"Artigo 3.º, por, contrariando as disposições constitucionais e estatutárias a seguir mencionadas, violar, desde logo, o princípio constitucional da prevalência hierárquica dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas em face das restantes leis, mesmo as de valor reforçado, ínsito na conjugação dos artigos 161.º, alínea b), 168.º, n.º 6, alínea f), 226.º, 280.º, n.º 2, alínea c), e 281.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP), em consequência do desrespeito pelo disposto nos artigos 97.º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA) e 105.º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), e ainda por violar o princípio contido no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP";
"Artigos 7.º, n.º 5, e 37.º, n.os 2 a 7, por, contrariando as disposições constitucionais e estatutárias a seguir mencionadas, violar, desde logo, o princípio constitucional da prevalência hierárquica dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas em face das restantes leis, mesmo as de valor reforçado, ínsito na conjugação dos artigos 161.º, alínea b), 168.º, n.º 6, alínea f), 226.º, 280.º, n.º 2, alínea c), e 281.º, n.º 1, alínea d), da CRP, em consequência do desrespeito pelo disposto no artigo 118.º, n.º 2, do EPARAM, e ainda por violar o princípio contido no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP";
"Artigo 35.º, por, contrariando as disposições constitucionais e estatutárias a seguir mencionadas, violar, desde logo, o princípio constitucional da prevalência hierárquica dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas em face das restantes leis, mesmo as de valor reforçado, ínsito na conjugação dos artigos 161.º, alínea b), 168.º, n.º 6, alínea f), 226.º, 280.º, n.º 2, alínea c), e 281.º, n.º 1, alínea d), da CRP, em consequência do desrespeito pelo disposto no artigo 117.º do EPARAM, e ainda por violar o princípio contido no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP";
"Artigos 19.º, n.º 1, 37.º, n.os 2 a 7, 38.º, n.os 2 e 3, e 66.º, por violação do princípio do Estado de direito democrático e do princípio da confiança nele ínsito, contidos nos artigos 2.º e 9.º da CRP, e do regime autonómico regional previsto no artigo 6.º, n.º 1, da CRP";
"Artigo 36.º, por violação do princípio da solidariedade nacional previsto nos artigos 225.º, n.º 2, 227.º, n.º 1, alínea j), e 229.º, n.º 1, da CRP";
"Artigos 2.º, in fine, e 57.º, por violação da reserva de Estatuto prevista no artigo 227.º, n.º 1, alínea h), da CRP";
"Artigo 62.º, n.º 1, por violação da competência legislativa exclusiva das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas prevista nos artigos 232.º, n.º 1, e 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP."
Em síntese, os requerentes estribam o seu pedido nas seguintes considerações:
Os estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas têm, constitucionalmente, como se extrai da alínea c) do n.º 1 do artigo 280.º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 281.º, um e outro da lei fundamental (ao atribuírem ao Tribunal Constitucional competência para apreciar decisões dos tribunais que recusem aplicação de normas constantes de diplomas emanados de órgão de soberania com fundamento em ilegalidade por violação de estatuto de uma Região Autónoma e para declarar, com força obrigatória geral, a ilegalidade dessas normas ou de normas emanadas de órgãos regionais, com base naquela violação), superioridade relativamente às restantes leis, ainda que estas revistam a forma de leis de valor reforçado, pelo que tais estatutos, no plano da hierarquia das leis, se sobrepõem às demais - à excepção das leis de revisão constitucional -, posicionando-se, assim, entre estas e a Constituição;
Deste modo, a contraditoriedade de uma lei ordinária e um estatuto de Região Autónoma constitui "uma ilegalidade e mesmo uma inconstitucionalidade, pelo menos quando se trate de norma estatutária com directa habilitação constitucional", pois que isso representa uma violação do "princípio constitucional da prevalência hierárquica dos estatutos em face das restantes leis", razão pela qual deverá o Tribunal Constitucional conhecer do vertente pedido;
Em face do que se prescreve no n.º 2 do artigo 97.º, no n.º 2 do artigo 105.º, no artigo 117.º e no n.º 2 do artigo 118.º, todos do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), são estas disposições de considerar como violadas pelos seguintes artigos do decreto 94/X:
Artigo 3.º, ao não consagrar algum "princípio destinado a garantir aos órgãos de governo próprio da Região os meios necessários à prossecução das suas atribuições, bem como a disponibilidade dos instrumentos adequados à promoção do desenvolvimento económico e social e do bem-estar e da qualidade de vida das suas populações";
Artigos 7.º, n.º 5, e 37.º, n.os 2 a 7, ao minimizarem "a obrigação de o Estado suportar os custos das desigualdades derivadas da insularidade" e ao remeterem "para a fórmula de cálculo das transferências orçamentais", já que isso implica "uma diminuição das verbas a transferir por via do Orçamento do Estado" e "a redução significativa das receitas de IVA, bem como do Fundo de Coesão";
Artigo 35.º, no ponto em que dele se extrai que a permissão de o Estado garantir pessoalmente os empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas se converte em proibição;
A par da violação das indicadas normas do EPARAM verifica-se também violação das alíneas i) e j) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição, visto que da leitura do n.º 3 do artigo 229.º desta, desligada do demais nela consagrado, não pode resultar que a matéria atinente às relações financeiras entre a República e as Regiões Autónomas está excluída da matéria estatutária, antes resultando da articulação daqueles preceitos que é acolhido constitucionalmente o princípio de harmonia com o qual os estatutos das Regiões Autónomas definem a matéria respeitante à autonomia financeira regional e, ao fazê-lo, à definição aí consagrada têm de se subordinar as restantes leis, aqui se incluindo as leis de finanças das Regiões Autónomas;
E isso porque, tendo em atenção que a autonomia financeira das Regiões constitui uma das mais importantes vertentes da sua autonomia, integrando mesmo o núcleo fundamental do seu acervo material, a matéria a ela respeitante não poderia ser amputada ou subalternizada nos estatutos, antes se impondo necessariamente que aí seja conferido o respectivo tratamento, só ficando a cargo da Lei de Finanças das Regiões Autónomas a concretização dos princípios e normas definidoras da dita autonomia e no que concerne às relações financeiras entre o Estado e as Regiões, lei esta que haverá de respeitar as normas estatutárias;
Tendo em conta que, quando a Constituição prevê directamente a regulação de certas matérias nos estatutos das Regiões Autónomas, as normas destes que concretizem aquela previsão constitucional hão-de ser tidas, do ponto de vista constitucional, como materialmente estatutárias, terá de entender-se que da conjugação do n.º 3 do artigo 229.º com a alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º, ambos da Constituição, se extrai que foi intento do legislador constituinte subordinar a Lei de Finanças das Regiões Autónomas às normas estatutárias que regem a definição da matéria relativa à disposição das receitas fiscais cobradas ou geradas naquelas Regiões, bem como a uma participação nas receitas tributárias do Estado e à distribuição de outras receitas que lhes sejam atribuídas;
Nesta parametrização, porque o n.º 2 do artigo 118.º do EPARAM se conforma com a Constituição, concretizando o que nesta se prescreve na alínea i) do n.º 1 do seu artigo 227.º, os normativos das outras leis que contrariem aquele n.º 2 igualmente violam esta última disposição;
Os artigos 19.º, n.º 1, 37.º, n.os 2 a 7, 38.º, n.os 2 e 3, e 66.º do decreto 94/X, ao restringirem de forma significativa para a Região Autónoma da Madeira as receitas de IVA (com uma diferença, para 2007, comparativamente com 2006, de Euro3 790 000, e mesmo tendo em conta a compensação prevista), as transferências orçamentais (com uma diferença, para 2007, comparativamente com 2006, de Euro34 000 000) e do Fundo de Coesão (com uma diferença, em 2007, em relação a 2006, de cerca de 50%), e ao imporem a entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2007, vêm criar graves entorses ao regular funcionamento democrático dos órgãos de governo próprio daquela Região, violando, por essa forma, os princípios do Estado de direito democrático, da confiança e do regime autonómico insular, previstos nos artigos 2.º, 9.º e 6.º, n.º 1, da Constituição, pois que, tendo os actuais titulares dos órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira sido eleitos em Outubro de 2004 e com mandato até 2008, estando vinculados aos seus programas de governo, elaborados em face do quadro jurídico então vigente, perspectivando as previsões financeiras resultantes desse quadro, a mudança das regras deste constante, a meio do mandato, não pode deixar de ser visualizada como ofensa dos assinalados princípios, retirando a um Governo Regional legitimado pelo voto popular os meios financeiros para fazer cumprir o seu programa;
Decorrendo dos artigos 225.º, n.º 1, 227.º, n.º 1, alínea j), e 229.º, n.º 1, todos da Constituição, o princípio da solidariedade nacional, e não estabelecendo a lei fundamental qualquer limitação a tal princípio, nem autorizando uma lei ordinária a derrogá-lo, o artigo 36.º do decreto 94/X, ao proibir que o Estado assuma as dívidas das Regiões Autónomas, viola esse mesmo princípio, o qual impõe que, em função das circunstâncias de cada momento, possa o Estado ponderar sobre a assunção, ou não, das indicadas dívidas;
Os artigos 2.º, parte final - ao estabelecer que o âmbito de aplicação da lei aprovada pelo decreto 94/X abrange a matéria relativa ao património regional -, e 57.º - ao dispor que as Regiões Autónomas dispõem de património próprio e autonomia patrimonial, nos termos da Constituição, dos estatutos político-administrativos e da legislação aplicável - violam a chamada reserva de estatuto consagrada na alínea h) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição, pois não cabe à Lei de Finanças das Regiões Autónomas, ainda que de forma remissiva, regular a matéria do património regional, visto tal matéria só poder ser objecto de tratamento estatutário;
O n.º 1 do artigo 62.º do decreto 94/X, ao reger a matéria de transferência das atribuições e competências necessárias ao exercício do poder tributário conferido às Regiões Autónomas, remetendo a definição de umas e outras para decreto-lei, invade matéria de competência exclusiva das Assembleias Legislativas das citadas Regiões, violando, pois, o n.º 2 do artigo 232.º e a alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º, um e outro da Constituição.
2 - Pronunciando-se sobre o pedido, nos termos dos artigos 54.º e 56.º, n.os 1 e 2, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o Presidente da Assembleia da República veio apresentar resposta na qual, após efectuar o "historial" dos procedimentos que conduziram à aprovação do decreto 94/X, em súmula, defendeu:
Dar por reproduzidos os argumentos que foram utilizados no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República sobre o recurso interposto por alguns deputados pertencentes ao Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata relativamente ao despacho de admissão da proposta de lei 97/X;
Que, após a introdução de um n.º 3 ao anterior artigo 231.º da Constituição (hoje artigo 229.º), levada a efeito pela Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro, vieram a ser aprovadas a Lei 13/98, de 24 de Fevereiro - Lei de Finanças das Regiões Autónomas -, e a Lei 130/99, de 21 de Agosto, que procedeu à revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 21 de Agosto, vindo este a conter, no n.º 2 do seu artigo 118.º, "uma cláusula de não retrocesso" das verbas a transferir do Orçamento do Estado para aquela Região, o que se não passou relativamente ao articulado constante do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores;
Que na Lei de Finanças das Regiões Autónomas (que, após a revisão constitucional de 1997, constituiu o cumprimento do dever jurídico do Parlamento "de produzir legislação sobre as finanças das Regiões Autónomas"), que é da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República e deve revestir a forma de lei orgânica, é "perceptível a sua função de unificar a regulação financeira" entre o Estado e aquelas Regiões, assim se "procurando evitar a proliferação de regras diferenciadoras";
Que, com invocação da necessidade de evitar défices orçamentais excessivos que decorrem das obrigações do Tratado da União Europeia e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, já se efectuaram revisões da primitiva Lei de Financiamento das Regiões Autónomas, como sucedeu com a Lei orgânica 2/2002, de 28 de Agosto, diploma este sobre o qual incidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 567/2004, no qual se concluiu pela não desconformidade com a Constituição, quer do artigo 85.º da Lei 91/2001, de 20 de Agosto (lei de enquadramento orçamental), pela não violação do princípio da solidariedade, quer do introduzido artigo 48.º-A da Lei 13/98, pela não violação da reserva de estatuto;
Que, dadas a natureza e regra de competência para emissão da Lei de Financiamento das Regiões Autónomas, não se entende ser possível que um estatuto de uma Região Autónoma possa, por via "de uma petrificação normativa" dele constante, efectuar "uma ablação jurídica" da competência parlamentar, uma vez que, "se da alínea t) do artigo 164.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do n.º 3 do seu artigo 229.º, resulta que as matérias respeitantes ao regime e às relações financeiras das Regiões Autónomas estão na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República", não se pode deixar de sustentar o exercício de competência do órgão parlamentar para a edição do diploma em causa, do modo como foi levado a efeito.
Junta com a resposta foi enviada fotocópia do expediente relacionado com o envio da proposta de lei de finanças das Regiões Autónomas, do recurso de admissão dessa proposta apresentado por alguns deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias da Assembleia da República, o relatório e parecer da Comissão de Orçamento e Finanças da mesma Assembleia sobre a proposta de lei 97/X, e exemplares do Diário da Assembleia da República, n.os 10, 2.ª série-A, de 18 de Outubro de 2006, 16, 1.ª série, de 2 de Novembro de 2006, 14, 2.ª série, de 8 de Novembro de 2006, 17, 2.ª série-A, de 16 de Novembro e 2006, 20, 1.ª série, de 16 de Novembro de 2006, 24, 1.ª série, de 2 de Dezembro de 2006, e 103, 1.ª série, de 30 de Junho de 1997.
II - 3 - O decreto da Assembleia da República n.º 94/X resultou de uma proposta de lei elaborada pelo Governo (a proposta n.º 97/X), cuja exposição de motivos pode ser verificada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 10, de 18 de Outubro de 2006 (cf., ainda, os objectivos enunciados na intervenção do Ministro de Estado e das Finanças perante o Parlamento, intervenção essa disponível no Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 20, de 16 de Novembro de 2006).
Sobre a admissão dessa proposta recaiu recurso interposto por alguns deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias da Assembleia da República, por parecer aprovado com os votos a favor do Partido Socialista, contra do Partido Social-Democrata e do Partido Comunista Português, e a abstenção do Partido Popular CDS-PP e do Bloco de Esquerda, pronunciou-se no sentido de ser considerado improcedente o recurso (cf. citados Diário e série, n.º 12, de 28 de Outubro de 2006), vindo o plenário do Parlamento, em 31 de Outubro de 2006, a tomar posição consonante com a proposta constante do parecer.
Submetida a votação na generalidade no dia 15 de Novembro de 2006, a proposta n.º 97/X foi aprovada com votos a favor do Partido Socialista, contra do Partido Social-Democrata, do Partido Comunista Português, do Bloco de Esquerda e do Partido Os Verdes, e com a abstenção do Partido Popular CDS-PP (cf. indicadas publicação e série, n.º 20, de 16 de Novembro de 2006).
Em reunião plenária de 30 de Novembro de 2006 foi votado, em votação global e pela maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções (com 119 votos a favor, 91 contra e 9 abstenções), o texto final apresentado pela Comissão de Orçamento e Finanças relativo à proposta n.º 97/X (cf. aludidas publicação e série, n.º 24, de 2 de Dezembro de 2004).
4 - Os preceitos questionados nos presentes autos apresentam a seguinte redacção:
"Artigo 2.º Âmbito Para efeitos do disposto no artigo anterior, a presente lei abrange as matérias relativas às receitas regionais, ao poder tributário próprio das Regiões Autónomas, à adaptação do sistema fiscal nacional, às relações financeiras entre as Regiões Autónomas e as autarquias locais sedeadas nas Regiões Autónomas, bem como ao património regional.
Artigo 3.º Princípios A autonomia financeira das Regiões Autónomas desenvolve-se no respeito pelos seguintes princípios:
a) Princípio da legalidade;
b) Princípio da estabilidade das relações financeiras;
c) Princípio da estabilidade orçamental;
d) Princípio da solidariedade nacional;
e) Princípio da coordenação;
f) Princípio da transparência;
g) Princípio do controlo.
Artigo 7.º Princípio da solidariedade nacional 1 - ...
2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 - A solidariedade nacional para com as Regiões Autónomas traduz-se nas transferências do Orçamento do Estado previstas nos artigos 37.º e 38.º 6 - ...
Artigo 19.º Imposto sobre o valor acrescentado 1 - Constitui receita de cada circunscrição o imposto sobre o valor acrescentado cobrado pelas operações nela realizadas, de acordo com os critérios definidos nos n.os 2 e 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei 347/85, 23 de Agosto.
2 - ...
[Anote-se que, nos termos da alínea b) do artigo 14.º do decreto 94/X é considerada circunscrição o território do continente ou de uma Região Autónoma, consoante o caso.] Artigo 35.º Garantia do Estado Sem prejuízo das situações legalmente previstas, os empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas não podem beneficiar de garantia pessoal do Estado.
Artigo 36.º Proibição da assunção de compromissos das Regiões Autónomas pelo Estado Sem prejuízo das situações legalmente previstas, o Estado não pode assumir responsabilidade pelas obrigações das Regiões Autónomas, nem assumir os compromissos que decorram dessas obrigações.
Artigo 37.º Transferências orçamentais 1 - ...
2 - O montante anual das verbas a inscrever no Orçamento do Estado para o ano t é igual às verbas inscritas no Orçamento do Estado para o ano t-1 actualizadas de acordo com a taxa de actualização definida nos termos dos números seguintes.
3 - A taxa de actualização é igual à taxa de variação, no ano t-2, da despesa corrente do Estado, excluindo a transferência do Estado para a segurança social e a contribuição do Estado para a Caixa Geral de Aposentações, de acordo com a Conta Geral do Estado.
4 - No caso de a taxa de variação definida no número anterior exceder a estimativa do Instituto Nacional de Estatística da taxa de variação, no ano t-2, do PIB a preços de mercado correntes, a taxa de actualização referida no n.º 2 será a estimativa do Instituto Nacional de Estatística da taxa de variação, no ano t-2, do PIB a preços de mercado correntes.
5 - No ano de entrada em vigor da presente lei, o montante das verbas a inscrever no Orçamento do Estado para o ano t é igual ao montante inscrito no ano t-1 multiplicado pelo factor 1,5.
6 - A repartição deste montante pelas Regiões Autónomas, que tem em conta as respectivas características estruturais e inclui um factor fixo relativo ao impacte sobre a receita do imposto sobre o valor acrescentado decorrente da aplicação do n.º 1 do artigo 19.º, é feita de acordo com a seguinte fórmula:
(ver documento original) 7 - As transferências do Orçamento do Estado processam-se em prestações trimestrais, a efectuar nos cinco primeiros dias de cada trimestre.
Artigo 38.º Fundo de Coesão para as regiões ultraperiféricas 1 - ...
2 - O Fundo de Coesão dispõe em cada ano de verbas do Orçamento do Estado, a transferir para os orçamentos regionais, para financiar os programas e projectos de investimento, previamente identificados, que preencham os requisitos do número anterior e é igual a uma percentagem das transferências orçamentais para cada Região Autónoma definidas nos termos do artigo anterior.
3 - A percentagem a que se refere o número anterior é:
20% quando(PIBPCR(índice t-4))/PIBPCN(ínidce t-4)<0,90 12,5% quando 0,090=<(PIBPCR(índice t-4))/PIBPCN(índice t-4)<0,95 5% quando 0,95=<(PIBPCR(índice t-4))/(PIBPCN(índice t-4))<1 0% quando(PIBPCRt-4)/(PIBPCN(índice t-4))>=1 sendo:
PIBPCR(índice t-4) - produto interno bruto a preços de mercado correntes per capita na Região Autónoma no ano t-4.
PIBPCN(índice t-4) - produto interno bruto a preços de mercado correntes per capita em Portugal no ano t-4.
Artigo 57.º Remissão As Regiões Autónomas dispõem de património próprio e autonomia patrimonial, nos termos da Constituição, dos estatutos político-administrativos e da legislação aplicável.
Artigo 62.º Transferência das atribuições e competências para as Regiões Autónomas 1 - As atribuições e as competências necessárias ao exercício do poder tributário conferido às Regiões Autónomas, nos casos em que estas considerem que a descentralização permite corresponder melhor aos interesses das respectivas populações e se efectue a regionalização de serviços do Estado e correspondentes funções, são definidas por decreto-lei.
2 - ...
3 - ...
Artigo 66.º Entrada em vigor A presente lei entra em vigor em 1 de Janeiro de 2007."
III - 5 - Como deflui do "relato" acima efectuado, a fundamentação carreada ao pedido ancora-se, essencialmente, em três ordens de razões.
De uma banda, surpreendem os requerentes a ofensa de preceitos constantes dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas, e do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira em particular, por parte de determinados normativos (os insertos nos artigos 3.º, 7.º, n.º 5, 35.º e 37.º, n.os 2 a 7) do decreto 94/X e, por essa via, violarem o princípio constitucional da prevalência dos estatutos sobre as restantes leis ordinárias, ainda que revistam a forma de leis com valor reforçado, princípio esse que se extrairá da conjugação dos artigos 161.º, alínea b), 168.º, n.º 6, alínea f), 226.º, 280.º, n.os 1, alínea c), e 2, alínea d), todos da Constituição.
De outra, entendem haver violação directa da Constituição por parte:
Dos artigos 19.º, n.º 1, 37.º, n.os 2 a 7, 38.º, n.os 2 e 3, e 66.º do decreto 94/X, que ofenderão os princípios da confiança, decorrente do Estado de direito democrático, e do regime autonómico regional, previstos nos artigos 2.º, 6.º, n.º 1, e 9.º da lei fundamental;
Do artigo 36.º do aludido decreto, por ofensa do princípio da solidariedade nacional consagrado nos artigos 225.º, n.º 2, 227.º n.º 1, alínea j), e 229.º, n.º 1, do diploma básico;
Dos artigos 2.º, parte final, e 57.º do referido decreto, por ofensa da reserva de estatuto estabelecida na alínea h) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição;
Do artigo 62.º, n.º 1, do decreto em causa, por ofensa da competência exclusiva das Assembleias Legislativas Regionais prevista nos artigos 232.º, n.º 1, e 227.º, n.º 1, alínea i), da lei fundamental.
Por fim, perspectivam que os já citados artigos 3.º, 7.º, n.º 5, 35.º e 37.º, n.os 2 a 7, do decreto, a par da assinalada ofensa dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas, e do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira em particular, violam, de per si, o princípio consagrado na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição.
Impõe-se, consequentemente, equacionar, perante uma tal postura, esses problemas.
6 - Colocadas, assim, as linhas básicas do vertente pedido, volva-se a atenção para a questão conexionada com a invocada violação constitucional por via da ofensa dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas e, em particular, com o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (Lei 13/91, de 5 de Junho, revista pela Lei 130/99, de 21 de Agosto).
De um primeiro passo, não se pode passar em claro que nos situamos perante um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade formulado ex vi da parte final do n.º 4 do artigo 278.º da Constituição.
Não se escamoteia, aliás como resulta do relatado, que os requerentes não intentam, directamente, questionar a por si descortinada violação dos estatutos das Regiões Autónomas em geral e, em particular, de certas normas do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, justamente porque entendem que essa violação acarreta, ela própria, uma ofensa da Constituição.
Simplesmente, para se enfrentar a aduzida ofensa directa da lei fundamental - e só esta poderá ser analisada num pedido do jaez do presente -, mister se torna dar resposta a uma outra questão, qual seja a de saber se a regulação constante de uma lei do ordenamento infraconstitucional - ainda que se trate de regulação vertida numa lei com valor reforçado - que contrarie preceitos estatutários pode ser submetida ao escrutínio da sua constitucionalidade por este Tribunal por, dessa sorte, infringir o princípio da prevalência das normas estatutárias que decorre da Constituição.
Um raciocínio como o seguido neste específico ponto pelos requerentes, poderia conduzir a que se considerasse que, nas situação e particularismo em espécie, o que se pretenderia desenhar seria o intento de apreciação de vícios que decorreriam de uma ofensa indirecta da lei fundamental, ou seja: por se violarem, por parte de outras leis (em sentido material), regras estatutárias, ter-se-ia igualmente por violada a Constituição, pela ultrapassagem do referenciado princípio da prevalência das normas estatutárias.
Ora, nessa base, haverá de ter em conta que a Constituição desenha muito especificamente, no que toca à fiscalização normativa, os poderes cometidos a este Tribunal, distinguindo a cognição das situações de apreciação dos vícios de inconstitucionalidade e da ilegalidade. Assim, no que se prende com a apreciação abstracta, aquela lei fundamental distingue claramente os casos de fiscalização da inconstitucionalidade e da ilegalidade, esta, no particular que agora releva, com fundamento na violação de estatuto de uma Região Autónoma e de violação dos direitos de uma Região consagrados no seu estatuto [confrontem-se as diversas alíneas do n.º 1 e a alínea g) do artigo 281.º]. No que respeita à fiscalização concreta, de igual modo são distinguidas constitucionalmente as situações de constitucionalidade e de legalidade [v.
alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 280.º e alíneas b), c) e d) do n.º 2].
E, sendo assim, se a ofensa em crise se prender de modo directo com o desrespeito de normas ou princípios estatutários ou de direitos consagrados nos estatutos das Regiões Autónomas, mesmo aceitando, como se aceita, que esses estatutos detêm valor supralegislativo confrontadamente com a demais legislação ordinária comum (e ressalvando-se aqui as leis de revisão constitucional), isso não implica que haja uma ofensa directa da Constituição;
essa ofensa posta-se, antes, como indirecta ou mediata.
Ora, concernentemente a uma situação desse género, os poderes cognitivos deste Tribunal tão-somente se circunscrevem à apreciação da questão de ilegalidade que aí se desenha, e não à da inconstitucionalidade indirecta ou mediata que eventualmente lhe subjaz e se possa colocar.
Isso significa, em conclusão, que o sistema português de fiscalização normativa não comporta um tipo de fiscalização preventiva em que é solicitada a apreciação de vícios com base numa parametricidade que acarreta a interposição de disposições estatutárias.
Neste contexto, no que se prende com a aventada ofensa de preceitos constantes dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas e, em particular, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, por parte dos artigos 3.º, 7.º, n.º 5, 35.º e 37.º, n.os 2 a 7, todos do decreto 94/X, entende o Tribunal que se não deve conhecer do objecto do pedido.
Isto, porém, não inculca que as referidas disposições não devam ser analisadas, mas desta feita com enfoque na invocada violação directa dos poderes constitucionalmente atribuídos às Regiões Autónomas e do princípio precipitado na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º do diploma básico.
7 - Isto posto, iniciar-se-á a apreciação da questão submetida a este Tribunal pela imputação, efectivada pelos requerentes, de vícios assacados aos artigos 2.º, parte final, 19.º, n.º 1, 36.º, 37.º, n.os 2 a 7, 38.º, n.os 2 e 3, 57.º, 62.º, n.º 1, e 66.º, todos do decreto 94/X, vícios que, de acordo com tal imputação, implicam ofensa directa de determinadas normas e princípios constantes da Constituição, sem que, para tanto, seja aduzida argumentação que implique a interposição de regras estatutárias, passando-se, posteriormente, à análise dos artigos 3.º, 7.º, n.º 5, 35.º (que sofrerá tratamento seguido à análise do artigo 36.º) e 37.º, n.os 2 a 7, do decreto, com fundamento na ofensa da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da lei fundamental.
8 - De acordo com o prisma dos requerentes, os artigos 19.º, n.º 1, 37.º, n.os 2 a 7, 38.º, n.os 2 e 3, e 66.º prescreverão em contrário aos princípios da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º do diploma básico, e do regime autonómico regional, previsto nos artigos 6.º, n.º 1, e 9.º, também do mesmo diploma, atentas as razões acima enunciadas.
8.1 - No que se prende com a alegada violação do princípio da confiança, afigura-se que um tal vício não é descortinável.
Na verdade, mesmo aceitando-se que, do confronto da revoganda Lei 13/98, de 24 de Fevereiro, e com o processamento do imposto sobre o valor acrescentado decorrente do anterior despacho do Ministro das Finanças, dos normativos ora em crise resulte uma redução dos montantes a transferir e a perceber pela Região Autónoma da Madeira, indo essa circunstância afectar o cumprimento do programa do Governo Regional em funções, nem por isso se deverá concluir no sentido que concluem os requerentes.
É certo que o princípio da confiança, como tem sido defendido pela jurisprudência deste Tribunal, postula "uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas", pelo que "a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica" (cf., a título meramente exemplificativo, o Acórdão 303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.º vol., pp. 65 a 95).
Em consequência, impõe-se perguntar se, em face de uma normação como a ora sub iudicio, e da qual decorrerá uma diminuição do montante de verbas a transferir e a perceber para e pelos órgãos de poder próprio da Região Autónoma da Madeira, isso acarretará, relativamente a esses órgãos, eleitos por sufrágio geral e democrático e com base num programa proposto ao eleitorado, para cuja elaboração se contou com a manutenção do ordenamento jurídico vigente ao tempo dessa elaboração, um manifesto abalar dos acima citados mínimo de certeza e segurança na indicada manutenção.
Desde logo não se pode olvidar que, ainda que sejam reais as considerações fácticas efectuadas pelos requerentes, o reflexo dos normativos de que neste ponto se cura incide no desenvolvimento de uma actividade eminentemente política.
Essa actividade, por natureza, como é comummente aceite, tende a desenvolver mudanças na sociedade que deve servir e implica, necessariamente, modificações legislativas, com elas, devendo e podendo contar, quer quem, por força do desenvolvimento dessa actividade, veio a ocupar a titularidade dos órgãos políticos a que se candidatou, quer quem, pelo sufrágio, não almejou essa titularidade ou a titularidade maioritária, e isso mesmo que aquelas modificações legislativas incidam sobre diplomas que, em princípio, tenham vocação de vigência mais alargada.
Não obstante o que se acaba de dizer, admite-se que se não possa, sem mais, sustentar que, em face da prossecução de uma actividade eminentemente política, é desde logo destituída de razão a convocação do princípio da confiança. Efectivamente, se se pensar, por exemplo, nos casos em que existe já uma definição de verbas inscritas em orçamento e que "contaram" com as presumíveis dotações que poderiam ser alcançadas em face das disposições vigentes de uma lei de financiamento das Regiões Autónomas, levar a cabo um raciocínio como aquele constituiria um escamotear "cego" de determinadas realidades existentes como aquelas que são argumentadas pelos requerentes.
Na realidade, se se postasse uma alteração legislativa de todo imprevisível e inusitada que, ao menos na prática, desencadeasse uma entorse, total ou abrupta, das expectativas na manutenção do anterior ordenamento, dificilmente se poderia sustentar que, tão-só com base na consideração de nos situarmos no âmbito de uma actividade eminentemente política, não era possível a convocação do princípio de que tratamos.
De facto, independentemente do relevo que não pode deixar de ser concedido ao carácter eminentemente político da actividade em causa - e que, decerto, não poderá ser visualizado de modo idêntico ao das situações em que a manutenção das expectativas dos cidadãos e da comunidade em geral possa ser devidamente pesada em nome da protecção do princípio da confiança - ponto é que, na senda da jurisprudência deste Tribunal, as expectativas na manutenção das disposições existentes (e, no que agora releva, no tocante à disponibilização de meios financeiros resultantes de transferências e percepção de receitas cobradas de harmonia com essas disposições) se mostrem dotadas de acentuada consistência, entendida esta no sentido de não ser, em princípio, figurável a possibilidade de alteração de um dado modelo legislativo que, patentemente, vá criar a já referida entorse total ou abrupta.
8.2 - Ora, em primeiro lugar, não se poderá esconder - sem que isso implique um juízo sobre a "bondade" dos preceitos em apreço, ponderando as reais situações financeiras da República e da Região Autónoma da Madeira, até porque isso sempre estaria vedado aos poderes do Tribunal, ao menos se se não tornasse desde logo patentemente visível que a solução legislativa adoptada pelo decreto se apresentava como arbitrária e sem a mínima justificação - que, de todo o modo, não resulta, nem sequer é invocado, que tais preceitos implicam uma constrição total, desmesurada, intolerável e arbitrária das transferências e percepções de receitas daquela Região, não deixando, por essa razão, de ser cumprido, ainda que sem o avultamento anterior, um regime que, do ponto de vista de participação nas receitas tributárias do Estado e de outras receitas que lhe sejam atribuídas, respeita o regime autonómico regional.
De outro lado, a problemática atinente à redução ou constrição das receitas a transferir para as Regiões Autónomas, mesmo na vigência da revoganda Lei 13/98, de 24 de Fevereiro, tem sido impostada por diversas vezes, o que conduziu, inclusivamente, à prolação de alguns arestos deste Tribunal.
Como se disse, por exemplo, no Acórdão 567/2004 (publicado no Diário da República 2.ª série, de 23 de Novembro de 2004), "em lado algum do texto constitucional se encontra apoio para a tese [...] de que o valor fixado, pelo legislador ordinário, na Lei de Finanças das Regiões Autónomas [e reportava-se à citada Lei 13/98] constitui 'uma referência sólida na quantificação do dever de cooperação do Estado para com os órgãos regionais', sendo a norma que permite a fixação de um valor inferior incompatível com a lei fundamental".
Vale isto por dizer que, dada a "historicidade" do problema, não se pode considerar como dotada de consistência suficiente uma expectativa ancorada numa quantificação rígida (no sentido de, ao menos, não poder ser objecto de diminuição ou constrição) do valor das transferências que defluem de uma vigente lei de financiamento das Regiões Autónomas.
A esta consideração são, ainda, de adicionar três outras.
A primeira reside em que, analisado o vertente pedido, fácil é de verificar que os critérios rectores das formas como se processarão as participações das Regiões Autónomas nas receitas tributárias do Estado e de outras receitas que lhes sejam atribuídas não são postos em crise por parte dos requerentes do ponto de vista da sua inadequação ou desadequação - à excepção, como é óbvio, de representarem, relativamente aos transactos anos, uma diminuição nos quantitativos globais.
A segunda liga-se com o facto de não haver no pedido uma concreta densificação dos efeitos da redução que advirá dos normativos agora em apreço, inclusivamente quanto à repercussão do cumprimento de um programa de Governo, e aqui, uma vez mais, com a ressalva a que imediatamente acima se aludiu.
A terceira prende-se com a circunstância de, de todo o modo, não se poder olvidar a existência, no articulado do decreto 94/X, de "cláusulas de salvaguarda" tais como as previstas no seu artigo 59.º Ora, com base em todo o descrito circunstancialismo, impõe-se a conclusão segundo a qual, aceitando-se embora que, por parte dos órgãos de governo das Regiões Autónomas, houvesse expectativas na manutenção de um regime de financiamento tal como aquele que resultava da vigente lei de financiamento, com vista ao cumprimento dos programas políticos com que se apresentaram a sufrágio - e até com as inerentes repercussões nas populações que iriam desfrutar das concretizações práticas desses programas -, o que é certo é que tais expectativas (ou, se se quiser, o "investimento" na confiança de manutenção da legislação vigente) se não podiam revestir de uma consistência tal que pudesse impedir o legislador nacional de adoptar soluções como as de que ora se cura, as quais se não apresentam, pela realidade do "passado legislativo", como manifestamente inusitadas e imprevisíveis e não vão, como resulta do que acima se disse, afectar desmesuradamente os mínimos de certeza e segurança em que essas expectativas se fundariam, sendo ainda certo que são carreadas (cf. as aludidas exposição de motivos e intervenção ministerial perante o Parlamento) razões que, prima facie, se não antolham como injustificadas ou sem suporte material bastante.
Desta arte se é chegado à solução de que os indicados normativos não ofendem o princípio da confiança inserto naqueloutro do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição.
Dados os termos que, neste particular, foram utilizados pelos requerentes, as razões trazidas ao pedido, neste ponto da ofensa do princípio da confiança que se extrai do princípio do Estado de direito democrático, não se distinguem essencialmente daquelas que, no mesmo pedido, fundam a também invocada violação do "regime autonómico insular".
Tendo-se por não procedentes as aludidas razões, quanto àquele princípio, haverão de ter-se identicamente como não solventes quando se enfoca a ofensa do "regime autonómico insular" que, aliás, não deixa de estar inserido numa concretização da ideia de Estado unitário, iluminado que deve ser também pelo princípio do Estado de direito democrático.
9 - Do ponto de vista dos requerentes, o artigo 36.º do decreto 94/X ofende o princípio da solidariedade nacional - princípio esse decorrente do n.º 2 do artigo 225.º, da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º e do n.º 1 do artigo 220.º da Constituição -, visto não permitir a assunção de responsabilidade, pelo Estado, pelas obrigações das Regiões Autónomas.
Não se deixa de assinalar que o princípio, dito da solidariedade nacional, não pode ser perspectivado por forma a dele se extrair uma só direccionalidade, qual seja a de a solidariedade representar unicamente a imposição de obrigações do Estado para com as Regiões Autónomas, pois que, sendo uma das tarefas fundamentais do Estado a de promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, inter alia, o carácter ultraperiférico dos Açores e da Madeira [cf. alínea g) do artigo 9.º da Constituição], visando a autonomia das Regiões, a par da participação democrática dos cidadãos, do desenvolvimento económico-social e da promoção e defesa dos interesses regionais, o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade de todos os portugueses (n.º 2 do artigo 225.º), torna-se inequívoco que, neste ponto, não poderão deixar de ser ponderados também os interesses das populações do território nacional no seu todo, consequentemente aqui se incluindo as próprias populações do território "historicamente definido no continente europeu".
Mas, afora esta circunstância, analisando tão-só uma perspectiva direccionada para a solidariedade que deve ser prosseguida pelo Estado para com as Regiões Autónomas, o que é certo é que nenhuma norma se divisa na lei fundamental de onde decorra a imperatividade de o Estado assumir as responsabilidades pelas obrigações contraídas pelas Regiões Autónomas ou ainda que, consoante as circunstâncias, tenha obrigatoriamente de pesar se, numa concreta situação, essa assunção pode e deve vir a ter lugar.
É que, o princípio da solidariedade, na perspectiva unidireccional a que nos referimos, poderá vir a ser concretizado por muitas outras formas de ajuda que não só pela assunção de responsabilidades, sendo certo que do artigo 36.º do decreto 94/X não se extrai que essas outras possíveis formas estejam proscritas.
E, justamente neste particular, não se deverá olvidar que também aqui se consagram "cláusulas de salvaguarda" - cf. artigos 42.º e 43.º do decreto 94/X - que minimizam a proibição decorrente do artigo 36.º Não se surpreende, desta forma, um excesso ou um mero arbítrio constitucionalmente claudicante em face do estabelecido na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da lei fundamental, sendo certo que, neste ponto, por um lado, também não se podem deixar passar em claro as razões constantes, quer da exposição da proposta de lei que deu origem ao decreto em apreciação, quer dos objectivos enunciados na já mencionada intervenção do Ministro de Estado e das Finanças no Parlamento; por outro, que se trata aqui de responsabilidades assumidas no âmbito do exercício de um poder constitucionalmente autonómico que não podem, precisamente por representarem esse exercício, implicar inevitavelmente a proibição de adopção de uma medida de excepcionalidade como a constante do artigo 36.º do decreto.
E a esta conclusão muito mais facilmente chegará ao se entender, como se entende, que a asserção constante da parte inicial do artigo 36.º - segundo a qual são ressalvadas as situações legalmente previstas - deverá ser interpretada no sentido de poder vir a haver a assunção de responsabilidade pelas obrigações das Regiões Autónomas, desde que uma tal possibilidade se preencha por via legislativa, incidindo, pois, a proibição constante da norma em causa tão-só quanto ao preenchimento por via meramente político-administrativa.
Aliás, a revoganda Lei 13/98, na primitiva redacção do seu artigo 47.º, estabelecia que, a partir de 1998, deixaria de haver comparticipação do Estado nos encargos financeiros das dívidas das Regiões Autónomas, sendo certo que, com a revisão operada pela Lei orgânica 1/2002, de 29 de Junho, aquele artigo veio a ficar com uma redacção da qual se extrairá que uma participação no programa especial de recuperação das dívidas públicas regionais iria ter lugar, mas só com referência a 2002, e em relação a determinados montantes aí indicados.
9.1 - O que é dito a este propósito quanto ao artigo 36.º é, mutatis mutandis, aplicável ao artigo 35.º, que, como se viu, é entendido pelos requerentes como violador da mesma alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição.
É certo que a proibição, como regra, da assunção, pelo Estado, de compromissos financeiros das Regiões Autónomas e da prestação de garantia pessoal a empréstimos a emitir por estas, coloca problemas de diferente intensidade no que toca à articulação da autonomia político-administrativa regional com o princípio da solidariedade nacional. A autonomia implica a responsabilidade inerente, que sai distorcida quando as obrigações resultantes de um centro decisor autónomo são transferidas para outro, enquanto na prestação de garantia pessoal a empréstimos a emitir se trata de cooperar ou apoiar o exercício da autonomia, sem prejuízo da responsabilidade do beneficiário. Mas, ainda aqui, a regra da proibição, com ressalva das situações legalmente previstas, é compatível com o princípio da solidariedade nacional.
Não se descortina, pois, a imposição constitucional de obrigação de prestação de garantia pessoal do Estado aos empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas ou do poder/dever de ponderar, segundo as circunstâncias, se essa garantia deve, ou não, em face da especificidade das concretas situações, ser levada a efeito.
Não se negando que é sobremaneira relevante para a concessão de um empréstimo, por entre o mais, a consideração de quem pode garantir ou avalizar a obrigação ou as obrigações que dele decorrem, o que não deixa de ser certo é que o decreto 94/X contém outras vertentes prescritivas - já referidas aquando da análise do artigo 36.º - que, acolhendo-se no princípio da solidariedade, vão minimizar a proibição de prestação de garantia aos empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas.
Por outro lado, com a interpretação defendida a respeito do artigo 36.º do decreto, que, como se disse, se entende ser também ser aplicável, com as necessárias adaptações, ao artigo 35.º, este nem sequer se distinguirá substancialmente, nos seus efeitos, do que se consagra no artigo 29.º da revoganda Lei 13/98.
Pelo que se é conduzido a concluir pela não violação do aventado princípio quanto ao artigo 35.º do decreto.
10 - No que tange aos artigos 2.º, parte final, e 57.º do referido decreto, os quais, na visão dos requerentes, ofenderão a reserva de estatuto político-administrativo das Regiões Autónomas, uma vez que prescrevem que a editanda Lei de Finanças das Regiões Autónomas, abrangerá as matérias respeitantes ao património regional, o que conflituaria com a alínea h) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição, é de evidência que, percorrendo o texto do ora questionado decreto, nele se não surpreende qualquer normativo de onde resulte a regulação dos poderes de administração e disposição por parte das Regiões Autónomas.
Mesmo que, com o enunciado do artigo 2.º, intentasse o legislador que o diploma onde ele se insere efectivasse aquela regulação, o que é inequívoco é que um tal hipotético intento não teve, nesse mesmo diploma, a mínima concretização.
E se, porventura, ainda num tal hipotético intento, se quisesse referir o legislador nacional à possibilidade de, numa futura revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, a matéria respeitante ao património regional vir aí a ser regulada, então é nítido que, numa tal situação, seriam os normativos que se encontrassem no revisto diploma que se deveriam, a esse tempo, submeter ao escrutínio da sua compatibilidade constitucional.
Já por outro lado, o artigo 57.º tão-só representa uma mera enunciação não prescritiva que nada adianta ao que a própria Constituição e os estatutos das Regiões Autónomas, nesse particular, dispõem.
Não se tem, pelo exposto, por violada, pelos normativos em apreço, a reserva de estatuto, mesmo pressupondo que o disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição, ao dispor do jeito que dispõe, inculca um esgotamento total da matéria tocante ao património das Regiões Autónomas.
11 - Sustentam os requerentes que o n.º 1 do artigo 62.º do decreto 94/X viola a competência exclusiva das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, motivo pelo qual enferma aquela disposição do vício de inconstitucionalidade, por postergar o n.º 1 do artigo 232.º e a alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º, um e outro da lei básica.
De harmonia com o n.º 1 daquele artigo 232.º, é da exclusiva competência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma, no que ora interessa, exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, e exercer as atribuições de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos da lei quadro da Assembleia da República.
Como se transcreveu acima, no n.º 1 do artigo 62.º do decreto 94/X, estabelece-se que são definidas, por decreto-lei, as atribuições e as competências necessárias ao exercício do poder tributário conferido às Regiões Autónomas, nos casos em que estas considerem que a descentralização permite corresponder melhor aos interesses das respectivas populações e se efectue a regionalização de serviços do Estado e correspondentes funções.
No entender do Tribunal, a prescrição inserta em tal disposição não implica que recaia nos órgãos da República (e, assim e mais concretamente, que repouse na vontade legislativa do Governo da República) a definição de quais as atribuições e competências que haverão de ser prosseguidas pelas Regiões Autónomas com vista ao exercício do seu poder tributário próprio.
Na realidade, no entendimento que agora se perfilha, o que se desenha em tal normativo é que haverão de ser as Regiões Autónomas a ponderar e decidir, tendo em conta a sua visão sobre aquilo que entendam corresponder melhor aos interesses das respectivas populações, se o desenvolvimento das actividades administrativas e burocráticas se há-de processar por intermédio dos serviços do Estado ou por intermédio de serviços regionalizados.
E, a optarem pela segunda via, então será por intermédio de diploma emanado do Governo da República que se irá operar a transferência de competências dos serviços estaduais para os serviços regionais, vindo depois estes, necessariamente, a ser organizados pela forma que for determinada pelos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.
Uma interpretação como a que agora é dada ao n.º 1 do artigo 62.º do decreto 94/X significa, pois, de um lado, que, enquanto as Regiões Autónomas não decidirem que a prossecução das actividades administrativas e burocráticas atinentes ao exercício do poder tributário próprio que, constitucionalmente, lhes compete será levada a efeito por serviços regionalizados, ela é processada pelos serviços estaduais, através dos respectivos departamentos; de outro que, após terem as Regiões Autónomas optado pela regionalização daquelas actividades, emitirá o Governo diploma que procederá à "transferência" dos serviços centrais para os serviços regionalizados, cuja organização somente impende sobre os órgãos de governo próprio das Regiões.
Ora isto em nada contende com o exercício do poder tributário próprio das Regiões Autónomas ou com a adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais.
Trata-se, assim, de uma mera prescrição segundo a qual será definida por decreto-lei a regionalização dos serviços com vista ao exercício do poder tributário próprio regional nas situações em que as Regiões Autónomas entendam que a regionalização desses serviços irá melhor servir os interesses das respectivas populações.
No fundo, mais não se consagra do que a definição, por decreto-lei, do modo como se irá desenhar a futura regionalização dos serviços estaduais, até então estruturados numa base hierárquica central, e que, até ao momento da regionalização, têm levado a efeito a realização dos procedimentos administrativos e burocráticos relativos à liquidação e cobrança dos tributos que são considerados receitas próprias das Regiões, não se extraindo, assim, do preceito o que quer que seja que vá "beliscar" a exclusividade, por banda das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, do tratamento da matéria relacionada com o exercício do poder tributário próprio de tais Regiões.
E, consequentemente, não se lobriga ferimento do disposto no n.º 1 do artigo 232.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º, este e aquele da lei fundamental.
12 - Resta a impostação da questão concernente à alegada violação da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da lei fundamental por parte dos artigos 3.º, 7.º, n.º 5, e 37.º, n.os 2 a 7, do decreto 94/X, por violação do "princípio contido no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP".
Este preceito constitucional estabelece que as Regiões Autónomas têm o poder de dispor, nos termos dos estatutos e da Lei de Finanças dessas Regiões, "das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas".
O princípio que, assim, é extraível da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º e que é tido por violado pelos requerentes é o do asseguramento da efectiva solidariedade nacional aquando do estabelecimento da participação nas receitas tributárias do Estado.
E, de acordo com os peticionantes, o artigo 3.º do decreto 94/X violaria esse princípio ao não mencionar, no seu elenco, algum princípio destinado a garantir aos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas os meios necessários à prossecução das suas atribuições, bem como a disponibilidade dos instrumentos adequados à promoção do desenvolvimento económico e social e do bem-estar e da qualidade de vida das respectivas populações.
É facto que naquele artigo se não contém uma enunciação de regras ou princípios de onde resulte, expressis verbis, a garantia de que os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas irão ser munidos dos meios necessários e adequados às finalidades referidas pelos requerentes.
Mas menos facto não é que, na enunciação nele efectivada, é feita clara menção ao próprio princípio da solidariedade.
Ora se este implica, no discurso dos requerentes, a assinalada garantia, a menção dele mesmo não pode, sob pena de interna e profunda contradição, deixar de integrar aquela.
Não se divisa, pelo exposto, o vício assacado pelos requerentes tocantemente ao artigo 3.º do decreto.
Invocam estes que o n.º 5 do artigo 7.º do decreto 94/X limita o princípio da solidariedade quando postula que este é traduzido nas transferências a que aludem os artigos 37.º e 38.º do mesmo diploma.
Em primeiro lugar, deve sublinhar-se que do normativo em questão não se pode retirar que as transferências a que aludem os artigos 37.º e 38.º do decreto são a única forma pela qual se há-de considerar como traduzido ou esgotado o princípio da solidariedade.
E, logo por aí, se seria levado à conclusão da improcedência do argumento aduzido.
Mas, com maior relevo, o que é de limpidez é que, como deflui do que já foi dito no presente aresto, outras várias prescrições, incluindo as que se contêm no próprio artigo 7.º, se divisam no articulado do decreto em análise e das quais, indubitavelmente, se retira que a solidariedade - na óptica unidireccional do Estado em face das Regiões Autónomas - se não esgota tão só nas transferências (cf., a título de exemplo, os artigos 5.º e 39.º a 43.º).
Finalmente, pelo que toca ao artigo 37.º, n.os 2 a 7, do decreto 94/X, deve anotar-se que é facilmente verificável, dados os termos como o pedido, quanto a esses normativos, se encontra formulado, que os solicitantes aduzem, de uma parte, motivos que se reconduzem a uma por si descortinada ofensa ao disposto no n.º 2 do artigo 118.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e, de outra, razões que desaguam, substancialmente, naquilo que qualificam como uma "violação grosseira dos princípios da boa fé e da segurança no relacionamento institucional e do princípio da confiança no Estado, situação que se agrava com a total imprevisibilidade, surpresa e inesperado, das medidas adoptadas pelo decreto em questão por contrariarem os compromissos assumidos no Programa do Governo e as legítimas expectativas criadas à Região Autónoma da Madeira", e uma violação do regime autonómico insular.
Ora, quanto aos primeiros motivos, em vista do que se veio de expor no antecedente n.º 6, não é aqui cabido enfrentar a questão nos moldes em que foi equacionada.
Já pelo que toca às outras razões, o seu tratamento no ponto em questão foi já levado a efeito nos precedentes n.os 8, 8.1 e 8.2.
E concluindo-se neles o que se concluiu, também agora, na parametrização com a alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º do diploma básico, se rematará por juízo de não desconformidade constitucional.
IV - 13 - Perante o exposto, não se pronuncia este Tribunal pela inconstitucionalidade das normas vertidas nos artigos 2.º, parte final, 3.º, 7.º, n.º 5, 19.º, n.º 1, 35.º, 36.º, 37.º, n.os 2 a 7, 38.º, n.os 2 e 3, 57.º, 62.º, n.º 1, e 66.º, todos do decreto da Assembleia da República registado sob o n.º 94/X.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2007. - Bravo Serra (relator) - Gil Galvão - Maria João Antunes - Vítor Gomes - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Maria Helena Brito (com declaração de voto) - Maria Fernanda Palma (com declaração de voto) - Benjamim Rodrigues (vencido em parte nos termos da declaração de voto anexa) - Mário José de Araújo Torres (vencido, em parte, nos termos da declaração de voto) - Rui Manuel Moura Ramos (vencido, em parte, nos termos da declaração de voto junta) - Paulo Mota Pinto (vencido, em parte, nos termos da declaração de voto que junta) - Artur Maurício. Declaração de voto Votei integralmente o presente acórdão, pelos fundamentos que dele constam.
Relativamente à matéria tratada nos n.os 9.1 e 12 do acórdão, acrescento todavia, de modo muito breve, o seguinte:
Em meu entender, a questão de constitucionalidade suscitada pelos requerentes na parte A) do pedido quanto a certas normas do decreto da Assembleia da República n.º 94/X - concretamente em relação às normas dos artigos 3.º, 7.º, n.º 5, 35.º e 37.º, n.os 2 a 7 (pp. 4 a 20 do requerimento apresentado perante este Tribunal) - prende-se afinal com a competência da Assembleia da República para aprovar tais normas.
Ora, a Constituição dispõe que "é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre o regime de finanças das Regiões Autónomas" [artigo 164.º, alínea t)], que "as relações financeiras entre a República e as Regiões Autónomas são reguladas através da lei prevista na alínea t) do artigo 164.º"
(artigo 229.º, n.º 3) e que a lei que estabelece tal regime "reveste a forma de lei orgânica" (artigo 166.º, n.º 2).
Perante este quadro constitucional, a regulação das relações financeiras entre a República e as Regiões Autónomas constitui matéria da reserva absoluta da Assembleia da República, pelo que - como de resto se afirma na resposta do Presidente da Assembleia (cf. o n.º 2 do texto do acórdão) - "não se julga ser possível que, por via estatutária, este órgão de soberania sofra uma ablação jurídica na sua competência legislativa absolutamente reservada".
Ao legislar, nos termos em que o fez, sobre as finanças das Regiões Autónomas, no decreto em apreciação, a Assembleia da República não excedeu portanto os limites da sua competência, contrariamente ao que afirmam os requerentes. - Maria Helena Brito.
Declaração de voto
Tal como é referido no acórdão, entendo que não pode ser conhecida, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, a eventual violação de normas do estatuto das Regiões. Ainda assim, tomaria conhecimento das normas sindicadas, em função da interpretação que faço do pedido e tendo em conta que os requerentes invocam a violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição à luz do princípio da "prevalência do estatuto".Considero que o argumento dos requerentes segundo o qual o conteúdo das normas em crise não é da competência das leis da República, mas sim, exclusivamente, do estatuto, constitui uma verdadeira questão de constitucionalidade. Trata-se, na verdade, de debater o âmbito da reserva de estatuto - questão nuclear da organização do poder político, relativa ao relacionamento entre os órgãos de soberania e as Regiões Autónomas.
No entanto, as normas em causa não se incluem na reserva de estatuto, precisamente por dizerem respeito ao financiamento das Regiões Autónomas.
Está em causa, neste âmbito, o relacionamento entre o Estado e essas Regiões.
Por conseguinte, não se verifica qualquer violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição, norma que pressupõe a definição prévia dos recursos financeiros a atribuir às Regiões e lhes confere, ao abrigo da autonomia, competência para disporem de tais recursos. - Maria Fernanda Palma.
Declaração de voto 1 - Votei vencido quanto à decisão relativa às normas constantes dos artigos 35.º, 36.º e 66.º, este quando conjugado com as normas constantes dos artigos 19.º, n.º 1, 32.º, n.os 2 a 7, e 38.º, n.os 2 e 3, do decreto da Assembleia da República n.º 94/X, a que se reporta o pedido, pelas razões que sucintamente se expõem.
2 - Diz-se, respectivamente, nos artigos 35.º e 36.º: "Sem prejuízo das situações legalmente previstas, os empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas não podem beneficiar de garantia pessoal do Estado", e "Sem prejuízo das situações legalmente previstas, o Estado não pode assumir responsabilidade pelas obrigações das Regiões Autónomas, nem assumir os compromissos que decorram dessas obrigações."
Antes de mais, importa notar que não é claro o sentido do âmbito material da ressalva constante de qualquer destes preceitos.
Os seus termos tanto podem referir-se às situações concretas constituídas de acordo com as leis em vigor; como às situações previstas em abstracto, sobre a matéria, nas leis que estão em vigor; como, ainda, às situações enquadráveis nos regimes consagrados nos artigos 42.º ("Protocolos financeiros") e 43.º ("Apoio extraordinário"), como, finalmente, às situações que venham a ser previstas em lei futura, independentemente do seu tipo (se lei ordinária do Governo ou da Assembleia da República, se lei orgânica, se lei reforçada).
É, todavia, claro, para nós, que o sentido mais ajustado aos termos verbais do decreto da Assembleia da República em causa e à teleologia dos preceitos é, sem dúvida, o primeiro, sendo de notar, de resto, que o último, independentemente de deixar em aberto a questão de saber a qual dos diferentes tipos de lei se referiria, mais não corresponderia, no caso de lei de igual valor normativo, do que a um acrescentamento futuro de uma circunstancial e específica ressalva, que, como tal, não careceria logicamente de ser antecipadamente prevista.
De registar, ainda, que, constituindo a emissão de empréstimos e a assumpção de obrigações uma expressão de autonomia jurídica, no caso, de natureza político-territorial e de âmbito regional, não pode deixar de aceitar-se que a solução de considerar directamente vinculadas, apenas, as Regiões Autónomas que praticam tais actos corresponde a um simples corolário dessa autonomia.
Mas a questão não se coloca nesse plano. O que importa saber é se o Estado, na sua veste de pessoa nacional, pode excluir, de plano, fora das "situações legalmente previstas", a possibilidade de ponderar, face às específicas ou eventualmente anormais circunstâncias do caso, conceder a sua garantia pessoal ou até assumir o cumprimento das obrigações em favor das Regiões Autónomas.
Não controvertemos que o Estado possa decidir, após concreta ponderação, não conceder a sua garantia pessoal aos empréstimos que as Regiões Autónomas possam vir a emitir no futuro, como, igualmente, não pomos em causa que o Estado possa decidir não assumir responsabilidade pelas obrigações das Regiões Autónomas, nem assumir os compromissos que decorram dessas obrigações.
O que entendemos é que, qualquer que seja o exacto sentido a conferir àquelas expressões verbais, as normas em causa ferem diversos princípios constitucionais, conjugadamente interpretados, quando entendidos de modo a excluir toda a possibilidade de ponderação dos interesses regionais e nacionais atinentes à matéria.
Na verdade, temos para nós que decorre - do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º, na sua dimensão de Estado baseado no pluralismo de organização política democrática e de separação e interdependência de poderes; do princípio do Estado unitário que respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização administrativa, constante do artigo 6.º; do princípio de que a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais, afirmado no artigo 235.º, e finalmente, do princípio da autonomia das Regiões Autónomas e da sua funcionalidade constitucional, contempladas no artigo 225.º, n.º 2, todos os preceitos da Constituição, quando conjugadamente interpretados - que o Estado, podendo auto-organizar-se territorialmente como quiser em diferentes pessoas colectivas territoriais, desde que o faça segundo os diversos modos constitucionalmente previstos (Estado pessoal titular de órgãos de soberania;
Regiões Autónomas e autarquias locais), bem como conformar nos termos que entender o património inalienável ou os bens do domínio público das pessoas colectivas territoriais, restringindo, desse modo, o âmbito do património de tais pessoas que constitui garantia comum ou especial do cumprimento das suas obrigações (cf. artigos 817.º do Código Civil e 822.º do Código de Processo Civil), não pode afastar, de plano ou de modo absoluto, a possibilidade de ponderação do recurso aos bens jurídicos previstos em tais preceitos (garantia pessoal do Estado e assumpção de dívidas das Regiões por parte do mesmo), por banda das Regiões Autónomas (tal como as autarquias locais).
Lembre-se, de resto, que não existe preceito semelhante ao do artigo 35.º do decreto da Assembleia aqui em causa na Lei das Finanças Locais relativamente às autarquias locais ou até para as empresas públicas, sem que se deslinde uma razão material ou objectiva para a diferenciação.
A exclusão total de utilização dos bens jurídicos constantes dos artigos 35.º e 36.º constitui uma medida legislativa manifestamente desproporcionada ao escopo da redução da despesa pública e do equilíbrio financeiro das Regiões, justificando-se apenas num eventual interesse de retirar do controlo e da discussão políticas as concretas decisões que sobre tais matérias viesse a tomar o Governo nacional, no caso de lhe vir a ser solicitada a sua intervenção, em algumas situações.
É claro que as Regiões Autónomas (como as autarquias locais) são, constitucionalmente, pessoas colectivas territoriais diferentes entre si e em relação à pessoa colectiva territorial Estado soberano, pelo que, constitucionalmente, não podem deixar de ser titulares de interesses, atribuições e competências diferentes.
Por outro lado, não pode desconhecer-se que, dentro de cada modo de organização política, constitucionalmente previsto, e na relação entre eles, vale o princípio da separação e de interdependência de poderes.
Mas apesar de serem titulares de atribuições, competências e poderes constitucionais diferentes e de, nestes, deverem respeitar o princípio da separação e de interdependência, todos estão adstritos, nas suas relações, a agir de acordo com o princípio da solidariedade e da coesão nacionais.
Nesta perspectiva, as Regiões e as autarquias locais realizam o mesmo Estado nacional, se bem que numa específica dimensão territorial em que o mesmo se auto-organiza.
É nesta perspectiva que ganha todo o sentido a prescrição constante do n.º 2 do artigo 225.º da Constituição, segundo a qual "a autonomia das Regiões visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses".
Ora, sendo assim, não pode o Estado soberano, sem quebra da solidariedade e da coesão nacionais, permitir, por um lado, às suas pessoas colectivas territoriais, em que o mesmo se organiza, o acesso a certos bens jurídicos, como são os referidos nos preceitos, e, por outro lado, obstar a uma tal utilização no seu máximo grau, potenciado pela sua intervenção enquanto Estado territorial unitário soberano, sem que intervenha um concreto momento de ponderação das situações concretas, susceptíveis de corresponder à satisfação dos interesses regionais e nacionais cuja prossecução lhes está cometida, momento esse sediado, seja no Parlamento, seja no Governo.
Na verdade, há-de convir-se serem muito diferentes as possibilidades de satisfação das suas pretensões de obtenção de crédito quando as Regiões concorram a ele sozinhas ou oferecendo a garantia pessoal que o Estado assuma dar.
Por outro lado, são, também substancialmente, diferentes as condições em que as Regiões podem contratar se os credores souberem que o Estado não exclui de todo uma ponderação de poder vir a assumir a responsabilidade pelo cumprimento de obrigações decorrentes de compromissos que as Regiões assumam, no caso de tal cumprimento se lhes vir a tornar praticamente impossível ou desproporcionadamente tardio.
Ora, pese, embora, estejam previstas, nos artigos 42.º e 43.º do decreto da Assembleia em causa, situações em que esse dever de solidariedade nacional se pode concretizar, há-de convir-se - independentemente de a utilização do instrumento previsto no primeiro preceito poder proporcionar tratamentos políticos discriminatórios - poderem sobrevir muitas outras situações em que o dever de solidariedade e de coesão nacionais adquire um tal grau de intensidade que não pode deixar de reclamar uma atitude de concreta ponderação do Estado em auxiliar, sob qualquer dos modos previstos nos artigos 35.º e 36.º, as suas Regiões Autónomas.
O caso mais evidente será o de as Regiões Autónomas terem de assumir dívidas para fazer face ao incumprimento das obrigações financeiras do Estado para com as mesmas Regiões Autónomas.
Mas é possível cogitar outras, como sejam, por exemplo, circunstâncias exteriores, diferentes das previstas no artigo 43.º, que incidam de tal modo violentamente sobre a estrutura da base económica das Regiões que estas fiquem em sérias dificuldades para poder prosseguir a satisfação do essencial dos interesses das respectivas populações.
3 - Entendemos, ainda, que a norma do artigo 66.º, conjugado com as normas constantes dos artigos 19.º, n.º 1, 32.º, n.os 2 a 7, e 38.º, n.os 2 e 3, do decreto da Assembleia da República n.º 94/X, é também inconstitucional, por violação do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, na sua dimensão de tutela da confiança.
Na verdade, conquanto o princípio da tutela da confiança tenha sido encarado, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, essencialmente, na perspectiva da defesa de direitos e de interesses legalmente protegidos de pessoas jurídicas de natureza diferente das que estão em causa, não pode deixar de inferir-se, ainda, de tal princípio do Estado de direito democrático, uma exigência constitucional de tutela da confiança das pessoas colectivas públicas territoriais numa não alteração, abrupta e temporalmente inadequada, da legislação que, dentro dos termos em que se organizam constitucional e legalmente as suas relações de poder, prevê os meios jurídicos e financeiros com base nos quais elas podem levar a cabo a satisfação dos interesses regionais que a Constituição e a lei põem a seu cargo.
Ora, se não é de conferir a tal princípio, como se sustenta no acórdão, um conteúdo tal que afaste a admissibilidade de qualquer grau de revisibilidade legislativa dos critérios de repartição dos recursos financeiros advindos da cobrança de IVA que tenha conexão territorial com as Regiões Autónomas ou dos termos em que deve ser assegurado o tipo de receitas a que aludem os artigos 37.º e 38.º do decreto da Assembleia da República em causa, que leve em conta as circunstanciais dificuldades financeiras do todo nacional, não pode, todavia, incluir-se, no âmbito dessa revisibilidade permitida constitucionalmente, a situação em que as Regiões Autónomas acabaram por não poder conformar os seus orçamentos para o ano de 2007 em função do nível de receitas provenientes de IVA e de transferências do Orçamento do Estado que decorre da aplicação dos novos critérios legais constantes dos referidos preceitos.
Na verdade, no momento em que estavam legalmente vinculadas a elaborar e aprovar o seu Orçamento para o ano de 2007 e, consequentemente, a eleger, para as respectivas suas populações, as necessidades regionais a satisfazer durante tal ano económico, as Regiões apenas podiam desonerar-se desse dever legal exactamente com cumprimento pela lei então vigente.
Deste modo, só com base na confiança na manutenção do regime financeiro então em vigor poderiam elas elaborar o seu Orçamento, não lhes sendo lícito conformá-lo em função de uma futura e profunda alteração, de conteúdo ou contornos então indefinidos, dos critérios normativos então vigentes.
Não se diga que o artigo 59.º do decreto da Assembleia, contemplando cláusulas de salvaguarda, obvia ao resultado intolerável no ano económico de 2007, no que tange às receitas do Fundo de Coesão.
Na verdade, face ao seu n.º 3, é sempre possível uma redução do Fundo de Coesão relativamente aos anos anteriores, se bem que numa percentagem inferior à que se mostra estabelecida no artigo 38.º As Regiões vêem-se, assim, obrigadas a fazer uma aplicação retroactiva daqueles preceitos e abdicar da satisfação de necessidades regionais cuja pacificação tinham projectado.
Ora, traduzindo-se uma tal aplicação retroactiva, relativamente ao ano de 2007, numa diminuição substancialmente acentuada do volume de receitas, advindas de tais fontes legais, e afectando essa diminuição de modo profundo e imprevisto as expectativas regionais quanto ao nível efectivo das necessidades públicas regionais a satisfazer, cuja eleição não poderia deixar, naquele momento, de ser feita no exacto cumprimento da lei então vigente, não pode essa alteração deixar de ser considerada como desproporcionada, injustificada e intolerável. - Benjamim Rodrigues.
Declaração de voto Votei vencido por entender que: i) o Tribunal Constitucional devia ter conhecido da questão de inconstitucionalidade, suscitada pelos requerentes, relativa à violação da "reserva de estatuto"; ii) padecem de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da solidariedade nacional e da igualdade, as normas dos artigos 35.º e 36.º do decreto da Assembleia da República n.º 94/X, que aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, revogando a Lei 13/98, de 24 de Fevereiro; iii) são inconstitucionais, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, as disposições conjugadas dos artigos 19.º, n.º 1, 37.º, n.os 2 a 7, 38.º, n.os 2 e 3, e 66.º do mesmo decreto, e iv) não é suportada pelo teor literal do artigo 62.º, n.º 1, do referido decreto a interpretação "conforme à Constituição" que dele é feita no precedente acórdão.
1 - Conhecimento da questão de inconstitucionalidade, suscitada pelos requerentes, relativa à violação da "reserva de estatuto".
Na parte A) do pedido - epigrafada de "Violação do princípio constitucional da prevalência hierárquica dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas em face das restantes leis, mesmo as de valor reforçado, ínsito na conjugação dos artigos 161.º, alínea b), 168.º, n.º 6, alínea f), 226.º, 280.º, n.º 2, alínea c), e 281.º, n.º 1, alínea d), da CRP, e ainda do princípio contido no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP" e que se estende sob os n.os 8 a 76 -, os requerentes sustentam duas questão de natureza distinta: i) a questão da contrariedade (material) entre, por um lado, as disposições dos artigos 3.º, 7.º, n.º 5, 35.º e 37.º, n.os 2 a 7, do decreto 94/X, e, por outro lado, disposições constantes dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas, designadamente o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), e ii) a questão da violação da reserva de estatuto, reportada ao artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP), centrada na inadmissibilidade constitucional de serem tratadas na Lei de Finanças das Regiões Autónomas matérias que constituiriam objecto necessário de tratamento estatutário.
1.1 - Acompanho o precedente acórdão quando nele se decide que a primeira das apontadas questões, sendo uma questão de ilegalidade, é insusceptível de ser apreciada em sede de fiscalização preventiva de normas, já que a CRP (artigo 278.º) limita a intervenção do Tribunal Constitucional, neste âmbito, à apreciação de questões de inconstitucionalidade. Por mais patente que se entenda ser a contradição entre normas do decreto em causa e disposições estatutárias (designadamente a constante do artigo 118.º, n.º 2, do EPARAM), trata-se de questão que o Tribunal Constitucional apenas poderá conhecer em sede de futuro pedido de fiscalização abstracta sucessiva da legalidade [artigo 281.º, n.º 1, alínea d), da CRP].
1.2 - Entendi, porém, que nenhum obstáculo existia à apreciação da questão - que é manifestamente uma questão de constitucionalidade - que os requerentes explicitamente suscitaram na segunda parte da secção A) do seu pedido (n.os 39 e seguintes), consistente no entendimento de que a matéria sobre que versa o decreto em causa (regulação das finanças regionais e das relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas) tinha de constar dos estatutos regionais, por tal ser constitucionalmente imposto.
Apesar da sua extensão, cumpre transcrever as pertinentes passagens do pedido, onde, a seguir à defesa da tese de que disposições do decreto contrariam (materialmente) disposições dos estatutos, se aduz (itálicos acrescentados, com supressão dos itálicos originais):
"39) Mas não só: há também uma violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP.
40) É que não se pode dizer que, pelo facto de o n.º 3 do artigo 229.º da CRP determinar que 'as relações financeiras entre a República e as Regiões Autónomas são reguladas através da lei prevista na alínea t) do artigo 164.º', essa não é uma matéria estatutária e, menos ainda, que as disposições dos estatutos respeitantes à autonomia financeira regional cedem perante a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, porque não cedem de modo algum, já que, como se demonstrará, da Constituição decorre exactamente o contrário.
41) É que a referida norma constitucional (artigo 229.º, n.º 3) tem de ser articulada e conjugada com o disposto noutras normas constitucionais, nomeadamente com a prevista no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP, segundo o qual 'As Regiões Autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos: [...] dispor, nos termos dos estatutos e da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas' [...] 42) Quer isto dizer que a Constituição não afasta, pelo contrário, acolhe, o princípio de os estatutos político-administrativos definirem matéria respeitante à autonomia financeira regional e, ao fazê-lo, reconhece expressamente que as demais leis, incluindo a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, têm de se subordinar, nesta matéria, ao disposto naqueles diplomas de natureza paraconstitucional.
43) Não poderia ser, aliás, de outra maneira, porquanto a autonomia financeira das Regiões Autónomas constitui uma das vertentes mais importantes da autonomia regional.
44) Autonomia significa, como é óbvio, autonomia política, legislativa, financeira e administrativa, estando todas estas vertentes constitucionalmente garantidas às Regiões Autónomas, pelo que todas elas devem estar reguladas nos respectivos estatutos, integrando mesmo o núcleo fundamental do seu acervo material.
45) efectivamente, e além do mais, não há autonomia regional sem autonomia financeira, pelo que, em nenhuma circunstância, os estatutos poderiam ser amputados ou subalternizados em relação a vertente tão relevante.
46) Por assim ser, a autonomia financeira das Regiões Autónomas não pode deixar de integrar, por imperativo constitucional, o âmbito material estatutário, ou seja, estão em causa normas relativamente às quais não pode haver discussão ou dúvidas sobre a sua natureza materialmente estatutária - cf. artigo 227.º, n.º 1, alíneas i) e j), da CRP.
47) Com efeito, a autonomia financeira regional não se inclui no âmbito estatutário apenas por integrar os poderes das Regiões, a definir nos respectivos estatutos, já que faz mesmo parte do seu núcleo fundamental - cf.
artigo 227.º da CRP.
48) Na verdade, as matérias da autonomia financeira regional integram os poderes das Regiões identificados no artigo 227.º da CRP [maxime alíneas i) e j) do n.º 1], pelo que as normas que a regulam - artigo 118.º, n.º 2, da EPARAM - têm, por isso, imperativamente, natureza materialmente estatutária na sua dimensão essencial.
49) Por isso, os estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas podem e devem regular os princípios e conter as normas que balizam a autonomia financeira regional, adquirindo estas a força jurídica específica dos normativos estatutários - são regras paraconstitucionais e não disposições indevidamente inseridas nos estatutos, o mesmo é dizer, apenas formalmente estatutárias.
50) A concretização da autonomia financeira regional, isto é, a definição dos meios financeiros concretos de que dispõem as Regiões Autónomas é que são definidos, por força do disposto no artigo 229.º, n.º 3, da CRP, na Lei de Finanças das Regiões Autónomas, mas a verdade é que tal disposição não exclui, nem afasta, os demais normativos constitucionais aplicáveis e a que a própria Lei de Finanças das Regiões Autónomas tem de se subordinar.
51) Ou seja, os princípios e as normas definidoras da autonomia financeira regional inserem-se no conteúdo necessário das leis estatutárias (incluem-se na reserva de estatuto), por se reportarem aos poderes das Regiões (artigo 227.º) a respectiva concretização, e sem prejuízo das demais disposições constitucionais citadas, e no tocante às relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas é que se encontra fora desse âmbito e deve ser regulada na Lei de Finanças das Regiões Autónomas, que tem de se subordinar, designadamente, ao disposto no artigo 118.º, n.º 2, do EPARAM, que deu expressa execução à alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP.
52) Tanto assim é que o próprio decreto 94/X o reconhece ao definir, no seu artigo 1.º, que 'a presente lei tem por objecto a definição dos meios de que dispõem as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira para a concretização da autonomia financeira consagrada na Constituição e nos estatutos político-administrativos' [...] 53) Ora as normas estatutárias que supra se referiu como sendo inconstitucionalmente contrariadas por normas do decreto da Assembleia da República ora em apreciação, a saber, o artigo 97.º, n.º 2, do EPARAA e os artigos 105.º, n.º 2, 117.º e 118.º, n.º 2, do EPARAM, são normas delimitadoras da autonomia financeira regional e, como tal, repete-se, são normas materialmente estatutárias e são-no, não por mera razão de princípio ou doutrinária, mas porque a Constituição o expressamente impõe, ao habilitar o estatuto a fazê-lo [alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP].
54) Certo é que, sempre e em qualquer caso, tratando-se de normas que asseguram, no plano dos princípios e das regras estruturantes, a autonomia financeira das Regiões, devem, por isso, ser respeitadas pela Lei de Finanças das Regiões Autónomas, o que, todavia, não sucedeu nos termos já atrás expostos.
55) Não será despiciendo, a este propósito, referir que os artigos 105.º, 117.º e 118.º do EPARAM foram aditados através da Lei 130/99, de 21 de Agosto (primeira revisão ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira), ou seja, depois da revisão constitucional de 1997, que aditou um novo n.º 3 ao artigo 229.º da CRP, segundo o qual as relações financeiras entre a República e as Regiões Autónomas são reguladas através da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, mas que também introduziu a alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º, com a sua actual redacção, o que reforça precisamente a sua natureza de normas delimitadoras da autonomia financeira regional, que se integram no âmbito da reserva de estatuto e, por isso, neste domínio, é aquela lei que se tem de subordinar e respeitar o estatuto e não o contrário.
56) Convém esclarecer que, quando a Constituição prevê directamente a regulação de certas matérias nos estatutos, as normas destes que concretizem tais determinações da lei fundamental são, inequivocamente, por imposição constitucional, materialmente estatutárias, sendo, assim, por natureza, subtraídas a qualquer controvérsia neste domínio.
57) Com efeito, nos casos em que a Constituição determine a sua regulação pelos estatutos, as normas que têm execução ao determinado pela lei fundamental ganham materialidade estatutária, por imperativo constitucional, como é o caso do n.º 2 do artigo 118.º do EPARAM, que mais não é, como já se referiu, do que a concretização do previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP.
58) Ninguém duvida, por exemplo, que, quando o artigo 231.º, n.º 7, da CRP determina que 'O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos', tal definição se integra no âmbito materialmente estatutário.
59) Acresce referir que as disposições constitucionais não se excluem umas às outras, antes se conjugam e se coordenam.
60) Assim, se é verdade que o artigo 229.º, n.º 3, da CRP determina que 'As relações financeiras entre a República e as Regiões Autónomas são reguladas através da lei prevista na alínea t) do artigo 164.º', não é menos verdade que o artigo 227.º, n.º 1, alínea j), estabelece que 'As Regiões Autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos: [...] dispor, nos termos dos estatutos e da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas' [...] 61) Ou seja, a Constituição não se limita a dizer que as relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas são reguladas na lei de finanças regionais, já que, neste domínio, e como já se demonstrou, contém outras disposições para além do artigo 229.º, n.º 3.
62) Se assim fosse (e só em tal hipótese), estaria obviamente vedado aos estatutos a possibilidade de integrarem no seu corpo normativo matéria respeitante às finanças regionais, o que, aliás, atenta à relevância essencial da questão financeira para a autonomia regional, seria absurdo.
63) Na verdade, o que a Constituição diz, duas vezes seguidas - no proémio do n.º 1 e no corpo da alínea j) do artigo 227.º, é que aos estatutos cabe definir a matéria relativa à disposição das receitas fiscais cobradas ou geradas nas Regiões Autónomas, bem como a uma participação nas receitas tributárias do Estado (dotação orçamental anual) e à disposição de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas, usando duas vezes a expressão 'nos termos dos estatutos' e esses 'termos' são os do artigo 118.º, n.º 2, do EPARAM.
64) Isto significa que foi opção deliberada do legislador constituinte subordinar a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, nas vertentes referidas na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, às normas dos estatutos político-administrativos que deram concretização àquele comando constitucional.
65) Tanto assim é que, quer a redacção do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), quer a do artigo 229.º, n.º 3, da CRP, foram ambas fixadas na revisão constitucional de 1997 e, portanto, têm de ser aplicadas conjugada e coordenadamente e não de forma a excluírem-se entre si.
66) Com efeito, a mesma revisão constitucional que aditou um novo n.º 3 ao artigo 229.º, segundo o qual as relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas são reguladas na lei de finanças regionais, foi precisamente a mesma que, em simultâneo, determinou, no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), que as Regiões Autónomas tivessem o poder, 'a definir nos respectivos estatutos', de 'dispor, nos termos dos estatutos e das Lei de Finanças das Regiões Autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas' [...] 67) Esta simultaneidade na fixação da redacção dos preceitos em questão não deixa margem para dúvidas de que foi inequívoca a intenção do legislador constitucional em habilitar duas leis a regular a matéria das finanças regionais, conferindo, também, a uma delas - o estatuto - o papel parametrizador da lei das finanças regionais na vertente relativa à dotação orçamental a atribuir pelo Estado às Regiões Autónomas (participação nas receitas tributárias do Estado).
68) E percebe-se perfeitamente o porquê dessa opção constitucional, de caso pensado.
69) É que dessa forma se parametriza, por força da prevalência hierárquica dos estatutos em face das restantes leis, a própria lei das finanças regionais, de modo a assegurar a efectiva solidariedade para com as Regiões Autónomas que a Constituição impõe - cf. artigos 225.º, 227.º, n.º 2, alínea j), e 229.º, n.º 1, da CRP.
70) O legislador constitucional quis balizar a Lei de Finanças das Regiões Autónomas às disposições estatutárias, o que é perfeitamente compreensível e desejável, pois não é pensável que dispensasse os estatutos de regular, minimamente, tal matéria.
71) A Constituição não quis deixar um cheque em branco ao legislador da lei das finanças regionais, impondo que este observasse as normas relativas à autonomia financeira regional vertidas nos estatutos, o que, aliás, bem se compreende, tendo em consideração que a autonomia financeira é uma vertente essencial da autonomia regional.
72) Ao prever normas como a constante no artigo 118.º, n.º 2, do EPARAM, os estatutos conformam-se com a Constituição, pelo que o desrespeito daquela disposição estatutária pelo decreto em causa é também, ao mesmo tempo, violação da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, enfermando, assim, simultaneamente, de ilegalidade e de inconstitucionalidade.
73) Afinal é a própria Constituição que, no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), deixa ao legislador estatutário margem para definir matérias como a disposição das receitas fiscais cobradas ou geradas nas Regiões Autónomas, a participação nas receitas tributárias do Estado e a disposição de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas.
74) E relativamente ao artigo 118.º, n.º 2, do EPARAM convém precisar que este se limita a concretizar a determinação constitucional prevista no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), porque do que se trata, no caso deste normativo estatutário, é de se definir a participação da Região Autónoma da Madeira nas receitas tributárias do Estado (dotação orçamental anual), dessa forma se garantindo a autonomia financeira regional.
75) Ora, se a Constituição determina, repetidamente, no proémio do n.º 1 e no corpo da alínea j) do artigo 227.º, que os estatutos estão habilitados a definir matéria respeitante à autonomia financeira regional, e, ao mesmo tempo, estabelece, no artigo 229.º, n.º 3, que as relações financeiras entre Estado e as Regiões são reguladas na Lei de Finanças das Regiões Autónomas, é porque quis expressamente subordinar aquela lei às disposições estatutárias, que, obviamente, prevalecem no plano da hierarquia das fontes."
Afigura-se-me patente que os requerentes, de forma explícita e reiterada, suscitaram uma questão de constitucionalidade (violação da reserva de estatuto), que o Tribunal Constitucional podia e devia ter apreciado no âmbito do presente processo.
1.3 - Devo, no entanto, adiantar que, conhecendo da questão, o meu actual entendimento - sempre sem prejuízo de eventual reponderação - vai no sentido da sua improcedência, pelas razões expressas no Acórdão 567/2004 (que subscrevi), designadamente no seu n.º 12, onde se concluiu que:
"Ora, fora da reserva de estatuto está necessariamente 'o regime de finanças das Regiões Autónomas' - alínea t) do artigo 164.º da Constituição -, e nomeadamente a matéria das 'relações financeiras entre a República e as Regiões Autónomas' - n.º 3 do artigo 229.º da Constituição -, que é matéria reservada à competência legislativa da Assembleia da República e deve constar da Lei de Finanças das Regiões Autónomas. Tal opinião é também expressa no Acórdão 162/99, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira.
Assim, não se verifica a apontada inconstitucionalidade, por violação da reserva de estatuto, das suas normas ou do princípio da repartição de competência entre o Estado e as Regiões Autónomas, das normas que se referem às transferências do Estado para as Regiões; nem, pelas razões já apontadas anteriormente, das que se referem à possibilidade de limitação ao endividamento líquido regional."
2 - Inconstitucionalidade das normas dos artigos 35.º e 36.º do decreto da Assembleia da República n.º 94/X, por violação dos princípios da solidariedade nacional e da igualdade.
A norma do artigo 35.º do decreto 94/X ("Sem prejuízo das situações legalmente previstas, os empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas não podem beneficiar de garantia pessoal do Estado"), como foi evidenciado no debate parlamentar, representa a aprovação de um princípio oposto ao que até agora tem vigorado, e que consta quer do artigo 29.º da Lei 13/98 ("Os empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas poderão beneficiar de garantia pessoal do Estado, nos termos da respectiva lei"), quer do artigo 117.º do EPARAM ("Os empréstimos a emitir pela Região Autónoma da Madeira poderão beneficiar de garantia pessoal do Estado, nos termos da respectiva lei").
Logo na intervenção inicial do Ministro de Estado e das Finanças [Diário da Assembleia da República (DAR), X Legislatura, 2.ª sessão legislativa, 1.ª série, n.º 20, de 16 de Novembro de 2006, p. 28] se salientou:
"Ainda em matéria de endividamento, gostaria de sublinhar outra das novidades desta proposta de lei. Fica clarificado que os empréstimos das Regiões Autónomas não podem beneficiar de garantias pessoais do Estado." (itálico acrescentado).
Isto é: substituiu-se uma regra de permissão de concessão de garantia pessoal do Estado a empréstimo das Regiões (entendendo-se a remissão para os "termos da respectiva lei" como abrangendo apenas a definição dos pertinentes procedimentos e competências) por uma regra de proibição, com a limitada ressalva das situações já legalmente previstas à data da aprovação da nova lei.
Neste contexto, não vejo como se possa afirmar, como o fez o precedente acórdão, de que não há diferença substancial, quanto aos seus efeitos, entre estes dois sistemas antagónicos.
A prestação de aval pelo Estado, com os reconhecidos efeitos de potenciação da baixa de juros dos empréstimos, é uma das formas mais relevantes de manifestação do princípio da solidariedade nacional, não se descortinando razão válida para liminarmente a rejeitar, independentemente da apreciação casuística da conveniência, ou não, da sua concessão em cada situação concreta. O afastamento da mera possibilidade desta ponderação concreta, quando estejam em causa empréstimos das Regiões Autónomas, em contraste com a admissibilidade dessa ponderação relativamente a todos os demais empréstimos relativamente aos quais é possível a prestação de garantia pessoal pelo Estado (autarquias locais, outros entes públicos e mesmo entidades privadas), representa uma discriminação negativa das Regiões Autónomas, absolutamente injustificada, que representa uma "ostensiva e mesmo acintosa 'dessolidarização' do Estado em relação à dívida pública das Regiões Autónomas" (deputado Mota Amaral, DAR citado, p. 40).
As mesmas razões - possibilidade de afectação do princípio da solidariedade nacional por impossibilidade de ponderação concreta da justificação de intervenção do Estado em apoio das Regiões Autónomas (sendo certo que, em diversas situações, serão claramente imprestáveis os recursos a "protocolos financeiros" e "apoio extraordinário", previstos nos artigos 42.º e 43.º do decreto em análise) e criação de uma situação de intolerável discriminação negativa das mesmas Regiões, violadora do princípio da igualdade, valem também (reconheço que em menor grau) quanto à norma do artigo 36.º ("Sem prejuízo das situações legalmente previstas, o Estado não pode assumir responsabilidade pelas obrigações das Regiões Autónomas, nem assumir compromissos que decorram dessas obrigações").
3 - Inconstitucionalidade, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, das disposições conjugadas dos artigos 19.º, n.º 1, 37.º, n.os 2 a 7, 38.º, n.os 2 e 3, e 66.º do decreto 94/X.
Afigurando-se-me inquestionável a invocação, no presente domínio, do princípio da confiança, tal como a jurisprudência deste Tribunal o tem delineado, a sua violação, no presente caso, resulta, a meu ver, não da afectação de expectativas - essas, sim, de cariz político - reportadas ao período previsível de duração normal de uma situação de governo emergente de eleições regionais, mas da intolerável afectação "retroactiva" (com a entrada em vigor da nova lei fixada para o pretérito dia 1 de Janeiro de 2007 - cf. artigo 66.º) de compromissos jurídicos assumidos no orçamento regional já aprovado e publicado para vigorar no ano de 2007.
Sem prejuízo do reconhecimento da eventual necessidade ou conveniência de revisão da lei das finanças regionais, exigências elementares de previsibilidade e de confiança impunham que a apresentação da correspondente proposta de lei fosse feita a tempo de a nova lei, pelo seu carácter de enquadramento de opções político-financeiras fundamentais, estar em vigor antes do período de elaboração dos orçamentos regionais para o novo ano.
Por outro lado, está explícito no pedido e resulta abundantemente do debate parlamentar, não apenas a alegação de substanciais reduções nas verbas disponíveis pela Região Autónoma da Madeira (segundo os requerentes, baixa de 3,79 milhões de euros no que respeita às receitas do IVA, redução de cerca de 50% no que diz respeito ao Fundo de Coesão, e redução em 34 milhões de euros das transferências orçamentais), mas também a imprestabilidade do critério do rendimento per capita, que, na Madeira, devido à existência de zona franca, implica um empolamento artificial do PIB da Região, traduzido em riqueza que, sendo considerada como produzida na Região, não reverte a favor dos aí residentes (cf. intervenções dos deputados António Filipe, Nuno Teixeira de Melo e Luís Fazenda e do próprio Ministro de Estado e das Finanças, DAR citado, pp.
30, 31, 33, 35 e 47).
4 - O regime do artigo 62.º do decreto 94/X.
Nenhuma discordância mereceria o juízo de não inconstitucionalidade contido no precedente acórdão se fosse possível atribuir à norma em causa o sentido aí avançado. Mas, apesar da incompreensibilidade do seu teor, parece manifesto que se prevêem três momentos: 1.º as Regiões consideram que a descentralização permite corresponder melhor aos interesses das respectivas populações; 2.º o Governo procede à regionalização dos serviços do Estado, e 3.º um decreto-lei define "as atribuições e as competências necessárias ao exercício do poder tributário conferido às Regiões Autónomas".
Não vejo como esta atribuição, feita por "decreto-lei", se compagine com a competência legislativa própria das Regiões Autónomas. - Mário José de Araújo Torres.
Declaração de voto 1 - Não acompanhei a decisão do Tribunal quanto à não inconstitucionalidade dos artigos 35.º e 36 do decreto 94/X, por entender que, ao afastar a assunção, pelo Estado, de obrigações das Regiões Autónomas, e, sobretudo, ao vedar a prestação de garantia pessoal, pelo mesmo Estado, aos empréstimos a emitir por estas, excluindo a possibilidade de ponderação em concreto das circunstâncias de cada caso, se viola o princípio da solidariedade nacional decorrente do n.º 2 do artigo 225.º, da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º e do n.º 1 do artigo 220.º da Constituição.
Não está em causa, nesta posição, qualquer perspectivação unidimensional deste princípio, que também não concebemos em termos de dispensar a ponderação dos interesses das populações do território nacional no seu todo, aqui se incluindo, naturalmente, as próprias populações do território historicamente definido no continente europeu. É certo que não pretendemos que exista uma imposição constitucional expressa deste tipo de medidas, mas o que temos por desconforme com o referido princípio constitucional é a imposição contrária, que se traduz em não permitir ao Estado a consideração das circunstâncias concretas que, tendo naturalmente na devida conta os interesses das populações do território português no seu todo, pudessem justificar, neste ou naquele caso, aquela medida. Isto não implica, por certo que vejamos nos actos proibidos pelos artigos 35.º e 36.º do decreto 94/X um direito das Regiões Autónomas. Não alcançamos é que tal vedação de princípio, por isso totalmente indiferente ao perfil das situações concretas e à ponderação de interesses que estas pudessem justificar, encontre justificação constitucional, quando se atenta na referida consagração do princípio da solidariedade.
É pois a ablação de uma normal faculdade do Estado e a total desconsideração dos interesses que poderiam justificar o seu exercício em concreto que temos por constitucionalmente proibida, por não respeitar o princípio da solidariedade.
Nestes termos, a nossa conclusão não se modificaria ainda que, acompanhando o acórdão, se pudesse pretender que aquele princípio tem a sua realização possibilitada por outras formas; na verdade, sempre restaria por explicar o porquê da exclusão radical, em todas e quaisquer circunstâncias, dos mecanismos visados nos artigos 35.º e 36.º do decreto 94/X. Exclusão radical, dizemos, porque não conseguimos acompanhar o acórdão quando pretende ler aquelas disposições, sobretudo o seu inciso inicial ("sem prejuízo das situações legalmente previstas"), com o sentido de impor a proibição nelas consubstanciada em relação a actuações que se concretizem por via meramente político-administrativa, mantendo a possibilidade de elas poderem operar através de mecanismos legais. A comparação com os termos da lei ainda vigente retira naturalmente sentido a uma tal interpretação, que, a ser querida pelo legislador, não deixaria de se manifestar de forma clara no dispositivo legal.
Antes vemos naquela fórmula uma referência às cláusulas de salvaguarda mencionadas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 59.º do decreto 94/X, onde se garante que não ficam prejudicadas as "obrigações anteriormente assumidas pelo Estado em relação às Regiões Autónomas e por estas em relação ao Estado" e "as obrigações assumidas ou a assumir no âmbito de tratados e acordos internacionais celebrados pelo Estado Português". É no entanto claro, para nós, que estas disposições se reportam ou a situações já existentes (e aqui, de resto, com respeito por uma ideia de reciprocidade que abrange na sua vinculação quer o Estado quer as próprias Regiões Autónomas), ou a situações decorrentes de vinculações internacionais do Estado (o que dispensaria, aliás, a previsão expressa de uma tal hipótese, a aceitar, como aceitamos, o primado do direito internacional sobre o direito interno infraconstitucional). Também se nos não afigura, como o pretende o acórdão, que as regras dos artigos 42.º e 43.º do decreto 94/X minimizem a proibição decorrente das duas disposições que consideramos; na verdade, o particularismo da situação prevista no artigo 43.º reduz drasticamente o seu âmbito de actuação, enquanto que o mecanismo de reciprocidade que subjaz ao artigo 42.º não parece ser consentâneo com as faculdades excluídas (especificamente para as Regiões Autónomas) pelos artigos 35.º e 36.º do decreto sujeito a apreciação.
Nestes termos, não podemos deixar de concluir pela violação, por estas disposições, do princípio da solidariedade acolhido na conjugação do n.º 2 do artigo 225.º, da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º e do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição.
2 - Não acompanhamos igualmente o acórdão na análise que dedica à questão da violação, pelos artigos 19.º, n.º 1, 37.º, n.os 2 a 7, 38.º, n.os 2 e 3, e 66.º, do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição. É certo que aceitamos, com o acórdão, que não se pode considerar como dotada de consistência suficiente uma expectativa ancorada numa quantificação rígida do valor das transferências decorrentes de uma concreta lei de financiamento das Regiões Autónomas. Mas tudo está em saber se nos encontramos ou não face a "uma alteração legislativa de todo imprevisível e inusitada que, ao menos na prática, desencadeasse uma entorse, total ou abrupta, das expectativas na manutenção do anterior ordenamento", circunstância que o acórdão parece reconhecer ter as virtualidades para desencadear uma violação do princípio da proporcionalidade.
Isto, naturalmente, e para utilizar as palavras do acórdão, desde que se possa dizer, "na senda da jurisprudência deste Tribunal," que "as expectativas na manutenção das disposições existentes [...] se mostrem dotadas de acentuada consistência, entendida esta no sentido de não ser, em princípio, figurável a possibilidade de alteração de um dado modelo legislativo que, patentemente, vá criar a já referida entorse total ou abrupta".
Ora o artigo 66.º do decreto 94/X prevê a entrada em vigor da nova Lei de Finanças das Regiões Autónomas em 1 de Janeiro de 2007, num momento em que foi já objecto de aprovação o orçamento regional, o que implica que a aplicação dos seus dispositivos se pretende fazer em relação a casos em que existe já uma definição de verbas inscritas em orçamento e que contaram precisamente com as presumíveis dotações que poderiam ser alcançadas em face das disposições a este propósito vigentes. Não se contesta que a Assembleia da República pode alterar os critérios que presidem às transferências orçamentais que anualmente ocorrem para cada Região Autónoma (previstos no artigo 37.º do decreto 94/X), como aliás também os que presidem à definição do montante de verbas do Fundo de Coesão a transferir para as mesmas Regiões (e constantes do artigo 38.º do mesmo diploma), integrando aliás tal matéria a reserva de competência absoluta deste órgão de soberania. Mas se a alteração do modelo legal vigente se afigura assim figurável, para utilizar as palavras do acórdão, já a circunstância de essa aplicação se fazer de imediato, sem o mínimo intervalo temporal em relação à sua aprovação, desconsiderando de todo a circunstância de assim se poderem pôr em causa as previsões orçamentais construídas tendo em conta o quadro legal vigente, põe em causa, a nosso ver, o princípio da confiança. E não se diga, em contrário, que o decreto prevê no seu artigo 59.º cláusulas de salvaguarda que impediriam a produção de tal efeito. Na verdade, no n.º 1 deste preceito apenas se recordam o que diríamos serem os limites naturais que o decreto não poderia pôr em causa, enquanto as regras do seu n.º 2 apenas são pertinentes para modelar os termos em que o Fundo de Coesão (previsto no artigo 38.º) é atingido nos quatro anos que se seguem à entrada em vigor da nova lei, em nada afectando o regime das transferências orçamentais previstas no artigo 37.º E, quanto ao artigo 38.º, o n.º 2 do artigo 59.º limita-se a dever ser lido com ele para a correcta definição do seu alcance, sem de algum modo limitar o efeito decorrente da imediata aplicação da nova lei, que decorre do artigo 66.º Se a sua existência permite perspectivar com um alcance distinto os termos da aplicação, nesse período, do artigo 38.º, em termos a que chamaríamos quantitativos, já a incidência substancial do novo regime sobre as expectativas decorrentes da definição de verbas inscritas em orçamento que contaram com presumíveis dotações que resultariam das disposições legais vigentes se mantém, por resultar da entrada em vigor imediata da nova lei, prevista no artigo 66.º do decreto 94/X. Por outro lado, a circunstância de os requerentes não terem posto em causa os critérios rectores da participação das Regiões Autónomas nas receitas tributárias do Estado não se nos afigura relevante, uma vez que a violação do princípio da confiança resulta, como dissemos, do efeito conjugado das disposições em causa, que determina a afectação de situações constituídas com base no quadro legal vigente. E os termos do pedido, retomados no n.º 1 do acórdão, não deixam de conter indicações sobre o grau de afectação das referidas expectativas.
Por tudo o que precede, concluímos assim que a aplicação conjugada dos artigos 19.º, n.º 1, 37.º, n.os 2 a 7, 38.º, n.os 1 e 2, e 66.º, ao impor a aplicação das novas regras sobre financiamento regional em termos imediatos, sem a mínima dilação temporal, e quando se encontram aprovados orçamentos cuja elaboração se baseou na lei actualmente em vigor, contraria o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição. - Rui Manuel Moura Ramos.
Declaração de voto Votei vencido quanto ao artigo 66.º, conjugado com os artigos 19.º, n.º 1, 37.º, n.os 2 a 7, e 38.º, n.os 2 e 3, e quanto aos artigos 35.º e 36.º do diploma em causa, pelas razões que passo a expor sucintamente:
1 - Diversamente do pedido, entendo que não viola o princípio da confiança a alteração das regras das finanças das Regiões Autónomas durante o decurso do mandato de um governo regional. Entendo, porém, que a previsão, no artigo 66.º, da entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2007, sem qualquer período de transição (diversamente, por exemplo, do que ainda recentemente se previu na nova Lei das Finanças Locais), num momento em que está já em execução um orçamento de 2007, aprovado ainda no âmbito da anterior Lei de Finanças das Regiões Autónomas, de um regime que restringe de modo relevante as receitas das Regiões (ou de uma delas), viola o princípio da confiança. Com efeito, entendo que não pode dizer-se que está em causa, nessas condições, tão-só uma actividade "eminentemente política", antes as posições que serão inevitavelmente afectadas com a redução abrupta de receitas de várias dezenas de milhões de euros adquiriram já uma consistência que tornava exigível, pelo menos, a previsão de uma vacatio legis alargada ou de um período mínimo de adaptação às novas regras. Apenas por esta razão, votei no sentido da existência de violação do princípio da confiança, cuja protecção decorre do princípio do Estado de direito democrático.
2 - Votei também no sentido da inconstitucionalidade dos artigos 35.º e 36.º do diploma em causa, por violação do princípio da solidariedade nacional, tal como resulta dos artigos 225.º, n.º 2, e 227.º, n.º 1, alínea j), e 229.º, n.º 1, da Constituição. Com efeito, interpreto estas normas ido de consagrarem uma proibição de concessão pelo Estado de garantias pessoais às Regiões Autónomas ou de assunção das suas obrigações, com ressalva apenas das situações já legalmente previstas (e não de qualquer diploma legal futuro pelo qual se autorize a garantia ou se assuma a dívida). Que é este o seu sentido (e em particular do início dos dois artigos) resulta, a meu ver, inequivocamente, do facto de não fazer sentido que se tenha pretendido manter no artigo 35.º do diploma em questão, com a redacção inversa ("Sem prejuízo das situações legalmente previstas, os empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas não podem beneficiar de garantia pessoal do Estado" - itálico aditado), um regime idêntico ao consagrado actualmente no artigo 29.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas ("Os empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas poderão beneficiar de garantia pessoal do Estado, nos termos da respectiva lei"
- itálico aditado), como se chega a admitir no acórdão. Trata-se antes, a meu ver, de normas que dizem justamente o contrário uma da outra. Ora, entendo que uma exclusão liminar e em abstracto mesmo tendo em conta as excepções admitidas - da possibilidade de ponderar, perante cada situação, se a prestação de garantia pessoal a empréstimos das Regiões Autónomas ou a assunção das suas obrigações é, ou não, a actuação mais conforme ao interesse nacional - de todo o País - viola as exigências da solidariedade nacional. Tal exclusão de importantes formas de ajuda financeira (que afecta logo, só por si, a posição das Regiões no acesso ao crédito) só existe, aliás, para as Regiões Autónomas, em relação às quais também existe justamente uma previsão específica de solidariedade na Constituição (que também vale no sentido inverso). E essa exclusão não pode ser justificada, a meu ver, apenas por eventuais dificuldades de disciplina ou de autocontrolo político do Estado na realização daqueles actos para com as Regiões.
3 - Por último, pronunciei-me, ainda, sobre a interpretação do pedido, no sentido de que este se reportava igualmente a um alegado vício de inconstitucionalidade ("directa") dos artigos 3.º, 7.º, n.º 5, 35.º e 37.º, n.os 2 a 7, do diploma em apreço por violação de uma "reserva de estatuto" político-administrativo, com falta de competência da Assembleia da República para desencadear a respectiva alteração, e não apenas a um vício de ilegalidade por violação do estatuto. Teria, pois, tomado conhecimento do pedido nesta parte, embora não tivesse julgado inconstitucionais as normas em apreço com o citado fundamento, já que considero não decorrer da Constituição uma "reserva de estatuto" para as matérias em causa (o que, por desnecessário, me posso dispensar agora de fundamentar mais detidamente). - Paulo Mota Pinto.