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Acórdão 99/2009, de 30 de Abril

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Sumário

Decide sobre questões de responsabilidade pessoal de alguns dirigentes de partidos políticos no âmbito da lei relativa ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Texto do documento

Acórdão 99/2009

Processo 11/CPP

Acta

Aos três dias do mês de Março de dois mil e nove, achando-se presentes o Excelentíssimo Conselheiro Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmos.

Conselheiros Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Ana Maria Guerra Martins, Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, Mário José de Araújo Torres, Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro, Maria Lúcia Amaral, José Manuel Cardoso Borges Soeiro, João Eduardo Cura Mariano Esteves, Vítor Manuel Gonçalves Gomes, Maria João da Silva Baila Madeira Antunes e Benjamim Silva Rodrigues, foram trazidos à conferência os presentes autos, para apreciação.

Após debate e votação, foi ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o

seguinte:

I - Relatório.

1 - O Acórdão 455/2006, deste Tribunal, aplicou aos partidos políticos coimas pelas infracções cometidas por estes em matéria de financiamento e organização contabilística, no ano de 2003, e determinou a continuação dos autos com vista ao Ministério Público, de forma a promover o que tivesse por conveniente relativamente à responsabilidade pessoal dos dirigentes dos partidos políticos pelas ditas infracções, em conformidade com o preceituado nos artigos 14.º, n.º 3, e 14.º-A, n.º 1, da Lei 56/98, de 18 de Agosto (com as alterações resultantes da Lei 23/2000, de 23 de Agosto), e no artigo 103.º-A da Lei do Tribunal Constitucional.

2 - Na sequência dessa decisão, veio o Ministério Público, promover, em suma, o

seguinte:

a) A circunstância de os resultados da auditoria e diligências complementares promovidas não serem inteiramente concludentes quanto à cabal imputação de todas as infracções e irregularidades financeiras cometidas - bem como a eventual insuficiência dos estatutos e regulamentos financeiros então em vigor nos partidos, quanto à precisa e categórica delimitação dos vários níveis de responsabilidade pelas infracções cometidas - não pode conduzir a uma sistemática e inaceitável "diluição" das possíveis e plausíveis responsabilidades dos dirigentes partidários nas infracções que motivaram a condenação dos partidos, já que tal implicaria a evidente frustração dos objectivos prosseguidos pela Lei 23/2000, que visa, obviamente, com tal responsabilidade "complementar" dos dirigentes, pôr termo ao arrastamento, ao longo dos anos, de situações irregulares, reiteradamente verificadas pelo Tribunal Constitucional nas

múltiplas auditorias que tiveram já lugar.

b) Os elementos coligidos nos autos não permitem responsabilizar, a título de dolo, dirigentes partidários determinados, quanto às infracções ao dever genérico de os partidos possuírem contabilidade organizada (violado pelo facto de ocorrer falta de suficiente ou adequado suporte ou informação documental, justificativa de receitas, despesas e mapas contabilísticos) e quanto às infracções aos deveres específicos consistentes: (I) na obrigatória titulação por cheque ou transferência bancária dos donativos que excedam o valor do salário mínimo nacional (II) na não adopção do procedimento de depósito integral dos donativos de natureza pecuniária em contas exclusivamente destinadas a esse efeito; (III) na não adopção da prática do pagamento de despesas superiores a dois salários mínimos nacionais por cheque ou outro meio de pagamento que permita a identificação do montante e da entidade destinatária e na não realização das necessárias reconciliações bancárias; (IV) na não apresentação da lista de receitas decorrentes das actividades de angariação de fundos.

c) O mesmo não ocorre, porém, com outras infracções que, por estarem inquestionavelmente ligadas a aspectos estruturais e essenciais da organização financeira e contabilística dos partidos, não poderiam, ao menos numa análise liminar e indiciária, ter escapado ao controlo dos titulares dos órgãos a quem estava cometido, segundo os estatutos e regulamentos financeiros em vigor, o "domínio" da gestão financeira dos

partidos, nomeadamente:

I) A falta de apresentação de contas (verificada quanto ao PDA);

II) A ausência de contas abrangendo todo o universo partidário (verificada quanto ao

PS, PPD/PSD e ao CDS-PP);

d) Relativamente à não apresentação de contas, imputada ao PDA, trata-se de uma infracção que, pela sua essencialidade e relevância, não poderá deixar de imputar-se ao Presidente da Comissão Política Nacional, dado o preceituado nos artigos 43.º, 50.º e 70.º, n.º 1, dos respectivos Estatutos. No ano de 2003, a função de Presidente da Comissão Política Nacional era exercida, conforme os registos existentes neste Tribunal Constitucional, por José Francisco Ventura Nunes. Este, presidindo então à Comissão Política Nacional, não elaborou nem apresentou, nesse ano, a respectiva conta, apesar de bem saber, face ao teor da lei e aos precedentes jurisprudenciais, resultantes de acórdãos já anteriormente proferidos pelo Tribunal Constitucional, que estava obrigado a apresentá-las, nos termos legais. Participou, pois, com dolo, no cometimento da infracção prevista no artigo 14.º, n.º 2, da Lei 56/98 (na redacção resultante da Lei 23/2000), decorrente da omissão de cumprimento, quanto ao ano de 2003, da obrigação consignada no artigo 13.º, n.º 1, da mesma lei, indiciando-se que seja pessoalmente responsável - na qualidade de Presidente da Comissão Política Nacional - por tal infracção, pelo que se promove a aplicação da coima prevista no artigo 14.º,

n.º 3, da referida lei.

e) Relativamente à não apresentação de contas abrangendo todo o universo partidário, imputada ao PS, verifica-se ser a Comissão Nacional de Fiscalização Económica e Financeira o órgão ao qual se encontra cometida uma função particularmente relevante no controlo da gestão financeira do partido, já que lhe compete assegurar a legalidade, o respeito pelos Estatutos, o rigor e a transparência da gestão administrativa e financeira do Partido, fiscalizar a fidedignidade das contas e dos respectivos documentos justificativos e emitir parecer sobre o relatório e a Conta Geral do Partido (artigo 84.º dos Estatutos) - exercendo tais competências após audição do Secretário Nacional que detiver o pelouro da Administração e das Finanças do Partido (cargo que, conforme informação prestada pelo próprio Partido, "não existiu de facto" no período de 2001 a 2003). A Conta Geral do Partido é apresentada pelo Secretário-Geral à Comissão Nacional, acompanhada do parecer da Comissão Nacional de Fiscalização Económica e Financeira (artigo 73.º, n.º 2, al. b), dos Estatutos). Os membros deste órgão de controlo de gestão financeira do Partido foram, no exercício de 2003, António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria do Carmo Antunes da Silva, Rodrigo Vieira Oliveira, Maria Teresa Magno Heimans e Fernando dos Santos Carvalho. Tais responsáveis pelo controlo da legalidade e exactidão das contas do Partido bem sabiam, face ao teor dos preceitos legais, das disposições estatutárias e à reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional, que o Partido estava vinculado à apresentação de uma conta consolidada, que abrangesse o universo das estruturas partidárias, devendo ter adoptado as providências adequadas para que tal tivesse ocorrido nas contas referentes ao exercício de 2003. Assim, ao não terem adoptado as providências adequadas para que a conta de 2003 abrangesse o universo do Partido, mostra-se indiciado que participaram, com dolo, no cometimento da infracção prevista no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, promovendo-se, consequentemente, a aplicação da coima prevista no artigo 14.º, n.º 3, da mesma Lei.

f) Quanto ao PPD/PSD, compete ao Secretário-Geral elaborar e submeter à Comissão Política Nacional o orçamento e as contas do Partido, podendo ser coadjuvado por Secretários-Gerais Adjuntos [artigo 25.º, n.º 1, alíneas c) e e), dos Estatutos]. Também o Regulamento Financeiro do partido dispõe sobre a apresentação de contas (artigo 2.º), prevendo os respectivos artigos 11.º a 13.º a responsabilidade pessoal e funcional dos titulares de órgãos ou estruturas sujeitos à sua disciplina. Os responsáveis da Sede Nacional, em 2003, eram o Secretário-Geral, José Luís Fazenda Arnaut Duarte, e o Secretário-Geral Adjunto para a área financeira, José Manuel de Matos Rosa. Tais responsáveis financeiros bem sabiam, face ao teor dos preceitos legais, das disposições estatutárias e à reiterada jurisprudência deste Tribunal Constitucional, que estavam vinculados à apresentação de uma conta consolidada, que abrangesse o universo das estruturas partidárias, devendo ter adoptado tempestivamente as providências adequadas para que tal tivesse ocorrido no exercício de 2003, pelo que, não o tendo feito, se mostra indiciado que participaram, com dolo, no cometimento da infracção prevista no artigo 10.º, n.º 4, promovendo-se a aplicação da coima prevista no artigo

14.º, n.º 3, da citada lei.

g) Quanto ao CDS-PP, compete à Comissão Directiva dirigir a organização administrativa e financeira do partido e elaborar o seu Orçamento e Contas (artigo 50.º, n.º 1, alíneas d) e f) dos Estatutos). No decurso do ano de 2003, o responsável pelo sector financeiro do CDS/PP foi Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro. Este membro da Comissão Directiva e responsável financeiro bem sabia face ao teor dos preceitos legais, das disposições estatutárias e à reiterada jurisprudência deste Tribunal Constitucional, que estava vinculado à apresentação de uma conta consolidada, que abrangesse o universo das estruturas partidárias, devendo ter adoptado tempestivamente as providências adequadas para que tal tivesse ocorrido no exercício de 2003, pelo que, não o tendo feito, se mostra indiciado que participou, com dolo, no cometimento da infracção prevista no artigo 10.º, n.º 4, promovendo-se a aplicação da coima prevista no artigo 14.º, n.º 3, da citada lei.

3 - Em resposta à promoção do Ministério Público, vieram pronunciar-se José Francisco Nunes Ventura (PDA), Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro (CDS-PP), José Luís Fazenda Arnaut Duarte e José Manuel de Matos Rosa (ambos do PPD/PSD), António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria do Carmo Antunes da Silva, Rodrigo Vieira Oliveira, Maria Teresa Magno Heimans e Fernando dos Santos Carvalho (todos do PS),

alegando, em suma, o seguinte:

a) José Francisco Nunes Ventura sustentou que o PDA passou por uma situação muito grave, o que o conduziu a gerir o partido praticamente sozinho em ordem a evitar a respectiva extinção. Tal situação implicou para si a tarefa de apresentar candidaturas e organizar campanhas eleitorais, tendo-se-lhe tornado materialmente impossível o cumprimento atempado da obrigação de apresentação das contas, sendo certo que o fez posteriormente. Acresce que o PDA, para além de nada haver recebido do erário público, tem um orçamento anual cujo valor, sendo modesto, não chega a atingir, tal como o das respectivas contas anuais, o montante de (euro) 6.500. Perante tais circunstâncias, a respectiva actuação não poderá ser considerada dolosa.

b) António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria do Carmo Antunes da Silva, Rodrigo Vieira Oliveira, Maria Teresa Magno Heimans e Fernando dos Santos Carvalho afirmaram que as irregularidades verificadas, prendendo-se com a própria organização do partido, ultrapassam o domínio da vontade dos dirigentes individuais, o que impossibilita a identificação das pessoas a quem as infracções podem ser pessoalmente imputadas, bem como o estabelecimento de um nexo de causalidade entre a conduta em causa - não apresentação de uma conta consolidada - e o comportamento dos membros da Comissão Nacional de Fiscalização Económica e Financeira do partido. Refeririam ainda que tal Comissão não tem competências ao nível da aprovação das contas do partido (limita-se à emissão de parecer não vinculativo), dispõe de natureza eminentemente fiscalizadora e não executiva, assume-se como órgão meramente político (a composição da Comissão obedece mais a critérios que privilegiavam a militância e a capacidade de intervenção política e reconhecimento do prestígio profissional do que a critérios ligados à preparação técnica dos seus membros para o cabal desempenho das funções atribuídas pelo Estatuto e a respectiva responsabilidade, sendo meramente política, é exercida perante o Congresso que a elegeu), sempre funcionou de forma muito esporádica e sem qualquer apoio logístico ou administrativo (apenas uma vez por ano e nas vésperas da Comissão Nacional, com o único objectivo de emitir parecer sobre a conta geral do partido, tal como previsto na al. d) do n.º 2 do artigo 84.º dos Estatutos), não tem assento no secretariado nacional ou em qualquer outro órgão de gestão do partido (apenas assiste como observadora às reuniões da Comissão Nacional) e, não obstante ser o órgão de controlo interno das contas do PS e de lhe estar cometida a responsabilidade de velar pelo cumprimento da lei e dos estatutos, assume deveres de natureza genérica e, por isso, não compagináveis com a fiscalização concreta, do dia-a-dia, e a todos os níveis do partido (central, federal, de concelhias e secções). Numa outra linha argumentativa, afirmaram ainda que a responsabilidade contra-ordenacional deverá considerar-se em qualquer caso excluída pela circunstância de haverem actuado com erro sobre a proibição legal e ou sobre os pressupostos materiais do dever de garante (os Estatutos não impõem à Comissão Nacional de Fiscalização Económica e Financeira o dever de aprovação das contas ou de apresentação de uma única conta abrangendo todo o universo partidário) ou, pelo menos, pela ausência de qualquer elemento susceptível de demonstrar a existência da vontade de realização do tipo (a emissão de parecer sobre as contas do partido não é susceptível de comportar uma actuação dolosa que possa consubstanciar a prática da infracção), já que o tipo contra-ordenacional imputado é, para além de omissivo, estruturalmente doloso e a vontade de o realizar não se presume, nem decorre automaticamente da afirmação de um dever de controlo, antes carecendo de ser positivamente demonstrada. Fernando dos Santos Carvalho, Maria do Carmo Antunes da Silva e Rodrigo Vieira Oliveira sustentaram ainda não haver participado na deliberação da Comissão Nacional de Fiscalização Económica e Financeira de 27.05.2004 por via da qual se procedeu à emissão de parecer e aprovação do relatório

de gestão e contas do ano de 2003.

c) José Luís Fazenda Arnaut Duarte remeteu, no essencial, para a defesa apresentada por José Manuel de Matos Rosa, que confirmou haver-lhe sido confiada, por delegação daquele, toda a gestão administrativa, contabilística e financeira do PSD no ano de 2003, delegação essa que, tendo sido motivada pela circunstância de o primeiro exercer então, em acumulação com o cargo de Secretário Geral do partido, o de membro do governo, determinou que se tivesse alheado das matérias de natureza contabilística. No que à respectiva actuação diz especificamente respeito, José Manuel de Matos Rosa sustentou haver feito tudo o que estava ao seu alcance para dar cumprimento à obrigação legal em causa e a que se sabia vinculado (esforço diário pessoal de trabalho conjunto com todas as estruturas do PSD, visando corrigir, coordenar e integrar todos os procedimentos administrativos, financeiros e contabilísticos, e obtenção de consultadoria externa destinada à melhoria de procedimentos e elaboração de um novo regulamento financeiro do PSD, em vigor desde 1 de Janeiro de 2005, em substituição do anterior, vigente desde 1997 e inadequado face às novas exigências legais), não sendo exigível maior esforço e diligência do que aqueles que efectivamente desenvolveu. Referiu ainda que a ausência de contas abrangendo todo o universo partidário resultou directamente da incapacidade de as estruturas não nacionais do PSD corresponderem às necessidades relativas aos procedimentos tendentes a evitar deficiências e, quanto à estrutura regional autónoma da Madeira, da circunstância de se tratar de uma organização perfeitamente autonomizada, pese embora os contactos com a mesma sempre mantidos no intuito de normalizar os procedimentos financeiros e contabilísticos. Sustentou, por último, que, face a tal situação objectiva e apesar de todos os esforços desenvolvidos para ultrapassar as ditas deficiências, lhe não foi possível cumprir integralmente o objectivo consistente na apresentação, em anexo às contas da Estrutura Nacional, das contas de todas as demais estruturas do Partido, sendo que tal resultado lhe não pode ser imputado, em especial a título de dolo, já que o dolo não pode ser deduzido a partir da titularidade de um cargo e do conhecimento das normas relativas às obrigações ao mesmo inerentes. Requereu a audição de duas testemunhas (Pedro Nuno Xavier e José

Flores Morim).

d) Como questões prévias, Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro invocou a prescrição do procedimento contra-ordenacional por reivindicado efeito do decurso do prazo de três anos sobre a data da prática da imputada infracção (alínea b) do artigo 27.º, do Regime Geral das Contra-ordenações e das Coimas), reportada ao ano de 2003, sem que haja registo de qualquer facto suspensivo ou interruptivo do prazo prescricional, bem como a nulidade do despacho de promoção (equivalente a uma acusação penal) por violação do disposto nos artigos 283.º do Cód. de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 32.º do RGCO, e 50.º do RGCO, com fundamento na circunstância de ali se omitir a descrição de qualquer facto que determine a imputação ao arguido das infracções pelas quais foi condenado o CDS-PP, fazendo presumir o respectivo dolo quanto à prática de tais factos. Deste ponto de vista, sustentou ainda que o direito do visado a pronunciar-se, em prazo razoável, sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e a sanção ou sanções em que incorre (artigo 55.º do Regime Geral das Contra Ordenações) não pode ser adequadamente exercido se o Ministério Público se limitar a fazer menção aos factos relativos à actuação do CDS-PP, omitindo a alegação dos concretos termos em os que mesmos lhe são pessoalmente imputados, uma vez que a condenação dos responsáveis financeiros não pode ser uma decorrência directa e imediata da condenação dos partidos, sob pena de violação do direito ao processo equitativo previsto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP. Ainda neste contexto, insurgiu-se contra a possibilidade de poder valer contra si a prova feita no processo de apreciação das contas em que não foi parte, uma vez que lhe assiste o direito a exercer o contraditório sobre toda a prova produzida (artigo 32.º, n.º 5, da CRP). Referiu ainda que não se verificam os pressupostos da ilicitude e da culpa respeitantes ao preenchimento do tipo contra-ordenacional imputado, já que, no que à ilicitude concerne, não existem elementos susceptíveis de demonstrar que a organização da contabilidade do CDS-PP impediu o efectivo conhecimento da respectiva situação financeira e patrimonial (resultado essencial ao preenchimento do tipo sob pena de se lhe atribuir uma amplitude incompatível com o princípio da legalidade consagrado no artigo 29º, n.º 1, da CRP) ou de determinar a contribuição do arguido para um tal efeito e, quanto à culpa, o despacho de promoção não alega factos integrativos do dolo nos seus momentos volitivo e intelectual (o que constitui fundamento para a respectiva rejeição, por manifestamente infundado, nos termos dos n.º s 2, al. a), e 3, al. d), ambos do artigo 311.º, do CPP), nem apresenta qualquer elemento probatório sobre a intenção com a qual o arguido agiu (que nunca foi a de violar as obrigações contabilísticas), quando certo é que o artigo 14.º, n.º 3, da Lei 56/98, de 18 de Agosto, somente abrange os dirigentes que, directa e pessoalmente (e, portanto, consciente e dolosamente), hajam contribuído para a violação das normas em causa.

Sustentou, por último, que, na hipótese de vir a ser aplicada, a coima deverá fixar-se no valor mínimo previsto por ser reduzida gravidade da contra-ordenação (estão em causa meras irregularidades contabilísticas comuns à generalidade dos partidos políticos com representação parlamentar e com reduzido impacto na correcta expressão da realidade financeira e patrimonial do CDS-PP), ter o partido desenvolvido, com a participação do arguido, esforços no domínio da organização e do controlo de gestão, não ter o arguido agido com culpa ou ser esta diminuta e não haver o mesmo retirado qualquer

benefício económico da infracção.

4 - O Ministério Público respondeu às questões prévias suscitadas pelo arguido Abel de Moura Pinheiro, considerando que o prazo de prescrição aplicável é o de cinco anos previsto na al. a) do artigo 27.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, e que o despacho de promoção não contém vícios impeditivos da efectivação do procedimento pela prática da infracção imputada 5 - Notificadas as pessoas cujo testemunho foi requerido, apenas Pedro Nuno Xavier (Director Financeiro do PPD/PSD) se pronunciou, confirmando, no essencial, a versão apresentada por José Manuel de Matos Rosa, sobretudo no que toca às diligências por este empreendidas no sentido do cumprimento do dever imposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98. Referiu ainda a dificuldade que instituições densas e complexas como os partidos políticos, em especial com a dimensão do PPD-PSD, enfrentam na implementação dos procedimentos internos necessários à prossecução daquele objectivo e a incomportabilidade financeira que para os mesmos representa o recurso a meios tecnicamente aptos à observância em tempo oportuno de todas as regras.

6 - Cumpre, agora, a este Tribunal, decidir da punição ou não dos dirigentes partidários acima identificados, face à legislação em vigor.

II - Questões prévias.

7 - Da prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Sob invocação do disposto na alínea b) do artigo 27.º, do Regime Geral das Contra-ordenações, o arguido Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro invocou a prescrição do procedimento contra-ordenacional contra si nos presentes autos instaurado por reivindicado efeito do decurso do prazo de três anos sobre a data da prática da imputada infracção, reportada ao ano de 2003, sem que tenha ocorrido qualquer facto suspensivo ou interruptivo do prazo prescricional.

Vejamos se procede tal argumentação.

Ao arguido é imputada a prática da contra-ordenação consubstanciada na violação do artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, alterada pela Lei 23/2000.

A Lei 56/98, com as alterações resultantes da Lei 23/2000, nada dispõe sobre a prescrição do procedimento contra-ordenacional referente às infracções aí tipificadas.

No seu silêncio, valerão, pois, as disposições constantes do Regime Geral das Contra-ordenações (aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei 356/89, de 17 de Outubro, n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro).

Tendo em vista determinar a lei aplicável e fixar o prazo de prescrição a considerar, impõe-se verificar previamente qual deve ser considerado o momento da prática da

infracção.

O Tribunal Constitucional considerou já várias vezes, designadamente nos Acórdãos n.º 361/2003 e n.º 423/2004, que o momento da prática das infracções aos artigos 10.º, n.º 1, 10.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, é o final do ano a que se

reportam as contas dos partidos políticos.

O Acórdão 361/2003, relativo às contas dos partidos políticos do ano de 2000, referindo-se, entre outras, às infracções resultantes "da falta de integração da contabilidade (...) da insuficiência de suporte documental de certas receitas, despesas ou rubricas contabilísticas e da não elaboração, em termos satisfatórios, do inventário anual do património imobiliário e mobiliário sujeito a registo", determinou que "a coima a aplicar (...) deverá ser fixada no valor de (...) salários mínimos nacionais correspondentes ao ano de 2000 (já que a infracção se consumou no final desse ano)"

[itálico nosso].

No Acórdão 348/06, considerou-se tal raciocínio justificado «pelo facto de as obrigações previstas naquelas disposições legais terem de ser cumpridas até ao final do

ano a que as contas dizem respeito».

No presente caso, o momento da prática da infracção imputada ao arguido é, assim, o

final do ano de 2003.

Para efeitos da contagem do prazo de prescrição, considera-se, pois, momento da prática da contra-ordenação, o fim do ano de 2003.

Ora, no final de Dezembro de 2003 - momento da prática da contra-ordenação imputada - o regime das Contra-ordenações constava do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, já com a redacção conferida pela Lei 109/2001, de 24 de

Dezembro.

De acordo com o disposto no artigo 27.º, n.º 1, do referido diploma, o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:

a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49.879,79;

b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2.493,99 e inferior a (euro) 49.879,79;

c) Um ano, nos restantes casos.

À luz do artigo 14.º, n.º 3, da Lei 56/98, na versão resultante da Lei 23/2000, a coima aplicável aos dirigentes dos partidos políticos que participem pessoalmente nas infracções previstas no Capítulo II (onde se inclui a tipificada no artigo 10.º, n.º 4) varia entre 5 e 200 salários mínimos mensais nacionais.

Considerando que, de acordo com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei 320-C/2002, de 30 de Dezembro de 2002, em 31 de Dezembro de 2003 (momento da consumação da infracção), o salário mínimo mensal nacional tinha o valor de (euro) 356,60, o montante máximo da coima a aplicar é de (euro) 71.320,00.

A contra-ordenação em causa cabe, pois, na previsão da al.a) do n.º 1 do artigo 27.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações - e não na previsão da respectiva al. b) como erradamente assume o arguido - , sendo o prazo de prescrição do procedimento

contra-ordenacional de cinco anos.

Reportando-se a contra-ordenação sob julgamento a 31 de Dezembro de 2003, o prazo prescricional ter-se-ia completado então aos 31 de Dezembro de 2008, o que efectivamente teria sucedido se nenhum evento susceptível de obstar a tal decurso tivesse tido entretanto lugar no âmbito dos presentes autos.

Sob a epígrafe «interrupção da prescrição», dispõe-se, porém, no artigo 28.º do Regime Geral das Contra-ordenações (na redacção revista pela Lei 109/2001, de

24 de Dezembro), o seguinte:

«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele

tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade

administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.

3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de

metade.»

Interrompendo-se a contagem do prazo de prescrição, nos termos da alínea c) do n.º 1, do artigo 28.º, do Regime Geral das Contra-ordenações, com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito, a análise dos autos permite verificar que esse efeito se produziu sobre o procedimento instaurado contra o arguido Abel Pinheiro aos 14.07.2008 (cf. fls. 27 do apenso C) e 28.10.2008 (fls. 56 do mesmo apenso), datas em que o mesmo exerceu o contraditório, apresentando defesa escrita.

Uma vez que cada um desses actos determinou o reinício da contagem do prazo e, sobre o momento da prática do facto, não decorreu ainda o prazo normal de prescrição acrescido de metade (sete anos e seis meses), a conclusão só pode ser a de que o procedimento contra-ordenacional instaurado não se encontra prescrito, o que conduz a julgar improcedente a excepção invocada pelo respondente.

Embora a constatação de que o regime jurídico contemporâneo da alegada prática dos factos soluciona negativamente o problema da prescrição do procedimento não dispense a consideração daquele que lhe sucedeu e presentemente vigora (cf. artigo 3.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-ordenações), importa referir, todavia, que a ponderação deste - trata-se do regime jurídico resultante das Leis n.º 19/2003, de 20 de Junho, e n.º 2/2005, de 10.01, em vigor desde 1 de Janeiro de 2006 (cf. artigo 34.º, n.º 2, da Lei 19/2003 e artigo 49.º da Lei 2/2005) - não conduz ao reconhecimento de lei posterior mais favorável que cumpra aplicar retroactivamente.

Com efeito, a infracção prevista no artigo 10.º, n.º 4 da Lei 56/98, de 18 de Agosto, encontra-se agora tipificada no artigo 12.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de Junho, não se registando qualquer alteração de sentido no âmbito da descrição da conduta antijurídica, nem qualquer mutação da estatuição que lhe é feita corresponder.

Segundo resulta agora dos n.os 1 e 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003, os dirigentes partidários que pessoalmente participarem na infracção consistente na violação da obrigação estabelecida no artigo 14.º, n.º 4, são punidos com coima mínima no valor de 5 salários mínimos mensais e máxima de 200 salários mínimos mensais, limites estes integralmente coincidentes com os constantes da previsão do artigo 14.º, n.º 3, da Lei 56/98, na versão resultante da Lei 23/2000.

A sucessão de leis no tempo no âmbito do regime jurídico do financiamento dos partidos políticos não influi assim sobre a análise da prescrição no caso em presença, tanto mais quanto certo é que o bloco normativo aplicável actualmente em vigor permanece integrado pelas normas dos artigos 27.º, n.º 1, al. a) e 28.º, n.º 1, al. c), do Regime Geral das Contra-ordenações, na redacção revista pela Lei 109/2001, de

24 de Dezembro, ambas consideradas já.

8 - Dos vícios formais imputados ao despacho de promoção.

8.1 - Conforme acima relatado, o arguido Abel Pinheiro invocou a nulidade do despacho de promoção por violação do disposto no artigo 283.º do Cód. de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 32.º do Regime Geral das Contra-ordenações, e no artigo 50.º deste último diploma legal, com fundamento na circunstância de ali se omitir a descrição de qualquer facto que determine a imputação ao referido arguido das infracções pelas quais foi condenado o CDS-PP, fazendo presumir o respectivo dolo

quanto à prática de tais factos.

De acordo com a argumentação para o efeito expendida, o direito que ao arguido assiste de pronunciar-se, em prazo razoável, sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e a sanção ou sanções em que incorre (artigo 50.º do Regime Geral das Contra-ordenações) não poderá ser adequadamente exercido se o Ministério Público se limitar a fazer menção aos factos relativos à actuação do CDS-PP, omitindo a alegação dos termos em que àquele concretamente se propõe imputá-los, já que a condenação dos responsáveis financeiros não pode ser uma decorrência directa e imediata da condenação dos partidos sob pena de violação do direito ao processo equitativo previsto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP.

Ainda no plano das vicissitudes apontadas ao despacho de promoção, o respondente sustenta que o mesmo não contém a alegação dos factos integrativos do dolo, nos seus momentos volitivo e intelectual, o que, na perspectiva seguida, constituirá fundamento para a respectiva rejeição, por manifestamente infundado, nos termos dos n.os 2, al. a), e 3, al. d), do artigo 311.º, do Código de Processo Penal.

8.2 - O quadro legal invocado pelo arguido em ordem à invalidação do despacho de promoção, integrado como é por normas de processo contra-ordenacional e normas processuais penais, remete para o vasto contexto da problemática suscitada em torno das relações entre o direito contra-ordenacional e o direito penal, domínio onde, conforme sabido é, a doutrina vem assinalando uma linha de evolução marcada por sucessivas aproximações do primeiro ao segundo.

Embora o programa político-criminal associado ao Código Penal de 1982 preconizasse a autonomia do ilícito de mera ordenação social aos níveis dogmático, sancionatório e processual (Figueiredo Dias, O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, V. I, p.

28), observa-se, nesta perspectiva, que a crescente tendência para o alargamento das áreas de intervenção do Direito de Mera Ordenação Social a circuitos económicos e tecnológicos complexos e o concomitante agravamento dos montantes das coimas, bem como a ampliação do espectro das sanções acessórias aplicáveis, conduziu à instalação de um ambiente favorável ao incremento da componente de garantia do regime do ilícito de mera ordenação social e, por via disso, à criação das condições propiciadoras de uma progressiva aproximação aos institutos e soluções do direito penal, em prejuízo do aprofundamento da autonomia perspectivada originariamente (cf. Frederico Costa Pinto, O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade, Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, V. I, p. 214-215).

Na síntese deste mesmo autor, ter-se-á criado, «no fundo, uma área jurídica muito heterogénea onde, por razões de segurança e de garantia, se recorreu cada vez mais às categorias e figuras da dogmática penal e aos mecanismos e regras do processo penal» (ob. cit., p. 271-272), recurso esse legalmente viabilizado e tecnicamente mediado pelas cláusulas gerais de direito subsidiário constantes dos artigos 32.º e 41.º do

Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO).

Esta linha de evolução conduziu, por um lado, a que, no âmbito doutrinal, se registe na actualidade a tendência para um certo redireccionamento do debate, fixando-se-lhe linhas de progressão dogmática centradas na recuperação dos elementos diferenciadores do direito contra-ordenacional e na reafirmação da respectiva autonomia face ao direito penal, e, por outro, a que, no domínio da interpretação jurisdicional do sistema, incluindo no plano constitucional, se mantenha longe do fim a discussão em torno dos fundamentos e limites da transposição para o direito contra-ordenacional das soluções, substantivas e processuais, previstas para o direito penal, em especial no contexto da identificação das regras e princípios deriváveis da zona de sobreposição reconhecida entre ambos os direitos - natureza sancionatória dos correspondentes procedimentos - e daqueles outros associáveis já à superlatividade ética e aflitiva do direito penal sobre o direito contra-ordenacional e, com tal fundamento, passíveis de serem considerados privativos do primeiro.

No plano processual, em especial no que concerne às garantias de defesa, a indagação dos elementos de aproximação e de demarcação entre o direito contra-ordenacional e o direito penal cruza o plano do relacionamento de um e de outro com a ordem constitucional, remetendo directamente para a consideração do artigo 32.º, n.º 10, da

CRP.

Conforme salientado já por este Tribunal, a norma do artigo 32.º, n.º 10, da CRP - introduzida pela revisão constitucional de 1989 quanto aos processos de contra-ordenação e alargada pela revisão de 1997 a quaisquer processos sancionatórios - implica a inviabilidade constitucional da aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), reagindo contra uma acusação prévia, apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cf. Ac. n.º 659/06 e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363).

Sem prejuízo dos demais direitos que outras normas constitucionais incluem no conjunto das garantias asseguradas aos arguidos em processos sancionatórios (cf.

artigo 20.º da CRP), o alcance atribuível à norma do n.º 10 do artigo 32.º é, todavia, conforme igualmente acentuado na jurisprudência constitucional, apenas o que se deixou exposto, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, "nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios", de "todas as garantias do processo criminal" (artigo 32.º-B do Projecto de Revisão Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cf. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-RC, n.º 20, de 12 de Setembro de 1996, pp. 541-544, e 1.ª série, n.º 95, de 17 de Julho de 1997,

pp. 3412 e 3466) [cf. Ac. n.º 659/06].

Quer isto significar que a configuração constitucional do processo contra-ordenacional, se o subordina ao reconhecimento de um conjunto de garantias inerentes à respectiva natureza sancionatória, não o equipara, contudo, ao processo penal, não conduzindo, por isso, no plano da aplicação do direito ordinário, à directa transposição para o primeiro de todas e quaisquer regras expressamente previstas para o segundo, designadamente em termos de os elementos que este particularmente inclui se tornarem,

só por isso, comuns àquele.

Da modelação constitucional do processo contra-ordenacional extraem-se, portanto, duas ideias de sentido aparentemente oposto mas complementar: a de que o processo contra-ordenacional, como sancionatório que é, se encontra subordinado ao reconhecimento de um conjunto de garantias que o aproximam do processo penal; e a de que tais garantias não são equivalentes ou equiparáveis às garantias asseguradas no âmbito do processo criminal, designadamente em termos de viabilizar a conversão daquela aproximação numa sobreposição integral de regimes.

Tal entendimento encontra-se consolidado na jurisprudência constitucional.

Em vários dos seus arestos, este Tribunal teve já oportunidade de afirmar que "não é constitucionalmente imposta a equiparação de garantias do processo criminal e do processo contra-ordenacional", uma vez que a diferença de "princípios jurídico-constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contra-ordenações" se reflecte "no regime processual próprio de cada um desses ilícitos", não se exigindo, por isso, "um automático paralelismo com os institutos e regimes próprios do processo penal (Acórdão 344/93).

No desenvolvimento de tal perspectiva, escreveu-se inclusivamente no Acórdão 581/2004 que "a garantia constitucional dos direitos de audiência e de defesa em processo contra-ordenacional (n.º 10 do artigo 32.º da Constituição) não pode comportar a consagração de um princípio da estrutura acusatória do processo idêntico ao que a Constituição reserva, no n.º 5 do artigo 32.º, para o «processo criminal»"

(itálico nosso).

Conforme vem sendo igualmente afirmado, a reconhecida inexigibilidade de estrita equiparação entre processo contra-ordenacional e processo criminal é, contudo, conciliável com "a necessidade de serem observados determinados princípios comuns [...], sendo que porventura, um desses princípios, comuns a todos os processos sancionatórios [...] será, desde logo, por directa imposição constitucional, o da audiência e correlativa defesa do arguido, inseridos num desenvolvimento processual em que o princípio do contraditório deverá ser mantido, como forma de complementar a estrutura acusatória, que não dispositiva, da actuação dos poderes públicos"

(Acórdão 469/97).

As garantias constitucionalmente impostas no âmbito do processo contra-ordenacional corresponderão, assim, a um standard representativo e concretizador dos limites constitucionais ao exercício do poder estadual sancionatório, às quais não é por isso possível opor argumentos relacionados com a projecção processual da diferente natureza dos ilícitos em causa ou da menor ressonância ética e consequencial do ilícito

de mera ordenação social.

No epicentro de tais garantias encontrar-se-ão, assim, os direitos de defesa e de audiência correlativa assegurados no artigo 32.º, n.º 10, da CRP, e concretizados, para o processo contra-ordenacional, no artigo 50.º do RGCO.

Sob a epígrafe "Direito de audição e defesa do arguido", estabelece-se aí que "não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre".

Esta redacção do artigo 50.º, introduzida pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, veio enfatizar e incrementar o direito de audição e de defesa do arguido de modo a assegurar-lhe a faculdade de pronunciar-se sobre a contra-ordenação imputada e a sanção correspondente, atribuindo-lhe um alcance superior ao que resultava da primitiva versão do preceito (aprovada pelo Decreto-Lei 433/82 e mantida pelo Decreto-Lei 356/89) que se limitava a assegurar ao arguido "a possibilidade de se pronunciar sobre o caso".

Independentemente da questão de saber se os direitos de defesa e de audiência deverão ser reconhecidos no processo contra-ordenacional com intensidade homóloga àquela com que são assegurados no processo criminal - nomeadamente através da automática transposição para aquele dos específicos institutos que neste procedem à respectiva concretização - ou se, pelo contrário, o grau de intensidade com que são reconhecidos no processo penal é indissociável da particular estrutura acusatória que para este se reserva no artigo 32.º, n.º 5 da CRP, parece evidente que tais direitos, nos termos em que os concretiza o actual artigo 50.º do RGCO, têm, por si só, óbvias

implicações.

Dos direitos de audição e de defesa consagrados no artigo 32.º, n.º 10, da CRP, e densificados no artigo 50.º do RGCO, extrai-se com toda a certeza que qualquer processo contra-ordenacional deve assegurar ao visado o contraditório prévio à decisão; que este só poderá ser plenamente exercido mediante a comunicação dos factos imputados; que a comunicação dos factos imputados implica a descrição sequencial, narrativamente orientada e espácio-temporalmente circunstanciada, dos elementos imprescindíveis à singularização do comportamento contra-ordenacionalmente relevante; e que essa descrição deve contemplar a caracterização, objectiva e subjectiva, da acção ou omissão de cuja imputação se trate.

Na fórmula utilizada pelo Assento 1/2003 do STJ (Diário da República, 1.ª série-A, n.º 21, de 2003-01-25), os direitos de defesa e audiência assegurados no âmbito do processo contra-ordenacional implicarão, em síntese, que ao arguido seja dada previamente a conhecer "a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas

matérias de facto e de direito".

Assente que o processo particular previsto no artigo 103.º-A da LTC, se não comporta uma analogia integral com os processos de aplicação de coimas por decisão de autoridades administrativas regulados pelo Decreto-Lei 433/82, não poderá implicar o reconhecimento em inferior grau dos direitos de defesa e audiência que para este se prevêem no já referido artigo 50.º do RGCO, a questão que, perante o que exposto fica, cumpre agora resolver consiste em saber se o conteúdo do despacho de promoção exarado nos presentes autos é insusceptível de propiciar aquele

conhecimento.

À semelhança de qualquer outro texto, mesmo que não jurídico, o despacho de promoção carece de ser lido e interpretado de forma global e integrada, devendo a avaliação que sobre ele incida tomar em conta a completude da unidade de sentido cuja apreensão seja pelo mesmo globalmente proporcionável.

A hipótese factual que o despacho de promoção introduz em juízo dá conta de que, no decurso de 2003, o arguido Abel Pinheiro: integrou a comissão directiva do CDS-PP - órgão ao qual estatutariamente competia dirigir a organização administrativa e financeira do partido e elaborar o seu Orçamento e Contas - , tendo sido o responsável pelo sector financeiro do CDS/PP; tinha o domínio da gestão financeira do partido, controlando, como tal, os aspectos estruturais da organização financeira do partido susceptíveis de comprometer o cumprimento da obrigação de apresentação de uma conta consolidada que abrangesse o universo das estruturas partidárias; não adoptou as providências necessárias para assegurar a oportuna observância de tal obrigação no ano de 2003; assim procedeu com conhecimento de que se encontrava vinculado à apresentação de uma conta consolidada que abrangesse o universo das estruturas

partidárias.

Sustenta a defesa que a versão constante no despacho de promoção não contempla a descrição de qualquer facto que determine a imputação ao referido arguido das infracções pelas quais foi condenado o CDS-PP.

Sem razão, porém.

A narrativa contida no despacho de promoção permite o estabelecimento de que o comportamento que ao arguido se imputa é omissivo e que tal omissão consistiu na não adopção das providências cabidas nos respectivos poderes de gestão financeira do partido e susceptíveis de acautelar o cumprimento da obrigação de apresentação de uma conta consolidada referente ao ano de 2003.

Significa isto que, ao invés do que é sustentado pela defesa, o Ministério Público não se limita a fazer menção aos factos relativos ao CDS-PP, nem intenta obter a condenação do arguido como «decorrência directa e imediata da condenação do CDS-PP», o que directamente conduz a ter por inverificado o fundamento de que é feita derivar a conjecturada possibilidade de violação do direito ao processo equitativo previsto no

artigo 20.º, n.º 4, da CRP.

No que à caracterização do dolo especificamente concerne.

A infracção que ao arguido se imputa é estruturalmente dolosa: o tipo legal convocado pelo despacho de promoção supõe o dolo do agente - conhecimento da factualidade típica e vontade de realização do tipo contra-ordenacional -, sendo este admitido em qualquer das modalidades que concretamente pode revestir - directo, necessário ou eventual (artigo 14.º do Código Penal, aplicável subsidiariamente por força do disposto

no artigo 32.º do RGCO).

Ora, lida e interpretada a versão constante do despacho de promoção, percebe-se que a mesma dá globalmente conta de uma actuação consciente, baseada no conhecimento da proibição legal - e, por consequência, no desvalor objectivo do comportamento adverso - , expressando, deste ponto de vista, o mínimo imprescindível à caracterização do nexo psicológico de ligação dos factos imputados ao respectivo

agente.

E se certo é que, na perspectiva da caracterização factual do dolo, outras fórmulas narrativas mais extensivas, densas e pormenorizadas serão porventura configuráveis e preferíveis até, não deixa de ser verdade que o thema probandum fixado a partir do despacho de promoção não se encontra, também no que ao dolo concerne, incompleto ou impreciso ao ponto de consentir na evanescência do seu sentido e com isso comprometer a organização da defesa, tanto mais que o tipo legal convocado, apesar de estruturalmente doloso, não é concomitantemente integrado por qualquer um dos chamados "requisitos de intenção".

Também deste ponto de vista, inexiste, em suma, fundamento bastante para reconhecer no despacho de promoção quaisquer vícios impeditivos da respectiva tomada em

consideração.

III - Fundamentação.

A) Dos pressupostos da responsabilidade.

9 - Compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a regularidade e a legalidade das contas dos partidos políticos, assim como o apuramento da responsabilidade contra-ordenacional que lhes esteja associada, nos termos previstos na Lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (Lei 56/98, de 18 de Agosto) e nos artigos 103.º-A e 103.º-B da Lei do Tribunal

Constitucional.

A Lei 56/98 sofreu diversas alterações com a Lei 23/2000, tendo esta produzido efeitos, no tocante ao financiamento dos partidos políticos, a partir de 1 de Janeiro de

2001 (vide artigo 4.º da Lei 23/2000).

Refira-se, ainda, que a Lei 56/98 foi igualmente alterada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais e, finalmente, foi revogada pela Lei 19/2003, de 20 de Junho, que passou a regular a matéria de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Contudo, a alteração efectuada pela Lei Orgânica 1/2001 é circunscrita ao financiamento das campanhas eleitorais e a generalidade das disposições da Lei 19/2003 (incluindo a norma revogatória) só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2005, pelo que nenhum dos diplomas assinalados releva para o presente processo, tanto mais quanto certo é que, conforme assinalado já (ponto 7.), no que toca às normas convocadas pelo despacho de promoção e aplicáveis ao caso sub judice, o regime instituído pela Lei 19/2003 não importou qualquer alteração relevante relativamente ao regime contemporâneo da alegada prática dos factos.

Entre as alterações ao regime do financiamento dos partidos introduzidas pela Lei 23/2000 conta-se a consagração da responsabilidade pessoal de dirigentes partidários,

nos seguintes termos:

Artigo 14.º

Sanções

1 - Sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal a que nos termos gerais de direito haja lugar, quem violar as regras contidas no presente capítulo fica sujeito às sanções

previstas nos números seguintes.

2 - Os partidos políticos que não cumprirem as obrigações impostas no presente capítulo são punidos com coima mínima no valor de 10 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 400 salários mínimos mensais nacionais, para além da perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos.

3 - Os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem na infracção prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 5 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 200 salários mínimos mensais

nacionais.

4 - (...)

5 - (...)

6 - (...)

7 - (...)

Com a entrada em vigor da Lei 23/2000, de 23 de Agosto, estendeu-se, portanto, a responsabilidade contra-ordenacional decorrente do incumprimento das obrigações respeitantes ao financiamento dos partidos políticos (artigo 14.º, n.os 1 a 3, da Lei 56/98) aos dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem nessas

infracções.

Os dirigentes a que se refere o artigo 14.º, n.º 3, da Lei 56/98 são, como o próprio nome indica, as pessoas que exerçam funções de direcção no partido, individualmente ou enquanto membros de um órgão colegial. Uma vez que se trata de matéria atinente à organização interna dos partidos, só por via dos respectivos estatutos é que se pode apurar quem são as pessoas com funções de direcção.

Por outro lado, importa ter em conta que só pode ser imputada responsabilidade contra-ordenacional aos dirigentes "que tenham participado pessoalmente" nas infracções verificadas relativamente às contas dos partidos.

Assim, tal responsabilidade visará, em primeira linha, os dirigentes com responsabilidades no âmbito da elaboração, fiscalização e aprovação das contas do partidos, aos quais em especial cabe garantir o cumprimento das obrigações impostas aos partidos em matéria de financiamento e organização contabilística.

Mais uma vez, há que recorrer aos estatutos de cada partido para verificar a quem foram atribuídas competências nesse domínio, sendo certo que a Lei 56/98 obriga os partidos a terem "órgãos de fiscalização e controlo interno das contas" (artigo 11.º, n.º 1) e obriga "os responsáveis das estruturas descentralizadas dos partidos (...) a prestar informação regular das suas contas aos responsáveis nacionais, bem como a acatar as respectivas instruções (...), sob pena de responsabilização pelos danos causados" (artigo 11.º, n.º 2).

Ainda no plano da concretização do pressuposto previsto no artigo 14.º, n.º 3, da Lei 56/98, importará ter presentes as especificidades do critério de delimitação do conceito de autoria no âmbito do direito contra-ordenacional, evidenciadas a partir da fórmula normativa constante do artigo 16.º, n.º 1, do RGCO (aprovada pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, e mantida pela revisão operada pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro): «se vários agentes comparticipam no facto, qualquer deles incorre em responsabilidade por contra-ordenação mesmo que a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependam de certas qualidades ou relações especiais do agente e estas só existam num dos comparticipantes» (itálico nosso).

Denotando, do ponto de vista dogmático, "a especialidade mais notável" no plano da autonomia do ilícito contra-ordenacional face ao ilícito penal, a primeira proposição do n.º 1 do artigo 16.º consagra um conceito extensivo de autor (Figueiredo Dias, O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, V. I, p. 30, e, mais explicitamente, Para uma dogmática do direito penal secundário, ob. cit., p. 64, nota 104), conceito de acordo com o qual é considerada suficiente para a imputação do facto a um agente a simples identificação de um nexo causal entre a conduta deste e o facto previsto no tipo

de ilícito contra-ordenacional.

Segundo tal entendimento - sufragado e desenvolvido por Frederico Lacerda da Costa Pinto - , «o critério material da autoria deve [...] encontrar-se na teoria da causalidade:

qualquer contributo causal para o facto da parte de uma pluralidade de agentes faz com que cada um deles incorra em responsabilidade por contra-ordenação», uma vez que «o que se exige para imputar uma contra-ordenação a um agente é [...] que esse agente tenha um contributo causal ou co-causal para o facto, que pode inclusivamente consistir numa acção ou numa omissão» (ob. cit., p. 222).

De acordo com o conceito extensivo de autor, «autor de uma contra-ordenação é todo o agente que tiver contribuído causalmente para a sua realização, independentemente da maior ou menor extensão do tipo preenchido» (ob. cit. p. 230).

Tendo presente o enquadramento legal e dogmático que fica exposto, analisemos então a situação de cada um dos dirigentes partidários visados pela promoção do Ministério

Público.

10 - Principiando pela consideração do PPD-PSD, a infracção à Lei 56/98 cuja responsabilidade pessoal dos dirigentes partidários se pretende apurar estrutura-se sob a violação do dever imposto pelo respectivo artigo 10.º, n.º 4, onde se estabelece que "as contas nacionais dos partidos deverão incluir, em anexo, as contas das suas estruturas descentralizadas ou autónomas, de forma a permitir o apuramento da totalidade das suas receitas e despesas, podendo, em alternativa, apresentar contas

consolidadas."

Esta norma, conforme referido já, não sofreu qualquer alteração no âmbito da revisão operada pela Lei 23/2000, de 23 de Agosto.

Pela infracção correspondente à violação do dever imposto pelo artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98 foi condenado o PPD/PSD, através do Acórdão 455/2006, com fundamento na circunstância, alegada aí pelo Ministério Público, de «a conta apresentada não integra[r] a globalidade das operações de financiamento e de funcionamento do partido, entendido este como o universo das estruturas organizativas partidárias», não tendo o partido assegurado «a implementação de um conjunto de procedimentos internos necessários à normalização do processo de prestação de contas por parte da totalidade das estruturas descentralizadas e organizações autónomas, nomeadamente das Secções e Núcleos, com vista à sua posterior integração pela estrutura central da Sede Nacional num conjunto de demonstrações financeiras globais, representativas do universo abarcado pelo Partido».

Segundo o Ministério Público, devem responder pela prática da infracção acima mencionada o Secretário-Geral (José Luís Fazenda Arnaut Duarte) e o Secretário-Geral Adjunto para a área financeira (José Manuel de Matos Rosa), à data

da prática dos factos.

De acordo com os estatutos do PPD/PSD, o Secretário-Geral dirige o funcionamento dos serviços centrais do Partido e é responsável por elaborar e submeter à Comissão Política Nacional o orçamento e as contas do Partido - artigo 25.º, n.º 1, alíneas d) e

e).

À data da prática dos factos, a Comissão Política Nacional tinha nomeado um Secretário-Geral Adjunto para a área financeira - nos termos previsto nos artigos 21.º, n.º 2, alínea d) e 25.º, n.º 1, alínea, c), dos Estatutos - sendo este cargo exercido por

José Manuel de Matos Rosa.

Por outro lado, de acordo com o Regulamento Financeiro de 1997, em vigor no ano de 2003, os titulares dos órgãos e estruturas partidárias estão sujeitos a responsabilidade pessoal e funcional pela execução financeira e pelas contas (Capítulo IV).

Dispõe ainda o referido Regulamento que a responsabilidade última nesta matéria é do Secretário-Geral, uma vez que, "quando não se verifique a existência de escalão superior, as estruturas respondem perante o Secretário-Geral" (artigo 12.º).

Também o Regulamento Financeiro do partido dispõe sobre a apresentação de contas (artigo 2.º), prevendo os respectivos artigos 11.º a 13.º a responsabilidade pessoal e funcional dos titulares de órgãos ou estruturas sujeitos à sua disciplina.

Tendo em conta o referido enquadramento estatutário, parece isenta de dúvidas a constatação de que sobre os arguidos José Luís Fazenda Arnaut Duarte e José Manuel de Matos Rosa impendia o dever de garantir o cumprimento dos ónus estabelecidos pela Lei 56/98, designadamente daquele que releva para o presente caso - o de apresentação de uma conta consolidada, que abrangesse o universo das estruturas

partidárias, referente ao ano de 2003.

Considerando a circunstância, por ambos confirmada, de o primeiro haver delegado no segundo toda a gestão administrativa, contabilística e financeira do partido no ano de 2003, poderá, todavia, aceitar-se que, materialmente, tal dever haja passado a caber, de facto, apenas ao arguido José Manuel de Matos Rosa e, portanto, que só este

possa responder pela respectiva erosão?

No domínio das infracções de estrutura omissiva cometidas no âmbito das pessoas colectivas, a regra é a de que, em se tratando de concretizar o critério de imputação objectiva, a estrutura orgânico-formal e hierarquizada da entidade dará a conhecer o titular do dever de garante: titulares do dever de garante serão todos aqueles a quem, de acordo com as linhas da hierarquia da pessoa colectiva formalizadas nos respectivos estatutos, esteja atribuída competência para a prática dos actos, a dinamização dos procedimentos ou a implementação dos mecanismos idóneos a, conforme adiante melhor se verá, assegurar a verificação do resultado juridicamente conforme ou a dificultar a possibilidade da sua não ocorrência.

Todavia, se o critério de imputação objectiva não prescinde do recurso à estrutura hierarquizada da pessoa colectiva, aquela, embora dê para o problema a quase a totalidade da resposta, poderá, ainda assim, não dar a resposta toda.

Quer-se com isto significar que, embora exista uma convergência mais do que tendencial entre a titularidade formal dos poderes e competências estatutariamente atribuídos e a titularidade do dever de garante, o exercício da liberdade de auto-regulação ou de autogestão interna de que dispõem as pessoas colectivas enquanto organizações dinâmicas e funcionalmente operantes, se efectivado no âmbito do enquadramento propiciado pelos respectivos estatutos e de forma não contrariada ou excluída por ele, poderá introduzir algumas variações na amplitude do círculo destes últimos, quebrando o automatismo da inferência.

A esta hipótese, residual mas ainda admissível, seria de reconduzir o caso em presença.

Trata-se aqui muito concretamente de um acto de delegação de poderes por via do qual o Secretário-Geral do Partido transferiu, com o assentimento deste, a responsabilidade por toda a gestão administrativa, contabilística e financeira do partido para o seu Secretário-Geral-Adjunto para a área financeira, acto que teve por finalidade permitir a libertação do primeiro das matérias de natureza contabilística do partido em termos que lhe possibilitariam um mais adequado exercício da sua concomitante actividade como membro do governo.

Analisada tal transferência na sua relação com o enquadramento estatutário do partido, a primeira nota que se detecta é a de que a mesma teve por destinatário, não um agente comum, mas um agente a quem os estatutos reconheciam já poderes da natureza dos transferidos. Deste ponto de vista, o efeito verdadeiramente produzido foi o da concentração na figura do Secretário-Geral-Adjunto para a área financeira de poderes que, embora de forma partilhada com o transmitente, este exercia já.

A segunda característica que o acto revela é a de que tal concentração foi motivada pelo propósito de permitir uma maior dedicação do Secretário-Geral, então também ministro, ao exercício da actividade governativa, apresentando assim fundamento que, do ponto de vista do delegante, evidentemente se inscreve no prosseguimento de missão inserida no âmbito da representatividade e militância partidárias.

Assim caracterizável, o acto em presença parece corresponder, pois, a algo que os estatutos do partido expressamente não prevêem mas a que também se não opõem, quer de forma directa, quer indirectamente por incompatibilidade de sentido com outras

das soluções neles consagradas.

De todo o modo, sempre se diga que o que verdadeiramente está em causa no que à invocada delegação concerne, não é tanto a sua validade ou eficácia jurídica, interna ou externa, mas a possibilidade da sua relevância na relação com o estabelecimento da titularidade do dever de garante. E, deste ponto de vista, parece poder aceitar-se que a circunstância de o Secretário-Geral haver delegado no seu Secretário-Adjunto para a área financeira toda a gestão administrativa, contabilística e financeira do partido no ano de 2003, correspondendo a prática auto-reguladora compatível com o enquadramento estatutário do partido, conduziu a que, materialmente, tal dever tivesse passado a caber, de facto, apenas ao segundo e, portanto, que só este possa responder pela

respectiva erosão.

Assim sendo, se verdade é que, conforme adiante melhor se perceberá, não está excluído que a delegação de poderes possa constituir, ela própria, uma modalidade de inobservância do dever de garante, não se vislumbra, atentas as descritas circunstâncias, contexto bastante para proceder aqui a tal ponderação, até porque, em função da posição que ocupava já e do estatuto que se lhe encontrava correspondentemente atribuído, a figura do delegado era de modo a oferecer todas as

garantias ao delegante.

Reconhecendo ter havido incumprimento da obrigação de apresentação de contas consolidadas, abrangendo o universo das estruturas partidárias, o arguido José Manuel de Matos Rosa referiu, porém, que tal violação resultou directamente da incapacidade de as estruturas não nacionais do partido corresponderem às necessidades relativas aos procedimentos tendentes a evitar deficiências e, quanto à estrutura regional autónoma da Madeira, da circunstância de se tratar de uma organização perfeitamente autonomizada, pese embora os contactos com a mesma sempre mantidos no intuito de normalizar os procedimentos financeiros e contabilísticos.

Neste contexto, o arguido referiu haver feito tudo o que estava ao seu alcance para dar cumprimento à obrigação legal em causa e a que se sabia vinculado - esforço diário pessoal de trabalho conjunto com todas as estruturas do PSD, visando corrigir, coordenar e integrar todos os procedimentos administrativos, financeiros e contabilísticos, bem como a obtenção de consultadoria externa destinada à melhoria de procedimentos e elaboração de um novo regulamento financeiro do partido, em vigor desde 1 de Janeiro de 2005, em substituição do anterior, vigente desde 1997 e inadequado face às novas exigências legais - , não sendo exigível diligência maior do

que aquela que efectivamente desenvolveu.

Segundo o arguido, o resultado consistente no não cumprimento integral do objectivo consistente na apresentação, em anexo às contas da estrutura nacional, das contas de todas as demais estruturas do Partido, não lhe pode ser em tais circunstâncias imputado

Vejamos se assim é.

Disse-se já que, no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional, a imputação objectiva de um facto a um agente tem por referente legal e dogmático um conceito extensivo de autoria de matriz causal, conceito este segundo o qual é considerado autor de uma contra-ordenação todo o agente que tiver contribuído causal ou co-causalmente para a realização do tipo, ou seja, que haja colocado uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua acção ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma (cf. Frederico Lacerda da Costa Pinto, ob. cit.

p. 230).

O relevo da opção legal por um conceito extensivo de autor no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional, por oposição ao conceito restritivo de autoria que vigora no domínio do direito penal, é especialmente perceptível nas hipóteses em que, como na presente, os factos cometidos envolvem a estrutura orgânica e funcional de uma pessoa colectiva, implicando aquilo que, na síntese do referido autor, se pode definir como «o envolvimento de uma pluralidade de intervenientes, de circuitos de informação e de ordens, com algumas zonas de autonomia decisória e outras de responsabilidade funcional [...]» (ob. cit., p. 225) Em casos como este, a regra de imputação objectiva colocada pelo conceito extensivo de autor conduzirá à responsabilização dos superiores hierárquicos titulares do dever de garante sempre que estes, por acção ou omissão, hajam promovido ou facilitado a execução do facto ilícito dentro da pessoa colectiva.

A responsabilidade contra-ordenacional do titular do dever de garante pode ocorrer «por este não ter evitado, não ter dificultado ou não ter criado as condições em que seria mais arriscado para o autor material cometer o ilícito» (ob. cit., p. 232).

Contra o que suspeita o arguido, não se trata aqui de casos de responsabilidade objectiva dos superiores hierárquicos (até porque o nexo de imputação subjectiva não se encontra obviamente dispensado), «mas sim e apenas da necessidade de ponderar as suas acções e omissões que promovam ou facilitem a execução dos factos ilícitos dentro da estrutura de pessoas colectivas» (ob. cit., p. 232).

Conforme referido já, em causa nos presentes autos está o apuramento da responsabilidade contra-ordenacional associada ao incumprimento do dever imposto pelo artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, de 18.08.

De acordo com o enquadramento estatuário do partido, o arguido José Manuel de Matos Rosa, quer na qualidade de Secretário-Geral Adjunto para a área financeira, quer por via da delegação dos poderes cabidos ao Secretário-Geral respeitantes à gestão administrativa, contabilística e financeira do PSD, tinha, relativamente ao referido dever, uma posição de garante - competia-lhe assegurar a respectiva observância, acautelando, no decurso do exercício de 2003, o desenvolvimento convergente das condições necessárias a que, sobrevindo o momento legalmente fixado para a apresentação das contas, estas o pudessem ser nos termos legalmente prescritos.

Não se contesta que o dever de apresentação de uma conta nacional nos termos prescritos no n.º 4 do artigo 10.º, ao implicar a consideração de elementos oriundos das estruturas descentralizadas do partido, supõe um conjunto de contribuições positivas procedentes de agentes vários - locais e regionais - , nem que a deficiente sintonização destes com tal objectivo possa comprometer ou condicionar a

possibilidade de um cumprimento integral.

Quando isso ocorra, porém, a responsabilidade contra-ordenacional do titular do dever, não resultando por aquela razão excluída, será de reconhecer sempre que, conforme referido já, este, por omissão, tiver contribuído para a verificação de tal

resultado.

No exercício de 2003, o quadro das obrigações que a Lei 56/98 veio impor aos partidos políticos, em matéria de consolidação das contas, já se encontrava bem desenhado e esclarecido, nomeadamente com a prolação, a notificação e a publicação dos Acórdãos n.º 453/99, n.º 578/2000, n.º 371/2001 (Diário da República, 1.ª série-A, de 24 de Outubro de 2001) e n.º 361/2003, sendo por isso absolutamente familiar dos dirigentes partidários a indispensabilidade de o partido possuir uma contabilidade que abrangesse todo o universo das suas estruturas e actividades.

Por outro lado, se o regulamento financeiro de 1997, em vigor à data, era, conforme refere o arguido, inadequado para fazer face às exigências legais colocadas pela Lei 56/98, essa inadequação encontrava-se, no ano de 2003, já exaustivamente demonstrada, o que torna difícil de perceber que os procedimentos a desenvolver nesse ano se tivessem continuado a reger por um instrumento consabidamente susceptível de originar a repetição de resultados anteriores.

Acresce que a dita inadequação, se poderia ser eventualmente propícia ao cometimento da infracção, não deixava de ser contornável por acção do titular do dever de garante, já que o referido regulamento previa um procedimento de prestação de contas (artigos 15.º a 17.º), cuja responsabilidade última era do Secretário-Geral (artigo 12.º) e concedia a este - ou a quem este delegasse tal poder - competência para a integração de lacunas do regulamento tendo presente a lei de financiamento dos partidos políticos e campanhas eleitorais (artigo 18.º). Independentemente da delegação de poderes ocorrida, tal competência era, de resto, originariamente partilhada pelo arguido Matos Rosa, na qualidade de Secretário-Geral Adjunto para a área financeira, por força do artigo 25.º, n.º 1, alínea c), dos Estatutos do partido.

Finalmente, em se tratando do quinto ano consecutivo de inobservância do dever de apresentação, em anexo, das contas das estruturas descentralizadas ou autónomas do partido [cf. Acs. n.º 253/02 (contas de 1999), 361/03 (contas de 2000) e, posteriormente aos factos, 423/04 (contas 2001) e 288/05 (contas de 2002)], não é facilmente compreensível a ausência de implementação e dinamização de mecanismos de sensibilização e responsabilização interna suficientemente dissuasores de previsíveis inércias de terceiros susceptíveis de influir negativamente no cumprimento de tal

obrigação.

De tudo isto se retira, em suma, que o arguido, embora não tivesse, relativamente ao cumprimento do dever estabelecido pelo artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, uma posição de monopólio, tinha, contudo, uma posição de garante. E porque tinha uma posição de garante, cabia-lhe, no exercício dos respectivos poderes - quer daqueles que originariamente lhe cabiam, quer daqueles que recebera por delegação - , implementar fórmulas procedimentais e dinamizar mecanismos de responsabilização interna em ordem a tornar mais difíceis as condições em que, através das respectivas prestações internas, outros intervenientes poderiam condicionar negativamente o cumprimento da obrigação que onerava o partido.

Omitindo umas e outros, promoveu causalmente o resultado proibido, tornando-se assim pessoalmente responsabilizável como autor do facto ilícito.

Já no plano da imputação subjectiva, a correcta leitura dos factos conduz razoavelmente à conclusão de que, em se tratando do quinto ano consecutivo de incumprimento do dever de apresentação, em anexo às contas nacionais, das contas das estruturas descentralizadas ou autónomas do partido sem que tivesse sido introduzido, no plano das providências desenvolvidas em ordem ao acautelamento do resultado legalmente imposto, qualquer inovação superlativamente referenciável relativamente às práticas anteriores, tal omissão foi necessariamente acompanhada, no que ao arguido concerne, da representação da possibilidade de vir a ocorrer novo incumprimento e da conformação com tal possibilidade. Está, portanto, verificado, na modalidade de dolo eventual, o dolo exigido pelo tipo subjectivo do ilícito.

Assim, ao não ter adoptado as providências adequadas para que as contas de 2003 abrangessem o universo do Partido, o arguido José Manuel de Matos Rosa participou, com dolo, no cometimento da infracção prevista no mencionado preceito da Lei 56/98, conduta que consubstancia a contra-ordenação prevista no artigo 14.º, n.º 3, da

mesma lei.

11 - Quanto ao PS, a infracção à Lei 56/98 cuja responsabilidade pessoal dos dirigentes partidários se pretende apurar consiste igualmente na violação do dever, imposto pelo n.º 4 do respectivo artigo 10.º, de apresentação de uma conta abrangendo todo o universo partidário referente ao exercício de 2003.

Por tal infracção foi condenado já o partido no Acórdão 455/2006, com fundamento na circunstância, alegada aí pelo Ministério Público, de «a conta apresentada, relativamente ao exercício de 2003, não [ser] uma conta consolidada, que integre o conjunto de toda a actividade partidária, incluindo a desenvolvida por todas as estruturas regionais, distritais e locais do partido e pelas organizações e estruturas autónomas ou descentralizadas [...]», reflectindo unicamente «as demonstrações desenvolvidas pela estrutura central da Sede Nacional do Partido, pelas Federações e pela Juventude Socialista; os subsídios de funcionamento atribuídos pelas Federações à organização Juventude Socialista; determinadas actividades relacionadas com a publicação do jornal «Acção Socialista» e da revista «Portugal Socialista».

Segundo o Ministério Público, devem responder pela prática da infracção acima mencionada os membros da Comissão Nacional de Fiscalização Económica e Financeira (CNFEF) do PS, à data da prática dos factos: António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria do Carmo Antunes da Silva, Rodrigo Vieira Oliveira, Maria Teresa Magno Heimans e Fernando

dos Santos Carvalho.

Reiteram-se as considerações constantes da promoção do Ministério Público relativamente à função particularmente relevante da CNFEF no controlo da gestão

financeira do PS.

Compete, com efeito, a este órgão nacional "defender o património do partido e pugnar pela exactidão das suas contas", "fiscalizar e assegurar a verdade e a actualização do inventário dos bens do partido", "fiscalizar a legalidade, o respeito pelos Estatutos, o rigor e a transparência da gestão administrativa e financeira do partido", "fiscalizar a fidedignidade das contas e dos respectivos documentos justificativos" e emitir "parecer sobre o relatório e a conta geral do partido" [artigo 85.º, n.os 1 e 2, als. a) a e) dos

Estatutos].

Para o bom exercício de tais competências, a CNFEF pode inclusivamente "solicitar reuniões conjuntas ao Secretariado Nacional" e a "audição do Secretário Nacional que detiver o pelouro da administração e das finanças do partido" [artigo 85.º, n.º 3, dos Estatutos], cargo que, conforme informação prestada pelo próprio Partido, "não existiu de facto" no período de 2001 a 2003 (cf. fls. 30 do apenso A).

A defesa apresentada pelos arguidos começa por opor à viabilidade legal da respectiva responsabilização uma construção segundo a qual a irregularidade em causa se prende com a própria organização do partido, ultrapassando por isso o domínio da vontade dos dirigentes individuais, circunstância que, de acordo com a perspectiva seguida, impossibilitará, quer a identificação das pessoas a quem as infracções podem ser pessoalmente imputadas, quer o estabelecimento de um nexo de causalidade entre a conduta em causa - não apresentação de uma conta consolidada - e o comportamento dos membros da Comissão Nacional de Fiscalização Económica e Financeira do

partido.

Trata-se, todavia, de uma construção dogmaticamente insustentável no domínio da

responsabilidade contra-ordenacional.

Conforme visto já, no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional o nexo de imputação objectiva segue um conceito extensivo de autor de matriz causalista e à luz de um conceito extensivo de autor de matriz causalista «a omissão de controlo por parte do titular do dever é susceptível de ser vista como uma das causas do ilícito ou, noutros termos, como uma condição que promoveu o facto ilícito» (Frederico Lacerda

da Costa Pinto, ob. cit., p. 241).

Os demais argumentos apresentados pela defesa não são todos novos, tendo parte deles sido ponderada já no Acórdão 348/06, que conheceu da responsabilidade dos dirigentes partidários pelas infracções à Lei 56/98, de 18.08, relativas ao

exercício de 2002.

Retomando, a tal propósito, o que aí se escreveu, dir-se-á o seguinte:

«Defendem-se os arguidos invocando que só lhes pode ser assacada responsabilidade pelo parecer emitido sobre o relatório e a conta geral do partido - competência prevista no artigo 84.º, n.º 2, alínea d), dos Estatutos [correspondente ao artigo 85.º, n.º 2, al.d) da versão aprovada pela Comissão Nacional do partido de 11 de Janeiro de 2003 e contemporânea dos factos sob julgamento (cf. fls. 2 e ss.)].

Assim seria se a intervenção da CNFEF na organização económica e financeira do PS se resumisse à emissão do dito parecer. Todavia, essa competência é apenas uma entre muitas e reveste um carácter secundário (ou instrumental) relativamente a outras.

Com efeito, de acordo com os Estatutos do PS, a CNFEF é o órgão nacional responsável por assegurar e fiscalizar a exactidão das contas (artigo 84.º, n.º 1) [correspondente ao artigo 85.º, n.º 1, da versão a considerar] e a legalidade e conformidade aos Estatutos da gestão administrativa e financeira do partido (artigo 84.º, n.º 2, alínea b) [correspondente ao artigo 85.º, n.º 2, da referida versão].

A emissão de parecer é apenas um dos instrumentos de que a CNFEF dispõe para prosseguir a missão de assegurar a regularidade e fiscalizar as contas do partido, juntamente com outros previstos nas alíneas e) a g) do n.º 2 do artigo 84.º dos Estatutos [correspondentes às alíneas e) a g) do texto em referência].

Neste contexto, não é determinante que a CNFEF não seja responsável pela aprovação do relatório e da conta geral do partido [competência pertencente à Comissão Nacional - artigo 65.º, n.º 2, alínea j), dos Estatutos], mas apenas pela emissão de parecer sobre esses documentos. Muito menos releva a circunstância de a CNFEF não ter assento no Secretariado Nacional, nem em qualquer outro órgão de gestão do partido, assistindo apenas como observadora às reuniões da Comissão Nacional. O que releva é que a CNFEF é o órgão de controlo interno das contas do PS, estando-lhe cometida a responsabilidade de velar pelo cumprimento da lei e dos

Estatutos em matéria de contas do partido.

[...]

Também não procede o argumento aduzido pelos arguidos, de que a CNFEF funciona de forma muito esporádica (reunindo uma vez por ano, nas vésperas da Comissão Nacional) e sem apoio logístico ou administrativo. Essas deficiências de funcionamento não eximem a responsabilidade daquele órgão pela fiscalização e controlo interno das contas, competências que lhe são atribuídas pelos Estatutos e por via das quais o partido cumpre o disposto no artigo 11.º da Lei 56/98.

O mesmo sucede com a circunstância, invocada pelos arguidos, de a escolha dos membros da CNFEF privilegiar critérios de militância e capacidade de intervenção política em detrimento da preparação técnica para o cabal desempenho das funções

atribuídas pelos Estatutos.

Tanto as deficiências de funcionamento da CNFEF como a eventual falta de preparação técnica dos seus membros não eximem aquele órgão partidário da responsabilidade pela regularidade das contas e do inventário patrimonial do PS, à luz do disposto no artigo 84.º dos Estatutos [artigo 85.º da versão aqui sob consideração].

A primeira dessas circunstâncias apenas poderá relevar na graduação da culpa dos arguidos, atendendo a que teve na sua origem circunstâncias estranhas à vontade

destes».

A argumentação desenvolvida pelo Acórdão 348/06 e recuperada aqui, ao evidenciar a circunstância de a emissão de parecer constituir apenas um dos instrumentos ao dispor da CNFEF no prosseguimento da missão de assegurar a regularidade e fiscalizar as contas do partido, permite colocar em perspectiva a circunstância de os arguidos Fernando dos Santos Carvalho, Maria do Carmo Antunes da Silva e Rodrigo Vieira Oliveira, não obstante membros da CNFEF, não haverem participado da deliberação por via da qual se procedeu à emissão de parecer e aprovação do relatório de gestão e contas referente ao exercício de 2003.

Com efeito, uma vez que à CNFEF compete assegurar e fiscalizar, quer a exactidão das contas, quer a legalidade e conformidade aos Estatutos da gestão administrativa e financeira do partido (artigo 85.º, n.º s 1 e 2 dos Estatutos) e entre os mecanismos previstos nos estatutos para o prosseguimento de tal missão se conta ainda a instauração de inquéritos, quer por iniciativa própria da Comissão, quer a solicitação de qualquer órgão nacional, sobre factos relacionados com a respectiva esfera de actuação [al. e)], bem como a participação à Comissão Nacional de Jurisdição de quaisquer irregularidades de que tenha conhecimento [al. g)] - , a simples circunstância de os referidos arguidos não haverem participado da dita deliberação é imprestável para conduzir ao afastamento da respectiva responsabilidade.

E isto porque a responsabilidade dos membros da CNFEF, enquanto titulares do dever de garante, filia-se dogmaticamente na promoção causal do facto ilícito por omissão das providências adequadas a evitá-lo e o parecer em questão constitui apenas um dos mecanismos utilizáveis em ordem a acautelar a superveniência de suporte contabilístico

conforme ao mandamento legal.

Em reforço, diga-se ainda que o facto de os referidos arguidos não haverem participado da deliberação que apreciou e aprovou relatório de gestão e contas referente ao exercício de 2003, se em algum sentido tenderá a depor do ponto de vista do preenchimento do tipo objectivo do ilícito, é precisamente no oposto ao aparentemente reivindicado, já que o cumprimento do dever de garante, se supõe, conforme se disse já, a adopção das medidas cabidas nos poderes estatutariamente cometidos ao órgão competente para assegurar a legalidade da gestão financeira do partido e idóneas ao asseguramento do resultado conforme ao mandamento legal, não poderá deixar de exigir, logo em primeira linha, o envolvimento pessoal e directo do(s) respectivo(s) titulare(s) nos momentos em que possa estar em causa o exercício de faculdades relacionadas com a observância dos ónus contabilísticos estabelecidos pela Lei 56/98. Pelo que a falta de intervenção ou de comparência, em função das circunstâncias em que ocorra, poderá representar até uma forma mais radical de

inobservância do dever.

Aos argumentos acima refutados já, os arguidos acrescentam uma segunda ordem de razões susceptível de inviabilizar, na perspectiva seguida, a afirmação da respectiva

responsabilidade.

De acordo com a defesa, a responsabilidade contra-ordenacional imputada deverá considerar-se em qualquer caso excluída pela circunstância de os arguidos haverem actuado com erro sobre a proibição legal e ou sobre os pressupostos materiais do dever de garante - os Estatutos do partido não impõem à CNFEF o dever de aprovação das contas ou de apresentação de uma única conta abrangendo todo o universo partidário - ou, pelo menos, pela ausência de qualquer elemento susceptível de demonstrar a existência da vontade de realização do tipo - a emissão de parecer sobre as contas do partido não é susceptível de comportar uma actuação dolosa que possa consubstanciar a prática da infracção - já que o tipo contra-ordenacional imputado é, para além de omissivo, estruturalmente doloso e a vontade de o realizar não se presume, nem decorre automaticamente da afirmação de um dever de controlo, antes

carecendo de ser positivamente demonstrada.

A possibilidade de qualquer um dos arguidos ter actuado em erro sobre a proibição legal - ou seja, desconhecendo o dever imposto pelo n.º 4 do artigo 10.º da Lei 56/98 e o carácter proibido da conduta que o inobserve - é absolutamente inverosímil.

Conforme acima referido já, em 2003 o quadro das obrigações que a Lei 56/98 veio impor aos partidos políticos, em matéria de consolidação das contas, encontrava-se já cabalmente explicitado e esclarecido, nomeadamente com a prolação, a notificação e a publicação dos Acórdãos n.º 453/99, n.º 578/2000, n.º 371/2001 e n.º 361/2003, sendo por isso sobejamente conhecida dos dirigentes partidários a indispensabilidade de o partido possuir uma contabilidade que abrangesse todo o universo das suas estruturas e actividades.

Em tal contexto, não sobra o menor espaço à razoável ponderação da possibilidade de exclusão do dolo pela via do erro sobre a proibição nos termos previstos no artigo 8.º,

n.º 2, do Decreto-Lei 433/82.

Tão pouco poderá proceder a tese segundo a qual os arguidos terão actuado em erro sobre os pressupostos materiais do dever de garante pelo facto de os Estatutos do partido não imporem à CNFEF o dever de aprovação das contas ou de apresentação de uma única conta abrangendo todo o universo partidário.

Embora os pressupostos fácticos do dever de garante integrem o elenco das circunstâncias de facto cuja falta de representação é de modo a excluir o dolo nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei 433/82, o certo é que o enquadramento propiciado pelos estatutos do Partido Socialista, designadamente na versão contemporânea da actuação que se aprecia, é, conforme se viu já, suficientemente claro ao impor à CNFEF o dever de pugnar pela exactidão das contas e de fiscalizar a legalidade da gestão administrativa e financeira do partido, o que evidentemente inclui o asseguramento interno das condições necessárias ao cumprimento das regras de financiamento e organização dos partidos políticos contidas

na Lei 56/98.

Em reforço, diga-se ainda que, não tendo existido de facto, no ano de 2003, a figura do Secretário Nacional com o pelouro da Administração e das Finanças do Partido (cf.

informação prestada pelo partido a fls. 30 do apenso A), o dever em questão só à CNFEF poderia caber em definitivo, pressuposto este que, perante as descritas circunstâncias, foi necessariamente representado pelos respectivos membros.

Deste modo, e uma vez mais ao invés do que vem sustentado, a convergência dos factos enunciados aponta coerentemente para a conclusão de que, em se tratando do quinto ano consecutivo de incumprimento do dever de apresentação, em anexo às contas nacionais, das contas das estruturas descentralizadas ou autónomas do partido (cf. Acórdãos n.º 253/02, 361/03, 423/04 e 288/05, estes dois últimos posteriores aos factos) sem que tivesse sido adoptado, no plano das providências susceptíveis de acautelar o cumprimento do dever imposto, qualquer mecanismo reformador relativamente aos anteriores procedimentos, tal omissão foi necessariamente acompanhada da representação da possibilidade de vir a ocorrer novo incumprimento e da conformação com tal possibilidade. O que, por seu turno, permite ter por verificado, na modalidade de dolo eventual, o dolo exigido pelo tipo subjectivo do ilícito.

E não se trata aqui, conforme sustentam os arguidos, de presumir o dolo ou de fazê-lo automaticamente decorrer da afirmação de um dever de controlo.

Trata-se, outrossim, de considerar demonstrados os factos em que o dolo assenta através de elementos de prova indiciária ou circunstancial, obtida através dos chamados

juízos de inferência.

Com efeito, conforme se escreveu no Acórdão 86/2008, «para além de admissível em termos gerais, o meio probatório em questão assum[e] decisiva relevância no âmbito da caracterização do "conteúdo da consciência de um sujeito no momento em que este realizou um facto objectivamente típico", em particular ao nível da determinação da "concorrência dos processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo"

(cf. Ramon Ragués I Vallès, El dolo y su prueba en el proceso penal, J.M. Bosch Editor, 1999, pg.212 e ss.) Isto porque, conforme sabido é, o dolo - ou, melhor, o nível de representação que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico - , uma vez que se estrutura sob realidade pertencente ao mundo interior do agente, apenas se tornará apreensível, na hipótese de não ser dado a conhecer pelo próprio, através da formulação de juízos de inferência e na presença de um circunstancialismo objectivo, dotado da idoneidade e concludência necessárias a revelá-lo».

Assim, ao não terem adoptado, na qualidade de membros da CNFEF, as providências adequadas para que as contas de 2003 abrangessem o universo do Partido, os arguidos António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria do Carmo Antunes da Silva, Rodrigo Vieira Oliveira, Maria Teresa Magno Heimans e Fernando dos Santos Carvalho participaram, com dolo, no cometimento da infracção prevista no mencionado preceito da Lei 56/98, conduta que consubstancia a contra-ordenação prevista no artigo 14.º, n.º 3, da mesma lei.

12 - Quanto ao CDS-PP, a infracção à Lei 56/98, cuja responsabilidade pessoal dos dirigentes partidários está agora em causa consiste também na ausência de contas

abrangendo todo o universo partidário.

Por tal infracção foi condenado já o CDS-PP no Acórdão 455/2006, com fundamento na circunstância, alegada aí pelo Ministério Público, de «as demonstrações financeiras em que se corporizam as contas apresentadas não integra[rem], de modo pleno, a globalidade das operações de financiamento e de funcionamento do partido, representativas de todo o universo partidário, reflectindo tão-só as actividades correntes de financiamento e de funcionamento da sede central e de parte das estruturas concelhias e distritais, não se mostrando implementado um conjunto de procedimentos internos normalizadores do processo de prestação de contas por parte da totalidade daquelas estruturas descentralizadas e organizações autónomas - sendo certo que tal omissão de integral apresentação de contas, abrangendo, sem excepções, todo o universo partidário, obsta a que se possa operar o pleno controlo da situação

financeira do partido [...].».

Segundo o Ministério Público, deve responder pela prática da infracção acima mencionada Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro, na qualidade de membro da Comissão Directiva do Partido responsável pelo sector financeiro no ano de 2003.

Segundo resulta dos estatutos do CDS-PP, à Comissão Directiva do Partido compete dirigir a organização administrativa e financeira do partido e elaborar o seu orçamento e contas [artigo 50.º, n.º 1, alíneas d) e f)], podendo tal comissão criar os pelouros que entenda necessários ao exercício das suas competências [artigo 50.º, n.º 4)].

De acordo com o referido enquadramento estatutário, impendia sobre o arguido Abel Pinheiro, na qualidade de membro da Comissão Directiva responsável pelo sector financeiro, o dever de garantir o cumprimento dos ónus contabilísticos estabelecidos pela Lei 56/98, designadamente daquele que para o presente caso releva - o de apresentação de uma conta consolidada, que abrangesse o universo das estruturas

partidárias, referente ao ano de 2003.

Tal dever era, de resto, imposto pelo artigo 10.º do Regulamento Financeiro do Partido de Maio de 2000, em vigor à data dos factos.

Ao acolhimento em juízo da hipótese contida no despacho de promoção começa por colocar a defesa uma objecção de carácter processual.

De acordo com o arguido, tal acolhimento suporá sempre a possibilidade de valer contra si a prova feita no processo de apreciação das contas em que não foi parte, o que é incompatível com o direito que lhe assiste a exercer o contraditório sobre toda a prova produzida (artigo 32.º, n.º 5, da CRP).

Os próprios termos em que a objecção se encontra formulada são suficientes para se perceber a sua falta de razão: é justamente na medida em que ao arguido é reconhecida a faculdade de, no âmbito do pronunciamento previsto no artigo 50.º do RGCC e para o fim aí previsto, exercer o contraditório sobre toda a prova produzida nos autos que esta pode ser considerada no momento do apuramento dos pressupostos da respectiva

responsabilidade.

Vejamos mais de perto.

Os presentes autos foram instaurados ao abrigo do disposto nos artigos 13.º, n.º 2 e 14.º, n.º 3, ambos da Lei 56/98, e 103.º-A da Lei do Tribunal Constitucional.

Segundo dispõe o artigo 13.º, n.º 2, da Lei 56/98, «o Tribunal Constitucional pronuncia-se sobre a regularidade e a legalidade das contas referidas no artigo anterior [contas anuais dos partidos políticos] [...]».

Decorre, por seu turno, do artigo 14.º, n.º s 2 e 3, da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000, que serão punidos com coima os partidos políticos que não cumprirem as obrigações impostas no respectivo capítulo II, bem como os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem em tais infracções.

Finalmente, preceitua o artigo 103.º-A da Lei do Tribunal Constitucional:

«1 - Quando, ao exercer a competência prevista no n.º 2 do artigo 13.º da Lei 72/93, de 30 de Novembro, o Tribunal Constitucional verificar que ocorreu o incumprimento de qualquer das obrigações que, nos termos do capítulo II do mesmo diploma legal, impendem sobre os partidos políticos, dar-se-á vista nos autos ao Ministério Público, para que este possa promover a aplicação da respectiva coima.

2 - [...]

3 - Promovida a aplicação de coima pelo Ministério Público, o Presidente do Tribunal ordenará a notificação do partido político arguido, para este responder, no prazo de 20 dias, e, sendo caso disso, juntar a prova documental que tiver por conveniente ou, em casos excepcionais, requerer a produção de outro meio de prova, após o que o

Tribunal decidirá, em sessão plenária».

Da concatenação das disposições acima transcritas resulta que o processo nos presentes autos instaurado se encontra adstrito a uma dupla finalidade: a verificação da regularidade e da legalidade das contas dos partidos políticos e o apuramento, em momento subsequente, consequente e sempre eventual, da responsabilidade contra-ordenacional pelas infracções que lhes possam estar associadas.

O processo em tais termos instaurado encontra-se sujeito à tramitação que, em conformidade com aquele plúrimo desiderato, se encontra para ele legalmente tipificada, apresentando-se, por adesão à mesma, como uma sequência articulada e concatenada de actos e, enquanto tal, sem cortes ou rupturas entre os momentos que é

susceptível de comportar.

Daqui se segue que a actividade instrutória que no respectivo âmbito seja progressivamente desenvolvida, subordinada que se encontra àquele seu agir finalístico, será também ela una e indivisível: os elementos de prova recolhidos ao longo do processo passam a integrá-lo como instrumentos para a realização daqueles seus fins, assumindo valor processual em todas as sucessivas fases que o mesmo venha a comportar de acordo com a modelação legal a que obedece.

Tais elementos, adquiridos pelo processo, constituirão assim antecedentes possíveis, não apenas do pronunciamento respeitante à apreciação da regularidade das contas dos partidos políticos, mas ainda - senão mesmo necessariamente - daquele outro que, em função do sentido que este conheça, venha a ter subsequentemente lugar no plano do apuramento de eventual responsabilidade contra-ordenacional na matéria.

E se assim é, todos os referidos elementos de prova - acessíveis a todos os visados pela promoção do Ministério Público através da consulta dos autos - , não obstante recolhidos em momento anterior ao conhecimento da regularidade e legalidade das contas dos partidos e para esse efeito considerados já, poderão ser obviamente controvertidos e contraditados pela defesa na medida em que influenciem ou possam influenciar a definição da situação jurídica dos sujeitos afectados pelo procedimento.

Quer isto significar que, ao invés do pressuposto subjacente às objecções suscitadas pelo arguido, no plano do exercício da faculdade que aos visados assiste de influenciar o juízo relativo ao estabelecimento dos pressupostos e consequências da respectiva responsabilidade, não há elementos subtraídos ao contraditório. No âmbito do pronunciamento sobre a contra-ordenacção imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre (cf. artigo 50.º do RGCO), o visado pelo procedimento pode contraditar qualquer um dos elementos probatórios carreados para os autos, até porque o efeito de caso julgado que possa associar-se ao pronunciamento sobre a regularidade e legalidade das contas dos partidos não inclui nem consome a apreciação do valor ou da concludência do elemento probatório em questão na sua relação com os pressupostos da responsabilidade de cujo estabelecimento se trate.

Improcede, por isso, a objecção formulada pela defesa.

Numa segunda ordem de razões, o arguido contesta a verificação dos pressupostos da ilicitude respeitantes ao preenchimento do tipo contra-ordenacional imputado com fundamento na inexistência de elementos susceptíveis de demonstrar que a organização da contabilidade do CDS-PP impediu o efectivo conhecimento da respectiva situação financeira e patrimonial - resultado este tido por essencial ao preenchimento do tipo sob pena de se lhe atribuir uma amplitude incompatível com o princípio da legalidade consagrado no artigo 29º, n.º 1, da CRP - ou de determinar a contribuição do arguido

para um tal efeito.

Conforme se verá em seguida, trata-se uma vez mais de argumentação juridicamente

improcedente.

O tipo legal em presença do qual haverá de conhecer-se da relevância contra-ordenacional do comportamento do arguido é o correspondente à previsão do artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, onde se estabelece que «as contas nacionais dos partidos políticos deverão incluir, em anexo, as contas das suas estruturas descentralizadas ou autónomas, de forma a permitir o apuramento da totalidade das suas receitas e despesas, podendo, em alternativa, apresentar contas consolidadas».

Perante a descrição típica do comportamento proibido, parece não haver dúvidas de que a consumação da infracção se basta com a violação do dever de incluir nas contas anuais a apresentar pelos partidos políticos aquelas que dizem respeito às suas estruturas descentralizadas ou autónomas - seja em anexo, seja através da técnica de consolidação - , não carecendo da concomitante demonstração de que tal violação inviabilizou, em concreto, o conhecimento efectivo da situação financeira e patrimonial

do partido político de que se trate.

Do ponto de vista da relação entre a actuação proibida e o interesse jurídico tutelado, pode dizer-se que a tipificação do ilícito assenta na presunção inelidível de que a violação do referido dever é lesiva ou potencialmente lesiva da possibilidade de apuramento e controlabilidade da situação financeira e patrimonial dos partidos políticos; por essa razão, a simples violação do dever é sancionada em si mesma e enquanto tal, sem dependência da verificação efectiva de qualquer projecção negativa

sobre aquele desiderato.

O recurso a formas avançadas de tutela que dispensam a demonstração da verificação concreta do resultado pretendido evitar pela norma tipificadora nada tem de verdadeiramente excepcional no domínio do direito contra-ordenacional.

Com efeito, ao invés do que sucede no direito penal, no âmbito do direito contra-ordenacional - que, conforme sabido é, responde historicamente à «necessidade de dar consistência prática às injunções normativas decorrentes deste novo e crescente intervencionismo do Estado, convertendo-as em regras de conduta» (Preâmbulo do Decreto-Lei 433/82, de 27.10) - as infracções por simples lesão do dever são comuns e os «tipos não carecem por regra de estar construídos com base numa redacção cumulativa entre a descrição do dever e a conduta lesiva, bastando-se com a identificação do primeiro momento típico» (cf. Frederico da Costa Pinto, ob. cit., p.

236).

Clarificado o alcance do tipo sob aplicação, a questão que se coloca é agora a de saber se, conforme sustenta o arguido, o entendimento exposto equivale à atribuição à norma do artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, de uma amplitude susceptível de a tornar constitucionalmente inviável por violação do princípio da legalidade consagrado no

artigo 29.º, n.º 1, da CRP.

A resposta é claramente negativa e prescinde mesmo do regresso à problemática em torno da transposição para o direito contra-ordenacional das exigências colocadas pelo princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da CRP.

Intimamente relacionado com as categorias do crime e da pena, o princípio da legalidade, enquanto parâmetro constitucional de controlo, impõe a «formulação da norma penal com um conteúdo autónomo e suficiente, de modo a possibilitar um controlo objectivo na sua aplicação individualizada e concreta»; justamente nesta acepção, o princípio da legalidade penal encontra expressão no princípio da tipicidade, deste em particular decorrendo a imposição de uma «suficiente especificação do tipo de crime» e, por oposição, «a ilegitimidade das «definições vagas, incertas, insusceptíveis de delimitação» (J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, V. I, p. 495).

Tais abreviadas considerações sobre o sentido e alcance do princípio da legalidade, de resto inteiramente consolidadas no pensamento constitucional, são suficientes para verificar que as incidências dele extraíveis operam no plano da determinabilidade dos ilícitos contra-ordenacionais tipificados e respectivas sanções e não, conforme vem suposto, ao nível da extensão do âmbito de protecção das normas

contra-ordenacionais tipificadoras.

Não estando em causa a inteligibilidade do juízo de danosidade social expresso no tipo legal sob aplicação, a invocação do princípio da legalidade revela-se inteiramente inconsequente, não conduzindo à verificação de qualquer inconstitucionalidade.

No que, finalmente, concerne às reservas suscitadas pela defesa relativamente ao estabelecimento da contribuição do arguido para o preenchimento do tipo - preenchimento que, conforme concluído já, não supõe a demonstração de qualquer condicionamento efectivo ao conhecimento da situação financeira e patrimonial do partido - retomar-se-á uma vez mais a ideia de que se trata, também aqui, de uma contribuição omissiva, causal ou co-causalmente promotora do resultado consistente na violação do dever imposto pelo artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98.

Tal omissão corresponde à não adopção das providências cabidas no âmbito dos poderes que, na qualidade de membro da Comissão Directiva responsável pelo sector financeiro, ao arguido se encontravam atribuídos no interior da estrutura partidária e susceptíveis de acautelar a viabilidade do cumprimento daquela obrigação, designadamente a implementação de um conjunto de procedimentos internos normalizadores do processo de prestação de contas por parte da totalidade das estruturas descentralizadas e organizações autónomas do partido.

Em termos idênticos aos referidos já em 10. e 11., em se tratando, também no que ao CDS-PP diz respeito, do quinto ano consecutivo de incumprimento do dever previsto no artigo 10.º, n.º 4 (cf. Acórdãos n.º 253/02, 361/03, 423/04 e 288/05, estes dois últimos proferidos em momento posterior aos factos), tal omissão foi necessariamente acompanhada da colocação da possibilidade de vir ela a concorrer para a verificação de novo incumprimento do dever em causa e da conformação com tal possibilidade.

Através de um raciocínio probatório de tipo dedutivo elaborado a partir dos elementos conhecidos directamente, tem-se, pois, por demonstrada a base factual do dolo, na

modalidade de dolo eventual.

Assim, ao não ter adoptado as providências adequadas para que as contas de 2003 abrangessem o universo do Partido, o arguido Abel Pinheiro participou, com dolo, no cometimento da infracção prevista no artigo 10.º, n.º 4, preceito da Lei 56/98, conduta que consubstancia a contra-ordenação prevista no artigo 14.º, n.º 3, da mesma lei, na versão aprovada pela Lei 23/2000, de 23 de Agosto.

13 - No que ao PDA concerne, a infracção pela qual vem promovida a responsabilização pessoal de dirigentes partidários consiste no incumprimento da obrigação legal de apresentação das contas referentes ao exercício de 2003, imposta pelo artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98.

Por tal infracção foi condenado já o PDA, através do Acórdão 455/06.

De acordo com a promoção do Ministério Público, por tal infracção deverá ser contra-ordenacionalmente responsabilizado José Francisco Ventura Nunes, na qualidade de Presidente da Comissão Política Nacional em exercício no ano de 2003, atento o disposto nos artigos 43.º, 50.º e 70.º, n.º 1, dos Estatutos do partido.

Das mencionadas normas estatutárias resulta, com efeito, que a Comissão Política Nacional é o "mais elevado órgão directivo e executivo do partido" (artigo 43.º), cabendo-lhe a responsabilidade pela "administração dos fundos" partidários (artigo 70.º). O Presidente da dita Comissão é, por seu turno, o chefe supremo do partido e o principal responsável "pela orientação, disciplina e acção partidárias", competindo-lhe em especial "cumprir e fazer cumprir as normas legais e estatutárias", a "representação suprema do partido" e "superintender, no mais alto nível, na orgânica, orientação e

actuação partidária (artigo 50.º).

Perante o enquadramento estatutário descrito, é forçoso considerar-se que sobre o Presidente da Comissão Política Nacional do PDA impendia o dever de garantir, relativamente ao exercício de 2003, o cumprimento das regras de financiamento e organização dos partidos políticos contidas na Lei 56/98 (na redacção da Lei 23/2000), designadamente, a obrigação de entrega da contabilidade partidária ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 13.º, n.º 1, desse diploma.

Em sua defesa, o arguido invocou o contexto de dificuldades por que passou o partido, caracterizado pela escassez de meios económicos e humanos, o que o conduziu a gerir o partido praticamente sozinho, concentrando na sua pessoa as tarefas de apresentação de candidaturas e organização de campanhas eleitorais. Tal circunstância ter-lhe-á tornado materialmente impossível o cumprimento atempado da obrigação de apresentação das contas (sendo certo que não deixou de o fazer posteriormente) e deverá considerar-se suficiente para excluir o dolo.

O contexto de funcionamento partidário mediante a utilização de limitados recursos económicos e humanos - de resto indissociavelmente ligado à circunstância de se tratar de um partido pouco representativo e sem o beneficio de subvenções estatais - , foi, no âmbito da aplicação do regime instituído pela Lei 56/98, por diversas vezes

ponderado já por este Tribunal.

Reiterando aqui a ponderação levada a cabo no Acórdão 348/06, dir-se-á a tal

respeito o seguinte:

«[...] como já se disse no Acórdão 288/2005, exactamente a propósito do incumprimento da obrigação legal de entrega das contas de 2002 por parte do PDA, a pequena dimensão ou ausência de actividade, bem como a falta de representação parlamentar e a ausência de apoios estatais não eximem o partido da obrigação de apresentação de contas. Designadamente, não há que fazer nenhuma distinção entre "grandes" e "pequenos" partidos, entre partidos com ou sem representação parlamentar, com intensa ou esporádica actividade, porquanto os partidos políticos ficam, desde o momento da sua inscrição no registo próprio existente neste Tribunal, necessariamente adstritos às obrigações decorrentes da lei do financiamento partidário

em vigor.

A explicação para a imposição de tal obrigação a todos os partidos inscritos radica no facto de a inscrição conferir aos partidos políticos, para além das faculdades de intervenção política, também um conjunto de direitos e prerrogativas, em razão da sua específica função no sistema político, e que são independentes das tais "diferenças"

referidas, tendo o legislador optado por não efectuar aí quaisquer distinções, antes considerando como iguais todos os partidos como tal registados. Justifica-se, assim, que também no tocante ao cumprimento das respectivas obrigações - designadamente, à de apresentação de contas - , seja aplicável o mesmo regime a todos os partidos,

igualmente sem quaisquer distinções».

Do ponto de vista da reivindicada exclusão do dolo, as dificuldades inerentes à limitada dimensão do partido constituem argumento igualmente improcedente para o afastamento da responsabilidade imputada ao arguido.

No plano da construção jurídica, não é, com efeito, sustentável reconhecer em tais constrangimentos uma causa idoneamente inviabilizadora do cumprimento do dever de apresentação de contas posto que esta não se converte em tarefa irrealizável sempre que o destinatário de tal obrigação seja um partido de pequena dimensão e limitados

recursos.

Por outro lado, a circunstância de as descritas dificuldades - ou mais concretamente a escassez de recursos humanos associada à exígua dimensão do partido - haverem implicado a concentração na pessoa do arguido de uma pluralidade de tarefas não envolveu a eliminação da margem de ponderação e escolha do actuante, nem, consequentemente, a anulação da possibilidade de uma prestação de sentido conforme

à norma violada.

Pelo contrário: se a execução de tarefas como a apresentação de candidaturas e organização de campanhas eleitorais conduziu, em tais circunstâncias, à inexecução daquela que aqui está em causa é justamente porque o arguido preteriu o cumprimento desta em benefício da realização daquelas, apesar de, no universo das solicitações pelo próprio enumeradas e que requeriam a sua intervenção, só a apresentação de conta constituir um dever jurídico imposto legalmente. É, assim, juridicamente inviável a ponderação da existência de uma qualquer situação de conflito de deveres.

Não relevando embora no plano do estabelecimento dos pressupostos da responsabilidade, a pequena dimensão do partido e o incrementado esforço em razão disso desenvolvido pelo arguido não deixarão de constituir, conforme se verá, circunstâncias ponderáveis no âmbito da definição das consequências jurídicas da

prática da infracção.

Assim, ao não ter adoptado as providências adequadas para que as contas de 2003 fossem atempadamente entregues ao Tribunal Constitucional, o arguido participou, com dolo, no cometimento da infracção ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98.

B) Das consequências jurídicas da contra-ordenação.

14 - Nos termos previstos no artigo 14.º, n.º 3, da Lei 56/98, na redacção conferida pela Lei 23/2000, a coima aplicável aos dirigentes dos partidos políticos que participem pessoalmente nas infracções previstas no Capítulo II - onde se incluem as correspondentes à violação dos deveres impostos pelo artigos 10.º, n.º 3, e 13.º, n.º 1 - varia entre 5 e 200 salários mínimos mensais nacionais.

A infracção consubstanciada na violação do dever imposto pelo artigo 10.º, n.º 3, da Lei 56/98, consuma-se no último dia do ano a que respeitam as contas em questão - no presente caso, no dia 31 de Dezembro de 2003 -, e a contra-ordenação correspondente à violação do dever imposto pelo artigo 10.º, n.º 3, da Lei 56/98, no último dia do prazo legalmente estabelecido para o respectivo cumprimento - isto é, no que diz respeito ao exercício de 2003, no dia 31 de Maio de 2004.

De acordo com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei 320-C/2002, de 30 de Dezembro de 2002, o salário mínimo mensal nacional ascendia, no ano de 2003, ao valor de (euro) 356,60, tendo sido fixado, para o ano de 2004, no montante de (euro) 365,60 (artigos 1.º e 4.º, do Decreto-Lei 19/2004, de 20 de Janeiro).

Da concatenação das várias normas referidas resulta que a coima a aplicar a José Francisco Nunes Ventura se encontra indexada a um valor máximo de (euro) 73.120 e mínimo de (euro) 1.828, ao passo que as coimas cabidas aos restantes dirigentes contra-ordenacionalmente responsáveis fixar-se-ão entre um máximo de (euro) 71.320

e um mínimo de (euro) 1.783.

No interior da moldura que lhe corresponda, a medida concreta de cada coima será então determinada em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício que este haja retirado da prática da contra-ordenação (artigo 18.º Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo

Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro).

No que à culpa especialmente concerne, importará ter presente que, ao invés do que sucede com a culpa jurídico-penal, não se trata aqui de uma «censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor» (Figueiredo Dias, O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, loc. cit., p. 29).

15 - Relativamente à determinação da medida da responsabilidade do arguido José Manuel de Matos Rosa, haverá que ter em conta, do ponto de vista da gravidade da infracção, a circunstância de, conforme referido já por este Tribunal (Acórdãos n.º 250/06 e 348/06), se tratar do incumprimento de um dever imposto pelo regime legal do financiamento e organização das contas dos partidos, de carácter estruturante.

No que toca à culpa, importa considerar que, embora em termos qualitativamente insuficientes para excluir a relevância contra-ordenacional da respectiva prestação enquanto titular do dever de garante, o arguido não deixou de desenvolver determinadas diligências no interior do partido tendo em vista o cumprimento das regras de financiamento e organização contabilística previstas na Lei 56/98, o que, evidenciando uma linha de direcção no sentido da ordenação social definida, atenua a

responsabilidade do respectivo autor.

Por outro lado, não obstante o arguido José Manuel de Matos Rosa já ter sido condenado pela participação pessoal nas infracções cometidas pelo PPD/PSD relativamente às contas de 2002 (Acórdão 348/06), tal condenação carecerá de força agravante, pela via da culpa, pelo facto de o respectivo processo ter sido decidido em momento muito posterior ao da elaboração e apresentação das contas de

2003.

Em função do exposto, tem-se por ajustada a aplicação ao referido arguido, pela participação pessoal na infracção ao disposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, a

coima de (euro) 2.500.

16 - No que concerne à determinação da medida da responsabilidade contra-ordenacional imputada aos arguidos António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria do Carmo Antunes da Silva, Rodrigo Vieira Oliveira, Maria Teresa Magno Heimans e Fernando dos Santos Carvalho, em idênticos termos importará ter em conta, no plano da gravidade da infracção, o facto de se tratar do incumprimento de um dever imposto pelo regime legal do financiamento e organização das contas dos partidos que reveste um carácter estruturante e essencial para o controlo e fiscalização destas últimas.

No que toca à culpa, são naturalmente de considerar as deficiências de funcionamento da CNFEF, as quais, apesar de não eximirem os respectivos membros da responsabilidade pela regularidade das contas do PS, não deixarão de constituir circunstância positivamente relevante na medida em que, dificultando o funcionamento do órgão, obrigavam a um proporcional e compensatório incremento do empenho dos arguidos, enquanto titulares do dever de garante, na observância do dever aqui em

causa.

Finalmente, apesar de o arguido Carlos Alberto Clemente Frazão já ter sido condenado, por duas vezes, pela participação pessoal nas infracções cometidas pelo PS (condenações relativas às contas de 2001 e de 2002) e de os arguidos António Augusto Dias da Cunha, Luís Filipe Domingos Pinto, Rodrigo Vieira Oliveira e Maria Teresa Magno Heimans terem sido condenados, por uma vez, naqueles mesmos termos (condenação referente às contas de 2002), tais condenações carecerão de força agravante pelo facto de os respectivos processos terem sido decididos em momento muito posterior ao da elaboração e apresentação das contas de 2003.

Levando em conta a gravidade das infracções e a culpa dos referidos arguidos, aplica-se, a cada um deles, pela participação pessoal na infracção ao disposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, a coima de (euro) 2.500.

17 - Relativamente à determinação da medida da responsabilidade do arguido Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro, impõe-se começar por notar que, conforme decorre das considerações a propósito já expendidas e ao invés do que é sustentado pelo próprio, a gravidade da infracção cometida não é reduzida. Com efeito, embora em causa de facto estejam «irregularidades contabilísticas comuns à generalidade dos partidos políticos com representação parlamentar», ninguém contestará que só a apresentação de contas que incluam os elementos respeitantes às respectivas estruturas descentralizadas ou autónomas permite aceder a uma «imagem global e real da actividade financeira dos partidos» (cf. Acórdão 455/06), nem que tal acesso é imprescindível ao controlo do cumprimento das regras de financiamento e, portanto, à própria realização das finalidades do regime.

Embora não contenda com a relevância contra-ordenacional do comportamento omissivo do arguido na sua relação com o cumprimento do dever aqui em causa, a circunstância de o mesmo haver desenvolvido esforços no domínio da organização e controlo da gestão do partido dá, no entanto, conta de uma situação distinguível do alheamento puro, o que releva positivamente pela via da culpa.

Em função do exposto, tem-se por ajustada a aplicação ao referido arguido, pela participação pessoal na infracção ao disposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, a

coima de (euro) 2.500.

18 - No que, por último, concerne à graduação da coima em que incorre José Francisco Nunes Ventura, dirigente do PDA, não poderá deixar de valorar-se, do ponto de vista da gravidade da infracção, o carácter elementar do dever concretamente inobservado do ponto de vista da controlabilidade da actividade financeira dos partidos

políticos.

Comprimindo relevantemente o alcance negativo de tal circunstância, deporá, todavia, a favor do arguido a particular exiguidade dos meios económicos e humanos disponíveis no âmbito da estrutura partidária em nome da qual actuou, exiguidade essa que, na qualidade de responsável máximo pela condução da actividade do partido, o obrigava a um esforço superlativamente diferenciado para assegurar o cumprimento das regras de financiamento e organização contabilística previstas na Lei 56/98.

Embora inidónea, conforme visto já, para excluir a relevância típica do comportamento do arguido, tal circunstância é especialmente ponderável no plano da definição das respectivas consequências jurídicas, uma vez que, conforme entendimento que este Tribunal vem deixando expresso, na determinação da medida da coima devem ser tidas em conta "as dificuldades que os partidos políticos vêm tendo na implementação das estruturas internas necessárias ao completo cumprimento da lei, principalmente considerando a pequena dimensão de alguns dos partidos políticos em causa, já que da mesma decorrerá, compreensivelmente, uma menor exigência quanto à complexidade e completude da sua organização" (Acórdão 288/2005).

Tal perspectiva encontra, de resto, acolhimento expresso no Projecto de Lei 606/X - Alteração à Lei 19/2003, de 20 de Junho (Lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais) - presentemente sob apreciação, na especialidade, pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República (www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar), que prevê para o artigo 12.º, n.º 8, do diploma revisto a seguinte redacção: «Os Partidos Políticos cujo movimento financeiro anual, excluindo as despesas com campanhas eleitorais, não exceda 30.000,00 (euro) e que não tenham direito às subvenções públicas previstas nas alíneas a) e c) do artigo 4.º, podem optar por um regime de contabilidade simplificado, mediante o preenchimento e apresentação de um modelo oficial de prestação de contas a definir por portaria conjunta do Ministério da Justiça e das

Finanças».

Atendendo à relevância diferencial do descrito contexto partidário, entende-se que a coima a aplicar ao arguido deverá ser fixada no mínimo legal, ou seja, no valor de

(euro) 1.828,00.

III - Decisão.

19 - Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

1.º Arquivar o procedimento contra-ordenacional contra o arguido José Luís Fazenda Arnaut Duarte pela participação pessoal na omissão do cumprimento, por parte do PPD-PSD, da obrigação prevista no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, relativamente

ao ano de 2003;

2.º Condenar o arguido José Manuel de Matos Rosa, pela participação pessoal na infracção, cometida pelo PPD/PSD, ao disposto nos artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, relativamente ao ano de 2003, em coima no valor de (euro) 2.500,00;

3.º Condenar os arguidos António Augusto Dias da Cunha, Carlos Alberto Clemente Frazão, Luís Filipe Domingos Pinto, Maria do Carmo Antunes da Silva, Rodrigo Vieira Oliveira, Maria Teresa Magno Heimans e Fernando dos Santos Carvalho, pela participação pessoal na infracção, cometida pelo PS, ao disposto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, relativamente ao ano de 2003, em coima no valor de (euro) 2.500,00;

4.º Condenar o arguido Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro, pela participação pessoal na infracção, cometida pelo CDS/PP, ao disposto nos artigo 10.º, n.º 4, da Lei 56/98, relativamente ao ano de 2003, em coima no valor de (euro) 2.500,00;

5.º Condenar o arguido José Francisco Nunes Ventura, pela participação pessoal na infracção, cometida pelo PDA, ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 56/98, relativamente ao ano de 2003, em coima no valor de (euro) 1.828,00.

3 de Março de 2009. - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Pamplona de Oliveira - Mário José de Araújo Torres - Gil Galvão - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - João Cura Mariano - Vítor Gomes - Maria João Antunes - Benjamim Rodrigues (abandonando as dúvidas que expressei na declaração de voto aposta, sob o n.º 7, no Acórdão 348/06) - Rui Manuel Moura Ramos.

201719503

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/04/30/plain-251117.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/251117.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1989-10-17 - Decreto-Lei 356/89 - Ministério da Justiça

    Introduz alterações ao Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro, que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1993-11-30 - Lei 72/93 - Assembleia da República

    Regula o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 1995-09-14 - Decreto-Lei 244/95 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Justiça

    ALTERA O DECRETO LEI NUMERO 433/82, DE 27 DE OUTUBRO (INSTITUI O ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL E RESPECTIVO PROCESSO), COM A REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO LEI NUMERO 356/89, DE 17 DE OUTUBRO. AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO PRESENTE DIPLOMA INCIDEM NOMEADAMENTE SOBRE OS SEGUINTES ASPECTOS: CONTRA-ORDENAÇÕES, COIMAS EM GERAL E SANÇÕES ACESSORIAS, PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO POR CONTRA-ORDENAÇÃO E PRESCRIÇÃO DAS COIMAS, PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO (COMPETENCIA TERRITORIAL DAS AUTORIDADES ADMINISTR (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-08-18 - Lei 56/98 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das companhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2000-08-23 - Lei 23/2000 - Assembleia da República

    Primeira alteração às Leis 56/98, de 18 de Agosto (financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais), e 97/88, de 17 de Agosto (afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda).

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2001-12-24 - Lei 109/2001 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo), em matéria de prescrição.

  • Tem documento Em vigor 2002-12-30 - Decreto-Lei 320-C/2002 - Ministério da Segurança Social e do Trabalho

    Actualiza os valores do salário mínimo nacional para 2003.

  • Tem documento Em vigor 2003-01-25 - Assento 1/2003 - Supremo Tribunal de Justiça

    Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado / notificado, no prazo de (...)

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2004-01-20 - Decreto-Lei 19/2004 - Ministério da Segurança Social e do Trabalho

    Actualiza os valores do salário mínimo nacional para 2004.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-24 - Lei 2/2005 - Assembleia da República

    Procede à primeira alteração à Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro (publicação, identificação e formulário dos diplomas) e republica-a.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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