Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 598/2005/T, de 20 de Dezembro

Partilhar:

Texto do documento

Acórdão 598/2005/T. Const. - Processo 931/2003. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Maria de Lurdes Mendes Sousa Gomes Freitas, melhor identificada nos autos, intentou no Tribunal de Trabalho de Lisboa, em 13 de Julho de 1998, acção emergente de contrato de trabalho, em processo comum sob a forma ordinária, contra Estabelecimentos Grandella, S. A., e Fino Comercial, Grandes Armazéns, S. A., melhor identificados nos autos, para obter, como pedido principal, da primeira demandada, a quantia de 5 258 992$, com juros de mora à taxa legal, e da segunda, a sua reintegração, sob cominação de sanção pecuniária compulsória, 1 958 650$ de importâncias já vencidas e ainda as importâncias vincendas, com juros de mora, e ainda, a título subsidiário, a condenação da primeira demandada no pagamento da quantia de 7 217 642$, vencida até 31 de Maio de 1998, e remunerações vincendas, acrescidas de juros de mora à taxa legal e, como 2.º pedido subsidiário, a condenação da primeira demandada a pagar-lhe a compensação de caducidade do contrato de trabalho no valor de 2 762 100$, férias e subsídio de férias no valor de 356 400$, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação.

Seguidos os trâmites legais, foi em 23 de Junho de 2000 proferida sentença no 2.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, que julgou a acção (resultante das repercussões sobre o contrato de trabalho da destruição, em virtude de incêndio, do estabelecimento onde prestava a sua actividade de caixeira) totalmente não provada e improcedente, absolvendo as demandadas dos pedidos formulados.

A autora conformou-se com a sentença na parte que julgou improcedente o pedido principal, mas recorreu dela quando aos dois pedidos subsidiários que formulara, encerrando assim as suas alegações:

"1 - A ré Grandella após o incêndio de 25 de Agosto de 1988 emitiu e fez entrega no CRSS de várias declarações comprovando que estava impossibilitada em consequência do incêndio de pagar à trabalhadora recorrente as remunerações devidas.

2 - Declarações que repetiu sucessivamente pelo menos até ao mês de Junho de 1989.

3 - E salvo tais declarações, a ré Grandella nunca mais voltou a entrar em contacto com a A., nunca mais lhe deu quaisquer instruções, lhe fez qualquer comunicação ou a notificou do que quer que fosse (n.º 5 da matéria de facto da sentença).

4 - Aquelas declarações entregues pela recorrida no CRSS significam inequivocamente o reconhecimento pela recorrida que com o incêndio o contrato de trabalho se não extinguiu e permaneceu plenamente em vigor.

5 - Com efeito só faz sentido declarar que se está impossibilitada de 'pagar a retribuição devida', se ela se reportar a um contrato de trabalho em vigor que obriga ao pagamento da retribuição.

6 - O incêndio só poderia ser causa de caducidade de contrato de trabalho no momento imediatamente a seguir, nunca decorrido um ano ou mesmo vários anos sobre a sua ocorrência, pois lhe faltaria de todo o requisito da actualidade.

7 - Mesmo para os autores que não exigem um comportamento declarativo da entidade empregadora para que a caducidade possa operar, não podem deixar de convir que se ela fizer declarações em que silencia a caducidade e se afirma a manutenção em vigor do contrato de trabalho, tal não pode deixar de constituir causa de exclusão da caducidade.

8 - Aliás a recorrida não estava impedida de substituir o estabelecimento que ardera, de abrir outro ou outros novos, tanto mais quanto dinheiro lhe não faltava, uma vez que por virtude do incêndio recebeu vultuosa indemnização da sua companhia seguradora.

9 - Até por isso a definitividade da impossibilidade suposta pela caducidade nunca é óbvia e notória e exige sempre que seja expressamente declarada pela entidade empregadora, como sustenta e bem Bernardo Lobo Xavier.

10 - O contrato da recorrente, parece-nos incontroverso, permaneceu em vigor para além do incêndio de 25 de Agosto de 1988, pelo que ela tem direito a todas as retribuições que entretanto se venceram e a entidade empregadora, relapsa, lhe não pagou.

11 - Na hipótese remota, cremos, de o 1.º pedido subsidiário não proceder, a recorrente tem direito à indemnização de antiguidade como compensação pela caducidade resultante de facto surgido na esfera da entidade empregadora.

12 - Indemnização que se reconhecia já no artigo 113.º da LCT de 1969 e que, embora silenciada no Decreto-Lei 372-A/75, não pode deixar de entender-se que subsiste, tanto mais que, como salienta Bernardo Lobo Xavier, tratando-se de um problema de risco, 'não pode deixar de entender-se a cargo da entidade patronal'.

13 - Aliás tal resulta hoje, cremos que em termos inequívocos, do n.º 2 do artigo 6.º da LCCT em vigor, que reconhece ao trabalhador, em caso de extinção da entidade colectiva empregadora, o direito a uma compensação, que por igualdade de razão não pode deixar de aplicar-se aos demais casos de caducidade por facto da esfera da entidade empregadora.

14 - Com efeito, se por força do n.º 3 do artigo 43.º da LCCT, a caducidade do contrato a termo por denúncia da entidade empregadora dá direito a uma compensação a favor do trabalhador, por maioria de razão tal compensação não poderá deixar de ser devida no caso de caducidade de contrato sem termo.

15 - De resto, o n.º 2 do artigo 62.º da CR consagra o princípio da justa indemnização, que tem sido entendido com carácter de generalidade extensível a todos os casos de extinção de direitos, incluindo os decorrentes dos contratos de trabalho.

16 - A antiguidade a considerar para cálculo da compensação deverá reportar-se à data da sentença da 1.ª instância, no mínimo à data da contestação da ré recorrida, ou seja, quando ela pela primeira vez invocou a caducidade do contrato de trabalho."

Contra-alegou a primeira recorrida, concluindo deste modo as suas alegações:

"I - No 1.º pedido subsidiário, regressa-se à tese de que as declarações emitidas pela recorrida para a segurança social, a seguir ao incêndio do Chiado em 25 de Agosto de 1988, ao atestarem até 14 de Agosto de 1989, conforme o modelo exigido, que a sua incapacidade para receber os trabalhadores era absoluta sem acrescentar, para além do modelo-impresso, que era definitiva, significaram a continuidade do vínculo laboral até à presente data ...

Além de que jamais a recorrida comunicou aos seus ex-trabalhadores que os seus contratos de trabalho tinham cessado por caducidade a não ser no decurso de várias acções judiciais que alguns intentaram contra a ora recorrida.

Donde o direito de a trabalhadora demandante receber todas as retribuições vencidas entretanto e vincendas.

II - Ora, e em primeiro lugar, as normas de natureza temporária e excepcional resultantes do referido incêndio foram evoluindo, acabando por serem disciplinadas pelo Decreto-Lei 79-A/89, de 13 de Março (regime geral de protecção no desemprego), reconhecendo que as situações de impossibilidade definitiva decorriam da primitiva situação. Aliás, o Decreto-Lei 13/2000, de 21 de Fevereiro, ao atribuir um subsídio a fundo perdido, segundo critério a adoptar pela CML, aos trabalhadores à data do incêndio do Chiado, reconheceu a impossibilidade absoluta e definitiva de certos empregadores terem recebido prestações de trabalho.

III - Nos casos de força maior, que implicam a destruição notória e total do estabelecimento, jamais a jurisprudência portuguesa exigiu um comportamento declarativo do empregador manifestando aos trabalhadores a caducidade dos respectivos contratos de trabalho, até porque os próprios o verificam de imediato e a própria entidade patronal em relação a parte deles nem sabe onde se encontram.

IV - Por consequência, o contrato individual de trabalho com a recorrente não subsistiu a partir de 25 de Agosto de 1988, não devendo a recorrida à recorrente retribuições vencidas ou vincendas a partir daquela data.

V - Também quanto a indemnizações por antiguidade (2.º pedido subsidiário), não são devidas aos trabalhadores, não se aplicando, a tais casos de força maior, a teoria do risco imputável ao empregador."

Por Acórdão de 21 de Fevereiro de 2001, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu anular o julgamento e actos subsequentes no que toca aos pedidos subsidiários formulados contra a primeira demandada, determinando a ampliação da matéria de facto, com formulação de novos quesitos.

Procedido a novo julgamento, e ampliada essa matéria de facto, foi proferida nova sentença no 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa em 21 de Janeiro de 2002, que julgou improcedente o 1.º pedido subsidiário e procedente o 2.º, condenando a Estabelecimentos Grandella, S. A., a pagar à demandante Euro 13 777,30 a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, Euro 888,90 a título de férias e subsídio de férias e Euro 888,90 relativos aos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal.

Recorreram a referida demandada, e, a título subordinado, a autora, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 20 de Novembro de 2002, julgou procedente a apelação da primeira e improcedente a apelação da segunda, absolvendo a demandada também do 2.º pedido subsidiário.

Ainda inconformada, recorreu a demandante para o Supremo Tribunal de Justiça suscitando a inconstitucionalidade do artigo 8.º do Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho, na interpretação que negue ao trabalhador o direito à compensação pela extinção do contrato de trabalho por caducidade, por facto surgido na esfera da entidade empregadora.

Contra-alegou a demandada, pugnando pela improcedência do recurso.

Por Acórdão de 26 de Novembro de 2003 foi negada a revista, considerando-se não terem sido violados os princípios constitucionais invocados: o do Estado de direito democrático, o da segurança no emprego, o do direito ao trabalho e o direito à justa indemnização.

2 - Trouxe então a autora recurso para o Tribunal Constitucional para ver apreciada a conformidade constitucional da norma do artigo 8.º do Decreto-Lei 372-A/75, em face do "princípio geral do direito à justa indemnização que se consagra no artigo 62.º, n.º 2, da CRP", recurso, esse, "interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC".

Determinada a produção de alegações, a recorrente encerrou as suas com conclusões do seguinte teor:

"1 - Cremos poder afirmar que é uma constante do nosso ordenamento laboral o direito de compensação do trabalhador pela caducidade do seu contrato em resultado de facto surgido na esfera da entidade empregadora, ainda que sem culpa deste.

2 - Aflorava no artigo 113.º da LCT aprovada pelo Decreto-Lei 49 408, e era expressamente afirmado no n.º 2 do artigo 29.º do Decreto-Lei 372-A/75.

3 - A revogação desta norma pelo legislador do Decreto-Lei 84/76 foi apenas aparente, visto que só pode ter-se devido a lapso, uma vez que a intenção daquele era apenas e tão-só, para além de integrar os despedimentos colectivos, suprimir o despedimento por motivo atendível.

4 - Não reparou que o n.º 2 do dito artigo 29.º só na aparência tinha a ver com o despedimento por motivo atendível, mas ia bem além deste, concretizando o princípio da justa indemnização do trabalhador pela caducidade do seu contrato.

5 - A confrontar com o procedimento do legislador do Decreto-Lei 874/76 ao revogar por só manifesto e indubitável a secção IV do capítulo III da LCT, como desde logo jurisprudência e doutrina não deixaram de reconhecer.

6 - Tal princípio ressurge por forma expressa no RJCCT, aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, artigo 6.º, n.os 2 e 3, e nem o legislador pró-patronal do recente Código do Trabalho ousou tocar-lhe pelo que o manteve no seu artigo 390.º

7 - Entendemos pois que o princípio explicitado na norma do n.º 2 do artigo 29.º do Decreto-Lei 372-A/75, não obstante a sua revogação expressa, se manteve, até porque a não ser assim se criaria uma lacuna sem disposição expressa que a colmatasse, e cujo preenchimento se teria de fazer recorrendo a princípios gerais do direito laboral.

8 - Aliás tal princípio voltou a ser explicitado logo na Lei dos Despedimentos que se lhe seguiu, aprovada pelo Decreto-Lei 64-A/89, artigo 6.º, n.os 2 e 3.

9 - De qualquer modo, a compensação à trabalhadora sempre seria devida por aplicação do princípio geral da justa indemnização de que se faz eco o artigo 62.º, n.º 2, da CRP.

10 - Devendo ainda entender-se que como bem diz Bernardo Gama Lobo Xavier (Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XX, n.º 1, Janeiro-Março de 1973) é sobre o empresário que recai 'o risco da contraprestação devida pelas prestações perdidas, e cuja expectativa era juridicamente tutelável'.

11 - Conforme aliás o princípio geral da justa indemnização, que, afirmado no artigo 62.º, n.º 2, da CRP relativamente à propriedade privada, se entende como valendo com carácter de generalidade, no sentido amplo de 'direitos patrimoniais privados' (Meneses Cordeiro, Manual ..., p. 845).

12 - O que significa que não obstante a revogação aparente pelo legislador do Decreto-Lei 84/76 o princípio da justa indemnização se considera se manteve ínsito no artigo 8.º do Decreto-Lei 372-A/75.

13 - Deste modo, não pode deixar de se reconhecer à trabalhadora direito a ser compensada pela perda da sua longa antiguidade ao serviço, em resultado da extinção por caducidade do seu contrato de trabalho.

14 - Pelo que a sua negação envolve uma interpretação inconstitucional do preceito que viola frontalmente o princípio do artigo 62.º, n.º 2, da CRP e reflexamente ainda os princípios dos artigos 2.º, 53.º, 58.º e 59.º da CRP."

Por sua vez, a recorrida apresentou as seguintes conclusões para as suas alegações:

"a) O princípio da justa indemnização, ínsito no n.º 2 do artigo 62.º da CRP, respeita à requisição e à expropriação por utilidade pública de propriedade privada. Ainda que se entenda dever enquadrar o conceito de propriedade privada no sentido amplo de 'direitos patrimoniais privados', sempre a justa indemnização decorre de actos da autoridade pública ou privada, mas nunca de meros factos imprevisíveis e insuperáveis como é a situação de força maior.

b) Do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP) apenas se pode postular que o Estado e outras entidades públicas intervenham no apoio a trabalhadores, cujas empresas viram a sua capacidade produtiva destruída por situação de força maior. Aliás, assim aconteceu no caso sub iudice.

c) O princípio da segurança no emprego (artigo 53.º da CRP) verte-se na proibição de despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Mas não há segurança que prevaleça sobre a destruição do estabelecimento sem culpa do empregador.

d) O direito ao trabalho (artigo 58.º da CRP) e à justa retribuição (artigo 59.º) pressupõe que os meios produtivos não sejam destruídos por razões alheias à vontade do empregador."

Cumpre agora apreciar e decidir.

II - Fundamentos. - 3 - É a seguinte a redacção da norma impugnada, que constitui o único artigo do capítulo III do Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho (regime da cessação do contrato de trabalho), epigrafado "Cessação do contrato individual de trabalho por caducidade":

"Artigo 8.º

1 - O contrato de trabalho caduca nos casos previstos nos termos gerais de direito, nomeadamente:

a) Expirando o prazo por que foi estabelecido;

b) Verificando-se impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a empresa o receber;

c) Com a reforma do trabalhador.

2 - Nos casos previstos na alínea b) do n.º 1, só se considera verificada a impossibilidade quando ambos os contraentes a conheçam ou devam conhecer."

Do teor desta norma parece resultar que ela é alheia à questão substantiva em discussão nos autos: a da existência, ou não, de um direito de compensação do trabalhador pela extinção do contrato de trabalho.

Porém, tendo em conta que a norma de onde tal direito se podia directamente derivar - a do n.º 2 do artigo 29.º do mesmo diploma - fora expressamente revogada pelo artigo 3.º do Decreto-Lei 84/76, de 28 de Janeiro, e também se discutiu nos autos a validade dessa revogação (invocando-se como paralelo a revogação - sem "razões plausíveis", como reconheceu o legislador do Decreto-Lei 398/93, de 2 de Novembro - da secção IV do capítulo IV da Lei do Contrato Individual de Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei 49 408, de 24 de Novembro de 1969), admitiu-se que, na ausência de outro suporte legal, a questão da indemnização, qualquer que fosse a fórmula do seu cálculo, podia ser discutida a propósito dos efeitos da caducidade aí prevista. Até porque a autora invocou que é "uma constante de todo o nosso direito laboral a consagração do direito de compensação do trabalhador que vê extinguir-se o seu contrato de trabalho por facto surgido na esfera da entidade empregadora, ainda que sem culpa desta". A demandada, por sua vez, contrapôs que "não se está perante uma situação de encerramento definitivo do estabelecimento em sentido estrito e técnico, mas perante a destruição de um estabelecimento por caso de força maior. Ora, a doutrina sempre veio distinguindo esses dois tipos de situações, subsumíveis na figura da impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar a sua actividade ou de a empresa o receber". E reconheceu, mais adiante, que a solução podia estar inscrita no próprio instituto da caducidade: "A caducidade do contrato de trabalho, pela verificação da impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a empresa o receber, determina a obrigação de indemnizar a contraparte se houver culpa da parte que o originou; caso contrário, não se gera o dever de indemnizar, salvo nos casos expressamente previstos na lei, e que devem ser encarados como excepções."

Tomar-se-á, pois, conhecimento do recurso quanto à interpretação relativa à atribuição de indemnização, a propósito da norma do artigo 8.º do Decreto-Lei 372-A/75, sendo, aliás, que a tal norma se reduzia, como se disse, o capítulo referente à cessação do contrato de trabalho por caducidade.

Por outro lado, importa notar que não cumpre a este Tribunal Constitucional tomar posição sobre qual a solução preferível, face ao direito aplicável, ou sobre a qualificação jurídica da situação de facto feita no tribunal a quo. Antes, como se escreveu no Acórdão 186/2000:

"O que compete a este Tribunal esclarecer é, pois, tão-só se a interpretação, melhor ou pior, adoptada pelas instâncias, formulada na decisão recorrida e identificada pelo recorrente como objecto de recurso, padece da inconstitucionalidade que lhe foi imputada - ou, eventualmente, de outra (cf. artigo 79.º-C da Lei do Tribunal Constitucional - Lei 28/82, de 15 de Novembro)."

Assim, apenas se apreciará a conformidade constitucional de uma certa interpretação das normas aplicadas à situação dos autos, vigentes à data da caducidade do contrato de trabalho da recorrente. Não está em causa, nomeadamente, o confronto da situação dos autos com regimes posteriores - como o resultante do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, ou o do Código de Trabalho, em vigor.

Na verdade, do quadro legal aplicável nos autos resultava, conforme se decidiu, a não atribuição de uma compensação pela extinção do contrato de trabalho na sequência da destruição do local onde esse trabalho era prestado, por razões não imputáveis a qualquer das partes - mais concretamente, a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, resultante de caso fortuito (incêndio do Chiado) de a empresa receber a prestação laboral. É a esta razão que se refere a recorrente quando alude a "facto surgido na esfera da entidade empregadora, ainda que sem culpa desta".

Por outras palavras, está em causa a constitucionalidade da norma do artigo 8.º do Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho, interpretada no sentido de que a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, resultante de caso fortuito, de a empresa receber a prestação laboral não tem como efeito uma obrigação de indemnização dos trabalhadores, a cargo da entidade empregadora.

4 - Para a referida apreciação da constitucionalidade não se afigura decisiva a invocada existência, no nosso ordenamento jurídico-laboral, de um "direito de compensação do trabalhador pela caducidade do seu contrato em resultado de facto surgido na esfera da entidade empregadora, ainda que sem culpa deste". Na verdade, o que poderia ser decisivo, isso sim, era a circunstância de esse invocado princípio ter consagração no nosso ordenamento constitucional - designadamente, na "Constituição laboral".

Porém, no plano constitucional, o que a recorrente invoca é, antes, um "princípio geral da justa indemnização de que se faz eco o artigo 62.º da CRP". Tendo presente que esta disposição se refere expressamente à "requisição e expropriação por utilidade pública", fácil é perceber, dada a evidente falta de analogia de situações, que não é nesta norma que se poderá encontrar expressão para tal regra jurídico-laboral. Tal falta de analogia resulta evidente, quer considerando que o artigo 62.º se refere ao direito de propriedade (e não à impossibilidade da prestação laboral, ou da sua recepção) quer que prevê uma obrigação de indemnização por requisição ou expropriação por utilidade pública. Existem diferenças significativas entre esta e a obrigação de indemnização em resultado da perda de postos de trabalho por caso fortuito ou de força maior não imputável ao empregador, as situações em questão, que não podem deixar de ser relevantes: a requisição e a expropriação são voluntariamente actuadas, e justificadas por um fim de interesse público, ao passo que a causa da perda do posto de trabalho é involuntária e injustificada; a obrigação de indemnização que se invoca recai sobre o Estado (que, aliás, também indemnizou os afectados pelo incêndio do Chiado), ou, mais precisamente, sobre quem requisita ou expropria, ao passo que a que se pretende obter recai sobre a entidade empregadora, à qual se não pode imputar o desaparecimento do local de trabalho; na requisição e na expropriação interfere-se com o direito de propriedade (como referido na epígrafe do artigo 62.º da Constituição), sem prejuízo da sua extensão a outros direitos patrimoniais, e priva-se o seu titular desse direito ou da sua fruição, ao menos temporariamente, ao passo que a perda de um emprego contende não com um direito mas com uma posição num contrato sinalagmático, em que se perde uma prestação mas se evita igualmente a contraprestação.

Conclui-se, pois, pela inexistência de qualquer violação do artigo 62.º da Constituição, pela interpretação normativa em análise.

5 - A conclusão a que se chegou quanto à causa, quanto ao devedor e quanto à justificação da obrigatoriedade constitucional da indemnização não impedem o Tribunal de confrontar a norma em análise com outros princípios ou dispositivos constitucionais - nomeadamente os dos artigos 58.º e 59.º da lei fundamental (cf. artigo 79.º-C da Lei 28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei 85/89, de 7 de Setembro). Ponto é que deles se possa fazer derivar uma obrigação de indemnização, a cargo do empregador, em resultado da perda de postos de trabalho por caso fortuito ou de força maior não imputável a este. Nesse sentido, a alusão que a recorrente faz aos artigos 2.º ("Estado de direito democrático"), 53.º ("Segurança no emprego"), 58.º ("Direito ao trabalho") e 59.º ("Direito dos trabalhadores") poderia servir de indicação quanto a possíveis fundamentações alternativas de um princípio indemnizatório constitucionalmente consagrado para situações de perda de postos de trabalho por causas não imputáveis nem ao trabalhador nem à entidade patronal.

Entende-se, porém, que também não se verifica violação destes parâmetros constitucionais.

Assim, quanto ao princípio do Estado de direito democrático, para além de haver que recordar, como o Tribunal tem repetido, que este tem uma sua função essencialmente reassumptiva do que a Constituição prevê em outros dispositivos constitucionais, mesmo que se pudesse ainda fundar nele a necessidade de previsão de um "direito geral à reparação de danos" (assim Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 63, anotação V ao artigo 2.º), ou, genericamente, de um mecanismo geral de reparação de danos, sempre a imposição de tal obrigação de indemnização, para se poder afirmar a sua obrigatoriedade constitucional, haveria de pressupor, pelo menos, um comportamento do obrigado a ressarcir, para poder sobre ele recair, e não de resultar de um caso fortuito (ou, mesmo, de um motivo de força maior).

6 - Em segundo lugar, quanto à garantia da segurança no emprego, a própria Constituição a concretiza proibindo os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Ora, ainda que o princípio não se esgote nessas dimensões negativas (e como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 289, anotação X ao artigo 53.º), é certo que "[o] seu âmbito de protecção abrange todas as situações que se traduzem em precariedade da relação de trabalho". Trata-se "de proibir acções ou comportamentos (nomeadamente: o despedimento)" (ibidem, p. 287, anotação IV ao mesmo artigo 53.º), não de impedir efeitos decorrentes de factores ou circunstâncias incontroláveis e não imputáveis à entidade empregadora, mas antes de um caso fortuito como um incêndio. De resto, o que a recorrente invoca e pretende, depois de se ter conformado com a improcedência dos seus pedidos principais, é já não a manutenção do seu emprego mas antes uma indemnização pela sua perda - e é, pois, algo que já se encontra como que "a jusante" do que é garantido pelo princípio, por se admitir que se extinguiu o seu contrato de trabalho.

No que toca à invocação do direito ao trabalho, é certo que nele se contempla, de facto, "um direito a uma compensação por não satisfação do direito ao trabalho, o que abrange não só o direito ao subsídio de desemprego [...] mas também às indemnizações em caso de encerramento definitivo do estabelecimento, de rescisão pelo trabalhador em virtude da violação das suas garantias, etc." (ob. cit., p. 315, anotação II ao artigo 58.º da Constituição). Porém, na ausência de determinação constitucional sobre o alcance e limites de tal indemnização, em caso de encerramento definitivo do estabelecimento, é sem dúvida ao legislador que cabe a sua configuração, designadamente, delimitando as situações (atendendo, por exemplo, aos fundamentos do encerramento) em que ela é de impor. Ora, o legislador do Decreto-Lei 84/76, mal ou bem, decidiu suprimir a norma que regulava tal indemnização em caso de perda de posto de trabalho "por encerramento da empresa". E, na medida em que essa opção legislativa não está sujeita a parâmetros constitucionais específicos mais limitadores, e na medida em que da existência de obrigações indemnizatórias em situações imputáveis à entidade patronal se não pode extrair argumento algum em favor da sua atribuição em situações que lhe não são imputáveis, também deste princípio constitucional se não pode fazer derivar o pretendido juízo de desconformidade com a Constituição.

Por último, também as disposições do artigo 59.º da Constituição se revelam alheias à construção de um direito indemnizatório com fundamento não imputável à entidade empregadora, tal como pretendido pela recorrente. É verdade que a alínea e) do n.º 1 desse artigo prevê a existência de um direito à assistência material, quando os trabalhadores se encontrem involuntariamente em situação de desemprego - mas esse direito foi efectivado no caso, mercê da intervenção do Estado, até 22 de Dezembro de 1990. A previsão, a favor dos trabalhadores, do direito a uma outra indemnização - pela perda de uma espécie de "direito real sobre o posto de trabalho adquirido" - é algo que está para além da previsão do legislador constitucional, e que o legislador ordinário não estava, portanto, obrigado a contemplar à altura dos factos.

Improcedendo a argumentação da recorrente na parte em que pretendeu transferir para o plano constitucional a consagração de um suposto princípio jurídico-laboral - que não compete a este Tribunal decidir se existe ou não nesse ordenamento -, improcede também, para o fim em vista, que é a obtenção de um juízo de inconstitucionalidade, a alegação da existência de um lapso do legislador (revogatório), que implicaria a manutenção do regime previsto no n.º 2 do artigo 29.º do Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho. Isto, não porque o Tribunal não se pudesse pronunciar sobre essa questão, mas, simplesmente, porque essa questão lhe não foi dirigida enquanto questão de constitucionalidade, e dela não pode cuidar noutra sua dimensão.

E conclui-se, assim, que deve ser negado provimento ao presente recurso.

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 8.º do Decreto-Lei 372-A/75, de 16 de Julho, na interpretação de que da caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, resultante de caso fortuito, de a empresa receber a prestação laboral não decorre uma obrigação de indemnização dos trabalhadores, a cargo da entidade empregadora;

b) Por conseguinte, confirmar a decisão recorrida e condenar a recorrente em custas, fixando-se em 20 unidades de conta a taxa de justiça.

Lisboa, 2 de Novembro de 2005. - Paulo Mota Pinto - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos de declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto. - Apesar de a presente pronúncia do Tribunal Constitucional se referir apenas ao plano da constitucionalidade - não se atendo à polémica sobre a interpretação correcta do direito ordinário -, tem sentido considerar-se que não existia ao tempo, de acordo com os princípios gerais do direito do trabalho e com a polémica doutrinal que se configurava em redor dos efeitos da caducidade do contrato de trabalho, uma lógica interpretativa estabilizada e pacífica que permitisse subtrair as consequências da perda do posto de trabalho devido a facto (embora fortuito) proveniente da esfera de risco da empresa a uma protecção idêntica à que resultaria da caducidade devida a despedimento colectivo ou falência.

Nestes termos, entendo que razões de igualdade na protecção jurídica deveriam levar a não isolar as situações de caso fortuito na esfera de risco do empregador-empresa a qualquer compensação indemnizatória, em situações de grande desequilíbrio entre a entidade empresarial e os trabalhadores, pelo menos quando não estejam em causa microempresas.

É esta lógica que levará, segundo me parece, o Código do Trabalho actualmente em vigor a não distinguir, para efeitos de compensação indemnizatória, as várias situações de caducidade imputáveis à esfera do empregador (artigos 401.º, 404.º e 409.º do Código do Trabalho).

A redução do problema de constitucionalidade à tónica do caso fortuito corresponde a uma descrição do problema a partir de uma distinção que não se justifica em termos de igualdade na protecção jurídica. - Maria Fernanda Palma.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2361980.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1969-11-24 - Decreto-Lei 49408 - Ministério das Corporações e Previdência Social - Gabinete do Ministro

    Aprova o novo regime jurídico do contrato individual de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1975-07-16 - Decreto-Lei 372-A/75 - Ministério do Trabalho

    Regula a cessação do contrato individual de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1976-01-28 - Decreto-Lei 84/76 - Ministério do Trabalho

    Dá nova redacção a diversos artigos do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho (lei dos despedimentos).

  • Tem documento Em vigor 1976-12-28 - Decreto-Lei 874/76 - Ministério do Trabalho

    Define o regime jurídico de férias, feriados e faltas.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1989-02-27 - Decreto-Lei 64-A/89 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Aprova o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, incluindo as condições de celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo.

  • Tem documento Em vigor 1989-03-13 - Decreto-Lei 79-A/89 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Define e regulamenta a protecção da eventualidade do desemprego dos beneficiários do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.

  • Tem documento Em vigor 1989-09-07 - Lei 85/89 - Assembleia da República

    Introduz alterações à Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1993-11-25 - Decreto-Lei 398/93 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    RECLASSIFICA E INTEGRA NO GRUPO DE PESSOAL TECNICO-PROFISSIONAL, NÍVEL 4, A CARREIRA DE TÉCNICO AUXILIAR DE GEOTÉCNICA, EXISTENTE NO QUADRO DA JUNTA AUTÓNOMA DE ESTRADAS, A QUAL SE PASSARA A DESIGNAR DE CARREIRA DE TÉCNICO ADJUNTO DE LABORATÓRIO. DEFINE O REGIME DE RECRUTAMENTO PARA INGRESSO NA REFERIDA CARREIRA, O CONTEUDO FUNCIONAL, TAL COMO O REGIME DE TRANSIÇÃO DA CARREIRA DE TÉCNICO AUXILIAR DE GEOTÉCNICA PARA A DE TÉCNICO ADJUNTO DE LABORATÓRIO. ESTE DIPLOMA ENTRA EM VIGOR NO PRIMEIRO DIA DO MÊS SEGUI (...)

  • Tem documento Em vigor 2000-02-21 - Decreto-Lei 13/2000 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade

    Altera o regime jurídico do Fundo Extraordinário de Ajuda à Reconstrução do Chiado, criado pelo Decreto-Lei 356/88 de 13 de Outubro, relativamente às bonificações de juros e garantias no âmbito das linhas de crédito, ao subsídio a fundo perdido a conceder à Câmara Municipal de Lisboa, destinado a compensar os trabalhadores das entidades estabelecidas no Chiado, e à extinção do Fundo.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda