularidade/ilegalidade.

9 - Efectivamente, conforme se estabelece no n.º 1 do artigo 23.º da Lei 19/2003, as contas das campanhas eleitorais são apreciadas pelo Tribunal Constitucional que se pronuncia sobre a sua regularidade e legalidade.

10 - Só após essa pronúncia é que o Ministério Público pode promover a aplicação de

coima.

8 - Conforme resulta dos autos, a presente promoção não foi precedida de qualquer Acórdão proferido pelo doutro Tribunal, nos termos do qual se tenham declarado verificadas as irregularidades pelas quais o Ministério Público promove a aplicação de

coima.

9 - Como se estabelece no n.º 1 do artigo 103.º/A da lei da Organização Funcionamento e Processo do Tribunal, só após a verificação de alguma irregularidade/ilegalidade por parte do Tribunal Constitucional é que os autos são remetidos ao Ministério Público para promoção de coima.

10 - Em termos semelhantes o n.º 3 do artigo 43.º da Lei Orgânica 2/2005, estabelece o «O Tribunal notifica os partidos políticos da decisão a que se refere o n.º 1 [prestação de contas e existência de irregularidades] bem como o Ministério Público para que este possa promover a aplicação das respectivas coimas»;

11 - Não tendo a promoção do Ministério Público sido precedida de Acórdão, a

mesma é nula pela violação da lei.

12 - Acresce que, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a legalidade e regularidades das contas da campanha eleitoral paras as legislativas realizadas em 20 de Fevereiro de 2005, não podendo vir novamente a fazê-lo".

3 - Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

4.1 - Conforme sabido é, a Lei 19/2003, de 20 de Junho, veio substituir a Lei 56/98, de 18 de Agosto (alterada pela Lei 23/2000, de 23 de Agosto, e pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto), passando a regular o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

O novo regime da fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais instituído pela Lei 19/2003, de 20 de Junho, foi completado e concretizado pela Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro, estabelecendo esta a tramitação processual a observar nos processos de fiscalização, bem como as atribuições de cada uma das diversas entidades neles intervenientes e o modo de

articulação destas entre si.

O regime processual instituído pela Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro, não inclui qualquer norma idêntica àquela que consta do n.º 2 do art.103.º-A da LTC, reportando-se esta à instauração de processo contra-ordenacional para conhecimento superveniente do incumprimento das obrigações previstas no regime jurídico do

financiamento dos partidos políticos.

4.2 - Sob a epígrafe «aplicação de coimas em matéria de contas dos partidos políticos», o artigo 103.º-A da lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro), prescreve o seguinte:

«1 - Quando, ao exercer a competência prevista no n.º 2 do artigo 13.º da Lei 72/93, de 30 de Novembro, o Tribunal Constitucional verificar que ocorreu o incumprimento de qualquer das obrigações que, nos termos do capítulo II do mesmo diploma legal, impendem sobre os partidos políticos, dar-se-á vista nos autos ao Ministério Público, para que este possa promover a aplicação da respectiva coima.

2 - Quando, fora da hipótese contemplada no número anterior, se verifique que ocorreu incumprimento de qualquer das obrigações nele referidas, o Presidente do Tribunal Constitucional determinará a autuação do correspondente processo, que irá de imediato com vista ao Ministério Público, para que este possa promover a aplicação de

coima.

3 - Promovida a aplicação de coima pelo Ministério Público, o Presidente do Tribunal ordenará a notificação do partido político arguido, para este responder, no prazo de 20 dias, e, sendo caso disso, juntar a prova documental que tiver por conveniente ou, em casos excepcionais, requerer a produção de outro meio de prova, após o que o

Tribunal decidirá, em sessão plenária».

Uma vez que a norma adjectiva correspondente ao n.º 2 do artigo 103.º-A da LTC é privativa do regime da fiscalização das contas dos partidos políticos - foi, de resto, introduzida pela Lei 88/95 de 1 de Setembro, sendo esta anterior à atribuição ao Tribunal Constitucional de competência para apreciação da regularidade e legalidade das contas das campanhas eleitorais em substituição da Comissão Nacional de Eleições, que ocorreu precisamente por efeito da Lei 19/2003, de 20 de Junho (cf.

artigo 23.º, n.º 1) - e, conforme se disse já, o regime processual definido pela Lei Orgânica 2/2005 não contempla norma expressa idêntica ou semelhante, pode colocar-se a questão de saber se se encontra legalmente autorizada a instauração de procedimento contra-ordenacional para conhecimento superveniente de infracções previstas na Lei 19/2003 respeitantes ao financiamento das campanhas eleitorais em

sentido amplo.

Ora, o problema apenas constituirá verdadeiramente um problema se se considerar que a possibilidade de instauração de um processo para conhecer supervenientemente dessas eventuais infracções se encontra dependente da possibilidade de interpretar actualisticamente a norma do n.º 2 do artigo 103.º-A, estendendo ao processo relativo às contas das campanhas eleitorais a regra do conhecimento superveniente que se encontra expressamente prevista para o processo referente às contas dos partidos e obstando desse modo a uma dualidade de regimes para a qual seria difícil de encontrar

o necessário fundamento racional.

Todavia, não é assim.

A solução normativa constante do n.º 2 do artigo 103.º-A da LTC é, quanto à possibilidade de instauração do procedimento, apenas aquela que decorre do funcionamento normal das regras e dos institutos que operam no âmbito do ordenamento jurídico, quer penal, quer contra-ordenacional.

Em qualquer um dos referidos domínios, em se tratando de um conjunto de infracções atribuíveis ao mesmo agente e todas praticadas antes do julgamento de qualquer delas, a circunstância de certa(s) ter(em) sido já julgada(s) e de somente essa(s) o haver(em) sido apenas é susceptível de precludir a possibilidade de julgamento da(s) restante(s) sob convocação dos institutos da prescrição e do caso julgado.

É portanto esta regra e não o resultado da interpretação extensiva da norma do n.º 2 do artigo 103.º-A da LTC que constitui o fundamento jurídico da possibilidade de instauração de um procedimento contra-ordenacional para conhecimento superveniente de infracções previstas na Lei 19/2003 relativas às contas das campanhas eleitorais.

Assim sendo, a instauração de tal procedimento é viável sem mais.

5.1 - Do ponto de vista da sistematização das infracções previstas na Lei 19/2003 em matéria de financiamento das campanhas eleitorais, a primeira distinção classificativa possível diz respeito à natureza do dever violado.

De acordo com este critério, aquelas infracções são agrupáveis em duas distintas categorias (para além da correspondente ao incumprimento puro e simples do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral ao Tribunal Constitucional):

uma primeira, integrada pelas infracções relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito - serão as correspondentes à percepção de receitas ou realização de despesas ilícitas a que se referem os arts. 28.º, n.º s 3 e 4 e 30.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho; e uma outra, constituída pelas infracções relativas à organização das contas da campanha - serão as correspondentes à ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral a que se refere o artigo 31.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho.

Tal contraposição - especialmente relevante, conforme se verá, para perceber, no plano das infracções com conexão possível à hipótese acusatória, aquela que integra o objecto do processo definido através do despacho de promoção - tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das receitas e despesas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respectiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada acto (cf. arts.16.º, n.º s 1 e 3, 19.º, n.º 3, e 20.º da Lei 19/2003) -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das despesas e receitas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos actos já realizados (cf. artigo 12.º, ex vi do artigo 15.º, n.º 1, 16.º, n.º

2, e 19.º, n.º 2, da Lei 19/2003).

Uma segunda distinção classificativa possível diz respeito ao tipo de responsabilidade que é associada à violação dos deveres impostos no Capítulo III da Lei 19/2003.

A partir do regime sancionatório instituído pela Lei 19/2003, mormente das estatuições contidas nos respectivos arts. 28.º a 32.º, verifica-se que as consequências jurídicas estabelecidas para a violação dos deveres impostos em matéria de financiamento das campanhas eleitorais são definidas através da convocação, de forma que se verá alternativa ou cumulativa, das figuras do crime e da contra-ordenação. O campo de aplicação de uma e outra é definido, em primeira linha, pela natureza do

dever violado.

No plano do sancionamento da violação dos deveres estabelecidos no Capítulo III da Lei 19/2003, a opção legislativa por um ou outro tipo de responsabilidade segue dois critérios distintos e complementares: um, de fundamento objectivo, que associa o tipo de responsabilidade accionável à natureza do dever concretamente violado; outro, de dimensão subjectiva, conduz a que, perante a violação do mesmo dever jurídico, o tipo de responsabilidade divirja em função da pessoa jurídica a responsabilizar.

Seguindo aquele primeiro critério, verifica-se que a responsabilidade criminal é privativa das infracções correspondentes à violação das regras respeitantes ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito, não se estendendo à ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral. Neste âmbito, a responsabilidade cabível é apenas de tipo contra-ordenacional e isto seja qual for a pessoa jurídica susceptível de ser responsabilizada.

No que em especial diz respeito ao tipo de responsabilidade associável à violação das regras respeitantes ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito, a concatenação da previsão normativa dos arts. 28.º, 31.º e 32.º da Lei 19/2003 com os preceitos constantes do respectivo capítulo III permite verificar que, neste domínio, o regime jurídico do financiamento das campanhas eleitorais é integrado por dois tipos penais e por dois tipos contra-ordenacionais.

O primeiro dos tipos penais consagrados é o do financiamento ilícito das campanhas eleitorais, encontrando-se definido nos n.º s 3 e 4 do artigo 28.º da Lei 19/2003.

Este tipo legal apresenta as seguintes características: i) quanto ao tipo-objectivo de ilícito, a conduta típica consiste na propiciação ou no recebimento ou aceitação de receitas proibidas (não incluídas no elenco constante do artigo 16.º, n.º 1, ou excluídas por inverificação dos requisitos previstos na primeira parte do n.º 3) ou por forma não prevista na lei (designadamente em violação do procedimento estabelecido na segunda parte do n.º 3); ii) do ponto de vista do agente, tem como autores possíveis os mandatários financeiros, os candidatos às presidenciais, os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores (artigo 28.º, n.º 3), assim como os dirigentes partidários, as pessoas singulares e administradores de pessoas colectivas que participem pessoalmente em tal infracção (artigo 28.º, n.º 4).

O segundo dos ilícitos penais previstos corresponde ao desrespeito pelos limites das despesas da campanha eleitoral e encontra-se igualmente definido nos n.º s 3 e 4 do artigo 28.º da Lei 19/2003. De acordo com a configuração típica, este ilícito apresenta as seguintes características: i) quanto ao tipo-objectivo de ilícito, a conduta típica consiste na ultrapassagem dos limites máximos previstos nos n.º s 1 e 2 do artigo 20.º; ii) do ponto de vista do agente, tem também como autores possíveis os mandatários financeiros, os candidatos às presidenciais, os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores (artigo 28.º, n.º 3), assim como os dirigentes partidários, as pessoas singulares e administradores de pessoas colectivas que participem pessoalmente em tal infracção (artigo 28.º, n.º 4).

Do ponto de vista contra-ordenacional, os ilícitos configuráveis são parcialmente

coincidentes com os acabados de referir.

O primeiro diz respeito ao financiamento ilícito da campanha eleitoral e encontra-se definido no artigo 30.º, n.º s 1, 2, 3, e 4, da Lei 19/2003. De acordo com a previsão normativa correspondente, apresenta os seguintes elementos característicos: i) a conduta típica consiste na obtenção de receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas na lei (em violação do regime do artigo 16.º); ii) do ponto de vista do agente, tem como possíveis autores os partidos políticos (n.º 1), as pessoas singulares (n.º 2), as pessoas colectivas (n.º 3) e os administradores de pessoas colectivas que participem pessoalmente em tal infracção (artigo 28.º, n.º 4).

O segundo ilícito contra-ordenacional corresponde ao desrespeito pelos limites das despesas da campanha eleitoral, encontrando-se definido no n.º 1 do artigo 30.º da Lei 19/2003. Resulta daí que: i) quanto ao tipo-objectivo de ilícito, a conduta típica consiste na ultrapassagem dos limites máximos previstos nos n.º s 1 e 2 do artigo 20.º;

ii) do ponto de vista do agente, tem como possíveis autores apenas os partidos

políticos.

No plano da relação que intercede entre os dois tipos de responsabilidade previstos, em particular dos termos em que estes se articulam, quer entre si, quer com o elenco dos deveres susceptíveis de serem violados, a sistematização do regime jurídico instituído pela Lei 19/2003 permite cruzar a classificação das infracções segundo a natureza do dever violado com a sua classificação segundo a pessoa jurídica responsabilizável, revelando assim zonas de sobreposição entre os dois tipos de

responsabilidade.

No que diz respeito ao financiamento ilícito da campanha eleitoral (em violação do regime do artigo 16.º) da Lei 19/2003, verifica-se, com efeito que:

O mandatário financeiro é responsabilizável criminalmente.

Os dirigentes partidários são responsabilizáveis criminalmente.

Os partidos políticos são responsabilizáveis contra-ordenacionalmente.

As pessoas colectivas são responsáveis contra-ordenacionalmente.

As pessoas singulares e os administradores das pessoas colectivas que pessoalmente participem nas infracções são responsabilizáveis criminal e contra-ordenacionalmente.

Circunscrevendo-se a competência do Tribunal Constitucional, do ponto de vista dos tipos de ilícito previstos, ao conhecimento e formalização da responsabilidade de natureza contra-ordenacional e definição das respectivas consequências jurídicas (cf.

artigo 33.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho), importa enumerar, por último, as condutas passíveis de sancionamento com coima em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais. São elas as seguintes:

a) O recebimento, por parte dos partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.º 1, da

Lei 19/2003;

b) O incumprimento, por parte dos partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.º 1, da

Lei 19/2003;

c) O incumprimento, por parte das pessoas singulares, pessoas colectivas e respectivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.º s 2 a 4, da Lei 19/2003;

d) A ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da Lei 19/2003;

e) O incumprimento do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 27.º da Lei 19/2003, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 32.º, n.º s 1 e 2, da Lei 19/2003.

5.2 - Concluída a sistematização das infracções previstas na Lei 19/2003 em matéria de financiamento das campanhas eleitorais, é altura de nos atermos àquela que em particular o Ministério Público imputa ao Partido Socialista.

De acordo com o despacho de promoção, a candidatura do Partido Socialista não inscreveu nas contas da campanha eleitoral para as eleições legislativas de 2005 que apresentou no Tribunal Constitucional - e que o Tribunal verificou através do Acórdão 563/06 - as despesas inerentes às acções de propaganda realizadas no Estado do Rio de Janeiro, no Brasil, nem de tais contas fez constar as receitas que terão servido pela custear tais actividades, assim violando o dever imposto no artigo 15.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20.06, e com isso preenchendo o tipo contra-ordenacional definido

no artigo 31.º da mesma lei.

Trata-se, portanto, de uma infracção incluída na categoria daquelas correspondentes à ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral a que se refere o artigo 31.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho, aqui concretamente perspectivada na modalidade de execução correspondente à inobservância de fazer constar das contas próprias restritas à campanha eleitoral a totalidade das respectivas receitas e despesas (art.15.º).

É esta - e não outra - a infracção que constitui o objecto do presente processo.

Pela contra-ordenação consistente na ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral referentes às eleições legislativas de Fevereiro de 2005, prevista no artigo 31.º da Lei 19/2003, o Partido Socialista foi sancionado, nos termos do respectivo n.º 2, pelo Acórdão 417/2007, tendo-lhe sido aplicada coima no valor de 57 salários mínimos nacionais correspondentes ao ano de 2005, ou seja, no montante de (euro) 21.357,90.

A actividade contra-ordenacionalmente relevante imputada ao Partido Socialista no âmbito de tal condenação consistiu na ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral das eleições legislativas de Fevereiro de 2005 (artigo 31.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho) em resultado do incumprimento dos seguintes deveres relativos ao respectivo regime e tratamento:

i) Dever de apresentação das contas das estruturas regionais, distritais ou autónomas, ou, em alternativa, de proceder à consolidação das contas da campanha, de forma a permitir apurar a totalidade das receitas e despesas das estruturas da candidatura, previsto nos arts. 12.º, n.º 4, ex vi do artigo 15.º, n.º 1, in fine, da Lei 19/2003;

ii) Dever de apresentação das receitas decorrentes do produto de actividades de angariação de fundos, em lista própria, anexa à contabilidade da campanha, com identificação do tipo de actividade e data de realização, previsto no artigo 12.º, n.º 7, alínea b), ex vi do artigo 15.º, n.º 1, in fine, da Lei 19/2003;

iii) Dever de reflectir nas contas da campanha as contribuições partidárias, previsto no

artigo 15.º, n.º 1, da Lei 19/2003.

iv) Dever de comprovar devidamente as receitas de campanha, por inclusão nas contas da campanha de receitas recebidas em data posterior ao acto eleitoral, sem que se tenha logrado comprovar que respeitam efectivamente à campanha eleitoral, sendo tal dever elemento integrante do dever genérico de organização referido no artigo 12.º, n.º 1, ex vi do artigo 15.º, n.º 1, in fine, da Lei 19/2003.

v) Dever de perceber as receitas e pagar as despesas da campanha através da conta bancária especificamente constituída para esse efeito, em violação do disposto no artigo

15.º, n.º 3, da Lei 19/2003.

A configuração da violação de cada um dos referidos deveres teve, por seu turno, como fundamento a consideração dos factos que, pela mesma ordem, seguidamente se

enumeram:

i) As contas financeiras da campanha não reflectem a totalidade da actividade das estruturas descentralizadas, designadamente as despesas de campanha realizadas na

Região Autónoma dos Açores;

ii) No âmbito da prestação de contas, o PS declarou ter recebido (euro) 448.863,00 a título de receitas de actividades de angariação de fundos, apenas discriminando, em relação às actividades desenvolvidas pelas Federações, cuja receita ascende a (euro) 252.907,00, o tipo de actividade, a data e o local de realização do evento que originou a receita, sendo que só tardiamente, no âmbito da resposta ao relatório da auditoria e da ECFP, apresentou a informação legalmente exigida quanto ao restante produto da actividade de angariação de fundos (euro) 195.956,00).

iii) O PS disponibilizou fundos para a campanha eleitoral em montante superior ao da contribuição declarada, não espelhando esses fundos (euro) 1.936.912,30) nas contas da campanha por via do mecanismo de adiantamentos e reembolsos.

iv) Os serviços centrais da candidatura não acompanharam directamente ou validaram as acções desenvolvidas pelas estruturas descentralizadas, de forma a assegurar que a totalidade daquelas acções foi efectivamente reportada para efeitos de registo pela estrutura central e, consequentemente, considerada na informação financeira submetida ao Tribunal Constitucional, e uma parte significativa (no valor de (euro) 381.000,00) do montante registado como angariação de fundos da campanha nacional "Voltar a acreditar" das legislativas de 2005 foi depositada na conta bancária de angariação de fundos em data posterior ao acto eleitoral (situando-se entre 20 de Fevereiro e Maio de 2005, como dá nota a auditoria), sem que se verifiquem as circunstâncias excepcionais que poderiam justificar um intervalo de tempo tão dilatado entre o

recebimento e o depósito.

v) O PS liquidou diversas despesas de campanha - inclusivamente em data posterior a 1 de Janeiro de 2005, momento em que entrou em vigor a Lei 19/2003 - no montante global de (euro) 251.213,00 através de contas bancárias do partido.

Perante os referidos dados processuais, a questão que importa começar por resolver prende-se naturalmente com a determinação dos efeitos do caso julgado associáveis ao Acórdão 417/06, consistindo em saber se o mesmo deverá considerar-se preclusivo da possibilidade de julgamento dos factos que o Ministério Público imputa ao Partido

Socialista no âmbito dos presentes autos.

Para lhe responder, algumas considerações relativas à estruturação da infracção contra-ordenacional tipificada no artigo 31.º da Lei 19/2003, devem ter previamente

lugar.

Deste ponto de vista, pode dizer-se que a jurisprudência do Tribunal Constitucional vem assentando nas seguintes premissas fundamentais: i) por um lado, a de que a violação singular de qualquer um dos deveres legais respeitantes ao regime e tratamento de receitas e despesas da campanha constitui condição necessária e suficiente para o preenchimento do tipo objectivo de ilícito; ii) por outro, a de que a violação de uma pluralidade de deveres integrantes desse regime constabilísitico ou a violação plúrima do mesmo dever genérico (isto é, através de ausências ou insuficiências de objecto diferenciado) não conduz ao reconhecimento de uma pluralidade de infracções, sendo ao invés recondutível à unidade comportamental representada pela ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral (aqui das referentes às eleições legislativas de Fevereiro de 2005) e descrita no

artigo 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003.

O que acaba de dizer-se permite precisar a questão a que se procura aqui responder nos seguintes termos: uma vez que a obrigação de reflectir nas contas de campanha entregues ao Tribunal Constitucional, quer despesas alegadamente suportadas com as acções de campanha ocorridas no Estado do Rio de Janeiro, quer as receitas que terão sido mobilizadas para lhes fazer face, se insere, de acordo com a própria qualificação jurídica seguida no despacho de promoção, no dever genérico de organização do regime contabilístico referido no artigo 12.º, n.º 1, bem como nos deveres estabelecidos nos n.º s 4 e 7 (que impõem a inclusão de todas as receitas da campanha nas respectivas contas), do mesmo artigo 12.º, aplicável por força do artigo 15.º, n.º 1, parte final, todos da Lei 19/2003, e que a inobservância deste dever adquire, por seu turno, relevância contra-ordenacional na medida em que traduza uma ausência ou insuficiência de discriminação e ou comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral das eleições legislativas de Fevereiro de 2005, será a responsabilidade contra-ordenacional associável ao alegado incumprimento daquela obrigação autonomizável daquela que foi formalizada já através do Acórdão 417/2007 ou, pelo contrário, apesar de corresponder a uma modalidade de execução da conduta típica não contemplada naquele julgamento, deverá considerar-se abrangida pelo efeito do caso julgado formado por este último Acórdão e, como tal, prejudicada por força

do princípio ne bis in idem?

Atentemos no contexto dogmático em que o problema deve ser respondido.

Segundo o disposto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa proíbe-se que alguém possa ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo

crime.

Este princípio, extensível às contra-ordenações por um argumento de identidade de razão, encontra-se neste domínio expressamente consagrado através do artigo 79.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei 356/89, de 17 de Outubro, n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei 109/2001, de 24 de

Dezembro).

Sob a epígrafe «alcance da decisão definitiva e do caso julgado», dispõe-se aí o

seguinte:

1 - O carácter definitivo da decisão da autoridade administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o facto como contra-ordenação ou como crime precludem a possibilidade de reapreciação de tal facto como contra-ordenação».

2 - O trânsito em julgado da sentença ou despacho judicial que aprecie o facto como contra-ordenação preclude igualmente o seu novo conhecimento como crime».

A propósito do significado da proibição contida no do n.º 5 do artigo 29.º da Constituição, J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira escrevem o seguinte «O n.º 5 dá dignidade constitucional ao clássico princípio non bis in idem. Também ele comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto.

Para a tarefa de densificação semântica" do princípio é particularmente importante a clarificação do sentido da expressão "prática do mesmo crime [...]" (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, p. 498), ou no que para aqui particularmente releva, da mesma contra-ordenação.

Deste ponto de vista, a questão a resolver consistirá em saber se a contra-ordenação que o Ministério Público imputa ao Partido Socialista no âmbito dos presentes autos é a mesma que já foi julgada pelo Acórdão 417/07, ou seja, se é recondutível à unidade comportamental representada pela ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral descrita no artigo 31 n.º 1

da Lei 19/2003.

A resposta deve ser afirmativa.

A omissão concretamente imputada nos presentes autos - não inscrição nas contas da campanha referentes às eleições legislativas de Fevereiro de 2005 apresentadas pelo Partido Socialista no Tribunal Constitucional das despesas e receitas alegadamente envolvidas nas acções de campanha eleitoral realizadas no Estado do Rio de Janeiro e a consequente violação, por essa via, do dever genérico de organização do regime contabilístico referido no artigo 12.º, n.º 1, bem como dos deveres estabelecidos nos n.º s 4 e 7 (que impõem a inclusão de todas as receitas da campanha nas respectivas contas), do mesmo artigo 12.º, aplicável por força do artigo 15.º, n.º 1, parte final, todos da Lei 19/2003 - adquire relevância contra-ordenacional enquanto modalidade de execução da conduta típica consistente na "ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral das eleições legislativas de Fevereiro de 2005 (artigo 31.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho)", sendo que pela "ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral das eleições legislativas de Fevereiro de 2005 (artigo 31.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho)" o mesmo partido já foi sancionado por decisão transitada em julgado.

É certo que o foi sem a consideração daquela específica e particular «ausência» de

discriminação.

Contudo, essa particular «ausência» reconduz-se, como modalidade de uma execução típica comum, ao mesmo tipo contra-ordenacional segundo um princípio de unidade de

infracção.

Com o sancionamento do Partido Socialista pela "ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral das eleições legislativas de Fevereiro de 2005 (artigo 31.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho)" através do Acórdão 417/07, extinguiu-se, por força da excepção de caso julgado, o poder sancionatório do Estado relativamente à possibilidade de um segundo julgamento pela "ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral das eleições legislativas de Fevereiro de 2005", ainda que com base agora na violação em diferentes termos de um dos deveres

contabilísticos já considerados.

III - Decisão

6 - Por tudo o que fica exposto, decide-se declarar extinto, pela verificação da excepção de caso julgado, o procedimento contra-ordenacional instaurado no âmbito

dos presentes autos.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2010. - Maria João Antunes - Carlos Pamplona de Oliveira - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins - José Borges Soeiro - Gil Galvão - Maria Lúcia Amaral - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Rui Manuel Moura Ramos.

202935273

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2010/02/25/plain-270387.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/270387.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-11-26 - Lei 143/85 - Assembleia da República

    Alterações à lei eleitoral para a Presidência da República.

  • Tem documento Em vigor 1989-09-07 - Lei 85/89 - Assembleia da República

    Introduz alterações à Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1993-11-30 - Lei 72/93 - Assembleia da República

    Regula o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 1995-09-01 - Lei 88/95 - Assembleia da República

    ALTERA A LEI 28/82, DE 15 DE NOVEMBRO, QUE APROVA A LEI ORGÂNICA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (NA REDACÇÃO CONFERIDA PELAS LEIS 143/85, DE 26 DE NOVEMBRO E 85/89, DE 7 DE SETEMBRO) NO ATINENTE AS CONTAS DOS PARTIDOS, AS DECLARAÇÕES DE TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS, AO RECURSO DE APLICAÇÃO DE COIMAS, A APLICAÇÃO DE COIMAS EM MATÉRIA DE CONTAS DOS PARTIDOS POLÍTICOS, A NAO APRESENTAÇÃO DAS CITADAS CONTAS, ASSIM COMO NO QUE SE REFERE AOS PROCESSOS RELATIVOS A DECLARAÇÕES DE RENDIMENTOS E PATRIMÓNIO DOS TITULARES (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-18 - Lei 56/98 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das companhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2000-08-23 - Lei 23/2000 - Assembleia da República

    Primeira alteração às Leis 56/98, de 18 de Agosto (financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais), e 97/88, de 17 de Agosto (afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda).

  • Tem documento Em vigor 2001-12-24 - Lei 109/2001 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo), em matéria de prescrição.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

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