Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Parecer 3/2001, de 14 de Julho

Partilhar:

Texto do documento

Parecer 3/2001. - Aprendizagem ao longo da vida. - Parecer do Conselho Nacional de Educação:

Preâmbulo

No uso da competência que lhe é conferida pela sua lei orgânica, republicada em anexo ao Decreto-Lei 241/96, de 17 de Dezembro, nos termos regimentais, e a pedido do Governo, após apreciação do projecto de parecer elaborado pelos conselheiros Manuel António de Oliveira Carmelo Rosa, Ana Teresa Penim e Maria Margarida Ferreira Marques, o Conselho Nacional de Educação, em sua reunião plenária de 7 de Junho de 2001, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo, assim, o seu primeiro parecer no decurso do ano 2001.

Recomendação

Introdução

O memorando sobre "Aprendizagem ao longo da vida" foi elaborado pela Comissão Europeia como resultado das conclusões dos Conselhos Europeus de Lisboa (Março de 2000) e da Feira (Junho do mesmo ano), com o objectivo de lançar um debate à escala europeia sobre uma estratégia global de aprendizagem ao longo da vida em termos individuais e institucionais e em todos os domínios da vida, seja pública ou privada. Este memorando foi apresentado pelas Comissárias Reding e Diamantopoulou aos Conselhos de Educação, de Juventude e de Emprego e Assuntos Sociais em Novembro de 2000.

O memorando está em fase de consulta até final do 1.º semestre do corrente ano com um convite a que todos os indivíduos e grupos (associações e organizações não governamentais das áreas da educação, emprego, juventude e protecção social) dos Estados membros da União Europeia, dos países da área económica europeia (Islândia, Lichtenstein e Noruega) e dos países candidatos à União Europeia participem activamente no debate.

Em cada Estado membro foi constituído um grupo de coordenação nacional para o processo de consulta que elaborou ou deverá elaborar um plano nacional de acção e que concluirá o seu trabalho com a elaboração de um relatório nacional que procurará espelhar o resultado da consulta pública e que será submetido à Comissão Europeia em meados do corrente ano.

Até final de 2001 e na sequência do processo de consulta alargada que está em curso a Comissão Europeia elaborará um plano de acção que especificará os objectivos das políticas, as acções concretas e os parâmetros de referência para a implementação da aprendizagem ao longo da vida.

O Conselho Nacional de Educação, pelas responsabilidades que, estatutariamente, lhe estão cometidas, não poderia alhear-se da discussão e debate deste importante documento e tomou a iniciativa de proceder à sua análise, promovendo a preparação de um parecer que, entretanto, foi solicitado pelo Ministério da Educação.

A ideia de aprendizagem ao longo da vida, se não considerarmos que Sócrates, na forma como Platão o apresenta, entende que a educação e a educação filosófica em particular, é uma tarefa para toda a vida, o que lhe mereceu aliás severas críticas na época, encontra as suas origens no século XVIII, especialmente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos da América, por influência do Iluminismo e dos movimentos para a educação popular. No século XIX assiste-se à crescente separação entre a educação para adultos e para as crianças e jovens, que se intensifica com o estabelecimento do objectivo de universalização da educação básica para as crianças e os movimentos para a educação popular mais centrados e concentrados nas necessidades dos adultos. A ideia de que a educação deve tornar-se um processo ao longo da vida e que todas as pessoas, qualquer que seja o seu estatuto social ou nível educativo de base, necessitam de continuar a sua aprendizagem na vida adulta não era desconhecido no século XIX, mas só na segunda metade do século XX se espalhou para alcançar aceitação quase universal.

Os conceitos de educação permanente, de educação recorrente, de educação contínua e de educação de adultos desenvolvem-se e constituem objectivos da política e da acção educativa a partir deste período.

A ideia de educação ao longo da vida foi assim desenvolvida em reuniões internacionais durante os anos 60 do século XX como resposta às incapacidades verificadas na prática educativa vigente, embora tenha antecedentes que podem ser encontrados nos escritos de Dewey, Lindeman e Yeaxlee do início do mesmo século (v. Jarvis, P. - 1983). A UNESCO, em 1970, adoptou a educação ao longo da vida como um conceito referência.

Mais recentemente, o Parlamento Europeu e o Conselho de Ministros Europeu, por deliberação de 23 de Outubro de 1995, já tinham proclamado o ano de 1996 como o "Ano Europeu da Educação e da Formação ao Longo da Vida" para o qual tinha sido preparado um Livro Branco pela Comissão. Nessa ocasião sublinhavam-se como principais aspectos a promover: uma educação geral de qualidade elevada; a inserção dos jovens na vida activa; a educação e a formação contínuas; o apoio aos grupos mais desfavorecidos; a cooperação entre as instituições de educação e formação e os meios económicos; o envolvimento dos pais e de outros protagonistas no processo educativo; e o desenvolvimento da educação europeia da educação.

O memorando sobre "Aprendizagem ao longo da vida" assenta, no entanto, numa perspectiva diferente de encarar a aprendizagem, integra conceitos mais complexos e preconiza mudanças bem mais profundas na sua abordagem e no seu desenvolvimento.

Neste quadro, a segmentação entre educação e formação deixa de fazer qualquer sentido. A aprendizagem ao longo da vida corresponde a um princípio orientador da oferta e da participação num contínuo de aprendizagem, qualquer que seja o contexto. O conceito operacional que para este efeito foi adoptado é o de que a aprendizagem ao longo da vida integra "toda e qualquer actividade de aprendizagem com um determinado objectivo, empreendida numa base contínua e visando melhorar conhecimentos, aptidões e competências".

O memorando em análise inscreve-se num processo de alargamento e aprofundamento da consciência da importância da aprendizagem ao longo da vida embora, por vezes, limitando o enfoque à sua componente de educação contínua de adultos. Para além da importante iniciativa de 1996 da União Europeia, a OCDE iniciou nessa ocasião um movimento sobre a valorização da educação ao longo da vida, que está ainda em curso; a UNESCO com a UNIDO organizaram em 1997, em Hamburgo, uma conferência mundial sobre esta temática; ainda a UNESCO, agora conjuntamente com a OIT, organizou em 1999, na Coreia, uma conferência relacionada com este tema; também em 1999, a UNESCO, como parte do Ano Internacional da 3.ª Idade e do Dia Internacional da Literacia, organizou um colóquio de política educativa sobre "Learning never end"; e a OIT realizou uma conferência sobre aprendizagem ao longo da vida, em 2000. Muitos países, a título individual, também se inscreveram neste já vasto movimento criando comissões e aprovando legislação no sentido de reforçar o processo de aprendizagem ao longo da vida ou de algumas das suas componentes.

O memorando recolheu ainda contributos de outros trabalhos anteriormente realizados, onde já se evidenciava a ideia de processo contínuo e integrado de formação ao longo da vida. Caberá aqui citar, pela sua importância, o relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, presidida por Jacques Delors e integrada pelo engenheiro Roberto Carneiro, que foi concluído em 1996 e deu origem ao livro Educação, Um Tesouro a Descobrir, que sintetiza de forma rigorosa os objectivos da educação ao longo da vida, concebendo educação em sentido lato de forma a nele incluir os tradicionais conceitos de educação e formação em sentido estrito e que no memorando são substituídos pelo termo "Aprendizagem". Refere-se neste relatório "Doravante, temos de aprender durante toda a vida e uns saberes penetram e enriquecem os outros. Em vésperas do século XXI, as missões que cabem à educação e as múltiplas formas que pode revestir fazem com que englobe todos os processos que levam as pessoas, desde a infância até ao fim da vida, a um conhecimento dinâmico do mundo, dos outros e de si mesmas, combinando de maneira flexível as quatro aprendizagens fundamentais - aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. É este continuum educativo, coextensivo à vida e alargado às dimensões da sociedade, que a Comissão entendeu designar no presente relatório, pela expressão 'educação durante toda a vida'".

Pouco tempo antes deste relatório, um outro preparado por iniciativa dos industriais europeus (ERT) e pelo Conselho de Reitores Europeus (CRE), que deu origem à recomendação do European Round Table dos industriais europeus, sugere uma análise global da educação europeia numa perspectiva de educação ao longo da vida que entrevê um quadro de referência para o futuro. Neste relatório fundamenta-se a necessidade de uma perspectiva de educação ao longo da vida por:

Rápida obsolescência do capital intelectual dos indivíduos;

O crescente envelhecimento da população;

A lenta adaptação dos nossos sistemas educativos; e

A pressão económica para competir.

O Conselho Europeu de Lisboa que, como se referiu, esteve na origem deste documento, afirmou que a Europa entrou indiscutivelmente na era do Conhecimento com todas as implicações inerentes para a vida cultural, económica e social. Nas conclusões deste Conselho Europeu as pessoas foram identificadas como o principal trunfo da Europa, devendo constituir o ponto de referência das políticas da União. O investimento nas pessoas foi apresentado como sendo fundamental para situar a Europa na economia do conhecimento e preconizou-se a necessidade de estruturar a educação e a formação para a vida de modo a dar resposta a estes desafios.

Na verdade, para dar resposta aos desafios da sociedade do conhecimento a educação não se pode circunscrever ao período de formação inicial obtido na infância e na juventude, nem faz sentido considerar a educação de adultos em oposição à educação dos jovens (aquela e esta são segmentos da aprendizagem ao longo da vida) ou ainda entender a formação profissional como uma finalidade demasiado restrita e distinta da educação geral.

Neste memorando a ideia de aprendizagem ao longo da vida integra todos aqueles conceitos e ainda os tradicionais conceitos de educação e de formação ambas entendidas em sentido estrito.

O debate em torno da ideia central deste memorando e dos conceitos que lhe são inerentes destinam-se a promover uma adaptação e transformação, ainda que gradual e a um ritmo moderado, dos nossos sistemas de aprendizagem (no sentido lato que se referiu) de forma a permitir que enfrentemos melhor e com maior e mais adequada capacidade de resposta o mundo complexo em que estamos inseridos. Há perspectivas a modificar, há resistências a ultrapassar e há mentalidades a mudar.

A construção de um novo modelo de aprendizagem, não segmentado, em que a auto-aprendizagem terá um peso importante, em que se torna necessário reforçar as parcerias, em que tem de se prestar uma especial atenção ao reconhecimento, validação e certificação das aprendizagens, em que o financiamento obedece a critérios diferentes dos anteriormente praticados, em que se vai acentuar o recurso às novas tecnologias de informação e conhecimento e às modalidades de ensino a distância, em que as competências básicas têm um entendimento diverso do presente, em que os direitos e deveres à aprendizagem terão de ser encarados de forma mais responsável, não será fácil nem pode ser concretizado abruptamente e de forma radical.

O caminho para construir este novo modelo de aprendizagem não é viável através de um processo de imposição centralizado, desde logo porque se exige uma vastíssima descentralização institucional para o concretizar e uma enorme interiorização de responsabilidades por parte de cada indivíduo. Para alcançar os importantes objectivos identificados neste memorando exige-se antes uma sensibilização generalizada da sua importância e uma vontade marcadamente assumida em toda a sociedade que terá naturalmente a ver com a evidência das vantagens que daí resultam para cada um de nós.

A diversidade e a vastidão das matérias abordadas no presente memorando sob o tema "Aprendizagem ao longo da vida" não facilitam a elaboração do presente parecer. Tornou-se, assim, necessário seleccionar as matérias reputadas como mais importantes para serem tratadas em sede do CNE, tendo consciência de que não se esgota todo o manancial de abordagens susceptíveis de serem realizadas face ao conteúdo deste documento. Aliás, haverá oportunidade de manter aberto o debate e a análise em torno deste tema quer no prolongamento desta discussão no curto prazo quer na apreciação, futuramente suscitada, de todos os temas respeitantes a educação e formação que deverão absorver as ideias e princípios ínsitos no conceito de aprendizagem ao longo da vida.

Desta forma, organizou-se o parecer em duas partes, procedendo-se na primeira à abordagem geral da problemática da aprendizagem ao longo da vida e integrando na segunda as conclusões e um conjunto de recomendações.

No que respeita à primeira parte, procede-se ao enquadramento da situação analisando o papel da educação num contexto económico, social, cultural em rápida e constante mutação; procede-se à clarificação e precisão dos principais conceitos constantes do memorando e do parecer de forma a facilitar o seu entendimento no emaranhado de designações ambivalentes ou multivalentes; abordam-se os aspectos relacionados com o direito e o dever à aprendizagem ao longo da vida; identificam-se as competências básicas necessárias para promover este tipo de aprendizagem; referem-se as condições necessárias e as formas desejáveis para operacionalizar o sistema de aprendizagem ao longo da vida nas suas diversas componentes e modalidades; identificam-se os principais parceiros a envolver neste processo e refere-se o papel que lhes deve incumbir; aborda-se o complexo sistema de reconhecimento, validação e certificação nas aprendizagens formais, não formais e informais; e conclui-se com a caracterização dos modos de financiamento da aprendizagem ao longo da vida.

Em anexo, inclui-se a análise, à luz dos princípios da aprendizagem ao longo da vida, de algumas medidas de política educativa e formativa recentemente formuladas e aprovadas; um texto sobre a educação num mundo em mudança; e um exemplo de prática de parceria de uma associação juvenil com escolas.

No uso da competência que lhe é conferida pela Lei 31/87, de 9 de Julho, e nos termos regimentais, a solicitação do Ministério da Educação, o CNE elaborou o presente parecer sobre o memorando "Aprendizagem ao longo da vida".

CAPÍTULO I

Abordagem geral da problemática da aprendizagem ao longo da vida

1 - A educação num contexto de mudança

A educação é, desde há longa data, reconhecida como um importante factor para o desenvolvimento económico e social, mas nos últimos anos vem-se tornando cada vez mais importante pela forma como influencia o bem-estar dos indivíduos, das comunidades e das nações. O mundo está a passar por mudanças que tornam muito mais difícil sobreviver sem as aptidões e as capacidades que uma educação de boa qualidade promove.

Os grandes desafios que hoje se colocam à Humanidade são os que decorrem da globalização, da mudança tecnológica e do envelhecimento da população num quadro de acentuadas desigualdades e de um elevado nível de pobreza. A informação, a biologia e os novos materiais -mais do que o equipamento ou o trabalho considerado isoladamente- são a base de novas fontes de riqueza e de progresso. O desenvolvimento, em todas as suas formas -económica, social e cultural- depende crescentemente do conhecimento intensivo e da forma como é usado nos tradicionais sectores económicos da agricultura, da indústria e dos serviços.

A economia que está hoje profundamente baseada na inovação e no conhecimento sempre esteve, de certo modo, baseada nestes factores. A diferença está em que hoje, em virtude do desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação, verifica-se uma aceleração exponencial da produção, acumulação e difusão do conhecimento. Naturalmente que não basta a mera existência e a vasta disseminação dessas tecnologias, torna-se necessário que existam as necessárias capacidades humanas e talentos para as operar e para concretizar a reorganização do trabalho e dos processos de produção e de trocas comerciais que possam melhorar a produtividade e o crescimento que elas potenciam.

A globalização é um elemento que caracteriza de forma profunda a sociedade dos nossos dias e que representa desafios e oportunidades em termos de tecnologias, das trocas comerciais, das finanças e da mobilidade das pessoas. Muitos problemas têm hoje um âmbito global seja na emigração, no ambiente, na saúde, nos conflitos políticos, no crime, no comércio, nas finanças, etc. Muitos problemas de saúde, por exemplo, são globais seja a sida seja qualquer outra doença transmissível. O mercado financeiro está hoje completamente mundializado e as crises financeiras repercutem-se em todos os países do mundo. Neste sentido, tem de se olhar para os países não como uma realidade isolada, mas em termos do seu significado global, porque são parte de um mundo profundamente interdependente.

É possível tirar vantagens do processo de globalização dado que se criam novas oportunidades que não existiriam se estivéssemos apenas limitados ao nosso mercado local ou regional, de qualquer modo ele pode também conduzir à acentuação das desigualdades entre países e pessoas e promover a exclusão social se não forem assumidas medidas que combatam esses efeitos e promovam a coesão social.

Sendo a inovação e o conhecimento cada vez mais as principais fontes de riqueza elas tornam-se também na principal fonte de desigualdade entre os países, as empresas e as pessoas. Este é um aspecto que tem uma enorme importância qualitativa e quantitativa e que pelas consequências que provoca e que se podem vir a agravar necessita de uma atenção especial.

A situação é conhecida, mas convém sintetizá-la. Apenas 1,2 mil milhões de pessoas (20%) dos 6000 milhões que presentemente habitam o planeta vivem no mundo desenvolvido, que concentra 80% do total do rendimento. A situação tende, no entanto, a agravar-se ainda mais no futuro. Nos próximos 25 anos a previsão é de que haverá mais 2000 milhões de habitantes no planeta (8000 milhões no total), devendo registar-se apenas um crescimento de mais 50 milhões de habitantes no mundo desenvolvido. Significa isto que daqui a 25 anos, em números redondos, haverá 6,8 mil milhões de habitantes no mundo em desenvolvimento, mantendo-se estável o número de habitantes no mundo desenvolvido. Existe muita gente pobre no mundo. Cerca de metade das pessoas que habitam o planeta vivem com menos de dois dólares por dia e cerca de um quinto da população mundial sobrevive com menos de um dólar por dia.

No interior de cada país, verificam-se também enormes diferenças entre ricos e pobres, com especial incidência desta desigualdade nos países pobres. Cerca de 10% das pessoas detêm mais de 50% do rendimento e do património disponível e o desequilíbrio tende a aumentar quer entre os países quer entre as pessoas no interior dos países acentuando os problemas de ordem social. É perfeitamente compreensível que as populações mais pobres queiram emigrar para locais mais atractivos e que a desigualdade conduza à insatisfação e à incerteza.

O grande entusiasmo provocado pelo desenvolvimento das novas tecnologias não nos pode fazer esquecer que a divisão do conhecimento existe e marginaliza os que não têm acesso às novas tecnologias ou ao conhecimento crítico. São afectados em primeiro lugar os pobres e as comunidades rurais e com menor nível educativo dos países em desenvolvimento, mas também aqueles que nas sociedades mais desenvolvidas pertencem a estratos sociais e educativos mais fragilizados vão sendo progressivamente afastados da economia do conhecimento.

Um outro elemento a salientar no quadro da sociedade do nosso tempo é o relativo ao sentido da responsabilidade individual e às novas oportunidades para participar em todos os aspectos da vida de que os nossos antepassados não beneficiaram. A participação num contexto de democracia e desenvolvimento ajuda a disseminar a informação e o conhecimento de vastas e complexas realidades. Ninguém sozinho (pessoas ou instituições), por mais poderoso que seja, é detentor de toda a informação e de todo o conhecimento.

As pessoas devem participar não para se sentirem vítimas ou sujeitos passivos mas para se sentirem activas para sentir que podem fazer algo pelo futuro global que depende do seu envolvimento. A participação é também uma forma das pessoas assumirem os seus deveres perante a sociedade e afirmarem os seus direitos opondo-se a medidas que as lesem em termos individuais ou colectivos. Considerando os respectivos enquadramentos políticos e as novas perspectivas abertas com o desenvolvimento tecnológico cada um deve pensar que não só tem responsabilidades perante si próprio, mas também responsabilidades perante os outros e até perante as gerações futuras. A responsabilidade social está tornada global.

A sociedade do conhecimento em que vivemos só pode desenvolver-se através do forte reforço da capacidade humana promovendo a excelência na educação, do básico ao terciário, e apostando na aprendizagem ao longo da vida como novo paradigma educativo, desenvolvendo métodos e processos inovadores que alarguem o tradicional alcance da educação e da formação como o ensino a distância, a formação baseada na comunidade, o estabelecimento de redes entre as instituições educativas e formativas, o reforço da formação no local de trabalho ou módulos de cursos realizados em casa.

Enfrentando uma globalização crescente, uma rápida inovação tecnológica, uma maior abertura política no mundo, com a emergência de novas economias de mercado os países necessitam de uma população com maior nível educativo e melhores competências e as pessoas precisam de mais competências e informação para enfrentar a competição e para terem sucesso.

Por estes motivos, entre a generalidade dos políticos de todo o mundo (desde os países mais ricos aos países em desenvolvimento passando pelos de crescimento médio) há um consenso de que o investimento em educação e formação de alta qualidade é a chave determinante numa economia mundial crescentemente globalizada. Há a crença generalizada de que a educação tem um papel fundamental a desempenhar na promoção da cidadania e da coesão social estimulando o combate à pobreza dos países e das pessoas. Mesmo no que respeita às pessoas idosas há uma crescente pressão nos indivíduos e nas empresas para melhorar as suas competências e capacidades como forma de evitar a sua exclusão social e permitir que um segmento da população que está em crescimento no mundo desenvolvido possa ainda contribuir para o desenvolvimento económico, social e cultural, evitando a sua marginalização.

No princípio do século passado, o sistema educativo estava disponível para apenas uma pequena fracção da população. Agora precisamos de um sistema de educação e formação unificado e coerente a todos os níveis que permita a cada um aprender para a vida, aprender para o trabalho e aprender durante toda a vida.

Qualquer política para o desenvolvimento da educação numa economia do conhecimento deve satisfazer os seguintes critérios básicos:

a) Promover uma boa educação básica ao maior número possível de jovens de forma a prepará-los para a vida como cidadãos responsáveis e como agentes económicos;

b) Promover uma formação adequada para o trabalho que requer crescentes necessidades em aptidões, um vasto número de especialistas e competências de gestão para as coordenar e controlar;

c) Desenvolver uma ampla capacidade para aprender ao longo da vida e gerar as respostas flexíveis e adaptadas que são necessárias para enfrentar as constantes mudanças.

As opções de política educativa que hoje sejam tomadas em cada país podem conduzir a profundas diferenças nos resultados obtidos nas próximas décadas. Os países que fizerem opções correctas poderão experimentar um extraordinário progresso educativo, com grandes benefícios económicos e sociais, incluindo ganhos potenciais para os pobres e marginalizados. Pelo contrário, os países que não fizerem essas opções preferindo a estagnação ou mesmo o retrocesso, aumentarão as diferenças sociais e económicas, espalhando o mal-estar.

Há a necessidade de mais e melhor educação em todos os países, sejam eles industrializados ou menos industrializados, de alto ou de baixo rendimento. Mas as rápidas mudanças na economia mundial e a crescente diferença entre nações ricas e pobres demonstram que nem todos os países enfrentam os mesmos problemas educativos ou que os enfrentam do mesmo modo. Todos os países devem estimular o aumento dos conhecimentos dos seus cidadãos e assegurar a igualdade de acesso ao conhecimento e todos podem aprender uns com os outros no uso de técnicas educativas que funcionem.

Mas os países de mais baixo rendimento com altas taxas de analfabetismo e com crianças que não frequentam a escola podem necessitar de soluções qualitativamente diferentes para melhorar e expandir a educação do que aqueles com maior rendimento que possuam níveis mais elevados de educação e de maiores recursos.

O mundo está em rápida mudança e nos principais factores dessa mudança a educação assume um papel importante.

A inovação tecnológica, por exemplo, tem as mais sérias implicações para todos nós. Os novos avanços tecnológicos do passado poderão facilitar alguns dos novos desenvolvimentos dotando, por exemplo, pessoas com acesso virtualmente ilimitado à informação, mas também modificará outros de forma fundamental: no mercado económico global hipercompetitivo, por exemplo, o conhecimento está a substituir rapidamente as matérias-primas e o trabalho como o elemento mais crítico para a sobrevivência e o sucesso. A educação determinará, em parte, quem acederá às tecnologias e quem o não fará. A revolução nas tecnologias da informação também fornecerá enormes oportunidades para a mudança da educação. Novas formas de expandir o acesso e melhorar a qualidade e fundamentalmente de repensar o que deve ser aprendido e como, tornar-se-á generalizadamente disponível a custos acessíveis.

A partir da última década do século passado verificou-se uma expansão acentuada da democratização no Mundo. São actualmente cerca de 117 (ver nota 1) os países que têm agora governos eleitos democraticamente (Diamond, 1999) o que duplica o número verificado há uma década atrás.

Com este processo de democratização os cidadãos em geral ganham um aumento de influência através do reforço de poder das organizações da sociedade civil. Também aqui a educação joga um papel para alimentar e desenvolver esta tendência democratizadora ajudando os cidadãos a desenvolver as capacidades necessárias a serem bem informados, compreenderem os problemas mais difíceis, participarem como protagonistas e fazerem escolhas sensatas.

As economias de mercado prevalecem hoje em países onde vive cerca de 80% da população do mundo quando há uma década atrás essa percentagem era inferior a 30%. Também neste contexto a educação é vital. Os que melhor podem competir (devidamente instruídos e com as melhores aptidões) têm uma enorme vantagem neste mundo económico em rápida mudança sobre os seus competidores menos preparados.

A globalização dos mercados e dos factores que os geram, com especial relevância do conhecimento é outro exemplo importante. O capital global move-se célere em busca das melhores oportunidades, incluindo força de trabalho bem preparada, produtiva e interessante em termos salariais em ambientes de mercado económico atractivo e politicamente estável.

Estas condições transformam o tipo de mão-de-obra necessária. Os trabalhadores de amanhã necessitam de ser capazes de aprender novas coisas rapidamente, desempenhar mais tarefas não rotineiras e resolver problemas mais complexos, tomar mais decisões, perceber sobre o que estão a trabalhar, assumir maiores responsabilidades e -como instrumentos vitais para este fim- ter melhores competências básicas. Mais uma vez a educação joga aqui papel essencial.

Para responder a estas exigências os objectivos educativos de longo prazo terão de ser o de assegurar que cada um complete uma educação básica de qualidade adequada, adquirindo competências básicas como o domínio lido, escrito e falado da língua materna, o cálculo, a capacidade de raciocínio, o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira, aptidão para usar as novas tecnologias de informação e conhecimento, competências sociais como o trabalho de grupo e capacidade de aprender a aprender; e tenha mais oportunidades para adquirir novas competências através da vida num quadro de opções educativas pós-básicas.

Se em termos políticos se pretende combatera pobreza e melhorar a qualidade de vida a educação tem de estar necessariamente no centro da agenda política porque ela é uma componente importante do desenvolvimento sustentado que exige muitos elementos sociais e estruturais para além de um bom desempenho económico. Mas a tradicional educação inicial não é hoje suficiente para dar resposta às necessidades das pessoas e da sociedade. A aprendizagem tem de começar desde o início da vida e os adultos têm de renovar os seus conhecimentos e as suas capacidades de forma a enfrentar uma vida em constante mudança. A aprendizagem ao longo da vida é essencial para cada um e tem de se tornar acessível para todos como um direito, mas também como um dever individual perante a comunidade.

Os objectivos da aprendizagem ao longo da vida são, portanto, os de dar resposta às profundas mudanças a que estamos a assistir na sociedade em geral e assim é reconhecido na Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos, que identifica esses objectivos como sendo os de desenvolver a autonomia e o sentido de responsabilidade das pessoas e das comunidades, reforçar a capacidade para enfrentar as transformações que têm lugar na economia, na cultura e na sociedade como um todo e promover a coexistência, tolerância e a participação criativa e informada dos cidadãos nas suas comunidades.

2 - O conceito de aprendizagem ao longo da vida

A precisão e rigor do conceito de aprendizagem ao longo da vida tal como é tratado no memorando em análise e neste parecer, bem como de outros conceitos importantes com ele relacionados, é aspecto essencial para evitar confusões e mal-entendidos e para permitir uma clara compreensão do que aqui se refere. A situação ganha especial acuidade no caso presente porque, como todos sabemos, se confrontam designações técnicas idênticas que são usadas em sentidos diversos no contexto do sistema educativo ou no contexto do sistema de formação profissional, para além daquelas que são geralmente usadas com sentidos vagos e imprecisos.

Desde logo se coloca a questão de saber se se deve utilizar a expressão "educação ao longo da vida" ou "aprendizagem ao longo da vida". A preferência pela primeira expressão encontra eco e adeptos, naturalmente, nas áreas das pessoas ligadas à educação e ao sector educativo.

De qualquer modo, o termo educação não é unívoco, tem evoluído ao longo dos tempos, tem entendimentos diversos em ambientes culturais diferentes e pode ser considerado com maior ou menor amplitude.

Registe-se que, só muito tarde na história das democracias liberais, a educação foi formulada e dirigida para pessoas presumivelmente autónomas, que determinam as suas próprias finalidades e estruturam as suas próprias vidas.

As controvérsias geradas no âmago da discussão contemporânea em torno da educação (como se pode assegurar uma discussão mais equitativa da oportunidade educativa? Qual é o papel da educação pública numa sociedade democrática? Como controlar a qualidade educativa? etc.) retomam as controvérsias que marcam a história da educação desde Platão até às teorias da epistemologia social, às teorias pós-modernistas e às teorias críticas da educação.

As grandes e sérias discussões sobre a educação conduzem, inevitavelmente, a questões de âmbito mais vasto que a enquadram e enformam, como sejam as de saber quais são as verdadeiras finalidades da educação, ou quem deve assumir a responsabilidade pela formulação da política educativa, ou quem deve ser educado, ou como deve a estrutura do conhecimento afectar a estrutura e a sequência da aprendizagem, ou ainda como é que as dimensões intelectual, espiritual, cívica e moral, artística, física e técnica da educação podem ser relacionadas umas com as outras.

Ora porque nós somos herdeiros da história dos conceitos sobre as verdadeiras finalidades e sentidos da educação, esta história permanece activamente influenciada pelas nossas crenças e é manifestada pelas nossas práticas. Daqui resulta o diferente peso e relevância que cada teoria confere aos diversos aspectos em que se desdobra a educação como seja a maior importância concedida à reforma das práticas pedagógicas pela maioria das teorias do conhecimento; ou à reorientação da educação moral pela maioria das teorias éticas; ou à educação dos cidadãos pelas teorias políticas; ou ainda ao desenvolvimento dos modelos de investigação educacional pelas teorias metafísicas compreensivas. E, dentro de cada teoria, não há uniformidade de pontos de vista, o que torna particularmente difícil captar um sentido e fixar um conceito para educação.

As mudanças nas circunstâncias e no conhecimento que impõem que se renove em cada geração a definição da natureza, do sentido e dos objectivos da educação faz com que Bruner considere que ela é uma invenção social ou que está em constante processo de invenção.

Nos anos 20 do século passado, Durkheim definiu educação como "l'action exercée par les générations adultes sur celles qui ne sont pas encore mûres pour la vie sociale. Elle a pour objet de susciter et de développer chez l'enfant un certain nombre d'états phisiques, intellectuels et moraux que réclament de lui et de la société politique dans son ensemble et le milieu spécial auquel il est particulièrement destiné". Ele próprio salienta a existência de diferentes espécies de educação em função dos diferentes ambientes que se encontram na sociedade, ao longo da história e durante cada período.

Também Osterrieth, em 1965, identifica a finalidade do processo educativo como o de "Faire des adultes". Naturalmente que a ideia de educação integra hoje o conceito de educação permanente e de educação continua de adultos, sendo, no entanto, mais controversa a inclusão das actividades de aprendizagem informal e mesmo de algumas componentes da aprendizagem não formal.

A educação, sendo, essencialmente, o meio (socialmente inventado) pelo qual a sociedade renova perpetuamente as condições da sua própria existência, representa-se através de um sistema que se estrutura nas suas diversas componentes e se organiza de acordo com as finalidades que pretende prosseguir. Ou seja, a sociedade intervém volitivamente no sentido de estabelecer um aparelho, com domínios que não são necessariamente completamente formais, que permite atingir e concretizar os objectivos formativos e valorativos que estabeleceu. Neste sentido, a dimensão de aprendizagem em qualquer domínio da vida, a que respeita à aprendizagem informal e a de alguns segmentos da aprendizagem não formal escapam normalmente ao âmbito da ideia de educação.

É bem verdade que o conceito de educação se tem vindo a alargar, propondo-se a sociedade incluir todos estes domínios e referências no meio exterior que permite ao indivíduo adquirir e desenvolver as suas estruturas mentais mais essenciais. O movimento da educação ao longo da vida traduz esta intenção de alargar o âmbito de intervenção da sociedade no domínio educativo, cobrindo as realidades mencionadas da educação informal e da dimensão em todos os domínios da vida. Poderá, aliás, convencionar-se que assim seja, mas é sabido que tal orientação não colhe, no actual quadro teórico, a aceitação generalizada que se pretende.

De qualquer modo, a educação ao longo da vida é entendida como um meio para facilitar a aprendizagem ao longo da vida. Aquela é instrumental em relação a esta. O conceito de aprendizagem está essencialmente centrado não nos meios para promover a formação mas directamente na pessoa que aprende absorvendo este conceito todas as formas, tipos e domínios em que a aprendizagem se possa exprimir seja no quadro do sistema educativo seja fora dele.

A aprendizagem ao longo da vida é, por isso, uma expressão de maior rigor conceptual, no quadro dos objectivos que o memorando se propõe atingir, do que a de educação ao longo da vida, cujo entendimento, como se referiu, pode não incluir todas as modalidades de aprendizagem.

Verifica-se também que, no ambiente político administrativo português, o termo educação tem um entendimento que não inclui as actividades de formação profissional, para já não falar nas actividades de aprendizagem informal. De igual modo, se considera, ainda que erradamente, que o termo formação é tecnicamente um quase exclusivo das actividades de formação profissional desenvolvidas no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social ou das empresas.

É, aliás, corrente na nossa linguagem, utilizar a designação "educação e formação" para cobrir o universo formativo. Veja-se, entre muitíssimos outros exemplos, o título do seminário que o CNE organizou em 20 de Novembro de 1996, "Educar e formar ao longo da vida".

Entende-se, por isso, que a riqueza da palavra aprendizagem satisfaz muito melhor os objectivos que se pretendem atingir no memorando, na medida em que se centra na actividade da pessoa, exprime, sem equívocos, uma realidade clara que identifica os objectivos educativos e formativos que se tem em vista alcançar sem criar falsas e controversas questões terminológicas que não ajudariam a promoção e desenvolvimento deste novo paradigma educativo e formativo.

A própria Lei de Bases do Sistema Educativo, que a Assembleia da República aprovou em Outubro de 1986, considerando a educação extra-escolar como parte do sistema, entende que ela "engloba actividades de alfabetização e de educação de base, de aperfeiçoamento e actualização cultural e científico e a iniciação, reconversão e aperfeiçoamento profissional e realiza-se num quadro aberto de iniciativas múltiplas de natureza formal e não formal" (n.º 4 do artigo 4.º). Esta tipificação de actividades não contempla a formação profissional tout court (mas apenas a iniciação, reconversão e aperfeiçoamento profissional) e não aborda a temática da aprendizagem informal que corresponde a uma das principais aquisições deste processo de aprendizagem ao longo da vida.

Em síntese, porque o termo aprendizagem coloca a pessoa como sujeito do processo de aquisição e desenvolvimento de conhecimentos e valores e porque é univocamente abrangente de todas as modalidades passíveis de integrar este processo, julga-se compatível e adequada a utilização da expressão aprendizagem ao longo da vida no quadro dos objectivos do presente memorando.

Ultrapassada esta questão, iremos, agora, à luz do que se refere anteriormente, procurar precisar os conceitos de aprendizagem, de aprendizagem ao longo da vida, dos diversos tipos e formas desta aprendizagem, dos respectivos processos de aprendizagem e das exigências de cooperação que suscita.

O conceito de aprendizagem pode, desde logo, suscitar dúvidas por a designação se referir a um sistema de formação profissional para jovens que concluíram a escolaridade obrigatória ou que não a chegaram a concluir.

No âmbito da expressão "aprendizagem ao longo da vida" a designação aprendizagem tem de ser entendida como integrando os tradicionais conceitos de educação (inicial) e de formação profissional, referindo-se a apreensão e desenvolvimento de conhecimentos, competências e aptidões qualquer que seja o seu contexto e dimensão.

Por aprendizagem ao longo da vida deve entender-se o sistema que ajuda as pessoas a obterem os conhecimentos e adquirirem as capacidades que as auxiliam na adaptação aos diferentes estádios da sua vida, nelas se incluindo:

i) O período de infância após o início da vida;

ii) O período de escolarização;

iii) O período de juventude, concluída a escolarização;

iv) O período de vida de trabalho como membro activo da sociedade, durante o período adulto; e

v) O período de vida como adulto mais velho após a passagem à reforma.

O conceito operacional de aprendizagem ao longo da vida constante do memorando é rigoroso e descreve-a como "toda e qualquer actividade de aprendizagem com um objectivo, empreendida numa base contínua e visando melhorar conhecimentos, aptidões e competências". O conceito integra assim todas as formas e modalidades de aprendizagem desde que sejam concretizadas com um determinado objectivo, estabelece que tem que ser realizada num processo contínuo e confere-lhe o objectivo de transmitir valores, melhorar a capacidade dos seus destinatários em conhecimentos, aptidões e competências.

O memorando enriquece o conceito de aprendizagem ao longo da vida com a expressão aprendizagem em todos os domínios da vida que vem sublinhar a complementaridade entre os diversos tipos e formas de aprendizagem (formal, não formal, informal, inicial e de adultos) que surge em todas as fases da nossa vida e em qualquer das suas dimensões.

Quanto às diversas formas de aprendizagem o memorando introduz clareza nos conceitos, distinguindo três categorias básicas da actividade de aprendizagem: aprendizagem formal, não formal e informal. Por aprendizagem formal, entende a que decorre em instituições de ensino e de formação e conduz a diplomas e qualificações reconhecidas. Por aprendizagem não formal, considera a que decorre em paralelo aos sistemas de ensino e formação e não conduz, necessariamente, a certificados formais. Por aprendizagem informal, entende aquela que corresponde a um acompanhamento natural da vida quotidiana, não sendo necessariamente intencional e podendo, por isso, não ser reconhecida como enriquecimento dos seus conhecimentos e aptidões, mesmo pelos próprios indivíduos beneficiários.

A aprendizagem ao longo da vida compreende ainda a educação inicial e a educação contínua de adultos que são partes integrantes dela.

A educação inicial corresponde ao período que vai desde o nascimento até ao final do período de escolarização e deve promover a aquisição dos conhecimentos e das capacidades básicas e preparar as pessoas para a educação contínua de adultos. Neste domínio exige-se um alargamento da formação pré-escolar.

A educação de adultos segue-se à educação inicial e procura dar resposta às necessidades de aprendizagem no período de vida activa e no período de vida como adulto mais velho após a passagem à situação de reforma. A educação contínua de adultos integra também componentes de educação básica e de educação básica de segunda oportunidade como forma de resposta às necessidades da população adulta que não alcançaram este nível educativo no período normal. A importância da formação básica na educação contínua de adultos tenderá a diminuir com o aumento da população adulta possuidora de competências e conhecimentos básicos como resultado da melhoria da educação inicial e ainda de resultados satisfatórios de anteriores programas de educação de adultos, de qualquer modo ela não é exclusivo da educação inicial e, por isso, não é factor de distinção entre estes dois tipos de aprendizagem.

Aliás, a questão relativa à educação básica na educação de adultos é um aspecto crítico dado existirem dados que demonstram que mais do que um quarto da população adulta em muitos países da OCDE possui baixos níveis de literacia. No que respeita a Portugal, os dados do estudo da iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do Conselho Nacional de Educação sobre literacia, conduzido por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa dirigido pela Prof.ª Doutora Ana Benavente, são também elucidativos quanto às sérias dificuldades que se registam no nosso país. Este problema é ainda agravado por uma manifesta falta de hábito dos adultos em participarem em acções organizadas de formação. De acordo com um estudo da OCDE, já de 2001, cerca de dois terços da população adulta em muitos países não participa em actividades organizadas de educação de adultos.

Os processos de aprendizagem, no quadro da aprendizagem ao longo da vida, devem variar consoante o nível educativo, o nível etário da população e o tipo e forma de aprendizagem. De qualquer modo, um recurso generalizado às tecnologias da informação e conhecimento irá provocar alterações necessárias nos processos de aprendizagem. De igual modo, a necessidade de gerar aprendizagens centradas nos indivíduos, ou o recrudescimento da diversidade dos grupos de aprendizagem, quer ao nível etário, quer ao nível das diversas competências, quer ainda pela inclusão de indivíduos com necessidades educativas especiais, vai conduzir a indispensáveis adaptações nos processos de aprendizagem.

Os promotores da aprendizagem ao longo da vida poderão ser os próprios destinatários num contexto informal, cabendo às instituições de educação e formação, públicas e privadas, importantes responsabilidades no que respeita à aprendizagem formal e não formal e ainda a algumas actividades de aprendizagem informal. As empresas, os sindicatos e as associações em geral têm ainda um papel importante a desempenhar no contexto da aprendizagem não formal e informal.

Sendo importante o papel a desempenhar por todas as unidades formativas no contexto da aprendizagem ao longo da vida às instituições de ensino superior cabem especiais responsabilidades devendo preparar-se para poder dar respostas adequadas com os vastos e diversificados recursos humanos e materiais que têm ao seu dispor.

O funcionamento do sistema de aprendizagem ao longo da vida implica um processo de estreita colaboração entre diversas entidades dado que muitos dos seus aspectos não são nem devem ser da responsabilidade do Ministério da Educação e há algumas áreas para as quais nenhum Ministério tem responsabilidades de acompanhamento, promoção ou participação. Este sistema implica uma vastíssima descentralização institucional para o concretizar e uma enorme interiorização de responsabilidades por parte de cada indivíduo. Deste modo, impõe-se uma grande cooperação aos níveis regional e local onde se devem desconcentrar e descentralizar as respectivas responsabilidades.

3 - Direito e dever à aprendizagem ao longo da vida

Centrar a problemática da aprendizagem ao longo da vida nos indivíduos, designadamente no que se refere ao acesso à aprendizagem ao longo da vida (ALV), conduz-nos a duas abordagens necessariamente interligadas: o direito de acesso e o dever de aceder. Direito de acesso: o que obriga à organização da oferta de forma a que todos os cidadãos a ela possam aceder; dever de aceder associado à interiorização da responsabilidade.

Direito de acesso à aprendizagem ao longo da vida

O "acordo sobre a política de emprego, mercado de trabalho, educação e formação", assinado pelo Governo e os parceiros sociais no início deste ano, parece representar um passo significativo de progressão na consagração deste direito. Algumas das cláusulas do acordo determinam formas concretas de operacionalização desse direito (v. ponto específico de análise da ALV no acordo). O direito de acesso não é, no entanto, ainda um direito consagrado e vivido na sociedade portuguesa;

O exercício do direito de acesso tem implicações ao nível da oferta e da procura de formação. Não basta falar no direito de acesso, é necessário criar as condições necessárias - a vários níveis para que os cidadãos possam beneficiar desse direito. É necessário que a formação seja mais pertinente, de maior qualidade, mais diversificada, mais próxima dos cidadãos, que responda melhor simultaneamente às necessidades dos indivíduos, da economia, da sociedade.

Do ponto de vista da oferta, tem implicações importantes designadamente no que diz respeito:

À organização e divulgação estruturada da oferta;

À organização de oferta específica de formação para públicos específicos (menos qualificados, desempregados ou em risco de desemprego, desempregados de longa duração, projectos de reestruturação, regiões com problemas específicos, entre outros);

À diversificação da paleta de actores e ao estabelecimento de parcerias na concepção, organização, gestão e avaliação da formação no respeito do princípio da co-responsabilização.

Do ponto de vista da procura. A formação de base dos indivíduos é um factor decisivo na procura da aprendizagem ao longo da vida: as estatísticas evidenciam que são as pessoas com níveis de qualificação mais elevados que mais acedem à aprendizagem ao longo da vida. Por outro lado, a discussão que se tem vindo a fazer, em vários países, sobre a redução do tempo de trabalho abre um campo potencial importante à formação. A valorização da formação no contexto profissional é igualmente um elemento mobilizador do interesse do indivíduo para "procurar" novas formações e a aquisição de novas competências.

Do ponto de vista da procura, tem, portanto, implicações importantes designadamente no que diz respeito:

À aquisição de competências mínimas de base que permitam o acesso à formação ao longo da vida;

Ao reconhecimento, certificação e creditação da formação realizada;

À inclusão da componente formação na gestão do tempo de trabalho.

Por outro lado, o exercício do direito de acesso à ALV deve acompanhar as estratégias de promoção da inclusão social e evitar novas formas de exclusão.

Dever de acesso à aprendizagem ao longo da vida

O desenvolvimento e generalização de estratégias e práticas de ALV colocam igualmente exigências aos indivíduos enquanto beneficiários da ALV, daí que não possamos apenas discutir esta questão do ponto de vista do "direito de acesso", mas também do ponto de vista do "dever de aceder".

A promoção da ALV "obriga" os indivíduos, enquanto cidadãos activos, a entenderem-na como um dever. O dever de acesso está associado à problemática da responsabilidade social e é um elemento constitutivo do princípio da co-responsabilização.

A consciencialização e motivação das pessoas para o dever de aceder faz parte de um processo de socialização complexo, que deve ter início na mais tenra idade e se deve prolongar ao longo de toda a vida, encontrando reforço positivo em todos os contextos (familiar, escolar, social, profissional, lúdico).

No entanto, não basta ter consciência de que se deve aprender quando não se dominam os processos e meios de aceder à aprendizagem ou quando se considera que não se consegue aceder à aprendizagem.

Assim, desde pequena a criança deve aprender a ter prazer em aprender, começar a dominar as técnicas de aprendizagem e desenvolver a auto-estima que lhe permita assumir a iniciativa de aprender e consolidar a atribuição causal interna pelo processo de aprendizagem.

Compreender a utilidade da aprendizagem e interiorizar a auto-responsabilidade pela mesma são também factores que contribuem para se ser capaz de ultrapassar o esforço inerente a muitos processos de aprendizagem.

Um percurso de aprendizagem abrangente, de banda larga, onde os valores da cidadania activa e consciente assumam um papel de relevo, será seguramente um percurso que reforçará a co-responsabilização dos indivíduos e os mobilizará para o dever de aceder à aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida.

4 - As competências básicas para a aprendizagem ao longo da vida

O contexto

O memorando divulgado pela Comissão Europeia no final do ano 2000 sobre a promoção da aprendizagem ao longo da vida na Europa inclui seis mensagens chave, a primeira das quais sobre a necessidade de definir novas competências básicas, de forma a viabilizar o acesso à criação, distribuição e utilização de conhecimento, que por sua vez se tem tornado a condição crítica para assegurar o desenvolvimento de indivíduos, famílias, comunidades, cidades, regiões e países.

Neste contexto, deve ficar claro que a capacidade de aprender é a forma de garantir uma flexibilidade sustentada capaz de dotar indivíduos e organizações dos instrumentos necessários para enfrentar a instabilidade de emprego ou, de forma mais geral, a inevitável mudança das tecnologias, dos gostos, dos mercados e das necessidades.

Embora a educação represente apenas uma das faces de um prisma complexo de políticas e iniciativas privadas necessárias para implementar um paradigma de flexibilidade sustentada, parece cada vez mais importante garantir a sua valorização, não só tendo em conta aspectos económicos mas também as vertentes cultural, de participação cívica e de envolvimento social. Neste contexto, o ensino deverá representar mais do que a entrega de uma qualificação formal específica, passando a transmitir a capacidade mais genérica de aprender.

É assim num contexto integrador de emergência da "sociedade da aprendizagem" que devem ser discutidas as novas competências básicas consagradas nas conclusões do Conselho de Lisboa, de uma forma que permita conciliar três aspectos estruturantes, nomeadamente: i) a relação entre educação, formação, trabalho e emprego; ii) a garantia de inclusão social, associada à necessidade de combater a exclusão escolar e a info-exclusão; e iii) a educação para a cidadania num contexto europeu e supra-nacional.

A análise ...

No âmbito definido anteriormente, o debate sobre as competências básicas necessárias a uma participação activa na sociedade e na economia da aprendizagem deve ser perspectivado quer em termos das necessidades individuais e colectivas quer em termos da resposta do sistema de ensino.

No que respeita às necessidades individuais, interessa reforçar a importância das competências "nucleares" tradicionais em literacia e numeracia, as quais não deixaram de ser centrais ao processo de aprendizagem, mas que exigem novas metodologias de forma a conciliar o seu desenvolvimento com a necessidade de desenvolver outras competências, nomeadamente de âmbito social, mas também em tecnologias de informação, de cultura tecnológica e de preparação para uma cidadania europeia.

Neste contexto, mais importante que listar um inventário de novas disciplinas, importa debater o processo de aprendizagem e o modo de adquirir as competências "nucleares" juntamente com a literacia digital, a autoconfiança e a capacidade de trabalhar em equipa, assim como a adaptação à mudança e a valorização dessa mudança, num contexto em que a assunção do risco assume progressiva importância.

Em suma, para além da necessidade estruturante de aprofundar a aprendizagem da língua materna e de alargar o ensino de línguas estrangeiras, a questão não passa por aumentar o número de disciplinas tradicionais mas sim por adquirir formação nessas disciplinas de uma forma que permita adquirir simultaneamente competências em tecnologias de informação, competências sociais e a capacidade de empreender. Por exemplo, o uso generalizado do computador no ensino das disciplinas "nucleares" tradicionais desde o ensino básico permitirá adquirir competências em tecnologias de informação.

De forma análoga, a introdução sistematizada do ensino experimental, incluindo formas de ensino apoiado por computador, permitirá estimular uma cultura tecnológica necessária aos novos desafios da sociedade da aprendizagem. Citando um provérbio chinês (ver nota 2):

I do and I understand.

I hear and I forget,

I see and I remember,

I do and I understand.

Ainda neste contexto deve ser referida a necessidade de promover competências de grupo que promovam a eficiência colectiva, o que passa mais uma vez pela sistematização de métodos de trabalho e aprendizagem. O estímulo ao trabalho em grupo, nomeadamente com o auxílio a tecnologias de informação e comunicação, incluindo naturalmente a Internet, deve assim ser acompanhado por processos de monitorização e avaliação contínua que possibilitem diagnosticar o processo de aprendizagem.

No que respeita à resposta do sistema de ensino à necessidade de desenvolver novas competências básicas, a análise anterior mostra claramente que para além de aspectos de conteúdo, a forma do processo de ensino é o factor determinante.

Neste contexto, o debate deverá incluir a necessidade de estimular dois aspectos distintos, mas relacionados, nomeadamente: i) o ensino experimental, no âmbito do qual a utilização do computador vem mais uma vez facilitar o desenvolvimento simultâneo de um conjunto de novas competências; e ii) o ensino orientado por objectivos, no âmbito do qual o ensino tradicional com base na aprendizagem sequencial de várias disciplinas, é substituído por metodologias baseadas em projecto, que implicam a identificação e descoberta pelo aprendiz dessas mesmas matérias, de uma forma que estimula a capacidade de empreender e de assumir riscos num contexto de estímulo a comportamentos mais autónomos.

Naturalmente que a discussão anterior não pode ser abordada independentemente da análise crítica do papel do professor no processo de aprendizagem, o que implica necessariamente a identificação das competências necessárias ao professor de forma a possibilitar o desenvolvimentos das novas competências no aprendiz.

De facto, no contexto da sociedade da aprendizagem defendido anteriormente, o professor é entendido como um agente de mudança, para o qual competências como a literacia digital ou as competências sociais têm de ser naturalmente horizontais a qualquer disciplina. Neste âmbito, a questão crítica coloca-se ao nível das políticas públicas necessárias para viabilizar a curto prazo a generalização dessa competências horizontais a todos os professores.

Alguns obstáculos identificados por associações de jovens

Do ponto de vista dos jovens que frequentam o sistema formal de ensino, o desenvolvimento das competências básicas para uma sociedade do conhecimento depara com várias dificuldades, muitas das quais não são de hoje, situando-se a um nível básico. As que em seguida se referem são as que estes consideram como mais problemáticas:

Concepção do espaço: o espaço escolar não está, em muitas escolas, concebido da melhor forma e as carências a nível das infra-estruturas condicionam totalmente a actividade dessas escolas;

Poucos espaços e pouco tempo passado na escola para além do da sala de aula: este é um obstáculo a que o aluno tenha uma ligação diferente e mais apetecível com o conhecimento. É também um entrave a que outras instituições possam desenvolver um trabalho com os alunos na escola. A própria orien tação das carteiras na sala de aula leva a que os alunos se sintam sujeitos passivos, "recebendo conhecimento do indivíduo mais velho que está na sua frente e que tem a função de lhes transmitir conhecimentos". Uma simples modificação na distribuição das mesas na sala de aula (formando um círculo, por exemplo), poderia levar a mudanças significativas no tipo de comunicação, favorecendo a interactividade;

Formação de professores para a mudança: se com um forte investimento financeiro poderia ser relativamente fácil formar professores no domínio das TIC, a dificuldade fundamental reside no facto de estes encararem a escola de forma disciplinarizada e segmentada, manifestando pouco interesse por acções que transcendam o seu campo de conhecimento, o trabalho individual ou os seus ritmos e horários de trabalho.

Os jovens consideram que estas e outras reflexões sobre a necessidade de mudança de paradigma educativo situam-se, na maior parte das vezes, fora do contexto escolar. Os principais visados, os professores e, principalmente, os alunos, estão quase sempre fora do planeamento dos processos de mudança. A informação fornecida aos alunos é muito escassa e são proporcionados poucos espaços para serem debatidas questões que a eles dizem principalmente respeito. Será difícil implementar qualquer transformação no sistema sem que os principais visados estejam informados e tenham tido oportunidade de discussão.

5 - Do conceito à (re)organizaçao do sistema de aprendizagem

Da segmentação dos sistemas de cooperação e coordenação efectiva das administrações de educação/formação:

O memorando estabelece um conceito operacional de aprendizagem ao longo da vida. Um conceito de aprendizagem ao longo da vida definido no âmbito da estratégia europeia para o emprego: entende-se por "aprendizagem ao longo da vida" como toda e qualquer actividade de aprendizagem, com um objectivo, empreendida numa base contínua e visando melhorar conhecimentos, aptidões e competências.

A aprendizagem ao longo da vida deixou de ser apenas uma componente da educação e da formação e deverá tornar-se "o princípio orientador da oferta e da participação num contínuo de aprendizagem, independentemente do contexto". Integram-na a aprendizagem formal, a não formal e a informal.

Destas três modalidades, a aprendizagem formal é aquela que está mais politicamente estruturada e regulada. Relativamente às outras componentes, há ainda um longo caminho a percorrer para que elas possam ser suficientemente valorizadas e reconhecidas.

A aprendizagem formal tem dominado o pensamento político e é dominante na modelação das formas de educação e formação. No entanto, as administrações da educação e da formação encontram-se ainda completamente segmentadas, dificultando enormemente a operacionalização de um conceito de aprendizagem ao longo da vida, assente na ideia de continuidade e de progressão. As estruturas de coordenação hoje existentes são ainda manifestamente insuficientes.

Por outro lado, começa a assistir-se a uma transição para políticas integradas que conjuguem objectivos sociais e culturais com as motivações económicas da aprendizagem ao longo da vida, que também elas questionam a segmentação das administrações.

Uma política de educação/formação ao longo da vida orientada para o indivíduo questiona necessariamente aquelas administrações. A implementação de uma política e de uma prática de aprendizagem ao longo da vida incita a uma maior colaboração e coordenação entre as administrações da educação e da formação profissional ao nível central, mas igualmente ao nível regional. Este trabalho de coordenação é também ele um factor de racionalização de recursos. Neste trabalho de coordenação devem ser incluídos igualmente os parceiros sociais.

A problemática da auto-aprendizagem: preparação para o reconhecimento

A auto-aprendizagem é uma componente a valorizar no contexto da promoção da aprendizagem ao longo da vida. Coloca, entre outras, duas questões importantes:

A da "preparação para a auto-aprendizagem", ou seja, a capacidade de transformar em competências/saber o acervos das experiências de vida;

O do reconhecimento dessas competências.

Percursos individuais de formação

A capacidade de construção de percursos individuais de formação é uma competência para cujo desenvolvimento os sistemas de educação/formação inicial devem contribuir decisivamente.

A capacidade de desenho e gestão do percurso individual de formação é uma competência necessária para que cada indivíduo seja capaz de construir a sua própria estratégia de aprendizagem ao longo da vida assente na educação/formação formal, não formal e informal.

Ensino superior

No âmbito da educação contínua de adultos as instituições de ensino superior têm de desempenhar um papel importante em função dos qualificados recursos de que dispõem, cabendo-lhes concentrar esforços que lhes permitam dar as respostas necessárias a esta importante componente da aprendizagem ao longo da vida. Neste contexto, elas podem captar novos públicos para a formação e podem contribuir para a aproximação da formação aos formandos.

Neste sentido, as instituições de ensino superior terão de se organizar de forma a desenvolverem actividades de educação contínua de adultos, de maior ou menor duração, que atinjam não só professores dos ensinos básico e secundário ou apenas antigos diplomados por essas instituições mas também o público em geral, sem a preocupação de que essas actividades confiram necessariamente graus académicos.

As áreas de educação contínua, que devem ser estimuladas sob a forma organizativa que cada instituição de ensino superior, no quadro da sua autonomia, entender conveniente, são tradicionalmente domínios importantes de captação de fundos por parte das universidades. Nesta conformidade, pode atingir-se um importante objectivo em termos de formação com alta relevância no quadro da aprendizagem ao longo da vida e promover o aumento de receitas próprias que autofinanciam estas actividades formativas em condições muito interessantes.

O desenvolvimento da vertente de ensino a distância através do recurso às novas tecnologias de informação e comunicação é um dos aspectos essenciais que as instituições de ensino superior terão de promover como resposta às necessidades da educação contínua de adultos. A tecnologia tem uma importante função catalítica nos processos de mudança na aprendizagem por poder conduzir a uma transformação da forma tradicional de aprender num conjunto mais eclético de actividades educativas que incluem situações de construção do próprio conhecimento pelos formandos. De qualquer modo, a introdução de novas tecnologias na aprendizagem não é uma panaceia para a reforma educativa. O enorme sucesso com que as novas tecnologias têm provocado transformações importantes nos domínios científico, industrial e da gestão não é tão óbvio no sector educativo, em parte porque o processo e o produto educativo mudam constantemente e as percepções sobre a aprendizagem variam largamente.

A aprendizagem a distância corresponde a um dos processos educativos que declaradamente mais beneficia com o desenvolvimento das novas tecnologias, quer como complemento poderoso do ensino presencial quer como modalidade educativa dirigida àqueles que não podem ou não querem segui-lo presencialmente. Através da utilização destes meios as instituições formativas deixaram, praticamente, de ter limites geográficos para o desenvolvimento das suas actividades formativas.

A aprendizagem a distância é talvez um dos domínios que conhece actualmente o desenvolvimento mais rápido a nível do ensino superior e oferece uma panóplia de oportunidades educativas que estão, no entanto, ainda longe de ser viabilizadas pela grande maioria das instituições educativas portuguesas.

Tradicionalmente, a definição de ensino a distância integra quatro elementos:

a) Separação entre o formador e o formando durante, pelo menos, a maior parte do processo de aprendizagem;

b) Utilização de técnicas de ensino que transmitam os conteúdos e ponham em contacto o formador e o formando;

c) Disponibilização de uma interacção bidireccional entre o formador e o formando; e

d) Envolvimento de uma instituição de ensino/formação no processo de aprendizagem.

As tecnologias de ensino a distância compreendem todo um espectro de técnicas que vão da impressão em papel à Internet, passando pelas cassettes áudio e vídeo e pelas teleconferências e podem ser classificadas por gerações em função do grau e da rapidez de interactividade que cada uma delas facilita.

No nosso país as instituições de ensino superior estão apenas a começar a organizar-se para dar resposta a este importante desafio de assegurar a educação contínua apetrechando-se com o equipamento necessário e promovendo a formação dos recursos humanos indispensáveis. Algumas (poucas) destas instituições estão já a realizar acções neste domínio, mas a maioria está ainda numa fase incipiente o que dificulta a operacionalização e generalização destas actividades por estas instituições. Há, por isso, um esforço importante a desenvolver no sentido de procurar fazer com que as instituições de ensino superior acompanhem o movimento que generalizadamente se vem sentindo de estabelecer modalidades de educação contínua e dentro delas formas de ensino a distância. Este esforço implica a elaboração de programas de formação, o recrutamento/formação de tecnólogos educativos, a formação de formadores, o apetrechamento com os equipamentos tecnológicos adequados aos objectivos definidos e a adopção de medidas organizativas compatíveis com o desenvolvimento de actividades de educação contínua.

É justo salientar a importância de que se revestiram nas universidades os cursos livres que tiveram alguma relevância sobretudo nas Faculdades de Letras e que apesar de abrangerem um reduzido número de estudantes se inscrevem na filosofia de promoção da aprendizagem não formal. Estas actividades têm vindo a ser seriamente prejudicadas pelas medidas restritivas estabelecidas no acesso aos cursos do ensino superior e pelas fórmulas de financiamento do ensino público que qualificam como não elegíveis os estudantes que as frequentam. Ao nível dos cursos de pós-graduação e de mestrado tem-se vindo, em alguns casos, a permitir e estimular o acesso de estudantes com formações científicas de base diferentes daquelas a que respeitam esses cursos proporcionando condições para uma maior abertura e transversalidade formativa.

6 - Parcerias para a aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida

Conceito de parceria

Constituindo a aprendizagem ao longo da vida um acto de enriquecimento e desenvolvimento pessoal, ela supõe a interactividade e relacionamento do indivíduo com o mundo que o rodeia.

O conceito de aprendizagem ao longo da vida apresentado no memorando vem realçar a riqueza e complexidade deste relacionamento, na medida em que a interacção que determina a aprendizagem trespassa todos os momentos da vida do indivíduo, saindo da exclusividade do contexto formal e assumindo relevância e complementaridade com os contextos não formais e informais de aprendizagem.

Assim, assumir que o paradigma de interacção com o mundo e, consequentemente, de desenvolvimento contínuo do indivíduo em todos os momentos e domínios da sua vida constitui a base do processo de aprendizagem, reforça a necessidade de reconhecimento explícito da existência e papel de uma grande diversidade de parcerias.

Se por um lado os actuais paradigmas pedagógicos da educação, que tem lugar no sistema formal de ensino, integram a noção de parceria e de diversidade de parceiros, a prática revela a grande dificuldade de assunção desta orientação pelos agentes educativos, não só porque ela não se tem constituído como pressuposto de base à formulação da generalidade dos projectos educativos mas, essencialmente, porque o sistema educativo, os planos de actividade das escolas e as metodologias de trabalho pedagógico continuam muito centrados no espaço restrito da escola, na divisão disciplinar e numa relação clássica de aluno-professor, sem utilização significativa de outras parcerias educativas.

Analisar os estabelecimentos de ensino, particularmente do ensino secundário e as instituições de formação profissional, bem como o comportamento dos diferentes protagonistas que neles se movimentam, a partir de uma lógica ou de um quadro local parece bastante positivo, uma vez que os diferentes contextos podem permitir e propiciar o aparecimento de novos espaços e práticas formativas, e também a existência de novas estruturas.

Como sabemos, no nosso actual sistema educativo o envolvimento e a participação das famílias, dos movimentos associativos, das empresas, das autarquias na escola é notoriamente marcado por um enorme défice. Esse facto não invalida boas experiências que têm sido levadas a cabo em certos contextos, cujo conhecimento nem sempre é divulgado face ao excessivo centralismo que ainda permanece em muitas áreas.

Por outro lado, o Decreto-Lei 172/91, de 10 de Maio, ao permitir a constituição nalgumas escolas em regime experimental de um novo modelo de gestão escolar criou algumas condições participativas da comunidade local que, pela primeira vez, sentiu que a escola também lhe pertencia ao ser chamada a decidir em múltiplas situações da sua organização e funcionamento.

Já o Decreto-Lei 43/89, de 3 de Fevereiro, falava da comunidade como um interlocutor privilegiado na consecução da autonomia das escolas. No preâmbulo lê-se "a autonomia da escola concretiza-se na elaboração de um projecto educativo próprio, constituído e executado de forma participada, dentro de princípios de responsabilização dos diferentes intervenientes na vida escolar e de adequação a características e recursos da escola e às solicitações e apoios da comunidade em que se insere".

Esta mesma intenção perpassa hoje o novo regime de autonomia, administração e gestão escolar das escolas portuguesas, consagrado no Decreto-Lei 115-A/98, de 4 de Maio, cuja virtude se centra quer na promoção de uma política de reforço da "autonomia escolar" quer no tornar extensivo a todas as escolas, incluindo as do 1.º ciclo, as quais sempre estiveram afastadas dos diferentes "modelos" de gestão escolar.

Faz-se pois aqui um apelo à territorialização das políticas educativas, já que é necessária uma nova relação da educação com o local. A importância do local surge devido às transformações que o próprio Estado sofre com a emergência de novas regulações. Do Estado educador passamos ao Estado providência e, nesta fase, fala-se mais em Estado regulador como sinónimo de Estado restrito.

O local está necessariamente associado à descentralização e ao reforço da autonomia.

A relação com o local pode ser encarada segundo duas lógicas. Uma gestionária, assumida como uma lógica de acção que privilegia a gestão dos meios, como se todos estivéssemos de acordo com os fins da educação e em que a preocupação se centra exclusivamente nos meios. Tal perspectiva enquadra-se no gigantismo e complexidade dos sistemas escolares que pela sua dimensão se tornaram ingovernáveis. A este sentimento de ingovernabilidade corresponde uma determinada estratégia de exportação de problemas do centro para a periferia, como forma de evitar uma certa crise de eficácia e desperdício de recursos. De uma forma geral, o controlo desloca-se de um controlo a priori para um controlo a posteriori - auto-avaliação e avaliação externa.

Uma segunda lógica pode ser descrita. Trata-se da lógica de pertinência que privilegia os fins e que se centra na escolha das políticas a serem implementadas. A crise de legitimidade social quer do Estado quer das políticas de educação remetem para uma lógica da pertinência, em que fazer escolhas se relaciona com o local.

De que forma:

1) Respondendo à diversidade - através do reconhecimento de que a realidade não é homogénea e de que os contextos são singulares e como tal não devem ser dadas respostas universais;

2) Especializando os problemas - o processo de urbanização conduziu a criar dentro do espaço urbano compartimentações que conduzem à existência de determinados problemas. Assim têm de ser dadas respostas diferenciadas de acordo com as necessidades;

3) Construindo experiências - a escola está partilhada por objectivos e interesses diferentes. Cada pessoa, cada actor, tem de dar um sentido à sua experiência educativa. As políticas e as práticas educativas têm de ser contextualizadas;

4) Dando um novo sentido - valorizar o uso dos saberes escolares em vez do valor de troca que passa por aprender pelo trabalho de acção educativa sobre si próprio e não para o trabalho. Aprender o direito à palavra intervindo no mundo de uma forma esclarecida e ao longo da vida.

No que diz respeito às práticas de aprendizagem não formal, que como o memorando refere "pode ocorrer no local de trabalho e através de actividades de organizações ou grupos da sociedade civil (organizações da juventude, sindicatos e partidos políticos) [...] organizações ou serviços criados em complemento aos sistemas convencionais" e de aprendizagem informal que surge no "acompanhamento natural da vida quotidiana", a questão essencial coloca-se ao nível da capacidade de se colocarem em funcionamento redes integradas de colaboração, conseguindo-se criar sinergias a partir dos recursos, conhecimento e dinâmicas existentes.

Por outro lado, o conceito de parceria pode ser entendido a diferentes níveis, nomeadamente como sociedade de indivíduos que tem por fim interesses comuns ou associação, cujos sócios só são responsáveis pela parte com que entraram e só lucram na proporção dessa mesma parte.

Enquanto motor de sustentação e desenvolvimento da sociedade e do indivíduo, a aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida constitui um objectivo e um interesse colectivo. Este efeito, devidamente reconhecido, traduzir-se-á em valor acrescentado para o indivíduo, para os parceiros e para a sociedade em geral, pelo que os benefícios que daí todos retirarão serão superiores ao valor da sua contribuição específica na parceria.

O desafio da parceria educativa, numa perspectiva de obtenção de resultados efectivos, no quadro do actual conceito de aprendizagem ao longo da vida subentende, assim, os desafios da identificação, conhecimento mútuo, mobilização, definição e interiorização dos respectivos objectivos, papéis, responsabilidades e contrapartidas no processo educativo.

O pressuposto da parceria educativa

Acreditar que a parceria deve constituir um dos pressupostos subjacentes a um projecto educativo, é acreditar antes do mais na impossibilidade de se atingirem os resultados esperados isolada e individualmente. É ainda acreditar na multidirecionalidade da comunicação, no valor da diferença, na mais-valia da diversidade de fontes de conhecimento e na interactividade enquanto suporte ao processo de aprendizagem.

Integrar o pressuposto da parceria na formulação de um projecto educativo deverá por isso significar orientação e disponibilidade dos seus actores para se descentrarem da exclusividade da sua acção e dos seus recursos e adoptarem uma perspectiva de actuação em rede na promoção do conhecimento, contrariando o que tem sido tradição do nosso sistema e estruturas educativas e formativas.

Situando-se esta problemática ao nível da necessidade de modificação de valores e de atitude de uma larga parte dos agentes educativos formais, bem como da interiorização e reconhecimento do potencial, papel e contributos da sociedade em geral neste processo, perspectiva-se maior dificuldade e demora na generalização deste paradigma.

A identificação dos parceiros

Se por um lado o conceito de aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida aponta para um leque infinito de possibilidades de parceria educativa, a identificação dos parceiros, tendo em vista o desenvolvimento de cada projecto educativo concreto, constitui um passo fundamental do processo.

Esta identificação pressupõe não só a existência de objectivos claros, sejam eles genéricos ou específicos, mas também a proactividade na procura e escolha das parcerias.

Ora o sistema educativo português tem-se debatido com grande indefinição de finalidades e objectivos dos vários níveis de ensino, especialmente no que diz respeito ao secundário, onde subsiste falta de identidade enquanto ciclo de estudos e grande ambivalência ao nível dos seus objectivos, entre a orientação para o prosseguimento de estudos e a preparação para o mercado de trabalho, não sendo também ainda claro para muitos dos seus actores como preparar para a aprendizagem ao longo da vida.

Para além da definição de objectivos claros, para a parceria em educação é fundamental adoptar uma atitude de permanente prospectiva da evolução da sociedade, da tecnologia, da cultura, da economia e dos sectores de actividade.

O discurso político tem feito a apologia da parceria educativa entre as instituições - ministérios e autoridades públicas, parceiros sociais e iniciativas público-privadas, órgãos locais e regionais, organizações da sociedade civil -, no entanto, no que respeita à estruturação e organização das diferentes participações no processo educativo, a generalidade das situações ou têm permanecido apenas no domínio das intenções institucionais ou têm-se verificado em contextos relativamente restritos no universo do sistema educativo português.

Podemos referir a iniciativa da administração educativa quando, em 1988, lançou o desafio à sociedade civil - empresas, associações, autarquias, particulares e outros - para, em conjunto com o Ministério da Educação, criarem as escolas profissionais. Tratou-se, efectivamente, de um processo em que a Administração reconheceu a necessidade de lançamento de um outro tipo de ensino - o ensino profissional, a impossibilidade de o concretizar sozinha no contexto do ensino público e as vantagens decorrentes da autonomia e flexibilidade pedagógica, financeira e administrativa que nessa altura conferiu às escolas profissionais. Pareceria e autonomias que com o Decreto-Lei 4/98, 10 anos após a criação desta via do ensino secundário, lhes viria a retirar significativamente.

Como é do conhecimento geral, os projectos educativos das escolas profissionais constituem ainda um dos exemplos mais significativos em termos de parceria educativa, e apresentam resultados muito positivos ao nível da formação de técnicos intermédios qualificados, respondendo não só às necessidades do tecido sócio-económico mas também às expectativas de desenvolvimento pessoal e profissional dos jovens que os escolheram e das suas famílias. Estes resultados decorrem em grande parte do facto destes projectos terem avançado com o envolvimento activo de órgãos locais e regionais e de organizações da sociedade civil, bem conhecedoras das necessidades específicas e das potencialidades de desenvolvimento.

A proactividade na promoção da parceria educativa tem essencialmente partido de indivíduos, grupos de docentes ou projectos educativos concretos e circunscritos a contextos particulares, uma vez que não tem existido um conjunto significativo de políticas coordenadas de cooperação entre ministérios -autoridades públicas- parceiros sociais - iniciativa privada e a generalidade do sistema educativo português vive ainda muito (con)centrado nos actores que o integram professores e alunos no contexto formal da escola.

Outras iniciativas formais, como por exemplo a criação de vários programas comunitários de apoio a projectos, onde as parcerias e intercâmbios transnacionais são condição de base, bem como a criação de diferentes vias no sistema educativo, têm constituído importantes estímulos ao estabelecimento de parcerias que se revelam bem sucedidas e que marcam de forma determinante a atitude e o estilo de actuação de todos quantos nelas se envolvem.

O sucesso destes projectos é normalmente maior quanto mais completos forem a definição dos seus objectivos e do papel dos parceiros no processo, sendo fundamental não subjugar a operacionalidade dos mesmos à obrigatoriedade de existência de um elevado, e por vezes excessivo, número de parceiros.

Importa aqui realçar a importância das parcerias transnacionais, nomeadamente âmbito da União Europeia (mas não só), tanto mais que está em causa uma política comum. Tal como o memorando preconiza: "todos os europeus deverão, sem excepção, beneficiar de oportunidades idênticas para se adaptarem às exigências das mutações sociais e económicas e participarem activamente na construção do futuro da Europa" ou seja, participarem activamente na construção de um futuro comum.

Constituindo a aprendizagem ao longo da vida um contínuo que extravasa a montante e a jusante o sistema formal de ensino, surge o reconhecimento de um leque alargado de categorias de parceiros em contextos não formais e informais de aprendizagem que urge saber aproveitar e articular.

Poderemos identificar desde logo vários parceiros na aprendizagem tais como: a família; os parceiros sociais; o poder local; as associações; o voluntariado; o serviço militar; as empresas; as chefias; as equipas de trabalho; instituições como a Igreja; organizações como a comunicação social.

Como é do conhecimento geral, muitos destes parceiros tiveram ao longo da história um papel determinante na dinamização da aprendizagem formal, não formal e informal, podendo-se desde logo destacar o papel da família, da Igreja, da Forças Armadas e dos contextos profissionais.

Nos nossos dias, a comunicação social tem vindo a assumir um importante papel enquanto veículo de socialização e de aprendizagem informal ao nível de todos os estratos sociais e etários.

Questões como:

Crescente número e diversidade dos meios de comunicação e informação, decorrentes da evolução tecnológica;

A facilidade e informalidade com que a eles se acede;

A componente lúdica ou informativa que normalmente lhes está associada;

A compreensão fácil, o apelo diversificado aos sentidos e emoções;

A interactividade crescente que tem vindo a ser desenvolvida;

permitiram aos media afirmarem-se como importantes centros de atenção e verdadeiros líderes de opinião, com base nos quais se promove ou omite, grande parte das questões sociais, económicas, políticas, culturais, ou outras.

No entanto, a componente comercial, muitas vezes estritamente comercial, que os suporta, a competição existente e a necessidade daí decorrente de atingir altos níveis de audiência, levam os media à utilização, exploração, manipulação, importação de formatos com sucesso no estrangeiro ou à produção de acontecimentos de carácter sensacionalista e primário, capazes de atrair e reter o maior número possível de pessoas e, consequentemente, o maior investimento publicitário.

Considerando a grande implantação dos media na sociedade actual, para além do controlo do cumprimento de legislação existente [nomeadamente da Lei da Televisão (Lei 31-A/98, de 14 de Julho), que prevê a proibição das emissões que atentem contra a dignidade da pessoa humana ou que possam influenciar de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes, ou afectar outros públicos mais vulneráveis], importa sermos capazes de os mobilizar para um debate conjunto acerca do seu papel, necessidades e perspectivas de evolução, abordando, nomeadamente, o previsível esgotamento do actual paradigma que contraria em grande parte os valores, atitudes e comportamentos subjacentes a uma sociedade aprendente, exigente, inclusiva e solidária.

A evolução cultural irá certamente ditar a alteração das expectativas da população relativamente ao actual modelo devido, nomeadamente, à necessidade que as pessoas vão ter de encontrar nos media formas menos básicas e repetitivas de entretenimento e de informação.

É por isso possível e urgente procurar, desde já, motivar os media para a possibilidade de rentabilização dos seus negócios através de investidores não tradicionais em publicidade (ex: cultura, ensino, saúde, lazer), permitindo-lhes a liderança de um reposicionamento estratégico assente nas necessidades reais de uma sociedade em evolução cultural permanente.

Este processo deverá ser acompanhado pelo desenvolvimento de uma indústria de conteúdos assente em estudos actuais, que traduzam de forma evidente os verdadeiros anseios e expectativas de desenvolvimento das várias camadas sociais, por forma a garantir interessantes audiências e consequente novas captações de investimentos publicitários por uma nova geração de investidores.

Conhecimento mútuo dos parceiros

O desconhecimento mútuo entre os potenciais parceiros constitui um dos principais obstáculos ao desbloqueamento da acção de partenariado educativo.

Linguagens diferentes, estereótipos mútuos, lugares distintos, tempos e expectativas desencontradas têm prevalecido no dia-a-dia de muitos actores.

Importa assim, em primeiro lugar, que o mundo académico esteja disponível e atento ao mundo que o rodeia, observe as diferentes actividades profissionais, sócio-culturais e lúdicas, querendo e sabendo detectar oportunidades de mais-valia para o seu projecto educativo.

Por seu lado, é igualmente importante que os restantes potenciais agentes educativos (empresários, pais, técnicos, etc.), cuja actividade não passa directamente pela educação formal na escola, se interessem e preocupem em conhecer a organização do sistema educativo, os projectos educativos dos seus sectores de actividade ou da sua região, reconhecendo a importância do seu papel na acção educativa.

No que diz respeito à parceria educativa no contexto do sistema formal de ensino, os profissionais da educação, primeiros responsáveis pela condução dos seus projectos educativos, deverão assim promover estratégias de conhecimento de potenciais parceiros, tendo em consideração a natureza e objectivos dos planos de estudo, bem como o desafio de preparação dos jovens para gerirem um percurso pessoal e profissional na sociedade actual e na sua região em particular.

No entanto, no mundo da educação e no mundo em geral, as pessoas estão mais treinadas a detectar os obstáculos causados à colaboração pelas diferenças dos outros, do que a procurar a forma de desenvolverem uma linguagem que lhes permita estabelecer o diálogo e trabalhar em conjunto.

Associada a estas diferenças, existe normalmente por parte do mundo académico uma atitude de desvalorização da acção prática que frequentemente ressalta do discurso de profissionais de um mundo e de uma vida empresarial que os docentes desconhecem. Por seu lado, os empresários podem demonstrar falta de disponibilidade para se envolverem com parceiros que consideram "pouco produtivos" e com os quais não conseguem dialogar, considerando que não têm tempo para investir na parceria.

Quando o conhecimento mútuo é desbloqueado e se descobrem níveis adequados de participação nos projectos, assiste-se a situações de colaboração educativa que normalmente superam as expectativas dos parceiros.

Mobilização dos parceiros

As situações parceria educativa com mais sucesso normalmente são suportadas por políticas coordenadas, objectivos claros, manifestações de entusiasmo e de mobilização dos parceiros, que acreditam nos resultados proporcionados pela sua colaboração.

A mobilização decorre, em grande parte, da percepção da coerência do projecto, da utilidade dos objectivos a atingir mas também da possibilidade das pessoas se encontrarem em espaços e tempos comuns. Esta é outra realidade que frequentemente separa o mundo académico do mundo profissional.

A grande previsibilidade e até rigidez dos horários lectivos e dos tempos de trabalho que os docentes estão habituados a exercer na escola (muitas vezes circunscrito à actividade lectiva e a reuniões de grupo disciplinar ou de avaliação), não é compatível com a flexibilidade exigida na procura e desenvolvimento de trabalho em parceria com as empresas, outras instituições e outros países.

A velocidade e imprevisibilidade a que hoje vive o mundo dos negócios leva também ao surgimento de súbitas inversões estratégicas, que se manifestam na fusão ou desaparecimento de empresas, muitas vezes acompanhada de mudança de titulares dos cargos, com possibilidade de consequências negativas para as parcerias em curso.

É por isso preciso existir disponibilidade para encontrar ritmos e estilos de trabalho compatíveis, bem como flexibilidade para enfrentar necessidades de alterações aos planos de actividades.

Uma atitude positiva da escola face a necessidades de alteração de planos de actividades e de projectos pode ser aproveitada de forma muito positiva no processo educativo, uma vez que os jovens envolvidos desenvolverão capacidade de flexibilidade e de procura de alternativas que lhes será extremamente útil na sua vida pessoal e na sua carreira profissional.

A escola, enquanto instituição fechada, tem os seus dias contados. parcerias com escolas de outros países, levando à troca de alunos, professores e de pessoal administrativo tornar-se-á um lugar comum, enriquecendo todos quanto nele participem. É natural que os contactos que hoje existem, fundamentalmente com instituições de outros países europeus, se venham a expandir e assim, as escolas do futuro, farão parte de uma rede global em permanente expansão.

Definição e interiorização de objectivos, papéis, responsabilidades e contrapartidas dos parceiros no processo educativo

Definir claramente os objectivos, papéis, recursos a afectar, responsabilidades e contrapartidas dos parceiros é um passo fundamental para a interiorização da parceria e, consequentemente, para o seu sucesso.

Esta definição ganhará em eficácia com alguma formalização, nomeadamente com a celebração de acordos ou protocolos de colaboração.

O papel dos parceiros pode ser muito diferente. Podemos considerar e distinguir pelo menos três formas de partenariado, que não são da mesma natureza nem mobilizam o mesmo tipo de parceiros:

O partenariado de concepção, que é raro;

O partenariado de realização ou de organização, mais frequente;

O partenariado de financiamento, unanimemente apreciado por todos.

A manutenção activa da parceria passa também pela adopção de processos de acompanhamento e avaliação mútua dos resultados, que deverão ser dados a conhecer passo e passo não só aos agentes envolvidos mas também à comunidade em geral, servindo de exemplo e estímulo a outras colaborações.

Para o efeito, as organizações promotoras deverão recorrer à utilização de estratégias de marketing e de comunicação, que muitas vezes não fazem ainda parte do seu dia a dia, como os press releases, os mailings, as conferências de imprensa ou a publicação regular de artigos em meios adequados.

A utilização da Lei do Mecenato à educação é também um processo a que o sistema formal de ensino deve e pode recorrer, com vantagens significativas para os parceiros patrocinadores e apoiantes da sua actividade.

Análise qualitativa das parcerias educativas

Para uma análise esquemática e simultaneamente globalizante dos vectores que caracterizam e intervêm nas parcerias educativas, nomeadamente no que se refere à parceria entre o sistema formal de ensino e o mundo empresarial/institucional, podemos utilizar um instrumento do marketing - a análise SWOT - que enuncia os pontos fortes, pontos fracos, oportunidades e ameaças da problemática em estudo.

Pontos fortes:

Disponibilização acrescida de recursos e de know-how;

Experiência de cooperação e de trabalho em rede;

Visão enriquecida e mais alargada da realidade;

Resultados mais ricos e completos;

Resultados validados a mais de um nível;

Progresso conjunto e desenvolvimento colectivo.

Pontos fracos:

Consumo de tempo com a negociação, condução e avaliação;

Percepção de aumento de trabalho.

Oportunidades:

Experiência de concertação social;

Desenvolvimento social e de mentalidades "mais equilibrado";

Maior coesão social;

Competitividade acrescida;

Criação de relacionamentos que permanecem para além da parceria.

Ameaças:

Linguagens distintas;

Ritmos de trabalho diferentes;

Estereótipos mútuos;

Imprevisibilidade acrescida;

Eventuais maus resultados podem reforçar expectativas negativas;

Excesso de personalização dos parceiros em detrimento da instituição;

Receio e medo de exposição de desconhecimento ou fraquezas perante terceiros;

"Mito da parceria", podendo levar à criação de grandes grupos de trabalhos pouco consistentes, em detrimento de pequenos grupos de trabalho mais consistentes e por isso mais operacionais.

7 - Reconhecimento, validação e certificação de aprendizagens formais, não formais e informais

"A sociedade contemporânea ocidental, na senda da experimentação e do positivismo, continua a sentir a necessidade de tudo certificar, tudo padronizar, tudo publicizar - só o que é publicamente reconhecido vale. Nesses termos, só o que é publicamente reconhecido adquire estatuto com direito a nome." (ver nota 3)

A problemática do reconhecimento e certificação das aprendizagens e das competências tem acompanhado a sociedade contemporânea ocidental, constituindo uma realidade complexa e em evolução contínua.

O paradigma da aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida vem contribuir para a actualidade e necessidade de generalização desta problemática, na medida em que assume a necessidade de reconhecer, validar e certificar não só as aprendizagens ocorridas em contextos formais de educação/formação mas também as aprendizagens e competências desenvolvidas em contextos não formais e informais, como por exemplo no contexto profissional ou no simples dia a dia das nossas vidas.

As reivindicações sociais tendo em vista a certificação das competências não formais e informais manifestaram-se de forma mais organizada a partir da 2.ª Guerra Mundial, nos EUA, onde os elementos das forças armadas pretenderam ver reconhecidas aprendizagens que haviam desenvolvido em contexto militar.

Mais tarde essa dinâmica foi assumida por movimentos de mulheres, interessadas em verem reconhecidos conhecimentos e competências adquiridos na gestão do seu dia a dia familiar e comunitário, que consideraram válidos e úteis a outros contextos, nomeadamente ao do trabalho.

Este movimento alargou-se posteriormente a outros públicos e a outros países como o Canadá, França, Inglaterra, Irlanda ou a Austrália, existindo neste momento um pouco por todo o mundo ocidental o debate político e o desenvolvimento de estratégias para o reconhecimento, validação e certificação de aprendizagens não formais e informais.

Num ponto todos estão de acordo: trata-se de uma problemática fortemente influenciada pelos contextos históricos, culturais, sociais, económicos e políticos, onde o percurso particular de cada país assume especial relevância.

A problemática do reconhecimento e validação de competências, apesar de assumir diferentes contornos decorrentes da especificidade de cada país, parte de pressupostos comuns:

A "centralidade do sujeito" (enquanto "actor", "autor" e não "objecto de aprendizagem");

A constatação de que as pessoas aprendem em diversos contextos e locais;

O entendimento de que todas as aprendizagens devem ser explicitadas e valorizadas, pelo que devem ser reconhecidas e validadas;

A necessidade de se promoverem respostas práticas e estratégias personalizadas, não impostas e motivadoras da consolidação de uma atitude de aprendizagem contínua ao longo e em todos os domínios da vida.

Três conceitos fundamentais (ver nota *). - Esta problemática assenta em três conceitos fundamentais - o reconhecimento, a validação e a certificação das aprendizagens e das competências.

O reconhecimento das aprendizagens diz respeito, essencialmente, à dimensão pessoal de auto-avaliação. Trata-se por isso de uma questão mais centrada na pessoa, no auto-conhecimento do seu percurso pessoal e profissional.

O processo de reconhecimento constitui um passo extremamente importante na criação da identidade pessoal e social, no desenvolvimento da auto-estima e da confiança do indivíduo para progredir em aprendizagem e no desenvolvimento de competências.

Para a concretização deste conceito existem diversas metodologias, nomeadamente o balanço de competências, competindo antes do mais ao próprio utilizá-lo da forma que considerar mais adequada.

O reconhecimento é promovido numa lógica formativa, de incremento da motivação para aprender e de base à elaboração de um projecto profissional ou de formação, não sendo no entanto suficiente para produzir resultado oficial em termos de certificação. Deve pois ser articulado com a validação, com vista ao reconhecimento social e institucional.

A validação, por seu lado, representa o conjunto de práticas conducentes à atribuição de estatuto oficial e institucional às competências do indivíduo. Para que exista validação é necessário existir um referencial à luz do qual se realiza a avaliação das aprendizagens e das competências do indivíduo, através da utilização de diversos instrumentos. A validação é conduzida por entidades oficiais, com autoridade para previamente "legitimarem" e "possuírem" esses referenciais de avaliação.

A validação constitui uma das fases mais complexas do processo, não só porque implica a existência ou criação de referenciais para a avaliação (muitas das vezes mais de acordo com o processo de aprendizagem formal, do que adequados às vias não formais e informais de aprendizagem) como exige a utilização de instrumentos de avaliação, eles próprios adequados e devidamente validados.

A certificação corresponde por fim à atestação formal dos saberes, competências e capacidades, previamente reconhecidos e validados, sendo normalmente proporcionada por via das instituições formais do sistema educativo e formativo.

A situação actual. - Apesar da necessidade e importância que em geral se atribui a esta problemática, presentemente existe a consciência generalizada sobre a:

Natureza contingencial desta questão;

Natureza experimental e evolutiva dos processos em curso;

Ausência de um modelo teórico "definitivo";

Necessidade de formação específica dos "agentes educativos" envolvidos;

Diversidade de modelos de referência para o reconhecimento e validação;

Existência de diversas questões ao nível técnico, financeiro e político-institucional.

Importa, assim, que politicamente se assuma a necessidade de percorrer o caminho de reconhecimento, validação e certificação das competências e aprendizagens, criando-se processos de investigação-acção, numa perspectiva de melhoria contínua do sistema e de mobilização do maior número possível de pessoas para a aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida.

Em Portugal a ANEFA está a desenvolver um trabalho em fase de experimentação, ao nível do reconhecimento, validação e certificação, sendo necessário estabilizar e disseminar este tipo de práticas com a preocupação de assegurar o crescente reconhecimento da validade social e política das mesmas e a sua viabilidade económica e financeira.

8 - Financiamento

As conclusões do Conselho Europeu de Lisboa apontam para o aumento do investimento anual per capita em recursos humanos; as orientações para o emprego, no âmbito da estratégia europeia para o emprego, convidam os Estados membros a definir os objectivos correspondentes.

Estão aqui subjacentes dois pressupostos:

O investimento em valorização de recursos humanos é baixo;

É necessário repensar a forma que este investimento deve assumir.

A celebração de acordos quadro, com os parceiros sociais, em matéria de aprendizagem ao longo da vida, definindo metas (particularmente em termos de formação contínua) e criando uma maior transparência no investimento em formação das pessoas é uma estratégia necessária.

Os parceiros sociais têm um papel significativo a desempenhar na negociação de acordos de co-financiamento da formação dos trabalhadores e de modalidades de trabalho mais flexíveis que tornem viável a participação dos trabalhadores da formação profissional.

O aumento do investimento em recursos humanos exige uma transição para uma cultura de responsabilidades partilhadas e de modalidades claras de co-financiamento de participação em acções de aprendizagem ao longo da vida.

A problemática do financiamento está intimamente ligada com as do direito/dever à aprendizagem ao longo da vida.

As fontes de financiamento da aprendizagem ao longo da vida são variadas e incluem o Estado, as famílias, as empresas e a sociedade civil.

No que respeita à educação inicial o Estado tem um peso importante que é mais intenso no que respeita à escolaridade obrigatória. As famílias são outra fonte de financiamento desta componente do sistema. Considerando que o Estado financia as escolas (e de forma desigual) e não as famílias, por motivos financeiros estas não têm igual possibilidade de escolher livremente a opção de educação que pretendem para os seus filhos.

Ainda ao nível do sistema educativo, nomeadamente ao nível do secundário, as diferentes modalidades de financiamento das diferentes vias (cursos gerais e tecnológicos, escolas profissionais e regime de aprendizagem), exigem e proporcionam aos jovens que os frequentam regimes muito diversificados, que não favorecem a livre escolha em função de uma séria orientação escolar e profissional.

A este facto acresce a grande fragilidade das vias de ensino financiadas quase na sua totalidade pelo Fundo Social Europeu, como é o caso das escolas profissionais, cujo funcionamento é grandemente condicionado por este motivo e cujo futuro estará fortemente comprometido, caso não seja encontrada uma solução no âmbito nacional.

Em relação à educação contínua de adultos a chave para um forte programa está no uso de múltiplas fontes de financiamento. Os programas de formação básica para adultos são frequentemente financiados pelo Estado com algum financiamento suplementar pelos interessados. A educação cívica e para o desenvolvimento é normalmente financiada pela sociedade civil e pelo Estado sendo as associações sem finalidades lucrativas muito activas neste âmbito. A formação profissional é frequentemente suportada pelo Estado e pelas empresas no que respeita à formação inicial, cabendo ao Estado pagar a maioria dos custos de reconversão profissional dos desempregados e às empresas a maior parte dos custos da formação em serviço.

Em termos de procedimentos que podem ser adoptados há que considerar a possibilidade de vouchers quer para a educação inicial quer para a educação contínua de adultos. A aplicação de taxas de formação sobre os salários pagos pelas empresas é outro procedimento susceptível de ser adoptado forçando a comparticipação das empresas e dos formandos. Esta situação pode encontrar resistências dos sindicatos e das associações empresariais.

Muitos adultos participam em actividades de formação durante o seu tempo disponível, mas existe um vasto número de situações em que é necessário substituir o salário dos trabalhadores que optem por ocupar o tempo de trabalho ou participar na formação enquanto estão desempregados. É frequente que muitos dos custos directos da educação de adultos sejam suportados pelo Estado cabendo às empresas e aos trabalhadores suportar apenas uma pequena parte.

O desenvolvimento de estratégias formativas flexíveis e em estreita interacção com o desenvolvimento da actividade profissional e com os objectivos estratégicos organizacionais facilitará grandemente a relativização dos custos associados à aprendizagem e a sua consideração como um investimento imprescindível à própria existência da empresa e do projecto profissional do indivíduo.

A divulgação da Lei do Mecenato à educação e à formação junto dos diversos parceiros constitui também um objectivo importante na prossecução da mobilização de um maior número de contribuições.

CAPÍTULO II

Recomendações

O CNE manifesta a sua concordância com a oportunidade da elaboração pela Comissão Europeia do memorando sobre "Aprendizagem ao longo da vida" e reconhece a importância do seu conteúdo com o qual, em traços gerais, está de acordo.

Este memorando é um documento de grande qualidade que procura dar resposta aos novos modelos de aprendizagem, vida e trabalho que se vão construindo na sociedade do conhecimento em que vivemos.

Embora a iniciativa da sua elaboração procure responder aos objectivos da estratégia europeia do emprego, o seu enfoque não se limita a abordar a relação entre a educação e a economia, definindo apenas orientações de natureza vocacional. Há uma clara preocupação, no documento em análise, de abordar os problemas relativos à qualidade de vida, estabelecendo as ligações entre a educação e o desenvolvimento pessoal e social e postulando mudanças importantes na estrutura e na relação entre sociedade, economia e educação/formação. O memorando coloca na agenda política o caminho para a construção de uma sociedade de aprendizagem que promova a cidadania activa e fomente a empregabilidade.

O memorando reconhece os indivíduos como os principais actores da sociedade do conhecimento e sublinha que "a aprendizagem abre as portas à construção de uma vida produtiva e satisfatória, muito para além das perspectivas e situação do emprego de um indivíduo". A vida produtiva não se esgota assim no tradicional período de emprego da vida de um indivíduo (ao contrário do padrão tradicional que vai sofrendo constantes excepções) e contempla ainda os períodos de ócio vividos nesse período.

De qualquer modo, o CNE alerta para o facto de apesar de o memorando incluir nos seus objectivos a construção de uma sociedade inclusiva que garanta iguais oportunidades de acesso a todos os cidadãos, aumentando a oferta e a procura de oportunidades de aprendizagem, não se encontram nele referências suficientemente explícitas ao facto de o aumento da oferta de oportunidades de aprendizagem trazer associado o aumento de exclusão formativa. A questão dos cidadãos com necessidades educativas especiais tem de ser alvo de tratamento próprio dada a especificidade da situação e a importância de que se reveste sobretudo quando se procura garantir a universalização das oportunidades de acesso à aprendizagem. Nesta conformidade, terão de ser previstas medidas especiais de enquadramento e acompanhamento não só para combater a exclusão social como, desde logo, para evitar que ela se alargue.

No desenvolvimento da análise que acaba de realizar e no sentido de contribuir para a criação de uma sociedade em que a aprendizagem ao longo da vida seja um direito e um dever de todos os cidadãos, com particular ênfase no espaço nacional, no âmbito das seguintes grandes categorias de questões, o CNE é de parecer que:

Princípios gerais da aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida:

1) Se deve alargar e intensificar o debate à escala europeia e à escala nacional sobre uma estratégia global de aprendizagem ao longo da vida aos níveis individual e institucional, em todas as esferas das vida pública e privada, de forma que para além das instituições se consiga chegar até aos indivíduos. Há que definir os meios e as formas que em Portugal se irão utilizar para que este objectivo seja efectivamente atingido, permitindo-se assim que a assunção do direito e do dever universal à aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida constitua um objectivo de todos e uma verdadeira prioridade nacional;

2) Se deve adoptar o paradigma da aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida, como veículo para assegurar a inserção social, a igualdade de oportunidades, a participação activa e consciente e a competitividade. Cabe assim ao Estado reconhecer a capacidade e co-responsabilidade da sociedade civil no processo de promoção da aprendizagem, devendo para isso criar regras claras e flexíveis de actuação, assegurando funções de execução, coordenação e avaliação;

3) A discussão dos direitos individuais de todos os cidadãos à aquisição e actualização de competências seja realizada num contexto alargado de um novo pacto social, compreendendo, naturalmente, esses direitos, mas também os deveres sociais e morais de aprender. A sociedade de aprendizagem tem de ser encarada como uma nova cidadania para a qual a educação é um direito e aprender um dever moral;

4) Se proceda à aprovação de políticas e de medidas positivas de índole legislativa para promover o desenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida;

5) As políticas educativas sigam uma lógica crescente de territorialização, de pertinência da acção em função dos fins e do local, respondendo à diversidade, especializando os problemas, construindo experiências e dando novo sentido ao valor de uso, em vez do valor de troca dos saberes;

6) Se promova o reconhecimento de que a parceria deve constituir um pressuposto subjacente aos projectos educativos e aos processos de aprendizagem ao longo da vida, fomentando-se a identificação, conhecimento mútuo, mobilização, definição e interiorização dos respectivos objectivos, papéis, responsabilidades e contrapartidas das várias categorias de parceiros no processo educativo;

7) Se promova a vivência internacional para todos os níveis etários, especialmente ao nível da União Europeia, fomentando-se as parcerias transnacionais, os intercâmbios lúdicos, sociais, culturais e técnicos ou os estágios curriculares e profissionais;

8) Se promova a integração, na orgânica do Governo, das áreas de educação, formação profissional e emprego de forma a, efectivamente, concretizar as necessárias medidas de compatibilização e articulação de políticas e de execução de programas e projectos nestes domínios estreitamente relacionados. Apesar das inúmeras tentativas de colaboração interministerial realizadas no passado e no presente entre as estruturas dos Ministérios da Educação e do Trabalho continua a verificar-se um enorme défice de coordenação nas medidas de política nos domínios da educação, formação e emprego, o que não é compatível com as necessidades e exigências formativas de uma sociedade do conhecimento baseada em processos de aprendizagem ao longo da vida;

9) Se considere a diversidade da situação dos cidadãos com necessidades formativas especiais e específicas e que se criem condições para que não sejam excluídos do processo de aprendizagem ao longo da vida;

10) Se preste especial atenção a todos aqueles cidadãos que mostram maiores dificuldades em acompanhar o processo de aprendizagem ao longo da vida (neles se incluindo os info-excluídos) e se criem medidas compensatórias adequadas;

11) Se preste especial atenção ao valor social, à riqueza de experiências e de competências, bem como ao contínuo desenvolvimento daqueles que já não se encontram formalmente no mercado de trabalho;

Reorganização do sistema e dos processos de aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida:

12) A assunção de um paradigma de aprendizagem significa ser capaz de operacionalizar a transição de um sistema educativo e formativo centrado na oferta para um sistema centrado nas aprendizagens em todos os contextos. Assim, o tipo de respostas precisa de se adequar aos vários públicos, às suas necessidades, motivações e disponibilidades. Esta questão assume particular pertinência no que diz respeito à necessidade de se promoverem oportunidades de aprendizagens, num regime de aprendizagem aberta e flexível para o público adulto, que não reproduza o sistema clássico da formação em sala e seja capaz de ir ao encontro das suas experiências de vida, ritmos, horários, realidade sócio-cultural, projectos pessoais e profissionais;

13) O querer aprender constitui um grande pilar de uma sociedade assente na aprendizagem ao longo da vida. Assim, a promoção do valor social da aprendizagem em todos os contextos representa um passo indispensável para a mobilização dos indivíduos, pelo que o reconhecimento, validação e certificação devem conseguir chegar além dos objectivos políticos e institucionais encontrando sentido ao nível pessoal, social e profissional. Importa por isso assegurar um conjunto significativo de recursos técnicos (humanos e materiais) e financeiros para o desenvolvimento de estratégias e dispositivos conducentes à valorização pessoal, à valorização social e à valorização profissional das aprendizagens;

14) O sistema formal de ensino tem de evoluir para um sistema mais aberto de diálogo, inserido na comunidade e integrador da multiculturalidade, facilitador do auto-conhecimento, da empregabilidade, da adaptabilidade das formações, da flexibilidade e polivalência;

15) Se devem desenvolver novas competências básicas para viabilizar o acesso à criação, disponibilização e utilização de conhecimento, o que implica utilizar práticas pedagógicas centradas na motivação do indivíduo e na sua aprendizagem;

16) Se deve desenvolver um sistema de ensino que seja, ele mesmo, diversificado, incluindo instituições variadas com diferentes vocações, de forma a permitir a obtenção de uma estratificação funcional do sistema. A conclusão da escolaridade obrigatória e o acesso dos adultos à aprendizagem passa necessariamente por soluções que permitam o acesso ao ensino de pessoas com necessidades e capacidades diversas. Não se pode, por isso, esperar que um tipo único de instituições antecipe e responda, em prazo adequado, às solicitações do mercado e à diversidade das escolhas individuais;

17) A articulação das estruturas de educação e formação existentes parta da análise do universo no terreno, salvaguardando-se a flexibilidade necessária para contemplar a especificidade dos projectos educativos adequados a realidades particulares e por vezes minoritárias. Acções, como por exemplo o reordenamento da rede educativa, devem ser capazes de contemplar os recursos afectados aos vários tipos de aprendizagem, tendo em vista a sua interacção e rentabilização;

18) A formação e auto-formação de professores e demais formadores deve proporcionar o desenvolvimento de competências e capacidades condizentes com um perfil de facilitador da aprendizagem e de agente de mudança na sociedade do conhecimento. Urge tornar a progressão na carreira docente fortemente marcada e influenciada pela qualificação profissional e pelo desempenho do docente na escola e ser menos influenciada pela obtenção de créditos a partir da frequência de cursos avulsos;

19) Sejam criadas condições de trabalho nas instituições de educação e formação, para que os docentes aí possam desempenhar a sua função a tempo inteiro e não apenas durante o horário lectivo. Esta situação constitui uma condição de base à possibilidade de concretização/reforço de novas práticas pedagógicas, designadamente trabalho interdisciplinar, trabalho de projecto, investigação-acção, interacção com a comunidade/parceiros ou empresas de treino, com vantagens acrescidas para a consolidação de uma nova cultura organizacional, para a promoção dos valores da cidadania e da solidariedade. As práticas pedagógicas para o desenvolvimento das novas competências (investigação, gestão de informação, trabalho em equipa, adaptação à mudança, iniciativa, literacia tecnológica) devem perpassar a operacionalização de todo o plano de estudos e não constituir projectos avulsos, normalmente concretizados através de clubes ou de projectos liderados por uma minoria de docentes e situados à parte das finalidades e dos objectivos do currículo;

20) Se reforcem as capacidades das organizações e das redes que actualmente desenvolvem as suas actividades nos domínios da educação, da formação e da aprendizagem ao longo da vida aos níveis local, regional, nacional e internacional e que se intensifiquem as trocas de informação e a cooperação entre estas organizações e redes;

21) As instituições de ensino superior se organizem adequadamente para dar a resposta que delas se espera no domínio da educação contínua de adultos e organizando programas formativos multidireccionados em termos de públicos, através do desenvolvimento de valências de aprendizagem a distância e com recurso a uma diversidade de tecnologias e meios educativos;

22) Se prossiga na via de um sistema de ensino superior diversificado, de forma a contribuir para alcançar o objectivo de generalizar a educação ao longo da vida, respondendo adequadamente à diversidade das procuras;

23) Se proceda a um investimento sério na expansão, desenvolvimento e qualificação do sistema de creches, promovendo a formação de educadores e de outros técnicos qualificados para a especificidade deste nível etário, estimulando, em colaboração com os parceiros tradicionais e outros que para tal estejam vocacionados, o alargamento da rede de estabelecimentos, de forma a, gradualmente, garantir a universalização do seu acesso e a avaliação continuada da qualidade das condições de funcionamento das instituições existentes. A aprendizagem desde o nascimento até ao fim da vida impõe que, para além da importância social de que se reveste o desenvolvimento de uma rede qualificada de creches, generalizadamente acessível, se cuide, em colaboração com as famílias, de alargar o processo de desenvolvimento harmonioso e saudável aos níveis emocional, cognitivo, moral e da personalidade na primeira infância;

24) Se promova efectivamente o acesso generalizado à educação e à formação contribuindo-se para a consolidação do sistema democrático, para a estabilidade económica, o bem-estar social e a liberdade e autonomia dos cidadãos;

As tecnologias de informação e comunicação na sociedade do conhecimento:

25) Sejam tomadas as medidas políticas operacionais necessárias para que as potencialidades das TIC permitam adaptar e colocar cada vez mais a estratégias de aprendizagem ao serviço das necessidades e expectativas dos indivíduos de todas as faixas etárias;

26) Se deve generalizar o desenvolvimento de competências e estimular a actualização permanente na utilização das TIC por alunos e formadores, o que representa um passo fundamental para conseguirmos chegar a um patamar onde estas deixem de ser um objectivo em si mesmas para constituírem, acima de tudo, uma importante ferramenta de trabalho da sociedade do conhecimento;

Estratégias de marketing e de disseminação da aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida:

27) Se promova o conhecimento continuado e sistemático dos níveis, necessidades e expectativas de aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida de todos os cidadãos, tendo em vista a concepção e implementação das políticas e estratégias mais adequadas;

28) A promoção da interiorização por parte de todos os cidadãos da importância, prazer e imprescindibilidade da aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida seja considerada um objectivo nacional estratégico. A operacionalização desta promoção deverá ter carácter continuado, sistemático e profissional, recorrendo às modernas técnicas de marketing e de comunicação, permitindo assim atingir o grande objectivo de: massificar, personalizando (a ideia e objectivo);

29) Se promova o desenvolvimento equilibrado das tecnologias de informação e comunicação e que se tome em consideração o crescente papel dos meios de comunicação social no processo de aprendizagem ao longo da vida;

30) Se dinamize um processo de ocupação de espaço nos media e de debate conjunto e continuado com os media, sobre o seu papel, necessidades e perspectivas de evolução, tendo em vista, nomeadamente, o esgotamento do actual paradigma que contraria em grande parte os valores, atitudes e comportamentos subjacentes e necessários a uma sociedade aprendente, exigente, inclusiva e solidária;

31) Se mobilizem investidores não tradicionais em publicidade (exemplo: cultura, ensino, saúde, lazer, Administração Pública) para os meios de comunicação de grande difusão, contribuindo-se para um efectivo reposicionamento estratégico dos media e dando resposta às necessidades reais de uma sociedade em evolução cultural permanente;

32) Se invista na indústria de conteúdos multimedia, interactivos e de utilização a distância, adaptados aos objectivos de aprendizagem ao longo da vida de todas as faixas etárias;

33) Se divulguem em grande escala as boas práticas de aprendizagem formal, não formal e informal, com recurso aos meios de comunicação de grande difusão, favorecendo a motivação dos seus promotores e propiciando o surgimento de novas iniciativas, espaços e parcerias;

Financiamento da aprendizagem ao longo da vida:

34) Se promova um ambiente de estabilidade funcional, de conhecimento, de confiança mútua e de valorização da intervenção de diferentes parceiros educativos, tendo em vista a criação de um clima favorável ao investimento nos projectos educativos/formativos;

35) Se adoptem as medidas necessárias para tornar o investimento em aprendizagem inovadora, interessante e estimulante para o indivíduo e para o empregador ou empresa, designadamente através da introdução/reforço de incentivos financeiros ou da Lei do Mecenato;

36) Se acautele a nível nacional a sustentação económica e financeira das vias de ensino com futuro fragilizado por dependerem quase exclusivamente de financiamento comunitário, como é o caso das escolas profissionais, que têm provado dar resposta aos anseios da sociedade, às necessidades da economia e aos projectos de vida dos jovens;

37) Se adoptem medidas que promovam o acesso generalizado quer das organizações de educação/formação quer dos particulares a equipamento informático (hardware e software) e à Internet;

38) Se usem os programas comunitários para a promoção de projectos de investigação no campo da aprendizagem ao longo da vida nas várias problemáticas a ela associadas;

39) Se recorra aos fundos comunitários para a formação profissional e para o desenvolvimento de programas de aprendizagem ao longo da vida, assegurando o seu acompanhamento e avaliação para que eles possam funcionar como espaços de inovação, de experimentação de práticas e de produção de TIC;

Avaliação e controlo das estratégias e processos de aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida:

40) Se estabeleça um efectivo processo de monitorização e acompanhamento do direito à aprendizagem ao longo da vida e a reorganização do sistema, dos processos, dos enquadramentos legais e administrativos, em função da avaliação continuada e sistemática;

41) Seja aplicado o método aberto de coordenação, estabelecido pelas conclusões do Conselho Europeu de Lisboa, com o objectivo de facilitar e definir estratégias coerentes e uma mobilização de recursos aos níveis europeu e nacional em favor da aprendizagem ao longo da vida.

(nota 1) Larry Diamond no seu livro Developing Democracy, 1999, identifica 117 países que no início de 1998 tinham democracias eleitorais em que os poderes legislativos e executivos são escolhidos através de eleições regulares, competitivas, multipartidárias e com recurso a sufrágio universal.

(nota 2) Provérbio citado por Kate Torkington, "The Rationale for experiential/participatory learning", publicado em Early Childhood Development, Bernard van Leer Foundation, 1996.

(nota 3) In, Introdução ao Livro, editado pelo CNE, com publicação dos textos do seminário "Educação e Associativismo - Para além da escola ..."

(nota *) A terminologia utilizada varia consoante os países. No entanto, os conceitos podem ser apresentados de acordo com a forma que aqui utilizamos.

ANEXO I

Situação da aprendizagem ao longo da vida em Portugal

Considerando o forte apelo à urgência da acção apresentado pelo memorando, "devido ao facto de a Europa estar em transição para uma sociedade e uma economia assentes no conhecimento [...] e de actualmente os europeus viverem num mundo político e social complexo [...] em que a educação no seu sentido mais lato é fundamental para aprender e compreender como dar resposta a estes desafios", considerou-se pertinente e útil analisar, a título exemplificativo e ainda que de forma genérica, algumas medidas concretas da agenda política do nosso país, tanto ao nível da formação escolar (revisão curricular do básico e do secundário) como ao nível da formação profissional (acordo sobre política de emprego, mercado de trabalho, educação e formação) ou da articulação da rede educativa (reordenamento da rede educativa). Pretendeu-se assim confrontar as acções nestes domínios, com o paradigma de aprendizagem ao longo da vida proposto pelo memorando.

1 - Análise do acordo sobre política de emprego, mercado de trabalho, educação e formação

O recente acordo sobre política de emprego, mercado de trabalho, educação e formação subscrito pelo Governo e os parceiros sociais aponta para objectivos, metas e medidas a concretizar desde já, outras no médio prazo e ainda algumas para futuras regulamentações, enquanto o memorando sobre "Aprendizagem ao longo da vida" que nos é proposto, para discussão pública, é por enquanto um documento de trabalho dos serviços da Comissão Europeia.

Aprendizagem ao longo da vida - chegou o momento de agir(ver nota 4), atribui aos Estados membros, como não podia deixar de ser, em primeiro lugar, o dever de promover a mudança para uma efectiva aprendizagem ao longo da vida, pelo que não será de estranhar uma certa identificação do Acordo com o Memorando já que ambos têm como referência deliberações de conselhos europeus(ver nota 5).

Das medidas contidas no acordo não nos debruçaremos sobre a bondade ou não das mesmas, já que a sua avaliação pertenceu aos signatários e por eles foram aprovadas, salientado apenas aquelas, salvo melhor opinião, mais directamente poderão responder ao desafio proposto pelo memorando.

Assim, em primeiro lugar faremos a apresentação da mensagem e respectivo objectivo tal como apresentado no memorando, e em itálico o que consideramos ser a possível "resposta" contida no acordo.

Mensagem 1. - Novas competências básicas para todos.

Objectivo. - Garantir acesso universal e contínuo à aprendizagem, com vista à aquisição e renovação das competências necessárias à participação sustentada do conhecimento.

Garantir a generalização do acesso à educação pré-escolar e à escolaridade obrigatória, prevenindo o insucesso e o abandono escolar, e promover de forma sustentada o ingresso na vida activa ou o prosseguimento de estudos, numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida e de uma maior empregabilidade e mobilidade profissional;

Elevar os níveis de habilitação escolar e de qualificação de estudos e ou a uma inserção qualificada no mercado de trabalho, promovendo a expansão do ensino secundário, nas modalidades de ensino regular e tecnológico e de ensino profissional, e o desenvolvimento de projectos curriculares diversificados e deformações pós-secundárias, de natureza qualificante;

Promover o desenvolvimento de um ano de formação pós-básico de natureza qualificante, dirigida aos jovens com idade igual ou superior a 15 anos que não pretendam, de imediato, prosseguir estudos ao nível do ensino secundário.

Mensagem 2. - Mais investimento em recursos humanos.

Objectivo. - Aumentar visivelmente os níveis de investimento em recursos humanos, de modo a dar prioridade ao mais importante trunfo da Europa - os seus cidadãos.

Majorar, no âmbito das políticas activas de emprego, os apoios às empresas que evidenciem boas práticas no domínio da formação e do emprego, nomeadamente quando ultrapassem os objectivos nacionais em termos de formação contínua e satisfaçam as metas fixadas neste domínio no presente acordo, condicionada ao respeito pela legislação laboral e das obrigações de informação e consulta aos trabalhadores e seus representantes sobre planos de formação;

Instituir um objectivo de frequência de formação profissional de todos os trabalhadores, nomeadamente pela definição do acesso, em cada ano, a um número mínimo de horas de formação certificada;

Instituir o acesso a crédito de tempo e ou licença para formação, prevenindo a sua utilização simultânea por um número excessivo de trabalhadores com impacte excessivo no ciclo produtivo e permitindo aos trabalhadores o acesso a incentivos à formação por sua iniciativa;

Lançar o diploma de competências básicas em TI acessível a qualquer cidadão e associado também à conclusão da escolaridade obrigatória de nove anos;

Implantar um sistema de certificação de competências em TI para fins profissionais;

Estimular a criação de páginas pessoais com CV para efeitos de emprego devendo para tal o IEFP disponibilizar no seu site, a partir de Junho de 2001, as funcionalidades que permitam aos utentes carregar os seus CV em campos facilmente pesquisáveis;

Estender a Internet a todas as escolas do 1.º ciclo do ensino básico e a todos os centros de formação de professores, ligando-os até final de 2001 através da RCTS.

Mensagem 3. - Inovação no ensino e na aprendizagem.

Objectivo. - Desenvolver métodos de ensino e aprendizagem eficazes para uma oferta contínua de aprendizagem ao longo da e em todos os domínios da vida.

Promover o desenvolvimento de sistemas de educação/formação abertos e flexíveis adaptados às exigências das populações alvo e aos contextos locais em que inserem, privilegiando o recurso às novas tecnologias da informação desde os primeiros níveis de ensino e formação;

Ser assegurado o desenvolvimento e a diversificação e diferenciação de modalidades de educação/formação alternativas ao ensino regular, facilitadoras do acesso a níveis crescentes de escolaridade e de qualificação profissional;

Ser privilegiada a aquisição de competências básicas nos domínios da literacia tecnológica, nomeadamente no campo das tecnologias de informação, da língua materna, da matemática e da língua estrangeira, competências fundamentais para o aumento da produtividade e da qualidade;

Analisar, no prazo de um ano, as actuais condições de aplicação do Estatuto do Trabalhador Estudante, com vista a avaliar a necessidade da sua revisão, reforçando a sua adequação às actuais situações de vida quotidiana, de conciliação da vida profissional com a de estudante e de competitividade das empresas;

Promover a concretização de medidas que permitam ultrapassar o desajustamento que se verifica actualmente entre a idade terminal da escolaridade obrigatória e a idade mínima de ingresso no mercado de trabalho, sustentando em simultâneo e de forma gradual a obtenção de níveis crescentes de educação e formação, na perspectiva do alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos.

Mensagem 4. - Valorizar a aprendizagem.

Objectivo. - Melhorar significativamente a forma como são entendidos e avaliados a participação e os resultados da aprendizagem, em especial da aprendizagem não formal e informal.

No que se refere ao Conselho Consultivo Nacional para a Formação Profissional, acordam defini-lo do seguinte modo:

É um órgão político consultivo na avaliação de estratégias e de propostas políticas no âmbito da formação profissional inserida no sistemas educativo e inserida no mercado de emprego, desde o inventário de necessidades de competências à estratégia de desenvolvimento da formação, a certificação de competências (adquiridas formal ou informalmente), passando pelo acompanhamento, com impactes na regulação, das medidas políticas de formação e certificação, designadamente da acessibilidade, da qualidade e da eficácia do sistemas;

É constituído por seis representantes do Governo - um dos quais o membro do Governo responsável pela política de formação profissional, o qual presidirá -, seis representantes das confederações sindicais, seis representantes das confederações patronais, e podem ainda participar nas suas reuniões, sempre que o desejarem, os presidentes do Conselho Económico e Social e do Conselho Nacional de Educação;

Avaliar, no quadro do Conselho Consultivo para a Formação Profissional, a eficácia dos órgãos consultivos existentes e das várias estruturas de participação dos parceiros sociais, a nível consultivo ou executivo, ponderando a necessidade de uma revisão das suas competências no sentido de melhorar a sua articulação, funcionamento e eficácia, quer no que respeita a estruturas de âmbito nacional [IEFP, CPC, INOFOR, ANEFA(ver nota 6)], quer ainda dos existentes a nível regional e dos centros de formação profissional, por forma a evitar quer a sobreposição de funções, quer a actuação de diferentes organismos em áreas idênticas, desenvolvendo actividades idênticas;

Desenvolver e consolidar o Sistema Nacional de Certificação, nas suas diferentes vertentes e instâncias, estimulando a validação de competências adquiridas, quer através da formação profissional quer em contextos de vida e de trabalho, de molde a que o mercado reconheça a respectiva qualidade e se criem novas oportunidades de continuação de estudos e deformação, e de melhorar as condições de emprego;

Ensaiar e implementar metodologias de reconhecimento e validação das aprendizagens realizadas ao longo da vida e de trabalho, com base na análise das trajectórias pessoais, sociais e profissionais, e de acordo com os quadros referenciais dos perfis profissionais, e ao nível da formação básica, de competências chave, já produzidos;

Promover, no seio do sistema de formação/certificação a implementação de metodologias que potenciem a transferibilidade de competências, como condição indispensável à liberdade de circulação dos trabalhadores no espaço europeu e por forma a promover a mobilidade profissional e geográfica, quer no território nacional quer no espaço da União Europeia;

Tornar operativos e intercomunicantes os sistemas de certificação de competências adquiridas em contexto formal e informal;

Desenvolver, com cobertura territorial equilibrada, uma rede nacional de centros de reconhecimento, validação e certificação de competências (CRVCC), a criar;

Até 2006, por forma a dar resposta à validação e certificação de competências escolares e profissionais adquiridas pelos adultos em contextos diversificados de aprendizagem, promovendo a participação dos parceiros sociais e tendo em conta as articulações no âmbito da certificação, previstas neste acordo.

Mensagem 5. - Repensar as acções de orientação e consultoria.

Objectivo. - Assegurar o acesso facilitado de todos a informações e consultoria de qualidade sobre oportunidades de aprendizagem em toda a Europa e durante toda a vida.

Na necessidade urgente de instituir um sistema de informação e orientação escolar e profissional, articulado com a orientação escolar, nomeadamente ao nível regional e local;

Na implementação de acções concretas de coordenação entre a rede de serviços de orientação e formação profissional do serviço público de emprego e outras entidades responsáveis pela orientação e informação profissionais, destacando-se os serviços de ensino;

Desenvolvimento e consolidação do sistema de educação de adultos, nas suas vertentes de educação extra-escolar e ensino recorrente, por forma a permitir a superação de deficiências da educação e formação de base de grupos significativos da população portuguesa;

Articulação profunda e sistemática das medidas de promoção da frequência da formação profissional com as medidas relativas ao desenvolvimento e consolidação do sistema de certificação;

Reforçar a articulação entre organismos públicos no domínio das metodologias de análise e da realização de estudos sobre a evolução provisional do mercado de trabalho;

Promover o acesso à informação e orientação profissional, analisando oportunidades de emprego, evolução das profissões e do mercado de emprego, nomeadamente informação sobre a estrutura das qualificações escolares e profissionais dos empregados e dos desempregados;

Privilegiar na divulgação da informação relativa à evolução provisional do mercado de trabalho, as escolas secundárias e profissionais, os centros de emprego e de formação profissional, e disponibilizar através de Internet uma informação actualizada, acessível a todos.

Mensagem 6. - Aproximar a aprendizagem dos indivíduos.

Objectivo. - Providenciar oportunidades de aprendizagem ao longo da vida tão próximas quanto possível dos aprendentes, nas suas próprias comunidades e apoiadas se necessário em estruturas TIC.

Serem privilegiadas as ofertas formativas de curta duração, flexíveis e capitalizáveis e que permitam percursos muitos diversificados, combinando formação escolar com formação qualificante de nível I, II e III;

Promover o desenvolvimento de sistemas de educação/formação abertos e flexíveis adaptados às exigências das populações alvo e aos contextos locais em que se inserem, privilegiando o recurso às novas tecnologias da informação desde os primeiros níveis de ensino e formação.

Conclusão

1 - "Acordo" subscrito pelo Governo e parceiros sociais, em particular os objectivos, metas e medidas atrás referenciadas respondem em parte e desde já a questões levantadas pelo memorando.

2 - A aprovação do "acordo" vai obrigar à introdução de medidas profundas e inovadoras não só no sistema educativo como também nos sistemas de formação, tornando necessária uma mobilização de todos os parceiros sociais envolvidos no processo, e uma vontade firme do executivo para em tempo útil criar legislação que substitua a actual, e dê suporte legal a tais medidas, com o objectivo de os prazos previstos serem cumpridos, sob pena de perderem oportunidade.

3 - A legislação a produzir deverá ter um acompanhamento permanente dos parceiros envolvidos, para que a mesma tenha uma aplicação efectiva e não fique só como produção legislativa, como por vezes acontece.

4 - A Administração Pública deve prestar aos parceiros sociais a colaboração necessária, para que o "acordo" seja cumprido.

5 - Será necessária uma posição determinada do executivo para o cumprimento do "acordo" e assim dar resposta às questões do memorando que, como já se frisou anteriormente, se encontram intimamente relacionadas, sob pena de perdermos mais esta oportunidade de acompanhar os restantes países da UE.

1 - Análise da revisão curricular do ensino básico

O memorando sobre "Aprendizagem ao longo da vida" sublinha a necessidade de um ensino básico de elevada qualidade para todos como forma de alicerçar o processo de aquisição contínua do conhecimento durante toda a vida e consagra a sua primeira mensagem à aquisição de novas competências básicas para todos. Estas competências básicas são definidas como as que serão necessárias para uma participação activa na sociedade e na economia do conhecimento. Sem ser exaustivo, o documento refere como novas competências básicas as competências em tecnologias de informação, em línguas estrangeiras, na cultura tecnológica, em espírito empresarial e em competências sociais.

Através do Decreto-Lei 6/2001, de 18 de Janeiro, o Governo procedeu à reorganização curricular do ensino básico aprovando os princípios orientadores da organização e da gestão curricular deste nível de ensino.

Sobre a proposta deste documento emitiu o CNE um parecer de que tomámos em consideração a sua análise e as suas conclusões.

No desenho curricular dos três ciclos do ensino básico consideram-se áreas curriculares disciplinares e não disciplinares. Todas as áreas são enquadradas pela designada educação para a cidadania que corresponde a uma das formações transdisciplinares, juntamente com a valorização da língua portuguesa e da dimensão humana do trabalho. Nas áreas curriculares não disciplinares prevê-se, para todos os ciclos, uma área de projecto, o estudo acompanhado e a formação cívica que, juntamente com as designadas actividades de enriquecimento do currículo, são enquadradas pelo conceito de formação pessoal e social.

No diploma legal em apreço indica-se ainda que a utilização das tecnologias de informação e comunicação se inscreve no domínio da formação transdisciplinar de carácter instrumental. No que respeita às línguas estrangeiras refere-se que é obrigatória a aprendizagem de uma língua estrangeira no 2.º ciclo que se prolonga no 3.º ciclo, sendo obrigatória uma segunda língua estrangeira neste último ciclo. No primeiro ciclo, as escolas podem proporcionar a iniciação a uma língua estrangeira, de acordo com os recursos disponíveis.

No âmbito das actividades de enriquecimento do currículo prevê-se que, com carácter facultativo e com natureza eminentemente lúdica e cultural, as escolas, no desenvolvimento do seu projecto educativo, possam proporcionar actividades nos domínios desportivo, artístico, científico e tecnológico, de ligação da escola com o meio, de solidariedade e voluntariado e de dimensão europeia na educação.

As orientações sobre organização e gestão curricular do ensino básico, como se verifica, não vão tão longe como o memorando sobre ALV recomenda no que respeita a competências básicas que deverão ser adquiridas por todos os cidadãos para uma participação activa na sociedade e na economia do conhecimento. Estas orientações também não estão enformadas pelo espírito subjacente ao conceito de aprendizagem ao longo da vida e não salientam a necessidade de, nesta fase formativa, se alicerçarem os processos de aquisição contínua de conhecimentos durante toda a vida, sublinhando, por exemplo, a capacidade de aprender a aprender. Por outro lado, mesmo naqueles domínios inovadores que são considerados é duvidoso que haja condições para os concretizar nos termos preconizados quer por dificuldades quanto a recursos humanos qualificados e adequados quer quanto a recursos materiais e organizacionais.

No que respeita à qualidade da formação, o diploma legal em análise prevê actividades de avaliação do desenvolvimento do currículo nacional, com recurso a uma diversidade de técnicas e de instrumentos. A concretização prática destas intenções tem alguma complexidade e não é garantido que tenham sucesso na concretização dos respectivos objectivos qualitativos.

2 - Análise da revisão curricular do ensino secundário

Em Março de 2000 o CNE abordou mais uma vez a problemática do ensino secundário em Portugal, debruçando-se sobre a proposta de revisão curricular do ensino secundário apresentada pelo Ministério da Educação. Foi assim produzido um parecer do CNE a esse respeito, cujo conteúdo aqui recuperamos, em confronto genérico e sumário com as seis propostas de acções chave em matéria de aprendizagem ao longo da vida do memorando.

Mensagem 1. - Novas competências básicas para todos.

Objectivo. - Garantir acesso universal e contínuo à aprendizagem, com vista à aquisição e renovação das competências necessárias à participação sustentada do conhecimento.

A revisão refere que "as escolas secundárias deverão ser capazes de criar ambientes de aprendizagem estimulantes, baseados em projectos claros, coerentes e com real valor educativo e formativo, [...] assumindo-se como organizações abertas, capazes de promover sistematicamente a sua auto-avaliação e responderem aos desafios de heterogeneidade e de diversidade que hoje fazem parte integrante da vida das escolas. [...] uma escola rigorosa e exigente. Uma escola rigorosa na concepção, desenvolvimento e avaliação do seu projecto educativo, exigente e criteriosa na gestão dos seus recursos, na organização das suas ofertas educativas e formativas e tendo como preocupação central a qualidade do ensino e das aprendizagens".

Questiona-se: sendo estes objectivos unanimemente aceites, como irão ser criadas condições necessárias à existência de uma tal escola, que viabilizem nomeadamente novas práticas pedagógicas, diferentes parcerias e condições de trabalho?

A referência às questões da educação para a cidadania é acompanhada da afirmação de que a mesma faz parte integrante da vida quotidiana, e que deverá ter um programa, que servirá para apoio das escolas, deixando a estas a responsabilidade de lhes dar expressão nos projectos de escola, de turma ou de disciplina.

Questiona-se: constituindo esta vertente uma questão chave, como mobilizar e formar os agentes educativos, em particular as equipas docentes para garantir o seu tratamento com alguma coordenação e sistematização pelos vários professores, nos diversos contextos e ao longo dos três anos?

Mensagem 2. - Mais investimento em recursos humanos.

Objectivo. - Aumentar visivelmente os níveis de investimento em recursos humanos, de modo a dar prioridade ao mais importante trunfo da Europa - os seus cidadãos.

Esta revisão invoca o papel da escola, enquanto lugar de oportunidades de educação e formação e a importância do ensino secundário na construção do futuro dos indivíduos e das sociedades e estabelece que nos próximos anos todos os jovens dos 15 aos 18 anos deverão frequentar qualquer percurso de educação-formação de nível secundário.

Questiona-se: qual a articulação entre os cursos agora em revisão e os outros modos de educação e formação também existentes para este grupo etário, já que o documento é apresentado isoladamente, sem referências aos níveis e sistemas de formação de ensino que com ele se articulam, nomeadamente o ensino profissional, o ensino artístico especializado ou o ensino recorrente?

Como resolver o problema de financiamento das escolas profissionais?

Para quando a operacionalização dos cursos de especialização tecnológica de nível IV?

Para quando a criação de um verdadeiro ensino aberto e flexível, fazendo face ao fracasso sobejamente verificado do ensino recorrente?

Mensagem 3. - Inovação no ensino e na aprendizagem.

Objectivo. - Desenvolver métodos de ensino e aprendizagem eficazes para uma oferta contínua de aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida.

A introdução de uma área de projecto, com um tempo definido na matriz curricular, facilitará seguramente o sucesso desta forma de trabalho enquanto importante veículo para o desenvolvimento competências e capacidades transversais indispensáveis numa era do conhecimento.

Questiona-se: a necessidade de previsão formal de um tempo e de um professor para o efeito não trairá a possibilidade de interdisciplinaridade e o envolvimento efectivo de todas as disciplinas, alheando os objectivos do projecto dos objectivos globais do currículo enquanto um todo, revelando a dificuldade de assunção de um novo paradigma de trabalho por parte da comunidade educativa, que já anteriormente não foi capaz de por em funcionamento a área escola?

Assumindo a revisão curricular que "os cursos tecnológicos estão concebidos de forma insatisfatória, com uma formação técnica e tecnológica desajustada, claramente insuficiente em formações profissionalmente qualificantes e com uma formação específica/científica inadequada".

Questiona-se: como será possível avaliar a garantia de mudança quando a revisão não apresenta as linhas de orientação seguidas para os reajustamentos dos programas ou sequer o elenco de disciplinas dos cursos. Os perfis dos cursos são ambíguo, os cursos não prevêm estágios, e não se conhece como irão ser afectados os recursos específicos, seleccionados os docentes ou promovida a sua formação?

A assunção pela revisão de que o 10.º ano tem uma natureza diferente, conhecidas as dificuldades dos alunos neste primeiro ano do ensino secundário, abre portas à consideração de que os alunos têm várias origens, muitas delas resultantes da sua educação básica, e também das suas dúvidas relativamente à opção que tiveram de fazer entre um elevadíssimo número de possibilidades.

Questiona-se: um verdadeiro paradigma de aprendizagem centrado no indivíduo não obrigará ao desenvolvimento de estratégias pedagógicas mais ricas, diversificadas e continuadas, exigindo um trabalho específico em função dos públicos presentes, do que as preconizadas acções de recuperação e de acompanhamento com especial relevância nas primeiras semanas de aulas, insuficientemente concretizado a partir de materiais de apoio e de orientação distribuídos pelo Ministério às escolas?

A revisão levanta a questão da alteração da duração dos tempos lectivos, tendo em vista favorecer a realização de actividades experimentais ou trabalhos de elaboração de projectos.

Questiona-se: a polémica gerada por esta questão junto de docentes e de alunos não será bem reveladora do facto de se estar a olhar para uma mudança à luz do paradigma e das práticas clássicas vigentes, bem como de uma generalizada falta de flexibilidade ou de vontade para investir em novas práticas pedagógicas que necessariamente irão alterar "confortáveis rotinas de modos de trabalho e de vida"?

Como conseguiremos todos acreditar que a centralidade da pessoa na aprendizagem e que o desenvolvimento das novas competências exigidas por uma sociedade do conhecimento não são compatíveis com métodos não activos, aulas "pré-confeccionadas" e inflexíveis por que centradas em programas a leccionar?

A revisão sugere que as tecnologias sejam utilizadas no secundário transversalmente, o que é correcto e desejável numa sociedade do conhecimento. No entanto, apesar do esforço que tem vindo a ser feito, a "literacia tecnológica" é ainda diminuta e não se vislumbra que a curto e médio prazo os alunos cheguem ao secundário com essas competências básicas permitindo, como se admite na proposta, a continuação da sua formação, apenas numa perspectiva transversal no âmbito das restantes disciplinas e do trabalho de projecto.

Mensagem 4. - Valorizar a aprendizagem.

Objectivo. - Melhorar significativamente a forma como são entendidos e avaliados a participação e os resultados da aprendizagem, em especial da aprendizagem não formal e informal.

A revisão introduz alterações ao nível da redução da carga horária e tempos lectivos, tendo em vista uma maior disponibilidade dos alunos para a reflexão e trabalho pessoal e para um maior envolvimento em projectos e actividades que correspondem ao desenvolvimento dos seus interesses pessoais e sociais.

Questiona-se: indo esta medida ao encontro do reconhecimento de que a aprendizagem não se desenvolve apenas no contexto formal da escola e da sala de aula, e que o trabalho independente é fundamental ao crescimento do jovem, como iremos garantir que esta acção se fará acompanhar de uma orientação predominantemente dirigida para os objectivos do que para os conteúdos dos programas, e que estratégias irão ser adoptadas para permitir que os jovens aprendam-a-aprender, tirando partido efectivo da utilização de diferentes formas, contextos e lugares de aprendizagem.

Mensagem 5. - Repensar as acções de orientação e consultoria.

Objectivo. - Assegurar o acesso facilitado de todos a informações e consultoria de qualidade sobre oportunidades de aprendizagem em toda a Europa e durante toda a vida.

"Parece importante a mobilização dos serviços de psicologia e orientação, directores de turma e dos pais e encarregados de educação, no sentido de promover uma orientação escolar e vocacional sistemática a partir por exemplo, dos materiais anualmente distribuídos às escolas [...] a cooperação entre os SPO e os serviços congéneres do IEFP [...] pode constituir uma forma de melhorar as estratégias de informação e de orientação."

Questiona-se: existindo referências à permeabilidade entre as vias de ensino, elas não são claras; não existindo referência à articulação com outras vias de ensino, nomeadamente com o ensino profissional ou o regime de aprendizagem, os objectivos de orientação serão eficazes?

Mensagem 6. - Aproximar a aprendizagem dos indivíduos.

Objectivo. - Providenciar oportunidades de aprendizagem ao longo da vida tão próximas quanto possível dos aprendentes, nas suas próprias comunidades e apoiadas se necessário em estruturas TIC.

A introdução do documento de revisão refere que os projectos educativos que se querem "claros, coerentes e com real valor educativo e formativo [...], articulem o currículo definido a nível nacional com o contexto social, cultural e económico em que estão integradas, devendo, por isso mesmo, assumirem-se como organizações abertas, capazes de promover sistematicamente a sua auto-avaliação e de responderem aos desafios da diversidade e da heterogeneidade, que hoje fazem parte integrante da vida das escolas".

"A criação da figura de director de curso, que deverá promover as desejáveis articulações curriculares e as suas relações com a realidade social envolvente", constitui uma medida importante de responsabilização pela coerência, continuidade e avaliação dos projectos. "Podem ainda ajudar a promover a rendibilização dos recursos humanos e materiais da escola, estabelecer prioridades e objectivos em estreita cooperação com os professores, pais e outros elementos da comunidade educativa, nomeadamente outras escolas, autarquias, instituições do ensino superior e organizações do tecido económico e empresarial".

Questiona-se: supondo e exigindo estas questões a estabilidade do corpo docente e o seu conhecimento do contexto local em que a escola se insere, que medidas irão ser tomadas ao nível da colocação e consolidação do corpo docente, uma vez que o sistema vigente cria grandes dificuldades a este objectivo?

Que opções de aprendizagem aberta e flexível, permitindo o acesso de públicos adultos?

Conclusão

Tendo a proposta de revisão curricular no ensino secundário, cursos gerais e tecnológicos sido apresentada há mais de um ano, a presente análise sumária não tem em consideração desenvolvimentos posteriores, decorrentes do diálogo social ou de ajustamentos de calendário, tendo em vista a sua operacionalização.

No entanto, no que diz respeito ao confronto deste documento com os princípios e paradigma de aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida, podemos concluir que o discurso de base à proposta de revisão evidencia o paradigma sugerido no memorando sobre "Aprendizagem ao longo da vida", apesar de fazer a apologia da escola como local privilegiado de aprendizagem:

"A educação e a formação são factores determinantes para que os cidadãos se possam integrar plenamente em sociedades cada vez mais multiculturais, em permanente e acelerada transformação, caracterizadas pela incerteza e pela mobilidade;

As questões da desigualdade, da discriminação e da exclusão social estão fortemente relacionadas com as oportunidades de educação e de formação;

A educação e a formação têm de estar ao alcance de todos; delas dependem largamente a consolidação dos sistemas democráticos, a estabilidade económica, o bem-estar social e a liberdade e autonomia dos cidadãos;

Devido à difusão generalizada das novas tecnologias de informação e comunicação, a informação seja de fácil acesso e não tenha necessariamente de ocorrer em contexto escolar, o lugar privilegiado para desenvolver competências, para 'aprender a aprender', continua a ser a escola;

As escolas secundárias deverão ser capazes de criar ambientes de aprendizagem estimulantes, baseados em projectos claros, coerentes e com real valor educativo e formativo. Projectos que articulem o currículo definido a nível nacional com o contexto social, cultural e económico em que estão integradas, devendo, por isso mesmo, assumir-se como organizações abertas, capazes de promover sistematicamente a sua auto-avaliação e de responderem aos desafios da diversidade e da heterogeneidade que hoje fazem parte integrante da vida das escolas."

Do ponto de vista da operacionalização desta revisão, as matrizes curriculares apresentadas são muito discutíveis e deixam margem para várias questões pedagógicas e técnicas, mas o documento não fundamenta todas as opções, e também não refere que meios e que condições se irão criar para o seu funcionamento.

Assim, esta revisão reflecte o grande desafio que se coloca a todos os níveis educativos e formativos em Portugal: o desafio de reinventar a aprendizagem, de conseguir mobilizar os agentes educativos e a sociedade em geral para agir e cooperar, permitindo-nos alcançar os objectivos definidos.

3 - Análise do reordenamento da rede educativa

O sistema de aprendizagem ao longo da vida pressupõe uma estreita cooperação e concertação entre todos os parceiros que oferecem formação. Como refere o memorando "O contínuo de aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida também implica que os diferentes níveis e departamentos dos sistemas de educação e formação, incluindo os domínios não formais, devem trabalhar em estreita concertação. Neste caso, trabalhar em conjunto de forma eficaz significará ir para além dos esforços em curso para construir pontes e percursos entre as diferentes partes dos sistemas existentes. A criação de uma rede de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida centrada nas pessoas introduz a visão de uma osmose gradual entre estruturas de oferta que permanecem, hoje, relativamente desligadas umas das outras".

Em Portugal é uma evidência a falta de colaboração entre as estruturas dos sistemas educativo e de formação profissional, apesar de haver tentativas, em alguns programas de formação profissional, para estabelecer pontes com o sistema de educação, no que respeita a oportunidades formativas. A colaboração e articulação tem sido sistematicamente difícil impedindo uma utilização racional dos recursos formativos disponíveis.

A deficiente ligação entre os sistemas de formação e de ensino tem sido sistematicamente diagnosticada como uma das principais dificuldades de funcionamento do processo de aprendizagem no nosso país.

Ao encarar-se a transição da formação inicial para a vida activa suscita-se com maior acuidade a necessidade de uma melhor articulação e integração das políticas de educação, formação e emprego e um reforço das parcerias ao nível institucional entre os diferentes parceiros sociais e económicos e a articulação entre o sistema educativo e outras redes formativas como as de formação profissional, as empresas, etc. No quadro da aprendizagem ao longo da vida a necessidade de reforço das parcerias e de articulação entre os sistemas não se reduz à fase de transição para a vida activa, mas acompanha todo o processo de educação contínua de adultos.

O processo de reordenamento da rede educativa em curso no Ministério da Educação tem objectivos ambiciosos que poderão ser concretizados no quadro da rede educativa da responsabilidade deste Ministério, apesar das dificuldades classicamente provocadas por grupos diversificados que, neste contexto, procuram reafirmar os seus interesses e que incluem pais, alunos, professores e representantes das autarquias, das actividades económicas, sociais e culturais.

A coordenação e articulação interministerial envolvendo as unidades formativas da responsabilidade do Ministério do Trabalho ou do Ministério da Indústria, ou de outras origens, afigura-se de difícil concretização como a prática de longos anos o tem demonstrado pelas constantes e profundas resistências que têm sido suscitadas pelos diversos parceiros implicados com uma generalização de responsabilidades que é justo salientar. Será sempre muito difícil compatibilizar culturas de formação de matriz diferente. Os esforços para ultrapassar algumas dessas dificuldades têm já uma longa tradição, mas os sucessivos resultados do insucesso estão à vista.

O programa de reordenamento da rede educativa corresponde a mais uma interessante tentativa, mas o facto de a sua iniciativa estar centrada no Ministério da Educação não lhe aumenta as oportunidades de sucesso.

Caberá ainda referir que ficam fora deste programa de reordenamento da rede educativa os estabelecimentos de ensino superior que se gerem por objectivos próprios no quadro das suas autonomias. Tendo em consideração o importante papel que se espera que estas instituições desempenham na componente de educação contínua de adultos do sistema de aprendizagem ao longo da vida a inegável importância deste programa para o nível não superior do sistema educativo perde relevância no contexto da aprendizagem ao longo da vida.

(nota 4) Memorando, p. 5 - ponto 2.

(nota 5) Conselho Europeu do Luxemburgo - Estratégia de Emprego, Novembro 1997; Conselho Europeu de Lisboa, Março 2000 e Conselho Europeu de Santa Maria da Feira, Junho 2000.

(nota 6) IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional, CPC - Comissão Permanente de Certificação, INOFOR - Instituto para e Inovação na Formação e ANEFA - Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos.

ANEXO II

Contribuição do prof. Doutor Cassiano Reimão para o debate do memorando sobre "Aprendizagem ao longo da vida"

1 - A educação num mundo em mudança

Encontramo-nos, no momento actual, perante problemáticas culturais, por vezes contraditórias, que, afectando características fundamentais da existência humana, se repercutem no campo educativo.

A situação cultural presente, que se reveste de enorme complexidade, sendo, por isso, de difícil definição, é descrita como um "tempo de crise"; vários filósofos, pedagogos e autores de teorias sociais, nos últimos anos, através da racionalização das causas da crise existente e da tentativa de concepção de projectos para a sua resolução, apontaram vários fenómenos como característicos da sociedade actual, enquanto sociedade avançada; tais fenómenos integram a cultura pós-moderna e a sua relação com a modernidade, constituindo um desafio para os pensadores e para os educadores contemporâneos. Na pós-modernidade, apresenta-se um projecto de emancipação numa base de ética discursiva, isto é, uma reorientação do projecto que se encontrava "inacabado" nas suas potencialidades racionais, por forma a levar o homem à sua "maioridade".

Filósofos e sociólogos, no esforço de caracterização das grandes questões do nosso tempo e da determinação dos meios capazes de intervir na transformação estrutural da sociedade, afirmam, de modo praticamente consensual, que a época actual da cultura ocidental é caracterizada pela existência e pelo confronto de dois tipos de sociedade: uma sociedade industrial, onde predomina a produção de objectos materiais, e uma sociedade da informação, em acelerado progresso. Esta última, fruto do aparecimento de várias tecnologias, pode tratar a informação de modo extraordinariamente rápido e, ao considerá-la como elemento económico, como uma mercadoria altamente qualificada de uma indústria poderosa, que pode ser produzida e distribuída como qualquer objecto material, fá-la funcionar, segundo alguns analistas sociais, como uma nova ideologia, controlando a capacidade de decisão, de domínio e de influência entre os seres humanos. Nessa matéria informativa, associada ao poder, inclui-se aquilo a que, até agora, se chamava saber, conhecimento e cultura.

1.1 - A comunicação

Assim, no limiar do século XXI, o pensamento educativo confronta-se com as contradições existentes na actual situação cultural europeia, das quais se destaca o problema da comunicação. A comunicação ocupa um lugar primordial nas preocupações contemporâneas, nomeadamente nas questões educativas, uma vez que nelas se jogam não apenas os saberes, mas toda a realidade antropológica.

Com o questionamento dos esquemas transcendentais, das categorias universais, do espírito absoluto, da vida, da razão global, da consciência, fica em questão também a existência de um marco universal para toda e qualquer realidade, incluindo a própria humanidade e o seu suporte cognitivo e moral. Juntando a este questionamento o forte desenvolvimento das ciências, o impacte das novas tecnologias e a reestruturação social, com todos os fenómenos a ela ligados, agudiza-se o problema da comunicação.

Nas sociedades contemporâneas, a informação e o conhecimento inserem-se na cultura dessas sociedades; é característico da situação presente, aceite de forma quase consensual, o facto de o processo de informação ir para além do impacte das tecnologias de informação e da própria informação; atinge os meios de comunicação, bem como a formação de imagens, de representações e da opinião pública; a informação está a conquistar cada vez mais espaços da vida humana, tornando-se num factor determinante não só da economia, mas também do conjunto das áreas da vida social, nomeadamente da área da educação. Nesta área, sucede que, por exemplo, os elementos dos currículos são cada vez mais decisivos, dado que, cada vez mais, o desenvolvimento, nas diferentes esferas da vida social, depende, sobretudo, dos conhecimentos e das competências possuídas; esta situação é ainda agudizada pela capacidade que alguns sectores privilegiados têm em determinar os seus hábitos sócio-culturais em função do respectivo poder simbólico, afastando-se da restante população.

Esta situação conduziu ao aparecimento de um novo modelo social onde existe uma forte agudização das condições de vida da humanidade e onde, parecendo acabadas as antigas desigualdades, surgem outras. É característico desta nova situação social não só uma discriminação entre as pessoas, mas também uma marginalização de grandes camadas da população. A produtividade e a competitividade estão a basear-se, cada vez mais, no conhecimento e na informação. Desqualificados alguns saberes e dando prioridade a outros, acontece uma distribuição desigual na sociedade; os critérios seguidos (grupo social, género, etnia, idade, etc.) provocam desigualdades cada vez maiores.

Deste modo, o controlo da ciência e das tecnologias da informação, devido, talvez, ao modelo social que está a ser hegemonizado, é, em si mesmo, uma fonte de poder e de geração de novos tipos de desigualdade social.

De facto, deparamos, ultimamente, com o incremento do individualismo, tornando-se manifestas novas desigualdades nas sociedades ditas avançadas; e, mesmo tendo sido implementados, nas últimas décadas do século passado, programas de compensação, como, por exemplo, os currículos alternativos, não se tem chegado, em muitos casos, senão a um fracasso, tendo sido apontado como causa o facto de os contextos, ritmos e processos continuarem a ser alheios aos interesses e às motivações dos educandos.

Acontece, assim, que, baseando-se a produtividade e a competitividade, cada vez mais, no conhecimento e na informação, os elementos culturais, apesar de serem aspectos positivos nas sociedades avançadas, estão a ser fonte de desigualdades sociais, uma vez que, através deles, está a proceder-se a uma forte selecção. Esta selecção conduz, no campo da educação, a uma exagerada competitividade em detrimento de uma sadia promoção da solidariedade humana, competitividade essa que é incentivada pelos próprios currículos, voltados para a selecção dos melhores e para o abandono dos restantes.

Por isso, diversos pensadores salientam que o problema da comunicação se agudiza e que, a par da possibilidade de criação de condições para uma melhoria substancial na vida de todos os cidadãos e da defesa do pluralismo e da igualdade, é característico da sociedade actual a existência de uma forte dualização social. Dando a aparência de estar a acabar-se com as velhas desigualdades sociais, está, contudo, a provocar-se o aparecimento de novos tipos de desigualdade: aqueles que têm acesso à informação privilegiada e às redes selectivas de informação e aqueles que, por várias razões, não têm acesso a essas mesmas possibilidades; aqueles que são integrados no sistema e aqueles que são marginalizados; aqueles que estão ligados a sectores privilegiados e que têm poder e aqueles que, sofrendo, embora inconscientemente, o efeito de imitação das práticas dos "privilegiados", vêem a sua cultura desqualificada ou ficam dela expropriados sem conseguirem os objectivos que, naquela situação, se tinham ou lhes tinham sido propostos; aqueles que integram o sistema com mentalidade de "engenharia social" e aqueles que, prisioneiros da dinâmica sistémica que hegemoniza os principais recursos de formação, ficam "colonizados" na sua vida social e até privada.

Em relação a este último ponto, verifica-se que a rejeição de comportamentos directivistas e a afirmação da necessidade de uma democratização cultural em ordem a promover todas as pessoas pode coincidir, e muitas vezes coincide, com uma dinâmica sistémica que hegemoniza os principais recursos educativos e "coloniza" o "mundo-da-vida".

É a esta cultura que já se vem chamando "cultura depredadora", nas relações sociais próprias do capitalismo pós-industrial. É a cultura do universalismo comprimido, num tempo local, que, abandonando os critérios históricos para fazer juízos éticos, rejeita a aposta na esperança radical e cria falsas esperanças. É uma cultura que marca a ascendência da imaginação desidratada que perdeu a sua capacidade de sonhar; é a cultura das vítimas erotizadas e das revoluções descafeínadas, na qual o social, o cultural e o humano foram subsumidos no capital.

Convém, ainda, salientar que o grande relevo dado pela sociedade actual à educação não está imune da situação problemática existente na sociedade, podendo, a partir das políticas educativas, ser um dos mecanismos de selecção social e cultural que intervém decisivamente, na configuração da hierarquia de categorias sócio-profissionais. A escola tem ganho também grande relevo pelo facto de ser nela que o educando, considerado como elemento da sociedade da informação, deve receber "formação", para ser melhorado e rentabilizado em "função" dessa sociedade. Porém, como salientam vários autores ligados às perspectivas críticas em educação, funcionando o sistema educativo formal como filtro selectivo e de legitimação das diferenças e a escola como elemento de controlo e de apoio à nova ideologia, o resultado será uma escola onde imperam os valores da competitividade e do individualismo, cavando ainda mais fundo a desigualdade de oportunidades, o que é contrário à comunicação.

A ajuda, muito significativa, que as novas tecnologias fornecem, situa-se, apenas, ao nível da instrução; falta-lhes o desenvolvimento do aspecto relacional, característico da educação, porque característico da pessoa. O que se tem verificado é que ao crescimento vertiginoso da informação tem correspondido uma diminuição ou anulação da comunicação entre as pessoas, sendo a era da comunicação, paradoxalmente, a era da não comunicação.

1.2 - O pluralismo

As sociedades actuais são, também, caracterizadas por um pluralismo de visões do mundo e de sistemas de valores, fenómenos que, aliás, se têm vindo a desenvolver desde o século XVIII. Max Weber chama a atenção para o facto de a sociedade moderna, depois de o "desencantamento", na sua linguagem, ter deixado de considerar a religião como doadora universal de sentido levando a que, através de um processo de secularização, se chegasse a uma sociedade eminentemente secularizada. Assim, frente ao monoteísmo do passado, quer do cristianismo, quer da preeminência da razão, surgiu, actualmente, o politeísmo das mais diversas visões do mundo, da multiplicidade da ideia de razão e dos sistemas de valores. A esta sociedade chama Habermas "descentrada", sociedade pluralista, em virtude de nela existirem diferentes visões do mundo e diferentes ofertas de sentido para a vida humana; é uma sociedade onde não há uma única visão sobre o que é o homem, sobre o que é uma sociedade humana, sobre o que é que unifica e dá sentido à vida humana.

Mas, a sociedade actual debate-se, ainda, com uma outra aporia. Correspondente à existência das diferentes visões do homem e do mundo, é suposta a coexistência, nas sociedades pluralistas, de diferentes modelos educativos. Acontece, porém, que o Estado, o Estado democrático moderno, constituído a partir do Iluminismo, aspira a controlar o sistema educativo, provocando um choque entre o monopólio que quer imprimir ao processo educativo e o pluralismo que caracteriza a sociedade civil. Assim, um Estado, que afirma a sua neutralidade axiológica, em nome de princípios democráticos, põe, ele próprio, em questão um dos supostos básicos da convivência democrática. O Estado tem-se assumido como instituição encarregada da educação, tendo a responsabilidade de financiar, de organizar e de impulsionar a educação nos seus diferentes níveis, desde o jardim-de-infância até à universidade, ao longo de toda a existência; mas, para isso, tem de se ligar a um determinado sistema de valores, atraiçoando, deste modo, a neutralidade em que afirma colocar-se em relação aos próprios valores.

Se, na actual situação social, se pensa ser inconcebível que o Estado não assuma um direito que arrebatou à Igreja e que é considerado, cada vez mais, como um factor de bem-estar e de riqueza e um instrumento para conseguir a igualdade de oportunidades desejável para todos os cidadãos, num pluralismo democrático, o mesmo não sucede em relação ao facto de o Estado aproveitar esta sua actividade educativa para nela incluir a legitimação da ordem social e do regime político estabelecido. Acontece, porém, que o sistema educativo, que é o produto cultural mais destacável do Estado-Nação, foi, ao mesmo tempo, utilizado por este como instrumento ao serviço da sua estabilidade e desenvolvimento. O sistema educativo tende, pela sua própria natureza, à uniformização, à eliminação das diferenças. O afã de igualdade social de que fazem gala as modernas nações, sem negar os seus importantes sucessos, ocasionaram também um igualitarismo devastador das suas particularidades.

Ao nível da interacção pessoal, a actual sociedade, devido à inovação, à flexibilidade e à imprevisibilidade que acontecem em todas as esferas, é caracterizada pela ilimitada reconstrução da personalidade devido à necessidade de mudar constantemente de papéis e de situações; na sociedade, as mudanças sucedem-se com enorme aceleração; nela, as novidades multiplicam-se sem cessar, devido à rapidez das investigações científicas e tecnológicas. Vivemos numa sociedade e numa cultura caracterizadas pelo sentido do efémero, do transitório, da debilidade das crenças, da insegurança e do relativismo moral. A nossa sociedade é uma sociedade em crise permanente.

Estamos, assim, situados num momento precário da História em que as relações de submissão, de sofrimento, de desprezo para com a dignidade humana e a inviolabilidade da vida estão no centro da existência social e em que o transtorno emocional, a enfermidade moral e o desamparo individual ficam como traços obscuros do nosso tempo, em que a nossa forma de democracia foi subvertida, sendo cada vez mais as vozes daqueles que estão sujeitos à opressão, ficando a acção humana absorvida pela ética social do mercado, da produção e do consumo.

1.3 - A globalização

Não podemos deixar de assinalar o fenómeno da globalização, a tendência globalizadora marcante do nosso mundo que não acontece, unicamente, no sentido económico, mas também como mundialização de um tipo de valores, levando a que, a par da formação da economia global, haja todo um processo de globalização cultural que integra, como pontos importantes, a transformação do papel da mulher na sociedade, a redefinição social da família, da sexualidade e da personalidade, bem como o desenvolvimento crescente de uma consciência ecológica, isto é, os valores da sociedade. É de referir, ainda, que a emergência de redes especializadas, através da televisão por cabo ou a transmissão por satélite, constituem não só um desafio às redes de televisão tradicional mas também uma nova forma de distribuição e de recepção de imagens, provocando uma tensão crescente entre globalização e individualização no universo do áudio-visual com o perigo de ruptura dos padrões de comunicação social entre o mundo dos fluxos de informação e o ritmo das experiências pessoais.

1.4 - Em conclusão

1 - É difícil identificar o que é novo e o que é perene no processo de desenvolvimento total do homem, bem como conhecer a relação deste processo com as condições sócio-históricas. Estas dificuldades mostram que, havendo, embora, uma ampla concordância nas opiniões emitidas em relação às grandes transformações sociais ocorridas, ultimamente, nas sociedades ocidentais, não existe, contudo, unanimidade. As descrições, recentemente efectuadas, deixam perceber várias direcções, por vezes muito diversas e até contraditórias, na sua relação com a modernidade: "fim do sujeito" ou "novo individualismo"; "dissolução da sociedade" ou "ressurgimento da sociedade civil"; "fim da modernidade" e "pós-modernidade", ou "realização inacabada do projecto da modernidade" e "neo-modernidade". O que se verifica é que as várias tentativas empreendidas, nos últimos anos, para, através da racionalização da crise existente, encontrar não só as suas causas mas também os projectos para saída da mesma têm contribuído para o desenvolvimento de importantes análises prospectivas da nova realidade social e cultural, análises que passam pelo esclarecimento de conceitos como sociedade moderna, condição moderna, modernidade e pós-modernidade e, no domínio pedagógico, pelo aparecimento de várias tentativas entre as quais se encontram os chamados enfoques críticos e comunicativos em educação que, em resposta às grandes questões do nosso tempo, apresentam uma específica compreensão do saber e da prática educativa.

2 - Neste contexto de aporias e de dificuldades, mas também de fortes possibilidades de êxito, não apenas científico e técnico mas também humano, existentes na cultura da sociedade actual, as sucessivas reformas educativas têm-se mostrado incapazes de desenvolver essas potencialidades humanas. E, para além de não terem sido capazes de solucionar os principais problemas que hoje se colocam à educação, tais como o fracasso escolar e a forte exclusão escolar, deparamos sobretudo com a frustração de expectativas criadas, com consequências negativas para os homens. Talvez porque deixaram de fora determinadas variáveis, circunstâncias e âmbitos, não têm conseguido apreender e responder à complexidade da educação, no mundo de hoje, nomeadamente em relação às novas desigualdades existentes e à necessidade da existência de sentido para a vida humana na sua pluridimensionalidade. E é, talvez, por isso que se percebe, em todo o mundo, com mais ou menos veemência, um movimento tendente a questionar o grau de desenvolvimento a que chegaram os sistemas educativos actuais, até porque, apesar da sua magnitude, ou, talvez por isso, se têm mostrado ineficazes.

3 - São já vários aqueles que, analisando a sociedade actual, tentam ir além das análises e "cuidar do fogo debaixo das cinzas e inflamá-lo de novo", propondo-se buscar algo que contribua para o "desenvolvimento de um caminho de vida do ser humano e da natureza, além da crise da civilização ocidental". Crise significa decisão; e ao momento actual interessa a decisão pela sabedoria como resposta a uma situação cheia de desafios. E, se é claro que a educação tem a ver com o crescer, o desenvolver-se e o realizar-se do homem, também parece claro que, na tarefa educativa, neste tempo de avanço vertiginoso da ciência e da técnica, é urgente e necessário olhar além, isto é, "atender aos referenciais das origens e dos fins". Para além das divergências de diagnóstico ou das propostas alternativas de solução da crise, aquilo que está em jogo em todas as críticas é a questão da conexão entre o saber e a vida humana, até porque a nossa experiência nos tem mostrado que o optimismo racionalista do saber, bem como a arrogância da vontade de saber têm estado ligados à sua perversão, constrangendo e empobrecendo as possibilidades da vida.

4 - Numa altura em que as palavras tolerância, liberdade e solidariedade são lugares comuns de esperança para o homem, nunca existiram tantos focos de tensão e de "desumanização" do próprio homem. As sociedades modernas, instituindo templos à satisfação imediata e efémera e ao consumismo fácil, escravizaram o homem, impedindo-o de se questionar e de questionar o sentido da sua existência, como problema fundamental, numa visível auto-demissão. A incerteza instalou-se e o homem deixou de pensar o seu futuro, como viagem marcada pela descontinuidade e pela complexidade.

Mas, porque a certeza desapareceu, torna-se urgente o retorno à reflexão, de modo que cada homem encontre as suas próprias respostas para um percurso existencial autêntico, definindo a sua identidade e a sua autonomia solidária. Por isso, a época em que vivemos é também marcada pela redescoberta dos valores fundamentais em virtude de eles se apresentarem, de novo, como uma necessidade, como uma necessidade global, vivida individualmente, como uma dimensão indispensável do mundo contemporâneo, na medida em que se tornou evidente a mundialização da solidariedade e permanente uma resposta ao desafio relacional constitutivo de uma nova cultura, em que, apesar do desenvolvimento científico e tecnológico, o homem, sob o peso da incerteza, se sente cada vez mais isolado na sua individualidade. A educação/aprendizagem ao longo da vida responde, como proposta humanizante, às necessidades fundamentais do homem na sociedade.

5 - Ao perder o sentido da sua existência, o homem sentiu-se vítima das forças que ele próprio criou; perdeu o protagonismo da sua história e da história do mundo que habita. Nesta conjuntura, só um sistema coerente de valores pode garantir uma correcta unidade e funcionalidade à vida social. Os valores apresentam-se, então, como um regulador urgente da evolução do mundo e da percepção que os homens possuem da sua construção. É esta a situação em que nos encontramos nos diversos domínios da transformação por que passam as sociedades de hoje. Seria, assim, paradoxal que a educação ficasse fora deste debate, deste questionamento e desta preocupação, uma vez que ela, apesar de autónoma, está profundamente ligada às mutações sociais, competindo-lhe responder às necessidades do homem ao longo da sua vida; a questão da educação exige, por isso, um compromisso de toda a sociedade.

6 - Educar consiste em oferecer e transmitir um modo de viver e de entender a vida; educar é acreditar na perfectibilidade do homem, na sua capacidade inata para aprender, para se "formar", para se "humanizar" e para se "aculturar"; é acreditar no desejo de saber que o impele; é acreditar que existem coisas (símbolos, técnicas, factos, memórias e valores) que podem ser conhecidas e que merecem sê-lo, que os homens podem ajudar-se mutuamente através do conhecimento; mas educar é um compromisso humano, o mais humano e o mais humanizado de todos; esta humanização implica valores; mas todo o acto de valoração traz consigo um processo de hierarquização e de organização holística das diversas categorias de valores; são eles que determinam e orientam as finalidades da educação, obrigando-a a configurar-se como um permanente projecto em superação.

7 - As instituições educativas, enquanto formativas, exercem uma função de iniciação aos valores que partilham, cada uma à sua maneira, com as famílias e com as demais comunidades de pensamento em que se inserem. Nesta perspectiva, as prestações que devem oferecer ultrapassam o fim puramente instrumental (distribuição de conhecimentos) ao qual houve a tendência de reduzi-las no decurso do último meio século.

Situada no movimento do mundo, a escola, votada a colocar o progresso ao serviço do homem, encontra-se, doravante, directamente confrontada com preocupações éticas que atravessam as sociedades e os indivíduos. Tornou-se-lhe impossível contorná-las sem renunciar a uma dimensão essencial da sua missão de formação dos espíritos; por isso, a problemática maior da escola não se situa, actualmente, na esfera do funcional, mas sim na esfera da ordem ética.

8 - A autonomia do educando e a sua construção desenvolvem o horizonte ético de todo o ensino e é isso que deve guiar o educador nas suas diversas intervenções, uma vez que educar na liberdade e para a liberdade é a tarefa decisiva de uma educação integral e personalizada, uma vez que a liberdade é um dado fundamental da existência humana, que não pode remeter-se a nenhum outro (porque é livre, o homem é responsável pela clarificação das sua crenças fundamentais e pela análise e organização das premissas das suas práticas em todos os níveis do agir).

9 - As instituições educativas são, em cada um dos países, a garantia de uma coesão social que hoje se torna tanto mais essencial quanto é necessário construí-la a partir de uma diversidade cada vez maior. Têm, portanto, necessidade de eixos mais amplos em torno dos quais possam situar as suas contribuições e fixar os seus princípios. Alimentam-se, desde então, em fontes simultaneamente clássicas e incarnadas na época contemporânea. A orientação para a alteridade, em tal contexto, constitui uma prioridade, bem simbolizada no desenvolvimento de opções pedagógicas interculturais que, quer se queira, quer não, se impõem cada vez mais tanto aos especialistas, como no terreno concreto da própria escola. É, por consequência, no interior desta complexidade que as interrogações éticas têm hoje lugar; e este espaço torna-se decisivo na medida em que constitui uma oportunidade quase única que permite construir uma autêntica autonomia do aluno, isto é, uma abertura e um acolhimento ao outro enquanto outro, simultaneamente diferente de si e semelhante a si.

10 - A internacionalização e a mundialização trouxeram às instituições educativas realidades novas e exigências pedagógicas novas que devem ser examinadas com seriedade. A função educativa da escola, numa sociedade do conhecimento o da aprendizagem, dirige-se à formação de adultos esclarecidos, capazes de assumir a sua autonomia social e de, portanto, exercerem os seus direitos e os seus deveres na realidade cultual em que estão inseridos.

A sensibilização para a dialéctica do universal e do singular releva da acção de cada educador. Conhecer os próprios direitos e os próprios deveres é essencial no seio da comunidade educativa. A ideia fundamental que a educação deve transmitir a cada ser a formar é que ele é único e que a sua condição implica uma troca significativa com o meio.

11 - A relação pedagógica é um acto ontológico de descentração, mas que se constitui através da centração no homem como pessoa. A acção educativa, como processo intersubjectivo e como acção comunicativa, é das acções humanas mais difíceis, uma vez que não deriva da demonstração, mas sobretudo de um despertar e de uma sensibilização. Os educadores têm o dever de mostrar (não de demonstrar) que toda a acção, individual ou colectiva, supõe compromissos éticos, mesmo quando não se tem consciência disso. A autonomia dos educadores e a autonomia dos educandos impõem que se distinga (e se manifeste a distinção) entre aquilo que se sabe e os valores em que se acredita.

12 - O desafio mais importante que hoje se coloca à educação parece ser o de uma mudança de paradigma, o de uma mudança do sistema explicativo, que tenha mais em conta a complexidade da aprendizagem do que as teorias tradicionais, influenciadas pelo comportamentalismo. Esta mudança necessita de um envolvimento e de um compromisso colectivo, por parte de todos os agentes educativos. Ainda hoje a escola se comporta como um lugar de racionalização do saber. O acento é colocado mais nos programas do currículo do que numa relação ao saber que podemos qualificar de ética: é a natureza da relação que liga os conhecimentos e os alunos.

13 - Porque não se pode reflectir no vazio, é preciso ter em atenção as situações concretas que permitem fazer viver o saber e confrontar as suas interpretações. Os indivíduos participam, assim, na construção (e na reconstrução) do seu mundo e não o recebem simplesmente. É, portanto, a maneira de criar esta relação, este encontro entre espíritos e culturas que deverá preocupar-nos, antes de tudo o mais, de modo a construirmos, na educação, um autêntico metasaber intercultural.

14 - O reconhecimento pelas instâncias internacionais da actualidade em promover uma discussão pública e alargada sobre os contornos e os conteúdos das democracias na Europa, sobre os direitos humanos e a sua universalidade, sobre os direitos de participação dos cidadãos, sobre o direito à diferença das minorias étnicas e culturais, justifica, no domínio da educação, novas acções e novas atitudes. Na verdade, a educação como paideia, no momento em que o novo é a grande questão do mundo contemporâneo, não pode afastar-se das respostas a dar aos problemas que afligem a Humanidade.

15 - Há que distinguir entre elementos pertinentes e não pertinentes, na articulação entre aprendizagem e informação (os conteúdos), através da relação educativa a instituir. A aprendizagem não é uma actividade solitária: os conhecimentos adquirem-se no pensamento de cada indivíduo, mas na dependência dos contextos e das interacções, de modo a "tornar o saber acessível, a exprimir o saber em formas concretas, a comprometer o aluno num processo de elaboração de sentido, a guiar o processo de co-construção do sentido e a preparar a transferência dos conhecimentos através da meta-cognição".

16 - Assistimos, hoje, a uma nova ordem internacional em que as transformações em curso exigem novos olhares sobre o mundo. A ambiguidade e a complexidade das relações e das práticas de organização dos grupos sociais implicam mudanças de óptica, mudanças de escalas, de representações, de posicionamento, para se poder construir uma Europa democrática e humanizada.

Marcada pelo choque democrático, a Europa contemporânea desconstrói-se para se reconstruir em redes múltiplas: fundada em regras de maiorias, as democracias pós-modernas operam com novas regras que têm em conta minorias, identidades e culturas locais. Esta evolução é sinal de uma desconstrução/reconstrução do novo espaço europeu.

17 - Exigem-se, assim, novas tomadas de consciência, que há que assumir, com coragem, com risco, mas também com esperança. A educação, sendo preparação para a vida, tem como objectivo a apropriação utilitária do saber relativamente às necessidades da vida, de modo a responder às exigências do mercado; esta é uma das finalidades máximas do Estado que procura, para ser legitimado, a coesão e a estabilidade social.

18 - Importa que, em vez da arrogância do sujeito do saber, surja a humildade, em vez do dizer monológico se estabeleça um autêntico diálogo, em vez da aspiração possessiva do governo da "cidade" se realize a felicidade dos homens-cidadãos. Evitando a produção de invasões capazes de apagar limites e territórios, contribuir-se-á para um autêntico pluralismo cultural em que aceitação e interrogação, características do acto de pensar, caminharão a par com a transmissão do saber, à qual a educação não pode renunciar, bem como com o aprender a viver num mundo marcado pelo progresso da ciência e pelo avanço da tecnologia; optar-se-á, assim, pelo homem, por uma humanidade lançada na realização do seu ser e do sentido misterioso da existência, escutando a qualidade primeira de viver em comum, do encontro, retirando do esquecimento a tensão infinita da liberdade, numa perspectiva individual e social, através das virtudes formativas do conhecimento humanizado, afirmando a prioridade do indicativo sobre o imperativo.

19 - A pedagogia não se limitará, então, a uma "socialização especial", puramente pragmática, a uma "terapia especial", com uma finalidade social ou biopsicológica, mas, afastando-se dos impasses por que tem passado ao longo da história, situar-se-á no homem como pessoa, enquanto unidade do ser e do dever-ser.

Deve, portanto, recusar-se o empobrecimento do conceito de educação, uma vez que o homem a educar é uma pessoa, isto é, um ser pensante capaz de se distanciar de si próprio, de estabelecer uma expressão linguageira e de realizar uma acção autónoma, julgando, de forma crítica, as suas necessidades e orientando-se por valores.

Não se educa apenas para o indivíduo, nem se educa apenas para a sociedade; educa-se para a humanidade do homem; na verdade, a acção educativa não está ao serviço de qualquer critério de servidão, mas ao serviço desta plenitude humana; através do processo educativo, o homem é colocado na cultura, operando-se uma dialéctica de assimilação entre o singular e o universal. Na verdade, a finalidade da educação consiste em fazer do cidadão um homem, capaz de comunicar com o mundo e com os outros homens, capaz de avaliar todas as coisas em ordem a escolher o que é bom.

20 - A atitude da formação vive de uma aposta audaciosa em torno do homem e do sonho da aventura da sua promoção e dignificação. Mas este debate é de dimensão europeia. Na verdade, todos os especialistas estão de acordo em dizer que a sociedade contemporânea atravessa actualmente um período de dissociação política e cultural que irá suscitar um renascimento social de que ninguém, no momento presente, consegue medir nem a forma nem a envergadura.

A antiga modernidade continha uma cidadania simples. A nova é complexa, devido à extensão dos campos da cidadania cívica a outras escalas, devido à extensão sobretudo a campos de cidadania novos, mais mobilizadores para os jovens.

A antiga modernidade é superada por uma nova inteligência que atravessa o espaço pluridimensional das redes que se libertam da confiscação da cidadania pelo Estado.

A Europa está a ser construída sem os cidadãos, a deriva tecnocrática é evidente. Por isso, a escola tem de ser um lugar de aprendizagem da democracia, tornando-se urgente construir a Europa dos cidadãos.

21 - O paradigma democrático está dependente da sociedade que o produz, ao passo que o princípio da participação do maior número possível de indivíduos, livres e responsáveis, para a construção da sociedade, é uma constante do valor inerente à democracia.

Para ser eficaz, a educação e, sobretudo, a aprendizagem ao longo da vida devem ter em conta a evolução dos sistemas conceptuais envolventes. Através da educação é a aptidão para a cidadania que deve ser desenvolvida no sentido de uma cultura que valoriza, ao mesmo tempo, o conhecimento e a capacidade de acção racional, na perspectiva de aliar a razão e a criatividade. Se a formação da razão existe actualmente nos nossos sistemas educativos, o desenvolvimento da criatividade e da aptidão para as mediações culturais está por levar à prática.

Há que favorecer a afirmação de si e o reconhecimento do outro na exigência de uma instauração da ética do sujeito; o professor deve reconhecer o valor da troca que existe no grupo e entre ele e os alunos. Estes devem ser formados na ética do sujeito através de conhecimentos e de saberes.

22 - Porque a inovação, na área dos saberes e da sua aprendizagem, é permanente, exige-se, por parte de todos quantos estão envolvidos na relação pedagógica, uma contínua abertura de espírito à mudança e uma constante disponibilidade de adesão às melhores práticas de ensino exigidas pelo rigor e pela qualidade da formação que se pretende alcançar.

O choque democrático é a confrontação do mundo com os imperativos éticos e com os valores da democracia, permitindo desfazer a ordem estabelecida, não para se erigir em poder soberano mas para reconstituir as instituições do interior pela acção do sujeito.

A utopia, no seu jogo com a história e com o humano, tece laços múltiplos, por vezes aleatórios. Do choque democrático nasce um outro olhar sobre o sistema de educação e de formação. Abandona-se o modelo de reprodução social em favor do de mudança. Passa-se do ser ao agir, da transmissão à construção reflectida. Doravante, a formação dos professores deve permitir assumir as oportunidades e os riscos de uma transformação das práticas sociais, em relação com a globalização. As incertezas e as tensões atravessam a formação do mesmo modo que a democracia.

23 - Não podemos modificar o passado, mas devemos tirar dele as lições devidas; não podemos anulá-lo, mas reescrevê-lo. Contudo, depende de nós definir o futuro. Num sistema clássico, a questão da pedagogia não se colocava. Desde o momento em que se pretende desenvolver uma pedagogia sócio-centrada são exigidas outras intervenções: construir grupos, animar a sua dinâmica, prever actividades variadas visando os objectivos da aprendizagem. Porque o saber não se transmite, mas constrói-se, a propósito de problemas, activamente, dialecticamente, exige-se um novo esquema de transformações e a recusa de um modelo pedagógico magistro-centrado em favor de um modelo sócio-centrado. Só assim será possível atingir os objectivos educativos propostos. A educação é, na verdade, um processo de identificação interiorizante a realizar pelo educando, numa busca contínua de auto-estima pessoal, afirmada a partir da dialéctica estabelecida entre o seu eu actual e o seu eu ideal.

24 - A educação, enquanto factor regulador do desenvolvimento, encontra o seu quadro normativo num conceito determinado de sociedade e de cultura.

Na medida em que a educação, enquanto relação assimétrica, visa a transmissão de conhecimentos e de valores, a criação de aptidões, a formação e o aperfeiçoamento do homem, é indissociável da cultura, de que é um meio (de difusão e de renovação por excelência) e do desenvolvimento, de que é um dos principais factores. O desenvolvimento do indivíduo, por seu turno, é a condição do desenvolvimento da cultura. Neste sentido, não há cultura sem educação. A promoção do desenvolvimento significa o encorajamento da dinâmica própria do sujeito; esta dinâmica é, por sua vez, útil à sociedade, na medida em que coincide com a racionalidade, enquanto condição de uma sociedade livre. As modificações radicais ocorridas na sociedade contemporânea obrigam-nos a reexaminar teorias e práticas do desenvolvimento, até há pouco seguidas, em ordem à construção de novos possíveis pedagógicos, no respeito da singularidade na pluralidade e na diversidade dos indivíduos, na sociedade e na cultura que integram, tendo em atenção a importância do papel da confrontação das representações no processo educativo.

25 - Sendo todo o processo educativo teleológico, o seu telos refere-se, precisamente, a um modelo em que o desenvolvimento não pode ser inteiramente predeterminado, na medida em que a educação é preparação para a liberdade, consistindo esta liberdade justamente na criação de um telos que escapa ao tempo, isto é, que não pode ser inteiramente posto antes de ser realizado. Sob este ponto de vista, e em oposição ao telos natural (próprio dos processos da natureza, sujeitos à temporalidade), o telos humano da liberdade escapa à temporalidade (pois não é possível definir as etapas de um acto ou de um conjunto de actos de liberdade) e só surge depois de realizado o acto. No domínio educativo, é possível, quando muito, simbolizar o telos, a que se quereria ver chegar o educando, sem pretender impor-lho, segundo uma ordem predeterminada, uma vez que, no telos humano, não existe fim predeterminado que o homem seja compelido a realizar.

26 - O carácter constitutivo da educação, em relação com a cultura, encontra-se no desenvolvimento das condições de base capazes de tornarem possível a participação dos cidadãos na mesma cultura a fim de poderem renová-la. Este é o fim maior do desenvolvimento, quer dos indivíduos quer da sociedade. As teorias do desenvolvimento pedagógico nunca esqueceram isso e nunca confundiram o desenvolvimento com o acréscimo de possibilidades materiais. Em suma, o desenvolvimento do indivíduo é a condição do desenvolvimento da cultura e esta constitui o suporte básico de referência do desenvolvimento dos indivíduos.

27 - A educação é, essencialmente, uma prática de liberdade, uma "interacção". A interacção é o processo de trabalhar em conjunto; de trabalhar no sentido da actividade que transforma a realidade. A educação não é uma acção exercida sobre a pessoa, mas uma acção (e, ao mesmo tempo, uma reflexão) sobre a realidade.

Existir humanamente é dizer o mundo, é modificá-lo. Aquele que não participa na transformação da realidade não existe como indivíduo. No entanto, ninguém pode falar sozinho; ninguém pode dizer o mundo (no sentido fenomenológico) para si próprio. Pronunciar a palavra é dialogar.

O desenvolvimento é um processo que se efectua na realidade do mundo, na medida em que o indivíduo é relação com o mundo; para Freire, ser homem significa ser fundador do mundo. Este mundo que tem uma significação é sempre uma realidade social. O verdadeiro desenvolvimento opera-se não através da subida de um estado a outro, mas através da subida de uns com os outros, por intermédio do mundo. Assim, o núcleo central de toda a acção pedagógica é o desenvolvimento, isto é, a abertura da realidade da situação existencial concreta. Esta abertura rejeita a aceitação da realidade dada dos constrangimentos históricos, o que implica a mudança. Através desta acção de transformação da realidade, os homens criam a história e tornam-se seres humanos. O desenvolvimento visa, então, uma situação existencial e é operado através da educação "problematizante", ou pela "conscientização", cujo quadro se situa no carácter fundamental da existência.

A educação não pode coincidir com uma influência do exterior, uma vez que ela é, essencialmente, problematização da situação existencial que tem o carácter de uma interacção. A educação é o momento de reflexão numa acção comum; esta reflexão não pode deixar de ser dialógica; o desenvolvimento, a mudança de situação existencial do homem no mundo não pode ser realizada senão pela crítica; o desenvolvimento está ligado à possibilidade de uma "revolução", de uma reorientação da realidade. "Recriar" o mundo pertence à orientação do ser do homem; a história é o processo em que o homem se torna naquilo que é. O seu ser reside na unidade de acção e de reflexão. O desenvolvimento consiste num acréscimo de humanidade, na medida em que, através do desenvolvimento, o indivíduo consegue ser ele mesmo, o que implica um processo de racionalidade não exclusivamente instrumental.

28 - Esta perspectiva de abertura aos possíveis e à multiplicidade de opções, na acção, ultrapassa a visão de um curso unipolar da história. A humanidade realiza-se como autora da história. Todas as acções humanas são contingentes, mas o seu sentido e a sua eficácia dependem da sua conformidade ou não conformidade com a dinâmica da própria história. Cada instante, sendo carregado de uma especificidade única, abre para uma multiplicidade de futuros possíveis. Esta visão da história revela o conflito existente, em cada instante, entre repetição e revolução, entre continuidade e ruptura. Mas estas duas forças são desiguais; o estado reinante das coisas é aquele que os detentores do poder transmitem de geração em geração. A inércia, graças à qual se perpetuam as injustiças passadas não pode ser quebrada senão através do surgimento de qualquer coisa radicalmente nova e que não pode ser deduzida da soma dos acontecimentos passados. É a esta ruptura da temporalidade histórica, a este surgimento do imprevisível, que Benjamin chama "redenção"; redenção que não está situada no fim dos tempos, mas é construída em cada instante, na exacta medida em que cada instante do tempo, apreendido na sua singularidade absoluta, faz aparecer um novo estado do mundo. Ao contrário da ideia marxista do "fim da história" fundada na visão quantitativa e acumulativa do tempo, deparamos, aqui, com a ideia messiânica de uma utopia que nasce no coração do presente, de uma esperança vivida no momento presente.

Contudo, a educação, para ser autêntica, deve ser uma "re-invenção" do passado; não deve ser entendida como um caminho sem fim (que nos aproximaria de um fim que não cessaria de se afastar de nós) mas como uma atitude de esperança, na convicção de que o mundo pode ser regenerado, "aqui e agora". O que importa é estabelecer entre os diversos momentos do tempo um laço que não seja uma mera relação de causalidade. Assim, a educação deve assumir o seu papel dinâmico na história como justificação da própria história, embora seja "a-histórica". E, porque o aparecimento do outro interrompe o tempo, a justificação da história é sempre uma justificação a respeito de alguém que não pode ser integrado nesta história.

29 - Desde os Gregos, concentrámos as nossas questões naquilo que é e que não pode ser diferente. Vivemos, hoje, numa época em que prima a consciência de que aquilo que é poderia igualmente não ter sido. Encontramo-nos numa existência que não escolhemos; se o nosso ser perder o seu compromisso ético, o homem deixará de ser responsável por aquilo que faz; a sua existência e a sua história estarão postas em causa.

As mudanças fundamentais operadas na nossa cultura (protagonizadas nas revoluções científica, tecnológica, económica e política do nosso século) podem ser consideradas como uma possibilidade na construção de uma nova história. E, a partir daqui, é urgente retomar os princípios de base segundo os quais pensamos a educação, sobretudo a educação ao longo da vida, o desenvolvimento e a cultura enquanto factores de regulação da diversidade na unidade; há que deixar de analisar os fenómenos sociais superficialmente, traduzindo-os nas práticas educativas. A nossa reflexão e os nossos processos pedagógicos centrar-se-ão, necessariamente, na intersubjectividade, na historicidade, na pluralidade e nas diferenças construídas na unidade e na responsabilidade. Por outro lado, porque a cultura não pode ser entendida como simples nem como definitiva, será sempre dialectizada, particularizada; por isso, nela se jogam a unidade e as diferenças. É a liberdade que oferece esta possibilidade de pluralidade, de criatividade e de alteridade. A educação é uma gestão dos possíveis que traduz o "não determinismo" do ser humano. Abrir-se à alteridade, no processo educativo (abertura que não é somente interpessoal, mas também intercultural), implica o diálogo e coloca a educação fora de todos os determinismos; a dialogicidade da reflexão é um reconhecimento explícito da dimensão comunitária da busca da verdade. Contudo, a ideia de desenvolvimento é necessária para pensarmos a educação e a cultura. Porque temos necessidade do tempo e porque vivemos no tempo, o desenvolvimento, a educação e a cultura são factores reguladores, na medida em que nos permitem definir horizontes pessoais temporais. Mas, porque a educação torna possível o futuro, ela radica na esperança, numa esperança de qualquer coisa de novo a vir. A essência da esperança reside na convicção de que o mundo pode ser mudado, apesar de todos os obstáculos, através do empenhamento individual e colectivo na construção da interacção entre as gerações. É urgente que homens e mulheres conscientes, competentes e íntegros assumam as suas responsabilidades para orientar o desenvolvimento da nossa sociedade, permitindo, assim, uma realização harmoniosa e equilibrada de todas as pessoas no respeito das suas diferenças.

30 - O pensamento pedagógico e a acção educativa não podem, portanto, destruir a unidade original que se enraíza no ser da pessoa em formação, a unidade do "ser", do "dever-ser" e do "dever tornar-se"; este pensamento e esta acção não têm nem finalidade nem sentido se não estiverem fundadas na ideia de homem como pessoa e se não forem conduzidas por ela. A ideia de uma compreensão do homem como pessoa é o ponto fulcral da pedagogia e das boas práticas educativas bem como o centro de referência para a orientação da educação quanto ao seu sentido e às suas finalidades. Nesta conformidade, não se podem reduzir os conceitos de formação e de educação, fazendo deles um simples apoio ao desenvolvimento, ou reduzindo-os a objectivos de pura socialização, isto é, de integração social do homem, uma vez que o homem não é somente um ser da natureza, nem somente um ser puramente social, nem uma amálgama destes dois elementos; é, antes de tudo, um ser espiritual e uma pessoa que, não sendo apenas uma identidade independente, é, mais precisamente, uma unidade que se mantém por si mesma. É um sujeito autónomo, sempre em formação, ao longo da sua vida, pelo seu poder de exercício livre, realizando, de modo prático, o carácter de unicidade que o caracteriza.

Cassiano Reimão.

ANEXO III

Exemplo de prática de parceria de uma associação juvenil com as escolas

A análise do memorando e do trabalho que tem vindo a ser feito sobre aprendizagem ao longo da vida leva a que se repense a forma como actualmente encaramos a educação e o sistema educativo. Esta deverá permitir que o indivíduo conheça e raciocione sobre o mundo, se relacione com os outros, esteja integrado na sociedade e nela participe e seja capaz de se adaptar continuamente às mudanças que se operam.

À função de transmissão de conhecimentos inicialmente atribuída à escola foram acrescentadas outras, como a formação pessoal e cívica de cada indivíduo, por exemplo. No entanto, algumas competências que são atribuídas à escola poderão ser trabalhadas em conjunto com outras entidades que, dentro ou fora da escola, desenvolvem um trabalho mais eficaz e frutuoso. Este tipo de experiências é já posta em prática em diversas escolas do país.

Aqui analisaremos um exemplo concreto - o da Associação Juvenil Nacional Intercultura. A Intercultura trabalha no campo da aprendizagem intercultural e da educação global, promovendo, desde 1985, intercâmbios nacionais e internacionais envolvendo jovens, famílias, professores, instituições e comunidade em geral. Os seus principais objectivos são contribuir para a paz e compreensão entre os povos, proporcionar à sociedade e, em particular, aos jovens e famílias uma aprendizagem intercultural, ajudar a formar novas gerações de homens e mulheres dispostos a lutar por um mundo em que sejam abolidas as barreiras sociais, culturais, étnicas e económicas que separam a Humanidade.

Ao nível da escola, têm desenvolvido uma acção importante junto de professores e alunos, no que toca ao adquirir da consciência e de um maior respeito pelas diferenças culturais existentes no País e no mundo. Isto porque, segundo a associação, ser jovem e estar na escola tem de significar mais do que estudar e adquirir um elevado número de conhecimentos. Significa ser um cidadão responsável, atento às grandes questões e disposto a lutar para que as coisas melhorem um pouco em si e nos outros, dentro e fora da escola.

Neste sentido, a Intercultura tem dois tipos de intervenção na escola, através do programa "Outra escola novos amigos" e dos "clubes intercultura". O primeiro, que conta com o apoio do Instituto Português da Juventude e com a colaboração do Ministério da Educação, procura promover intercâmbios entre escolas de diferentes regiões do nosso país, cujos alunos pertençam ao 3.º ciclo do ensina básico ou ao secundário. Este programa destina-se a enriquecer a educação dos jovens em idade escolar, colocando-os em contacto com um meio escolar e cultural diferente. Durante o intercâmbio cada grupo de 15 a 25 alunos visita, por cinco dias (no mínimo) uma escola de uma região diferente, ficando acolhido nas famílias dos alunos da escola parceira. Posteriormente, a escola visitada será a visitante. O programa dos intercâmbios é elaborado por uma equipa representativa de toda a comunidade escolar: alunos, professores, encarregados de educação,...

Os principais objectivos deste intercâmbio são: conviver e dialogar com jovens de diferentes regiões, percepcionando as realidades sócio-económicas e os diferentes valores culturais do seu país; estabelecer laços de cooperação e amizade em diferentes regiões; promover o associativismo juvenil como processo de aprendizagem; exercitar uma educação para a cidadania, promovendo uma participação activa na sua comunidade; desenvolver o respeito por si, pelo outro e a aceitação da diferença, estimulando o espírito de iniciativa, autonomia, criatividade, sentido crítico, tolerância activa, colaboração, auto-estima, solidariedade e responsabilidade dos jovens.

À Intercultura cabe apoiar as escolas durante todo o processo, providenciando o acompanhamento e assistência necessários. A intercultura organiza anualmente dois momentos formativos no âmbito deste programa, um de orientação e outro de avaliação, nos quais as escolas se deverão fazer representar.

Os "clubes intercultura" funcionam nas escolas e enquadram-se nos princípios da Intercultura. Pretendem prestar um serviço relevante à escola e à comunidade, através da participação de alunos, professores e famílias nos seus programas. Os seus principais objectivos são proporcionar a alunos e professores o conhecimento e desenvolvimento das suas capacidades nas áreas da aprendizagem e educação intercultural, educação para a paz e compreensão da interculturalidade e da multiculturalidade, estimular nos jovens o desenvolvimento das suas capacidades criativas, associativas e organizativas.

Os clubes são órgãos locais da Intercultura e portanto poderão, nas suas actividades, recorrer ao apoio dos recursos existentes ao nível nacional, tais como materiais, equipamentos, divulgação e aconselhamento sobre a melhor forma de organizar actividades ou outros eventos.

Os principais dinamizadores dos clubes intercultura são jovens (pais, professores,...), que pertencem à escola onde existe o clube.

Estes dois programas mobilizam cerca de 60 escolas por ano e têm-se traduzido numa aprendizagem importante para todos os intervenientes. De realçar que, no caso dos intercâmbios, pretende-se que não aconteçam isoladamente, mas que sejam o princípio de um olhar diferente sobre a escola e sobre as aprendizagens que proporcionam aos diversos intervenientes, nomeadamente a professores e alunos.

Ana Rita Varela, representante do CNJ no CNE.

Abril de 2001.

Bibliografia consultada:

Bruner, Jerome S., Towards a Theory of Instruction, Cambridge Mass., The Belknap Press of Harvard University Press, 1996;

Cochinaux, Philippe e outros, Reshaping European Education, European Industrial Leaders (ERT), Bruxelas, 1994 (2d Draft);

Comissão Nacional para o Ano da Educação e Formação ao Longo da Vida, Carta Magna Educação e Formação ao Longo da Vida, Lisboa, 1998;

Conselho Nacional de Educação, Educar e Formar ao Longo da Vida, Lisboa, CNE, 1997;

Delors, Jacques, e outros, Educação um Tesouro a Descobrir, Rio Tinto, Edições Asa, 1996;

Diamond, Larry, Developing Democracy - Toward Consolidation, Baltimore, The John Hopkins University Press, 1999;

Durkheim, Emile, Education et Sociologie, Paris, Presses Universitaires de France, 1989 (2e édition);

Giddens, Anthony, O Mundo na Era da Globalização, Lisboa, Editorial Presença, 2000;

Institut de Coopération Internationale de la Confédération Allemande pour l'Education des Adultes, Dakar: Éducation pour Tous, Bonn;

Melo, Alberto e outros, Uma Aposta Educativa na Participação de Todos, Lisboa, Editorial do Ministério da Educação, 1988;

Ministério da Educação, Instrumentos para o Reordenamento da Rede Educativa, Lisboa, Departamento de Avaliação, Prospectiva e Planeamento, 2001;

Pires, Ana, O reconhecimento das aprendizagens experienciais na América do Norte: o caso dos EUA e do Canadá, in Revista Formar, n.º 35, IEFP, Ministério do Trabalho e da Solidariedade, 2000;

Pires, Ana, O reconhecimento das aprendizagens experienciais em França, in Revista Formar, n.º 37, IEFP, Ministério do Trabalho e da Solidariedade, 2000;

Presidência do Conselho de Ministros, Inovar para Crescer, Inovar para Vencer - Programa Integrado de Apoio à Inovação, Lisboa, 2001;

Presidência do Conselho de Ministros, Relatório de Síntese da Presidência Portuguesa da União Europeia - Linha de Acção "Emprego, Reformas Económicas e Coesão Social - para uma Europa da Inovação e do Conhecimento", Lisboa, Julho de 2000;

Rorty, Amélie Oksenberg (editor), Philosophers on Education, New York, Routledge, 1998.

7 de Junho de 2001. - A Presidente, Maria Teresa Ambrósio.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1920304.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1987-07-09 - Lei 31/87 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril, que cria o Conselho Nacional de Educação no Ministério da Educação e das Universidades.

  • Tem documento Em vigor 1989-02-03 - Decreto-Lei 43/89 - Ministério da Educação

    Estabelece o regime jurídico da autonomia das escolas oficiais dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário.

  • Tem documento Em vigor 1991-05-10 - Decreto-Lei 172/91 - Ministério da Educação

    Define o regime de direcção, administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.

  • Tem documento Em vigor 1996-12-17 - Decreto-Lei 241/96 - Ministério da Educação

    Altera o regime que regula a composição, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Educação. Republicado integralmente em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1998-01-08 - Decreto-Lei 4/98 - Ministério da Educação

    Estabelece o regime de criação, organização e funcionamento de escolas e cursos profissionais, no âmbito do ensino não superior.

  • Tem documento Em vigor 1998-05-04 - Decreto-Lei 115-A/98 - Ministério da Educação

    Aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos basico e secundário, bem como dos respectivos agrupamentos.

  • Tem documento Em vigor 1998-07-14 - Lei 31-A/98 - Assembleia da República

    Aprova a Lei da Televisão.

  • Tem documento Em vigor 2001-01-18 - Decreto-Lei 6/2001 - Ministério da Educação

    Aprova a reorganização curricular do ensino básico.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda