de 4 de Janeiro
O regime jurídico da cabotagem nacional encontra-se fixado no Decreto-Lei 194/98, de 10 de Julho, e no Decreto-Lei 331/99, de 20 de Agosto.A experiência decorrente da liberalização da cabotagem, ocorrida em 1 de Janeiro de 1999, em resultado da aplicação do Regulamento (CEE) n.º 3577/92, do Conselho, de 7 de Dezembro, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados membros (cabotagem marítima), justifica a reformulação do quadro legal vigente, adequando-o claramente aos princípios consagrados na ordem jurídica comunitária, sem prejuízo da manutenção de obrigações de serviço público, expressas num conjunto de regras claras, precisas e não discriminatórias, que os armadores devem cumprir, por forma a assegurar a prestação de serviços de transporte marítimo regular, estável e fiável, exigível pela natureza específica e ultraperiférica dos tráfegos insulares das Regiões Autónomas.
Isto porque o transporte marítimo representa para estas Regiões um vector de vital importância para a sua subsistência, desenvolvimento, fixação e bem-estar das populações, pelo que o livre acesso à prestação destes serviços deve ser efectuado no respeito pelos princípios regulamentares aplicáveis, por forma a garantir que as ilhas dos referidos arquipélagos dos Açores e da Madeira, independentemente da sua dimensão e do tráfego que gerarem, sejam adequada e eficazmente servidas.
Por fim, procede-se à criação de um observatório de informação com o objectivo de permitir à Administração o conhecimento permanente do funcionamento destes tráfegos e a correcção de desvios ou lacunas que eventualmente se verifiquem.
Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, assim como a Associação de Armadores da Marinha de Comércio.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
O presente decreto-lei regula o transporte marítimo de passageiros e de mercadorias na cabotagem nacional.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do disposto no presente decreto-lei, entende-se por:a) «Cabotagem nacional» o transporte de passageiros e de mercadorias efectuado entre portos nacionais, abrangendo a cabotagem continental e a cabotagem insular;
b) «Cabotagem continental» o transporte marítimo de passageiros e de mercadorias realizado entre os portos do continente;
c) «Cabotagem insular» o transporte marítimo de passageiros e de mercadorias efectuado entre os portos do continente e os portos das Regiões Autónomas, e vice-versa, entre os portos das Regiões Autónomas e entre os portos das ilhas de cada uma das Regiões Autónomas.
Artigo 3.º
Transportes na cabotagem continental
O transporte de passageiros e de mercadorias na cabotagem continental é livre para armadores nacionais e comunitários com navios que arvorem pavilhão nacional ou de um Estado membro, desde que os navios preencham os requisitos necessários à sua admissão à cabotagem no Estado membro em que estejam registados.
Artigo 4.º
Transportes na cabotagem insular
1 - O transporte de passageiros e de mercadorias na cabotagem insular é livre para armadores nacionais e comunitários com navios que arvorem pavilhão nacional ou de um Estado membro, desde que os navios preencham todos os requisitos necessários à sua admissão à cabotagem no Estado membro em que estejam registados, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º 2 - Aos navios de bandeira portuguesa aplica-se o regime previsto para os navios de registo convencional, designadamente no que respeita à constituição das tripulações, às remunerações mínimas previstas no acordo colectivo de trabalho e ao regime de segurança social e fiscal.
Artigo 5.º
Regime especial dos transportes regulares de carga geral ou
contentorizada
1 - Os armadores nacionais e comunitários que efectuem transportes regulares de carga geral ou contentorizada entre o continente e as Regiões Autónomas devem ainda satisfazer, cumulativamente, as seguintes condições:a) Efectuar ligações semanais entre os portos do continente e os de cada uma das Regiões Autónomas em que operem e vice-versa;
b) Cumprir itinerários previamente estabelecidos, respeitantes a portos do continente e de cada uma das Regiões Autónomas;
c) Estabelecer itinerários que garantem uma escala quinzenal em todas as ilhas, com meios adequados;
d) Garantir que o tempo de demora da expedição da carga entre a origem e o destino não ultrapassa sete dias úteis, salvo caso de força maior;
e) Assegurar que a carga contentorizada seja sempre desconsolidada no porto de destino, salvo em casos devidamente justificados;
f) Assegurar a continuidade do serviço pelo período mínimo de dois anos;
g) Praticar, para cada Região Autónoma, o mesmo frete para a mesma mercadoria, independentemente do porto ou da ilha a que se destine;
h) Utilizar navios de que sejam proprietários, locatários ou afretadores em casco nu;
i) Utilizar navios com tripulação exclusivamente constituída por marítimos nacionais ou comunitários, salvo em circunstâncias especiais fundamentadas na insuficiência de marítimos nacionais ou comunitários para completar a tripulação de segurança, situações em que, com excepção do comandante e do imediato, pode ser admitida a utilização de marítimos de terceiros países;
j) Garantir a todos os tripulantes remunerações nunca inferiores às remunerações mínimas publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego e a aplicação do regime de segurança social e fiscal vigente no Estado de pavilhão para os seus nacionais.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, os armadores nacionais e comunitários podem assegurar a cabotagem insular, através do recurso à subcontratação, desde que obtenham previamente autorização das entidades competentes.
3 - Os armadores interessados em efectuar os transportes a que se refere o presente artigo carecem de autorização do Instituto Portuário dos Transportes Marítimos (IPTM), com vista a verificar se as condições em que pretendem operar estão cm conformidade com as disposições do presente decreto-lei e a garantir que os serviços às diversas ilhas das Regiões Autónomas são prestados de forma não discriminatória e sem perturbações graves de tráfego ou de mercado.
Artigo 6.º
Transportes sujeitos a autorização especial
1 - A realização de transportes que não satisfaçam qualquer das condições previstas nos artigos 3.º, 4.º e 5.º carece de autorização especial do IPTM.
2 - O pedido de autorização para a realização de transportes a que se refere o número anterior deve ser fundamentado e acompanhado da seguinte informação:
a) Identificação do armador e do carregador/recebedor;
b) Nome, bandeira, porte e arqueação do navio a utilizar;
c) Indicação dos portos de origem e de destino e das datas previstas para o início e fim das viagens;
d) Identificação das mercadorias e das quantidades a transportar, se aplicável;
e) Elementos comprovativos da indisponibilidade de navio com acesso à cabotagem nacional para o transporte em causa, caso o transporte se enquadre nos artigos 3.º e 4.º;
f) Elementos comprovativos de consulta efectuada aos armadores autorizados a efectuar transporte de carga geral ou contentorizada na cabotagem insular, caso o transporte se enquadre no artigo 5.º 3 - As autorizações concedidas devem ser comunicadas ao requerente e às autoridades marítimas e aduaneiras envolvidas para fins de fiscalização, no âmbito das respectivas competências.
Artigo 7.º
Informação
1 - Cabe ao IPTM recolher toda a informação no âmbito da cabotagem nacional de forma a:a) Acompanhar as condições de realização dos transportes efectuados na cabotagem nacional, verificando o seu ajustamento às disposições do presente decreto-lei;
b) Avaliar o cumprimento das obrigações de serviço público previstas no artigo 5.º e sugerir a aprovação de medidas que, sendo ajustadas às condições de oferta existentes no mercado, se revelem necessárias para assegurar o normal e regular abastecimento de todas as ilhas das Regiões Autónomas;
c) Identificar a existência de situações de perturbação grave do mercado e sugerir as medidas adequadas para a sua correcção;
d) Elaborar relatórios anuais da actividade desenvolvida ou com a periodicidade que as circunstâncias o aconselhem.
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, compete ao IPTM adoptar as medidas propostas pelo observatório de informação no âmbito das competências que a este são atribuídas pelo artigo 8.º 3 - Tendo em vista o cumprimento dos objectivos definidos no número anterior, os armadores que pratiquem a cabotagem nacional são obrigados a manter o IPTM permanentemente informado das operações de transporte que efectuem, sem prejuízo do direito à confidencialidade ou à reserva de informação inerente à sua gestão comercial.
Artigo 8.º
Observatório de informação
1 - Para efeitos de avaliação do previsto nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo anterior, é criado um observatório de informação, que funciona no âmbito do IPTM, presidido pelo respectivo presidente ou por quem o substitua, com representantes das Regiões Autónomas, a indigitar pelos respectivos órgãos de governo.2 - Ao observatório de informação compete:
a) Avaliar o cumprimento das condições previstas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo anterior;
b) Propor as medidas consideradas necessárias, conforme previsto na alínea b) do artigo anterior;
c) Emitir parecer sobre todas as questões que lhe forem colocadas;
d) Elaborar relatórios anuais da actividade desenvolvida ou com a periodicidade que as circunstâncias o aconselhem.
3 - Para efeitos do disposto nas alíneas a) a c) do número anterior, o observatório de informação, através do seu presidente, pode consultar a Associação de Armadores da Marinha de Comércio ou armador sujeito às regras fixadas no artigo 5.º 4 - O observatório de informação reúne ordinariamente uma vez por semestre e extraordinariamente quando convocado pelo seu presidente, por sua iniciativa ou mediante solicitação de um dos representantes das Regiões Autónomas.
Artigo 9.º
Contra-ordenações
1 - Constitui contra-ordenação, punível com coima, qualquer infracção ao disposto no presente decreto-lei e como tal tipificada nos artigos seguintes.2 - A negligência e a tentativa são puníveis.
3 - É aplicável às contra-ordenações previstas no presente decreto-lei o regime geral do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei 244/95, de 1 de Setembro, e pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro.
Artigo 10.º
Não cumprimento das condições estabelecidas para os transportes
regulares de carga geral ou contentorizada na cabotagem insular
1 - O não cumprimento das condições estabelecidas na prestação de transportes regulares de carga geral ou contentorizada na cabotagem insular, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º, é punível com coima de montante mínimo de (euro) 1000 e máximo de (euro) 3740.
2 - O montante máximo referido no número anterior é elevado para (euro) 44500 no caso de infracções praticadas por pessoas colectivas.
Artigo 11.º
Realização de transportes de carga geral ou contentorizada na
cabotagem insular sem autorização
1 - O transporte de carga geral ou contentorizada na cabotagem insular sem a necessária autorização prévia, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 5.º, é punível com coima de montante mínimo de (euro) 2000 e máximo de (euro) 3740.2 - O montante máximo referido no número anterior é elevado para (euro) 44500 no caso de infracções praticadas por pessoas colectivas.
Artigo 12.º
Transportes efectuados sem autorização especial
1 - O transporte no âmbito da cabotagem nacional sem autorização especial, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, é punível com coima de montante mínimo de (euro) 2000 e máximo de (euro) 3740.
2 - O montante máximo referido no número anterior é elevado para (euro) 44500 no caso de infracções praticadas por pessoas colectivas.
Artigo 13.º
1 - A violação do dever de informação estabelecido no n.º 3 do artigo 7.º é punível com coima no montante mínimo de (euro) 250 e máximo de (euro) 1250.2 - O montante máximo referido no número anterior é elevado para (euro) 5000 no caso de infracções praticadas por pessoas colectivas.
Artigo 14.º
Competência sancionatória
1 - Compete ao IPTM assegurar o cumprimento do disposto no presente decreto-lei, bem como o processamento das contra-ordenações, cabendo ao presidente do IPTM a aplicação das respectivas coimas, sem prejuízo do disposto no artigo 16.º 2 - O montante das coimas aplicadas reverte em 40% para o IPTM e em 60% para o Estado.
Artigo 15.º
Disposição transitória
Os armadores que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, já efectuem transportes de carga geral ou contentorizada entre o continente e as Regiões Autónomas e que não preencham os requisitos nele previstos dispõem de um período de 180 dias para adequarem a sua actividade à satisfação desses requisitos.
Artigo 16.º
Aplicação do diploma nas Regiões Autónomas
A aplicação do presente diploma aos transportes efectuados exclusivamente entre portos das ilhas de cada Região Autónoma não prejudica as competências dos órgãos de governo próprio, sendo a sua execução assegurada pelos respectivos Governos Regionais.
Artigo 17.º
Disposição revogatória
É revogado o Decreto-Lei 194/98, de 10 de Julho, e o artigo 2.º do Decreto-Lei 331/99, de 20 de Agosto.
Artigo 18.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 24 de Novembro de 2005. - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - Fernando Teixeira dos Santos - Luís Filipe Marques Amado - Alberto Bernardes Costa - Francisco Carlos da Graça Nunes Correia - Mário Lino Soares Correia.
Promulgado em 19 de Dezembro de 2005.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 19 de Dezembro de 2005.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.