Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - A Causa A Autora respondeu a esta questão (exceção), alegando, designadamente, que a aplicação do artigo 5.º, n.º 4, do Código das Expropriações de 1991, reiterado no Código das Expropriações de 1999, ao prazo decorrido antes da entrada em vigor de qualquer destes preceitos constitui aplicação retroativa da lei.
1.1 - Foi proferida sentença, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (fls. 768/776), julgando a ação improcedente, em virtude de “[...] haver cessado/caducado o direito à reversão que a Autora pretende fazer valer [...]”, nos termos do artigo 5.º, n.º 4, alínea a), da Código das Expropriações [refere-se (aplica) a sentença, como resulta do seu texto, ao Código de 1999, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro]. 1.2 - Inconformada com tal decisão, a Autora dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte. Das suas alegações consta, designadamente, o que ora se transcreve:
“[...] Como refere Marcelo Caetano, ‘É um princípio geral de direito - válido, por conseguinte no direito público e privado - que a lei não tem efeito retroativo, salvo quando seja de natureza inter-pretativa’.
No mesmo sentido discorre Gomes Canotilho, ao afirmar que os princípios de segurança jurídica e da proteção de confiança apontam para a proibição de leis retroativas.
O direito de reversão, tutelado pelo artigo 62.º da CRP, é de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias previstos no artigo 17.º da CRP e merecedor da mesma tutela jurídica.
Por tal facto, ao caso em apreço é aplicável o artigo 18.º, n.º 3 da CRP, do seguinte teor:
‘As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance dos preceitos constitucionais’.
Tem-se vindo a decidir que a retroatividade pode ser autêntica ou inautêntica. No caso é inautêntica, pois a lei apenas proclama a vigência do Código das Expropriações de 91 e de 99 para o futuro, mas afeta posições jurídicas nascidas sob a égide do Código das Expropriações de 76. A lei constitucional não permite medidas arbitrárias, inesperadas, desproporcionadas ou afetarem direitos de forma excessivamente e impróprias as posições jurídicas jus fundamentadas das particulares (cf. Acs. TC n.os 354/00 e 449/02). A razão de ser deste requisito está intimamente ligada à ideia de proteção de confiança e segurança aos cidadãos, defendendoos contra o perigo de verem atribuir-se aos seus atos passados ou às situações transatas efeitos jurídicos com que não podiam razoavelmente contar.
Trata-se, ao fim e ao cabo, de consubstanciar um dos traços do Estado de direito democrático, constitucionalmente afirmado no artigo 2.º Daqui suscita-se a questão se o princípio do estado de direito democrático não reclama considerálo como princípio geral válido para todas as leis que diminuam ou criem deveres ou encargos para os cidadãos (Acs. TC 11/83, 20/83, 32/84 e 201/86).
[...] Conclusões [...]
19 - No caso, atento a que a situação jurídica é tutelada pelo artigo 62.º, n.º 2, da CRP, por forma idêntica aos direitos, liberdades e garantias, o prazo de 20 anos fixado pelo artigo 5.º do CE de 91, nos termos do artigo 18.º, n.º 3, da CRP, não é passível de aplicação retroativa.
[...]” (sublinhados acrescentados
1.3 - Foi proferido acórdão no TCA Norte - trata-se da decisão objeto do presente recurso - , negando provimento à impugnação aí em causa, com os fundamentos seguintes:
“[...] A questão colocada [...] não é nova, tendo já sido apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que uniformemente tem entendido que o direito de reversão é regulado pela lei vigente ao tempo do seu exercício, o que quer dizer que o Código das Expropriações de 1991 se aplica aos pedidos de reversão feitos após o início da sua vigência, ainda que os mesmos possam respeitar a expropriações realizadas anteriormente. De entre os vários arestos sobre esta matéria, destaca-se o Acórdão do Pleno da Secção de CA do STA, de 01.10.2003, P. 037653, assim sumariado:
‘I - O Código das Expropriações de 1991 aplica-se aos pedidos de reversão feitos após a sua entrada em vigor, ainda que respeitantes a expropriações realizadas ao abrigo de anteriores diplomas legais.
II - Nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 5.º do CE/91 o direito de reversão cessa quando tenham decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação dos bens expropriados.
III - A cessação de tal direito não configura um ataque ilegal e inconstitucional ao direito de propriedade desde que a expropriação tenha obedecido ao cânones legais e, designadamente, tenha sido paga a justa indemnização’.
Debruçando-se sobre o artigo 5.º/4-a) do CE/91, este acórdão sublinhou, além do mais, que ‘de acordo com o que se estatui neste preceito, a Expropriante estava obrigada a aplicar os bens objeto da expropriação na finalidade que a determinou no prazo de dois anos a contar da sua adjudicação sob pena, de não o fazendo, nascer na esfera jurídica dos Expropriados o direito de reversão, isto é, o direito a reaverem os bens expropriados. Este direito, contudo, não era um direito ilimitado suscetível de ser exercido a todo o tempo já que se operava a sua caducidade quando esse exercício não se fizesse no prazo de dois anos a contar da ocorrência do facto que o originou. Todavia, e para além da caducidade do direito de reversão, a lei previa também a possibilidade da sua cessação, a qual ocorria sempre que decorressem 20 anos sobre a data da adjudicação - vd. n.º 4, alínea a) daquele artigo 5.º Ou seja, o direito de reversão não só caducava pelo seu não exercício no prazo de dois anos a partir do momento do seu nascimento, como também prescrevia quando fossem decorridos vinte anos sobre a data da adjudicação dos bens.’ Reafirmaram esta jurisprudência, entre outros, os Acórdãos do STA, de 05.04.2004, P. 01386/02; e do Pleno da Secção do CA, de 02.06.2004, P. 046991; e, mais recentemente, o Acórdão do TCAN, de 19.11.2015, P. 00988/12.9BEAVR.
Assim, a questão da contagem do prazo de 20 anos, previsto no art 5.º/1 do CE/91, a partir da expropriação, mesmo quando esta tenha data anterior a tal Código, já foi objeto de jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo e decidida em conformidade pelas instâncias, o que, aliás, já determinou a não admissão de recurso de revista para o Supremo sobre essa mesma questão (cf. Acórdão do STA, de 05.05.2011, P. 0411/11).
Esta jurisprudência, que subscrevemos, é inteiramente aplicável ao caso em apreço, onde se verifica que entre o momento da adjudicação do bem (1979) e o momento em que o pedido de reversão foi formulado (26.06.2008) decorreram mais de 20 anos, tendo o decurso deste prazo determinado a prescrição desse direito (e não a sua caducidade, como refere a decisão recorrida), nos termos do artigo 5.º/4-a) do CE/91.
Além disso, e contrariamente ao defendido pela Recorrente, a decisão do Tribunal Constitucional sobre a inconstitucionalidade das normas do artigo 7.º, n.os 1 e 3, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto Lei 845/76, de 11 de dezembro, constante do Acórdão 827/96 do Tribunal Constitucional (que confirmou antecedente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/09/1992, que havia recusado a aplicação de tais normas com fundamento em in-constitucionalidade), foi proferida em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, o que significa que tem mera eficácia inter partes (cf. artigos 280.º/5 e 281.º/3 da CRP), não sendo as normas aí julgadas inválidas eliminadas da ordem jurídica. Da mesma forma, ainda que se admita que a eficácia retroativa e o efeito repristinatório não são efeitos exclusivos das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (embora expressamente previstos apenas quanto a estas - cf. artigo 282.º/1 da CRP), ainda assim tal efeito repristinatório - caso se mostrasse possível (o que, além do mais, implicava verificar se a norma declarada inconstitucional revogara norma anterior) - sempre seria limitado ao caso concreto decidido em tal Acórdão 827/96.
Assim, e contrariamente ao alegado, não ocorre aqui qualquer sucessão de prazos, nem pode afirmar-se que o artigo 5.º/4-a) do CE/91 tenha encurtado um qualquer prazo anterior que, na verdade, não existia. Por outro lado, como já foi salientado no mencionado Acórdão do Pleno da Secção de CA do STA, de 01.10.2003, P. 037653, a contagem do prazo para a cessação do direito de reversão tem que ser feita nos termos expressamente previstos na mencionada norma do CE/91, ou seja, a contar da data da adjudicação, sendo certo que subjacente a esta solução estão ponderosas razões de estabilidade jurídica, que determinam a estabilização de uma situação de expropriação, que foi efetuada legalmente e conferiu direito a uma justa indemnização e se consolidou por mais de 20 anos.
Note-se, por último, que o Supremo Tribunal Administrativo tem repetidamente afirmado que o condicionamento do exercício do direito de reversão a um tempo determinado (a reversão deve ser requerida no prazo de dois anos a contar da ocorrência que a originou e o direito de reversão cessa quando tenham decorridos 20 anos sobre a data da adjudicação - artigo 5.º, n.os 6 e 4-a) do CE/91) em nada viola o direito de propriedade consagrado no artigo 62.º da CRP (v. designadamente, o citado Acórdão do Pleno da Secção de CA do STA, de 01.10.2003, P. 037653). No sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional, no Acórdão 127/2012, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações, interpretado no sentido de impedir os expropriados de exercer o direito de reversão dos bens expropriados, com fundamento no decurso do prazo de 20 anos sobre a data da adjudicação dos mesmos à entidade beneficiária da expropriação, mesmo no caso em que esses bens estiveram afetos ao fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação, sendo posteriormente vendidos para a construção de um projeto imobiliário privado.
[...]” (sublinhados acrescentados).
1.4 - Desta decisão a Autora interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos seguintes:
“[...] Atendendo a que o douto acórdão prolatado não admite recurso ordinário de revista excecional, dele pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), em conjugação com o artigo 75.º-A, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, porquanto:
1.º
No caso dos autos, discute-se o direito de reversão, o qual repre-senta um direito inserido na propriedade do expropriado e titulado nos direitos, liberdades e garantias nos termos do artigo 17.º, em conjugação com o artigo 62.º, n.º 2, da CRP.
Os prazos de consolidação e perda de direitos reais inserem-se na própria substância do direito.
2.º
3.º
A Recorrente, Autora, no artigo 125.º da resposta às exceções, considera que a aplicação do artigo 5.º, n.º 4, do Código das Expropriações de 1991, reiterado no Código das Expropriações de 1999, ao prazo decorrido antes da entrada em vigor destes preceitos constitui aplicação retroativa lei.
4.º
No artigo 19.º das alegações de recurso, a Recorrente argui a sentença de inconstitucionalidade por aplicação retroativa da lei, com violação do artigo 18.º, n.º 3, da CRP.
5.º
O invocado princípio do ‘tempus regit actus’, apenas se aplica às situações jurídicas verificadas na vigência da lei, sem se estender às verificadas na vigência da lei anterior.
Nestes termos, por violação do artigo 18.º, n.º 3, em conjugação com o artigo 62.º, n.º 2, da CRP, pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
[...]”.
1.4.1 - Recebido o processo neste Tribunal, foi proferido despacho pelo relator, delimitando o objeto do recurso, conforme ora se transcreve:
“[...] Notifique a Recorrente para alegar, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 79.º, n.º 2, da LTC.
Quanto à definição do objeto do recurso, entende o ora relator deixar nota do seguinte:
A) o objeto do recurso limita-se à norma cuja aplicação foi feita - assumidamente feita - na decisão recorrida, como ratio decidendi, na específica interpretação correspondente à dimensão normativa que tenha constituído o critério jurídico dessa decisão;
B) esta - a decisão recorrida - é aqui um acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (fls. 958/964 vº). O recurso que conduziu à referida decisão foi interposto pela ora Recorrente de uma sentença que lhe negou um pedido de reversão, argumentando que a expropriação em causa ocorreu em 1979, tendo o pedido sido apre-sentado apenas em 2008, ou seja, quando se encontrava findo o prazo de 20 anos, contados da data da adjudicação, previsto no artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações de 1991, aprovado pelo Decreto Lei 438/91, de 9 de novembro, prazo este mantido no artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código atual, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro;
C) no recurso, a Recorrente sustentou que ao pedido de reversão devia ter sido aplicada a lei vigente à data da adjudicação (isto é, a lei vigente em 1979), o que, no seu entender, conduziria à conclusão da tempestividade do pedido.
D) o recurso não obteve provimento porque - e aqui encontramos a ratio decidendi - o Tribunal Central Administrativo Norte entendeu que o direito de reversão é regulado pela lei vigente ao tempo do seu exercício, ‘o que quer dizer que o Código das Expropriações de 1991 se aplica aos pedidos de reversão feitos após o início da sua vigência, ainda que os mesmos possam respeitar a expropriações realizadas anteriormente’ (pág. 12 do acórdão). E, em conformidade, a decisão recorrida considerou que o pedido da Recorrente, tendo sido realizado em 2008, ultrapassava o prazo de 20 anos previsto no artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações de 1991 (a norma considerada aplicável na decisão recorrida), prazo este contado desde a adjudicação.
Assim sendo, a norma que foi aplicada como critério de solução do caso concreto - constituindo, pois, o objeto do presente recurso - corresponde ao artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações de 1991, aprovado pelo Decreto Lei 438/91, de 9 de novembro, na interpretação segundo a qual o direito de reversão cujo pedido é formulado após o início da vigência do referido Código cessa, em virtude de prescrição, decorridos que sejam 20 anos sobre a data da adjudicação, ainda que esta tenha ocorrido na vigência de lei anterior.
[...]” (sublinhados no original).
1.4.2 - A Recorrente alegou, formulando as conclusões que se transcrevem:
“[...] 1 - O direito de reversão está consagrado no artigo 62.º da CRP, como direito inerente à propriedade, o qual se mostra violado.
2 - A constituição não regula o caso concreto, em sede de direito transitório, o conflito de leis no tempo, constituindo um vazio legislativo, preenchido pelos princípios gerais de direito constantes dos arts. 296.º e 297.º do Código Civil.
3 - O direito de reversão constitui desde o ato expropriativo um ónus real, imposto ao expropriante ou quem lhe suceder, a dar ao terreno as finalidades constantes da DUP ou ato expropriativo enquanto o ónus se mantiver.
4 - Se tais finalidades forem violadas enquanto o ónus se mantiver, pode o expropriado reavêlo. 5 - Ao CE/91 e ao CE/99 não foi atribuída eficácia retroativa. 6 - O princípio do “tempus regit actum” significa que a lei se aplica às situações jurídicas verificadas na sua vigência, mas não já às verificadas antes desta data, ou seja, ao período de tempo decorrido antes da sua entrada em vigor, que não se mostra coberto por tal lei. 7 - A Constituição absorveu a norma do direito transitório que regula a aplicação das leis no tempo.
8 - No que concerne aos direitos económicos, a Constituição no artigo 18.º, n.º 3, impede a sua aplicação retroativa.
[...]”.
1.4.3 - A Recorrida “Tertir - Terminais de Portugal, S. A.” apre-sentou contraalegações, assim concluindo:
“[...] A. O presente recurso foi admitido para apreciação da inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma aplicada pelo TCA Norte, como critério jurídico de decisão, no acórdão de 22 de janeiro de 2016 (p. 327/09), correspondente ‘ao artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações de 1991, aprovado pelo Decreto Lei 438/91, de 9 de novembro, na interpretação segundo a qual o direito de reversão cujo pedido é formulado após o início da vigência do referido Código cessa, em virtude de prescrição, decorridos que sejam 20 anos sobre a data da adjudicação, ainda que esta tenha ocorrido na vigência de lei anterior’.
B. As invocadas ameaças ao direito de propriedade, ao princípio da proibição da aplicação retroativa de leis restritivas e aos princípios gerais relativos à contagem de prazos estabelecidos nos artigos 296.º e 297.º do Código Civil partem do pressuposto de que o artigo 5.º/4, alínea a), do CE 91 veio introduzir na ordem jurídica um novo prazo de cessação do direito de reversão, o qual, de acordo com a tese da Recorrente teria então passado de 30 para 20 anos.
C. Acontece que este pressuposto está juridicamente errado, na medida em que:
i) O Acórdão 827/96 do Tribunal Constitucional, de que a Autora se socorre no primeiro passo da sua estratégia, julgou inconstitucionais os números 1 e 3 do artigo 7.º do CE 76, os quais versavam sobre matérias totalmente distintas da que, mais tarde, veio a ser regulada pelo artigo 5.º/4, alínea a), do CE 91;
ii) As referidas inconstitucionalidades foram declaradas em sede de fiscalização sucessiva concreta, razão pela qual não criaram um vazio jurídico no ordenamento jurídico (muito menos um vazio jurídico em matérias totalmente alheias ao seu objeto);
iii) A repristinação de normas está prevista apenas para os casos de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral, valendo para todos os demais casos a regra do artigo 7.º/4 do Código Civil;
iv) Como quer que seja, a repristinação deve restringir-se à norma que a declaração tiver revogado, não havendo qualquer fundamento legal para o caminho sugerido pela Autora de uma dupla repristinação seguida de uma interpretação extensiva.
v) Não é necessário recorrer-se à declaração de inconstitucionalidade do Acórdão 827/96 para se perceber o óbvio, isto é, que o Decreto Lei 845/76, de 11 de dezembro, é totalmente omisso quanto ao tema que veio depois a ser regulado pelo artigo 5.º/4, alínea a), do CE 91.
vi) Para integrar tal lacuna cumpria, pura e simplesmente, lançar mão do prazo geral de prescrição previsto no Código Civil que, aliás, seria o prazo mais longo previsto no nosso ordenamento - neste sentido, v. Oliveira Ascensão (em Reprivatizações e Direitos dos Ex-Titulares das Empresas Nacionalizadas, ROA, ano 51, pp. 312 ss.) e Almeida Costa (Direito das Obrigações, 10.ª Ed., Almedina, 2006, p. 1123).
vii) Como defendeu o Tribunal Constitucional no Acórdão 127/2012, existe um paralelismo histórico e racional entre o prazo de cessação do direito de reversão, o prazo ordinário de prescrição e o prazo geral de usucapião - é esse paralelismo que justifica que em 1948, a Lei 2030 tivesse previsto um prazo de 30 anos para a cessação do direito de reversão e é esse paralelismo que justifica que, na vigência do CE 76, esse prazo, apesar de não estar expressamente previsto, fosse de 20 anos.
D. Não se esgotam aqui os fundamentos da improcedência do recurso, na medida em que, independentemente de tudo o que acima se disse, são várias e bem ponderosas as razões que, em qualquer caso, justificariam que se aplicasse o artigo 5.º/4, alínea a), do CE de 91 ao caso decidido pelo TCA Norte no acórdão de que recorre a Ordem da Trindade.
E. Por um lado, tem-se entendido que é a lei nova que melhor tutela o interesse público que à Administração cabe prosseguir, não a lei antiga - neste sentido ver Afonso Queiró, in “Lições de Direito Administrativo”, Coimbra, 1976, policopiadas, p. 521.
F. Por outro, o princípio em causa constitui um corolário necessário do princípio da legalidade a que se encontra especialmente adstrita toda a atividade administrativa, nos termos do artigo 266.º/2 da Constituição e 3.º/1 do CPA - neste sentido ver os pareceres do Conselho Consultivo da ProcuradoriaGeral da República n.º 77/2005 e n.º 42/2010.
G. A essas duas razões que justificam a aplicação do “tempus regit actum” à generalidade dos atos da Administração, soma-se, no caso do direito de reversão, uma outra:
o facto que faz emergir na esfera jurídica dos expropriados o direito de reversão dá-se com a afetação dos bens a uma finalidade diversa daquela que justificou a expropriação e não com a sua adjudicação e é por esse facto, dito principal, que deve aferir-se a lei aplicável ao direito de reversão - neste sentido ver Batista Machado (em “Introdução ao Direito e ao Discurso Le-gitimador”, 9.ª reimp., Coimbra, 1996, p. 244):
H. Acresce que a solução da aplicação do princípio do “tempus regit actum” é a que assegura o respeito pelo princípio da estabilidade, um dos mais importantes princípios do ordenamento jurídico português - cf. pela sua pertinência e pela total adesão que merece da Recorrida, o acórdão do Pleno do STA de 1 de outubro de 2003.
I. Independentemente de estar ou não em causa nas regras previstas nos artigos 296.º e 297.º do Código Civil um princípio geral de direito - princípio esse que a Recorrente não identifica e sinceramente não se alcança qual seria-, independentemente disso, dizia-se, os preceitos em causa não poderiam aplicar-se ao caso em apreço pelo facto de a regra estabelecida no artigo 297.º pressupor a existência de um prazo em curso, o que não acontece.
J. Daí que, no acórdão do TCA Norte de que recorreu a Autora, se tenha defendido que “não ocorre aqui qualquer sucessão de prazos, nem pode afirmar-se que o artigo 5.º/4-a) do CE/91 tenha encurtado um qualquer prazo anterior que, na verdade não existia” - neste sentido, Batista Machado, em “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 9.ª reimp., Coimbra, 1996, p. 244.
K. O estabelecimento de um prazo de 20 anos para a cessação do direito de reversão salvaguarda o interesse público que corresponde ao fundamento de todos os prazos prescricionais, designadamente quanto à estabilização dos atos jurídicos das entidades públicas, a certeza jurídica e a paz social - neste sentido cf. acórdãos n.os 127/2012, 827/96 e 499/04 do Tribunal Constitucional e o acórdão do STA de 1 de outubro de 2013 (p. 37653).
L. Por último, a aplicação do artigo 5.º/4, alínea a), do CE de 91 ao caso em apreço não tem caráter retractivo, na medida em que:
i) o facto constitutivo do direito da Autora, digamos assim, ocorreu 15 anos após o início de vigência do CE de 91, não podendo portanto falar-se de uma retroatividade em sentido autêntico.
ii) e, não se tratando de um caso de retroatividade autêntica é inaplicável o artigo 18.º/3 da CRP.
iii) Sendo um caso de simples retrospetividade, para que a norma constante do artigo 5.º/4, alínea a), pudesse em teoria ser julgada inconstitucional seria necessário que ela se relevasse arbitrária, inesperada, desproporcionada ou afetasse direitos de forma excessivamente gravosa e imprópria para as posições jusfundamentais dos particulares, o que não foi seguramente o caso. Ora a introdução do artigo 5.º/4/a) no CE de 91 nada teve de inesperado ou excessivamente gravoso - bem, pelo contrário, constituiu consagração formal, em texto de lei, de uma regra que a doutrina e a jurisprudência já vinham defendendo como a mais razoável (ver os já referidos Acórdão 127/2012 do Tribunal Constitucional e artigo do Prof. Oliveira Ascensão (em Reprivatizações e Direitos dos ExTitulares das Empresas Nacionalizadas, ROA, ano 51, pp. 312 ss.).
M. Em suma, pelo que ficou exposto, é seguro que a sentença recorrida não incorreu na aplicação inconstitucional ou ilegal do critério jurídico correspondente ‘ao artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações de 1991, aprovado pelo Decreto Lei 438/91, de 9 de novembro, na interpretação segundo o qual o direito de reversão cujo pedido é formulado após o inicio da vigência do referido Código cessa, em virtude da prescrição, decorridos que sejam 20 anos sobre a data da adjudicação, ainda que esta tenha ocorrido na vigência de lei anterior’, sendo aliás o entendimento nela expresso aquele que mais e melhores fundamentos recolhe na lei e, em particular, na Constituição, designadamente nos seus artigos 18.º/3 e 266.º/2.
[...]”.
II - Fundamentação
2 - Preambularmente à apreciação do objeto do recurso - a constitucionalidade da norma contida no artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações de 1991, na interpretação segundo a qual o direito de reversão cujo pedido é formulado após o início da vigência do referido Código cessa, em virtude de prescrição, decorridos que sejam 20 anos sobre a data da adjudicação, ainda que esta tenha ocorrido na vigência de lei anterior - impõe-se uma delimitação dos termos da discussão. 2.1 - É unicamente ao tribunal recorrido, e não o Tribunal Constitucional, que cabe fixar o critério normativo que dita a solução substancial do caso. No Tribunal Constitucional, o referido critério normativo é um termo fixo - um dado adquirido do processo-, sobre o qual recai uma apreciação, de natureza incidental, destinada a afastar (ou não) a sua aplicação. Assim, o tribunal recorrido dita a solução do caso com base na(s) norma(s) que considera corresponder(em) ao contexto factual por si determinado - ou seja, interpreta e aplica o direito infraconstitucional aos factos que julga provados-, para o que tem competência exclusiva. Vale o exposto por dizer que o Tribunal Constitucional não determina autonomamente a lei (infraconstitucional) aplicável à (alegada) sucessão de prazos, questão que a decisão recorrida decididamente afastou, rejeitando que o Código das Expropriações de 1991 tenha encurtado um prazo anterior (“[...] não ocorre aqui qualquer sucessão de prazos, nem pode afirmar-se que o artigo 5.º/4-a) do CE/91 tenha encurtado um qualquer prazo anterior que, na verdade, não existia”, disse-se na decisão recorrida a fls. 964).
2.2 - O direito de reversão - e assim entramos na apreciação da questão de constitucionalidade - tem sido entendido como uma condição resolutiva do ato expropriativo, de previsão legal. A condição é o incumprimento ou a cessação do fim previsto na Declaração de Utilidade Pública. O efeito jurídico sujeito àquela condição é o nascimento do direito a readquirir a coisa expropriada, na esfera do antigo proprietário expropriado (cf. Fernando Alves Correia, “As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública”, Separata do vol. XXIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1982, pp. 166 e ss.;
Diogo Freitas do Amaral e Paulo Otero, “Nacionalização, Reprivatização e Direito de Reversão”, O Direito, Lisboa, ano 124, n.º 1-2, JaneiroJunho de 1992, p. 301; v., ainda, o Acórdão 827/1996 no respetivo ponto 11).
Assim entendido, não é difícil compreender a ligação do direito de reversão à tutela da propriedade privada. Isto mesmo assinalou o Tribunal no Acórdão 332/2002:
“[...] Como sustentam alguns autores, a garantia da propriedade privada implica o reconhecimento da existência, em determinadas circuns-tâncias, do direito de reversão a favor dos proprietários expropriados (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, página 336) já que, ‘configurando-se a expropriação como uma compressão da garantia constitucional do direito de propriedade, na sua dimensão de garantia individual, justificada pela necessidade de afetação de um bem objeto de propriedade privada a um fim de interesse ou utilidade pública’ (citaram-se as palavras de Alves Correia, in A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código de expropriações de 1999, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 132.º, p. 295), é necessário que existam mecanismos de garantia que, em determinadas condições (não pagamento de justa indemnização e ou não afetação do bem expropriado às finalidades exaradas na declaração de utilidade pública), atribuam ao expropriado o direito de reaquisição do bem de que tinha sido, então e por isso, desnecessariamente privado.
Estas considerações doutrinárias espelham ou têm por base, pois, a necessidade de salvaguardar o direito de propriedade dos particulares das compressões que lhes são efetuadas pelos poderes públicos através das expropriações levadas a efeito.
[...]”.
2.2.1 - Não parece prestar-se a particular discussão que o direito de reversão pode ser sujeito a um prazo para o seu exercício, pelas mais elementares razões de segurança e estabilidade das relações jurídicas, o que o Tribunal teve já oportunidade de afirmar nos Acórdãos n.os 827/1996 e 499/2004.
No Acórdão 827/1996, decidiu-se julgar inconstitucional a norma do artigo 7.º, n.º l, do Código das Expropriações de 1976, por violação do artigo 62.º da Constituição, e a norma do artigo 7.º, n.º 3, do mesmo diploma, por violação dos artigos 268.º, n.º 3 e 20.º da Constituição. Note-se que não estava em causa, em qualquer das normas apreciadas, o estabelecimento de qualquer prazo para o exercício do direito, mas a delimitação do seu âmbito subjetivo (no caso da primeira norma) e a falta de notificação do ato administrativo subjacente aos factos que determinam a reversão (no caso da segunda). Não obstante, o Tribunal não deixou de equacionar, nesse contexto, a racionalidade da sujeição da reversão a um prazo (cf. ponto 11 do acórdão).
No Acórdão 499/2004, por sua vez, o Tribunal decidiu não julgar inconstitucional a norma contida no n.º 6 do artigo 5.º do Código das Expropriações de 1991 interpretada “[...] num sentido de harmonia com o qual, numa situação em que, passados dois anos desde a adjudicação, ao bem expropriado não foi, por pura inação da Administração, dada a aplicação que determinou a expropriação, não tendo o peticionante do direito de reversão do bem sido notificado dessa
, o prazo de caducidade do exercício do direito de reversão se conta a partir do final daqueles dois anos”. Para tanto, considerou que:
“[...] [N]enhuma atividade diversa da que legitimou a expropriação quanto ao bem objeto que dela foi alvo foi prosseguida pela Administração e, por isso, não se concebe do que é que esta, se não levar a efeito essa eventual atividade - e, sublinhe-se, é razoável pensar-se que a própria Administração, durante a pendência do prazo de dois anos após a expropriação, intenta efetivar o que a justificou (note-se que, para alguma doutrina, o conceito de necessidade da expropriação “não pode, de modo algum, ser interpretado em sentido rigoroso”, não sendo “exigido que se trate de uma necessidade absoluta - cf. autor e local citados) -, tenha de notificar o expropriado.
Ora, decorridos que sejam os dois anos após a expropriação e sem que o bem que dela foi alvo tivesse sido afeto a outro fim que não o que a ditou, o prazo de dois anos concedido a partir daí ao expropriado para solicitar a reversão - expropriado esse que já sabe que o anterior prazo se esgotou sem que a Administração tivesse realizado o fim justificativo da expropriação - não se afigura como acentuadamente exíguo ou desproporcionado para o exercício de um tal direito.
[...] [E]mesmo partindo do princípio de que o expropriado, após o ser, detém a expectativa de o bem de que foi desapossado haverá de ser afeto ao fim que legitimou a retirada da sua titularidade, sob pena de, assim não ocorrendo, o aludido bem
E não vai justamente porque ao expropriado, dotado de um mínimo de diligência, fácil é saber se, decorridos dois anos após a expropriação, o bem expropriado não foi utilizado para o fim que ditou a expropriação, sendo certo que ainda lhe é concedido um prazo de dois anos para exercitar o seu direito no sentido de esse bem, novamente, ser integrado no seu domínio.
O ónus de acompanhamento e controlo da eventual execução daquilo que foi subjacente à expropriação não redunda numa frustração irrazoável ou infundada de uma tal expectativa.
[...]”.
Não obstante estes Acórdãos (827/1996 e 499/2004) conterem referências à possibilidade de limitação temporal do direito de reversão, resulta patente que as questões neles apreciadas não se reconduzem àquela de que ora nos ocupamos.
Mais próximo da questão em apreço está, todavia, o Acórdão 127/2012, no qual o Tribunal não julgou inconstitucional a norma do artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações de 1991, “[...] interpretado no sentido de impedir os expropriados de exercer o direito de reversão dos bens expropriados, com fundamento no decurso do prazo de 20 anos sobre a data da adjudicação dos mesmos à entidade beneficiária da expropriação, mesmo no caso em que esses bens estiveram afetos ao fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação, sendo posteriormente vendidos para a construção de um projeto imobiliário privado”. Da respetiva fundamentação retiram-se os seguintes excertos com particular pertinência para a discussão a ter nos presentes autos:
“[...] Valem aqui as considerações tecidas nos Acórdãos já referidos [827/1996 e 499/2004] quanto à necessidade de ponderação do direito de reversão com outros princípios constitucionais, como sejam o princípio da segurança e da certeza jurídicas. Com o estabelecimento de um limite temporal de vinte anos, findo o qual o direito de reversão se extingue, visa salvaguardar-se o interesse público que corresponde ao fundamento de todos os prazos prescricionais, designadamente quanto à estabilização dos atos jurídicos das entidades públicas, a certeza jurídica e a paz social.
Com efeito, um dos princípios mais relevantes no nosso ordenamento jurídico, por ser um dos que mais contribuem para a paz jurídica e social, é o da estabilidade. É ele que, sendo raiz e pressuposto da segurança jurídica, conduz, em inúmeros casos, à consolidação das relações jurídicas existentes e as jurisdifica com caráter definitivo, contribuindo, dessa forma, para a mencionada pacificação. O Tribunal dá acolhimento a esse princípio em inúmeros contextos, ao reconhecer que a estabilidade é um dos valores que mais contribuem para a paz jurídica e social.
Foi, de resto, precisamente em função da importância e do valor desta estabilidade que o legislador fez extrair da posse, ou de outros direitos reais de gozo, mantidos por certo lapso de tempo, a aquisição do próprio direito de cujo exercício aquela atuação corresponde, através da consagração do instituto da usucapião (artigos 1287.º e seguintes do Código Civil). É em homenagem àqueles princípios, e à necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas, que a ordem jurídica confere à aparência de um direito, prolongada por determinado lapso de tempo, a virtualidade de se transformar na realidade. Sempre no intuito de preservar os referidos valores da segurança e estabilidade das relações jurídicas, a lei permite que o não exercício de um direito por um determinado lapso de tempo determina a sua prescrição - nos termos dos artigos 298.º e 309.º, ambos do Código Civil.
É, assim, certo que o prazo de vinte anos de prescrição do direito de reversão se justifica por razões semelhantes às que estão na base dos institutos da prescrição e da usucapião. São razões idênticas às que ditam a previsão dos referidos institutos que estão na base da previsão do prazo de vinte anos para a extinção do direito de reversão.
A segurança e a certeza jurídicas assumem particular relevância no presente contexto, em que estão em causa decisões de entidades públicas respeitantes à disposição dos bens de que são titulares. Para além disto, a salvaguarda do interesse público que obrigatoriamente preside às opções das autoridades públicas, reclama a possibilidade de reafectação dos referidos bens a necessidades públicas novas, supervenientes, transcorrido que seja um prazo razoável. Por fim, há que reconhecer que a configuração e utilidade da propriedade de bens imóveis se altera com o decurso do tempo, como o demonstra a mutação das classificações dos solos, o que reclama que a sua titularidade se estabilize definitivamente ao fim de um prazo razoável. Neste contexto, merecem também proteção os valores que justificam os princípios da confiança e da boa fé, à sombra dos quais se criaram na ordem jurídica novas posições de que podem ser titulares entidades públicas ou privadas.
Todos estes interesses justificam a conformação do direito de reversão ligado ao decurso de um determinado lapso de tempo, findo o qual o direito se extingue.
10 - O artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações fixa um prazo de vinte anos, findo o qual o direito de reversão se extingue. A verdade é que tal prazo não se afigura desproporcionado ou irrazoável. Ele corresponde, aliás, ao prazo ordinário da prescrição previsto no artigo 309.º do Código Civil. Não se vislumbra, aliás, motivo algum que dite que o direito de reversão mereça uma imprescritibilidade superior a outros direitos que se podem ter também como decorrências de direitos fundamentais. O prazo de vinte anos é, de resto, o prazo máximo para a usucapião de bens imóveis (artigo 1296.º do Código Civil).
Ao lançar mão deste prazo, empregue com efeitos semelhantes em outros locais da ordem jurídica, o legislador acabou por adotar o período de tempo - juridicamente relevante - de maior dimensão, previsto no sistema, aplicando-o ao direito que vigora na esfera jurídica dos expropriados. Não é, a todas as luzes, um prazo desproporcionada ou irrazoavelmente exíguo, tendo em conta que as razões de segurança e estabilidade se fazem sentir com particular intensidade no âmbito da propriedade imobiliária.
As considerações até agora tecidas não são invalidadas pelo facto de a entidade beneficiária da expropriação ter dado aos bens expropriados o fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação durante os referidos vinte anos e só posteriormente os ter desafetado e vendido no mercado imobiliário.
Com efeito, à luz dos princípios da certeza e segurança jurídicas é irrelevante o destino conferido aos bens após o decurso do referido prazo. A estipulação de um prazo de prescrição do direito de reversão visa precisamente, em nome dos já referidos valores assumidos pelo Direito, a pacificação das relações jurídicas, proibindo a controvérsia sobre a afetação dos bens. Tudo se passará, transcorrido o prazo, como se tivesse sido apagado o dever de afetação do bem ao específico fim de utilidade pública determinativo da expropriação.
Com efeito, não é obrigatório reconhecer-se ao expropriado, findo aquele prazo, qualquer expectativa legítima de o bem poder regressar ao seu domínio. [...] Finalmente, há que aceitar que os princípios da igualdade e da justiça foram devidamente acautelados com o pagamento da justa indemnização, contemporânea à data da adjudicação da propriedade dos bens à entidade beneficiária da expropriação. A justa indemnização devida pela expropriação constitui o meio idóneo para repor, no contexto de uma expropriação por utilidade pública, o equilíbrio e a justiça do tratamento dos cidadãos perante os encargos públicos.
[...]
[R]esta concluir que a fixação de um prazo de vinte anos findo o qual prescreve o direito do proprietário originário a exigir a respetiva reversão, independentemente de o bem, depois daquele prazo, vir a ser destinado a um fim económico não reconduzível a nenhuma utilidade pública, não constitui violação da Constituição.
[...]”.
A fundamentação deste Acórdão (127/2012) constitui, na jurisprudência deste Tribunal, precedente fortemente persuasivo quanto à viabilidade constitucional da aposição ao direito de reversão de um prazo de 20 anos para o respetivo exercício, contado desde a data da adjudicação.
Resta averiguar se o caso presente encerra particularidades que justifiquem outras considerações.
2.3 - A Recorrente afirma que a aplicação da lei nova a um prazo em curso, restringindo-o, tem caráter retroativo, violando o disposto no artigo 18.º, n.º 3, da CRP (conclusões 5. a 8. das alegações apre-sentadas).
A posição assim afirmada justifica duas notas preambulares. Em primeiro lugar, reitera-se não competir a este Tribunal apreciar argumentos relativos a um alegado encurtamento do prazo pela lei nova, pelas razões constantes do item 2.1., supra, às quais poderíamos até acrescentar a inutilidade dessa discussão, face ao que adiante se aduzirá.
Em segundo lugar, assinala-se que a situação em apreço - ou seja, a aplicação da norma do artigo 5.º, n.º 4, alínea a) do Código das Expropriações de 1991 a uma hipótese em que a expropriação e respetiva adjudicação ocorreram na vigência de lei anterior ao Código das Expropriações de 1991-, embora não diretamente tratada à luz do parâmetro do n.º 3 do artigo 18.º da Constituição, já se encontrava subjacente ao Acórdão 127/2012 acima referido (cujos factos tinham o seguinte alinhamento temporal:
DUP em 01/09/1949, adjudicação em 16/11/1949, destinação diversa da que esteve subjacente à expropriação em 29/04/2002 e ação destinada a efetivar a reversão intentada em 2004).
2.3.1 - De todo o modo, a aplicação de uma norma relativa ao prazo para exercício do direito de reversão faz-se, desde logo, por referência aos factos atinentes à constituição do direito à reversão. Ora o direito de reversão da Recorrente constituiu-se com a cessação da afetação da coisa expropriada ao fim que determinou a expropriação. No caso, tal facto ocorreu em 28/01/2008 (cf. facto provado em vi da decisão recorrida). Da aplicação da norma constante do Código das Expropriações de 1991 (essa foi a opção da decisão recorrida), que entrou em vigor em 07/02/1992 (cf. artigo 2.º do Decreto Lei 438/91, de 9 de novembro, que aprovou aquele Código), ao exercício de um direito constituído em 2008 não pode dizer-se que tem caráter retroativo.
A este propósito, convém recordar a linha traçada pelo Acórdão 287/1990 - e, a partir de então, sucessivamente seguida por inú-meros Acórdãos do Tribunal-, a propósito da designada retroatividade inautêntica. Estava, ali, em causa a aplicação da norma processual reguladora dos recursos a processos pendentes, aplicando-se a lei nova apenas a partir da prolação da decisão adversa, tendo o Tribunal considerando o seguinte:
“[...] Embora não haja retroatividade que afete um direito, estamos perante um daqueles casos em que a lei se aplica para o futuro a situações de facto e relações jurídicas presentes não terminadas. Como esta delimitação tem o Tribunal Constitucional Federal alemão falado de
, não obstante tivesse esclarecido no início desta jurisprudência, que então
(BVerfGE 11, 139, 146). Relevante é, porém, que aquele Tribunal tem entendido que também na chamada
[...] É certo que esta doutrina foi desenvolvida pelo tribunal alemão num quadro constitucional em que não existe uma proibição geral de retroatividade semelhante à do n.º 3 do artigo 18.º, para lá da que vale para as leis penais, pelo que, quer as outras proibições constitucionais de retroatividade, quer as proibições de
, são deduzidas em cada caso pela jurisprudência a partir do princípio do Estado de direito (artigo 20.º da Grundgesetz). Dado o disposto no n.º 3 do artigo 18.º, parece mais curial separar o tratamento dos casos que ele abrange, dos casos que foram designados como de
, sem aceitar sequer esta denominação, que induz reconhecidamente em erro, por não haver então retroatividade
(senão relativamente a expectativas). Estas últimas, [...] deverão ser separadamente discutidas a propósito do princípio da proteção da confiança, sem prejuízo de se reconhecer que a dogmática alemã demonstrou uma analogia profunda entre os dois grupos de casos:
o regime de ambos decorre do mesmo princípio.
[...] A ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios:
a) afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª revisão).
Pelo primeiro critério, a afetação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária.
Os dois critérios completam-se, como é, de resto, sugerido pelo regime dos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição. Para julgar da existência de excesso na
, isto é, na frustração forçada de expectativas, é necessário averiguar se o interesse geral que presidia à mudança do regime legal deve prevalecer sobre o interesse individual sacrificado, na hipótese reforçado pelo interesse na previsibilidade de vida jurídica, também necessariamente sacrificado pela mudança. Na falta de tal interesse do legislador ou da sua suficiente relevância segundo a Constituição, deve considerar-se arbitrário o sacrifício e excessiva a frustração de expectativas.
[...]”.
Esta posição criou uma linha jurisprudencial constante do Tribunal, em domínios muito diversificados (v. g., nos Acórdãos n.os 302/1990, 468/1996, 786/1996, 1/1997, 486/1997, 544/1995, 449/2002, 467/2003, 38/2004, 353/2007, 335/2008, 128/2009, 154/2010, 283/2011, 401/2013, 402/2013, 474/2013, 862/2013, 202/2014, 241/2015 e 509/2015).
No caso dos autos, o Código das Expropriações de 1991 - repete-se, aquele que a decisão recorrida aplicou, embora tudo se passasse do mesmo modo aplicando o Código de 1999-, o Código de 1991, dizíamos, veio regular um aspeto da relação jurídica complexa emergente da expropriação realizada antes da sua entrada em vigor, mas essa vertente da relação jurídica (a reversão e o respetivo direito) dependiam de pressupostos ainda não verificados. Trata-se, pois, de aplicação da lei a situações de facto e relações jurídicas presentes não terminadas, ou seja, de uma hipótese de retroatividade inautêntica ou retrospetiva. Como, a este propósito, faz notar Oliveira Ascensão [“Reforma Agrária e Expropriação por Utilidade Pública” (Parecer), Coletânea de Jurisprudência, ano XVII (1992), tomo II, p. 36]:
“[...] Afirma-se que a lei aplicável às expropriações por utilidade pública é a que vigorar à data da respetiva declaração. Mas uma coisa é regular o ato expropriativo, outra regular as situações jurídicas resultantes da declaração de utilidade pública. O critério geral do artigo 12.º do Código Civil, como critério universal da lei portuguesa, também tem aqui aplicação. Consequentemente, a lei que regula o ato expropriativo só visa os factos novos:
é o que se quer dizer quando se afirma que é aplicável a lei que vigorar à data da declaração de utilidade pública. Mas a regra que estabelece a caducidade regula diretamente o conteúdo da situação do expropriado, abstraindo dos factos que lhe deram origem. Quer dizer, atende-se à situação daquele cuja esfera jurídica foi atingida pelo ato de expropriação, nada relevando agora a consideração do ato em si. Nos termos do mesmo n.º 2, regula-se o conteúdo da relação - abstraindo dos factos que lhe deram origem. A lei aplica-se então às próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
[...]”.
Seguindo esta linha, vendo o caso dos autos como um daqueles em que a lei nova veio dispor sobre o conteúdo de parte de uma relação jurídica já constituída (a decorrente da expropriação), abstraindo dos factos que lhe deram origem, conforme previsto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, o certo é que, por um lado, tais casos são, precisamente, de retroatividade inautêntica (Acórdãos n.os 486/1997 e 449/2002) e, por outro, “[...] o artigo 12.º do Código Civil não tem que condicionar o sentido da retroatividade utilizado pelo legislador constitucional em todas as manifestações de proibição de retroatividade, nomeadamente quanto à chamada retroatividade inautêntica ou retrospetividade” (Acórdão 786/1996).
2.3.1.1 - A necessidade de ponderação de interesses a que as hipóte-ses de retroatividade inautêntica inevitavelmente conduzem tem vindo a ser repetidamente salientada pelo Tribunal. No Acórdão 335/2008, pode ler-se o seguinte, a tal propósito:
“[...] De entre as várias hipóteses de retroatividade, as situações de retrospetividade (ou retroatividade inautêntica) - em que a norma jurídica incide sobre situações ou relações jurídicas já existentes embora a nova disciplina pretenda ter efeitos para o futuro - são das mais frequentes e as que colocam problemas mais difíceis de delimitação da margem de conformação que deve ser reconhecida ao legislador ordinário.
‘É que do Código Civil ao Código Comercial, do Código do Trabalho ao Direito da Família, não há praticamente quaisquer hipóteses de alteração legislativa sem que, com isso, de alguma forma se afetem situações ou posições constituídas no passado e que permanecem à entrada em vigor da nova lei. Vedar a possibilidade de o legislador alterar a legislação em vigor ou obrigálo a considerar, excluir ou tratar diferenciadamente todas as situações provindas do passado seria fragmentar de uma forma praticamente inadmissível a ordem jurídica ordinária, incluindo à luz do princípio da igualdade, e degradar inconstitucionalmente a própria posição do legislador democrático’ (Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, pp. 266-267).
[...]”.
Os parâmetros principais a considerar na ponderação indicam-se, no Acórdão 486/1997, conforme ora se transcreve:
“[...] Uma lei retrospetiva não levanta o problema da retroatividade da lei. Coloca, porém, como se anotou - e semelhantemente ao que acontece com as leis retroativas que não sejam leis penais, nem leis restritivas de direitos liberdades e garantias - a questão da eventual violação do princípio da confiança, que vai ínsito no princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição.
Mas essa violação só se verifica, se a lei atingir ‘de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm que respeitar’ (cf. Acórdão 365/9 [...]), ou seja, ‘a ideia de segurança, de certeza e de previsibilidade da ordem jurídica’ (cf. citado Acórdão 232/91). E tal sucede, quando os destinatários da norma sejam titulares de direitos ou de expectativas legitimamente fundadas que a lei afete de forma ‘inadmissível, onerosa ou demasiadamente onerosa’.
Nos dizeres do citado Acórdão 232/91, ‘uma norma retrospetiva só deve ser havida por constitucionalmente ilegítima quando a confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada’.
[...]”.
Vincando-se no Acórdão 156/1995:
“[...] Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a proteção das expectativas dos cidadãos decorrente do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a licitude (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam
Um tal equilíbrio, como o Tribunal tem assinalado, será alcançado nos casos em que, ocorrendo mudança de regulação pela lei nova, esta [não] vai implicar, nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas, uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações. Nesses casos, impor-se-á que atue o subprincípio da proteção da confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio do Estado de direito democrático, por forma a que a nova lei não vá, de forma acentuadamente arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e segurança que todos têm de respeitar.
Como reverso desta proposição, resulta que, sempre que as expectativas não sejam materialmente fundadas, se mostrem de tal modo enfraquecidas ‘que a sua cedência, quanto a outros valores, não signifique sacrifício incomportável’ (cf. Acórdão 365/91[...]), ou se não perspetivem como consistentes, não se justifica a cabida proteção em nome do primado do Estado de direito democrático.
[...]”.
Mais recentemente, no Acórdão 128/2009, os critérios atrás enunciados foram arrumados em quatro requisitos ou testes (referidos, sucessivamente, nos Acórdãos n.os 188/2009, 187/2013, 862/2013, 575/2014, 241/2015 e 509/2015):
“[...] Os dois critérios enunciados [no Acórdão 287/1990] (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que para haja lugar à tutela jurídicoconstitucional da
Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer:
se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui proteção.
Por isso, disse-se ainda no Acórdão 287/90 - e importa ter este dito presente no caso - que, em princípio, e tendo em conta a autorevisibilidade das leis, ‘não há [...] um direito à nãofrustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados’.
[...]” (sublinhados acrescentados).
2.3.2 - Ainda que se admitisse que o Código das Expropriações de 1991 inovou no regime em análise (relativamente ao diploma pretérito, o Código de 1976, aprovado pelo Decreto Lei 845/76, de 11 de dezembro), restringindo os direitos previstos em lei anterior [o que ficou por demonstrar - v., aliás, sobre a aplicabilidade do prazo de 20 anos na vigência da lei anterior, Oliveira Ascensão, “Reprivatização e direitos dos extitulares das empresas nacionalizadas”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 51, vol. I (abril de 1991), p. 313 -, não se afigura - de modo algum - que a posição jurídica da Recorrente satisfizesse as exigências pressupostas nos assinalados “testes” ou mesmo de qualquer um deles.
Em primeiro lugar, não pode afirmar-se que o Estado/legislador tenha assumido comportamentos (anteriores à aprovação do Código das Expropriações de 1991) capazes de gerar na Recorrente qualquer expectativa contrária à aplicação do prazo previsto no artigo 5.º, n.º 4, alínea a), desse Código das Expropriações (a este propósito, é pertinente recordar que não vem, sequer, estabelecida a vigência anterior de um prazo mais longo).
Em segundo lugar, não se prefiguram boas razões - razões substancialmente atendíveis - para reconhecer a quaisquer expectativas nesse sentido (a existirem) consistência jurídica, tendo em conta que o sistema normativo há muito instituído tende a privilegiar a estabilidade e a segurança jurídicas, designadamente nas relações jurídicas de conteúdo essencialmente patrimonial, decorrido que seja o prazo ordinário de prescrição. Aliás, como salienta Oliveira Ascensão (“Reprivatização e direitos dos extitulares das empresas nacionalizadas”, cit., p. 312), “[...] há de haver um momento em que a situação se consolida definitivamente na titularidade do ente público, cessando a oneração em benefício do particular. Os bens integram-se então totalmente no domínio do beneficiário da expropriação, sem sujeição a nenhuma reversibilidade em caso de desafetação [...]”, visto que “[...] a nossa ordem jurídica é tendencialmente infensa a onerações perpétuas do direito de propriedade”.
Em terceiro lugar, a situação em análise não é de molde a ter suscitado na Recorrente um planeamento da sua vida patrimonial na perspetiva de vir a adquirir o direito de reversão (que, à data de entrada em vigor do Código das Expropriações de 1991 e muito depois dessa data, não podia inscrever-se no seu horizonte, pelo simples motivo de não ser prefigurável a verificação dos respetivos requisitos).
Por último, o regime em causa funda-se em evidentes razões de interesse público (já assinaladas pela citação dos fundamentos do Acórdão 127/2012, para os quais, novamente, se remete).
2.4 - Concluindo, não subsistem razões para julgar inconstitucional a norma que constitui objeto do recurso, pelo que este deve improceder.
Sumário:
I - O direito de reversão tem sido entendido como uma condição resolutiva do ato expropriativo, de previsão legal, ligando-se à garantia da tutela da propriedade privada;
II - O direito de reversão pode ser sujeito a um prazo para o seu exercício, por razões de segurança e estabilidade das relações jurídicas. A previsão, pelo legislador, de um prazo de 20 anos, contado desde a data da adjudicação, para esse efeito não contraria qualquer norma ou princípio constitucional;
III - A sujeição a este prazo, por aplicação da norma constante do artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações de 1991, de um direito de reversão constituído em 2008, por referência a adjudicação datada de 1979, não tem caráter retroativo. Trata-se de aplicação da lei a situações de facto e relações jurídicas presentes não terminadas, ou seja, de uma hipótese de retroatividade inautêntica ou retrospetiva;
IV - Uma lei retrospetiva não conhece as limitações que são próprias das leis retroativas, mas pode implicar violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição);
V - Segundo jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional, perante uma norma retrospetiva, para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da confiança é necessário:
em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do comportamento estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa (Acórdão 128/2009);
VI - Nenhum dos indicados testes ou requisitos (cumulativos) se verifica na hipótese referida em III, pelo que a aplicação da norma ali descrita não viola o princípio da confiança, ou seja, não afeta substancialmente a confiança do antigo proprietário expropriado em termos que reclamem a respetiva tutela no plano jurídicoconstitucional;
VII - Consequentemente, não é inconstitucional a norma contida no artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações de 1991, aprovado pelo Decreto Lei 438/91, de 9 de novembro, na interpretação segundo a qual o direito de reversão cujo pedido é formulado após o início da vigência do referido Código cessa, em virtude de prescrição, decorridos que sejam 20 anos sobre a data da adjudicação, ainda que esta tenha ocorrido na vigência de lei anterior.
III - Decisão
3 - Em face do exposto, decide-se, na improcedência do recurso, não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 5.º, n.º 4, alínea a), do Código das Expropriações de 1991, aprovado pelo Decreto Lei 438/91, de 9 de novembro, na interpretação segundo a qual o direito de reversão cujo pedido é formulado após o início da vigência do referido Código cessa, em virtude de prescrição, decorridos que sejam 20 anos sobre a data da adjudicação, ainda que esta tenha ocorrido na vigência de lei anterior.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, tendo em atenção os critérios definidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto Lei 303/98, de 7 de outubro (cf. artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 21 de junho de 2016. - Teles Pereira - Maria de Fátima MataMouros - João Pedro Caupers - Maria Lúcia Amaral - Joaquim de Sousa Ribeiro.
209738083
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA