Decreto-Lei 120/88
de 14 de Abril
O Governo vem acompanhando atentamente o evoluir da situação da indústria nacional de defesa e, de um modo específico, do seu subsector de armamento ligeiro, munições e explosivos.
Trata-se de um conjunto de actividades produtivas desenvolvidas por cinco empresas total ou maioritariamente possuídas pelo Estado ou por institutos públicos de natureza financeira.
São de um modo geral conhecidas as dificuldades do subsector, as quais, embora de modo diverso, se têm vindo a manifestar ao longo dos últimos anos.
Em síntese, pode dizer-se que a indústria portuguesa de armamento ligeiro, munições e explosivos se encontra sobredimensionada, evidencia sinais nítidos de obsolescência tecnológica e se debate ainda com outro problema de natureza estrutural: o mercado. De facto, tal como na generalidade dos países, a dimensão mínima rentável destas unidades produtivas ultrapassa significativamente a dimensão do mercado interno, motivo pelo qual se torna indispensável exportar. Todavia, por outro lado, dado tratar-se de material sensível dos pontos de vista social, político e militar, os condicionalismos da política externa de cada país agravam a incerteza inerente ao mercado.
Até há alguns anos, a situação, embora apresentando indícios de agravamento, pôde ser sustentada por fluxos de encomendas que ocuparam, ainda que parcialmente, a capacidade de produção instalada, garantindo a utilização de linhas de fabrico até então orientadas para o esforço de guerra em África.
Todavia, a crescente concorrência de novos países produtores do mesmo material, as dificuldades acrescidas impostas pela cena internacional e as obrigações decorrentes do posicionamento do Estado Português, aliadas à ausência de modernização dos produtos fabricados, contribuíram para que se agravasse a situação desta indústria.
Foram atempadamente promovidos os necessários estudos tendo em vista a antecipação das dificuldades que se avizinhavam e a definição da estratégia de reorganização deste subsector.
No caso concreto da INDEP - Indústrias Nacionais de Defesa, E. P., foi elaborado um plano global de viabilização, na vigência do X Governo Constitucional, que assentava essencialmente nos seguintes pontos:
a) Redução do número de trabalhadores da empresa, mediante recurso a um plano de aposentações antecipadas;
b) Saneamento financeiro, através do reescalonamento do respectivo passivo a curto prazo;
c) Financiamento pelo Estado do investimento em duas novas linhas de produção e posterior análise das condições de financiamento de outras duas;
d) Realização de um esforço de vendas de grande dimensão.
A redução de pessoal saldou-se por um número de cerca de 900 aposentações antecipadas em 1987 e os investimentos aprovados terão concretização física corrente ano de 1988, com o consequente início de fabrico de novos produtos.
Maiores dificuldades se depararam, todavia, aos dois outros objectivos: o necessário acordo de saneamento financeiro ainda não foi obtido, dado o elevado peso da dívida, e o volume de vendas quedou-se por valores muito aquém dos previstos.
Alguns indicadores permitirão concretizar a actual situação económico-financeira da empresa:
a) As vendas, que em 1985 atingiram 6,7 milhões de contos, ficaram, em 1987, aquém dos 2 milhões, prevendo-se uma recuperação para o corrente ano, em que, todavia, não deverão ultrapassar 3 milhões;
b) Os resultados líquidos de exploração, negativos, atingem um total acumulado de 6 milhões de contos;
c) O passivo a curto prazo ascende a mais de 5 milhões de contos.
Face à degradação dos indicadores económico-financeiros, tornou-se imperioso reforçar ou substituir algumas das soluções previamente definidas por medidas mais adequadas e, crê-se, com resultados mais positivos.
Reafirmando o interesse nacional na existência de um sector industrial de defesa, enquanto fornecedor estratégico das Forças Armadas e de segurança, o Governo reconhece, todavia, que não é possível continuar a sustentar um esforço financeiro que, no caso da INDEP, tem incidido simultaneamente em três frentes:
a) Dotações para financiamento do investimento - 1,2 milhões de contos em 1987-1988;
b) Apoio para saneamento financeiro - 1,3 milhões de contos em 1987;
c) Subsídios à exploração, designadamente para permitir à empresa o pagamento de fornecedores e encargos com o pessoal - 1,7 milhões de contos em 1987.
Assim, o apoio financeiro do Estado à reconversão desta empresa pública deverá ser concentrado no investimento necessário à reestruturação produtiva, através dos projectos em curso ou outros a seleccionar oportunamente. Por outro lado, continuarão a ser desenvolvidos esforços no sentido de obter apoios para abertura de mercados externos e fomentar acordos de co-produção com países possuidores de tecnologia mais actualizada.
A INDEP deverá, por seu lado, tomar as medidas necessárias ao saneamento económico financeiro. A regularização do passivo, dado o elevado montante e o serviço da dívida que exigiria - mais de 1,2 milhões de contos por ano -, passa não pelo reescalonamento, mas sim pela redução drástica do seu total, através da alienação de parte do valioso património da empresa que não se encontra afecto directamente ao processo produtivo ou seja disponibilizável a curto prazo.
Quanto aos custos de exploração, os volumes de vendas que o mercado permite antecipar impedem que a empresa mantenha um potencial produtivo muito superior às possibilidades de escoamento. A título de exemplo, refere-se que em 1987, para um montante de vendas que não atingiu 2 milhões de contos, a INDEP sustentou, só de despesas com o pessoal, 2,8 milhões. Enquanto isto, outra empresa do ramo, com uma facturação de cerca de 3 milhões de contos, emprega 670 empregados, menos de um terço dos 2100 trabalhadores que a INDEP ainda mantém no activo após a aplicação do programa de aposentações antecipadas.
A reestruturação da INDEP exige, pois, sem margem para dúvidas, a redução da escala de laboração e dos respectivos efectivos, pelo que se torna necessário criar o enquadramento legal adequado a tal situação.
Assim, considerando o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril, e no n.º 2 do artigo 43.º do Estatuto da INDEP, anexo ao Decreto-Lei 515/80, de 31 de Outubro, o Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
O presente diploma aplica-se aos actuais trabalhadores da INDEP - Indústrias Nacionais de Defesa, E. P., oriundos dos quadros das antigas Fábrica Militar de Braço de Prata e Fábrica Nacional de Munições e Armas Ligeiras, referidos no artigo 7.º do Decreto-Lei 515/80, de 31 de Outubro.
Artigo 2.º
Pessoal excedente
1 - O pessoal desocupado ou subutilizado por força das medidas de reestruturação ou alteração da escala de laboração da INDEP será constituído em excedente, mediante proposta do conselho de administração da empresa, devidamente homologada pelos Ministros da Defesa Nacional e das Finanças.
2 - A proposta referida no número anterior assumirá a forma de listas nominativas, donde constarão o nome, categoria e remuneração auferida pelo pessoal considerado excedente, e estabelecerá a data a partir da qual se considera adquirida essa qualidade.
Artigo 3.º
Critérios a observar
Na constituição de excedentes atender-se-á a critérios de eficácia e eficiência, tendo em vista os problemas específicos do mercado e a produção a atingir, nomeadamente o programa escalonado de fabrico e vendas.
Artigo 4.º
Quadro de excedentes da INDEP
1 - O pessoal considerado excedente nos termos do artigo 2.º ingressa automaticamente num quadro designado quadro de excedentes da INDEP (QEI), para o efeito criado junto da Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional.
2 - Até à regulamentação do diploma orgânico do Ministério da Defesa Nacional será constituído, na dependência directa da tutela, um núcleo para gestão do quadro de excedentes a que se refere o número anterior.
3 - A INDEP fornecerá ao órgão gestor do QEI os dados curriculares necessários à adequada identificação pessoal e profissional de cada um dos trabalhadores a que se refere o n.º 1.
Artigo 5.º
Situação no QEI
Durante o período em que se encontrarem integrados no QEI, os trabalhadores da INDEP poderão:
a) Ser colocados temporariamente em serviços ou organismos da administração central ou local, estabelecimentos fabris militares ou empresas públicas;
b) Ser sujeitos à frequência de acções de formação e aperfeiçoamento profissional, designadamente de reciclagem e reconversão;
c) Manter-se na situação de disponibilidade.
Artigo 6.º
Colocação temporária
A colocação temporária a que se refere o artigo anterior far-se-á mediante recurso à figura da requisição, prevista no artigo 37.º do Decreto-Lei 41/84, de 3 de Fevereiro, e no artigo 32.º do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril, consoante os casos, devendo, todavia, observar-se o seguinte:
a) É feita por despacho fundamentado do membro do Governo requisitante e do Ministro da Defesa Nacional, com prévia concordância do Ministro das Finanças quando se trate de colocação na administração central, a publicar na 2.ª série do Diário da República;
b) Não carece de visto do Tribunal de Contas;
c) Os encargos decorrentes da requisição serão suportados pelo serviço requisitante até ao montante correspondente ao vencimento nele praticado para funções idênticas às desempenhadas pelo requisitado, sendo o remanescente, se for caso disso, suportado pelo órgão gestor do QEI.
Artigo 7.º
Formação e aperfeiçoamento profissional
As acções de formação e aperfeiçoamento profissional visarão:
a) A reconversão profissional, quando se torne necessário adaptar o trabalhador ao desempenho de novas funções;
b) A reciclagem, sempre que esteja em vista a adaptação profissional a novas tecnologias e métodos de trabalho.
Artigo 8.º
Direitos dos excedentes
1 - Os excedentes mantém a categoria e a natureza do vínculo com a INDEP que detinham à data da aquisição dessa qualidade.
2 - Quando colocados, os excedentes recebem por inteiro a remuneração e demais abonos a que tenham direito os trabalhadores em actividade na INDEP.
3 - Na situação de disponibilidade, os excedentes têm direito:
a) A 90% do vencimento, a partir do 30.º dia seguido ou interpolado de inactividade;
b) A 80% e 70% do vencimento, nas mesmas circunstâncias da alínea anterior, a partir dos 120.º e 210.º dias, respectivamente;
c) Ao subsídio de Natal, ao subsídio de férias correspondente ao período de férias a que tenham direito nos termos da lei, ao abono de família e prestações complementares, à Segurança Social e à assistência na doença e demais regalias que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho.
4 - O tempo de permanência na situação de disponibilidade ser considerado para efeitos de aposentação.
5 - Para os efeitos do disposto neste artigo, consideram-se na situação de actividade os excedentes submetidos a acções de formação e aperfeiçoamento profissional.
Artigo 9.º
Deveres dos excedentes
Os excedentes na situação de disponibilidade mantêm os deveres inerentes aos demais trabalhadores em actividade na INDEP, com excepção dos que se relacionem directamente com o exercício efectivo de funções.
Artigo 10.º
Cessação da qualidade de excedente
1 - A qualidade de excedente cessa:
a) Por integração nos serviços, organismos ou empresas referidos na alínea a) do artigo 5.º;
b) Por recusa em passar à situação de actividade no QEI, não aceite como fundamentada, nos termos a definir por despacho do Ministro da Defesa Nacional;
c) Por aposentação;
d) Por cessação da relação jurídica de emprego com a INDEP, designadamente através de exoneração ou demissão, nos termos da lei.
2 - Considera-se fundamentada a recusa de colocação fora da área do distrito de Lisboa, com excepção dos concelhos limítrofes dos distritos de Setúbal e Santarém.
3 - Para efeitos disciplinares, a recusa, não aceite como fundamentada, será considerada insubordinação grave ou grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais.
Artigo 11.º
Descongestionamento do QEI
1 - Em ordem a promover o descongestionamento do QEI, podem os membros do Governo em cada caso competentes conceder aos excedentes que o requeiram a aposentação antecipada nos termos do artigo seguinte.
2 - Os excedentes que reúnam os requisitos mínimos para a aposentação e que permaneçam na situação de disponibilidade durante mais de dois anos, seguidos ou interpolados, serão aposentados.
Artigo 12.º
Aposentação antecipada
Poderão aposentar-se por sua iniciativa, e independentemente de submissão a junta médica, os excedentes que preencham uma das seguintes condições:
a) 40 anos de idade e 15 anos de serviço para efeitos de aposentação;
b) 20 anos de serviço, qualquer que seja a sua idade.
Artigo 13.º
Regresso à actividade na INDEP
O previsto no presente diploma não prejudica o eventual regresso à actividade na INDEP, após a respectiva reestruturação e modernização, do pessoal constituído em excedente, cessando por esse facto tal qualidade.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 11 de Fevereiro de 1988. - Aníbal António Cavaco Silva - Eurico Silva Teixeira de Melo - Miguel José Ribeiro Cadilhe - José Albino da Silva Peneda.
Promulgado em 13 de Abril de 1988.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 13 de Abril de 1988.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.