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Assento 5/83, de 11 de Novembro

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Sumário

Fixa a jurisprudência seguinte: no caso de concurso real de infracções em que, nos termos do artigo 102.º do Código Penal de 1886, tem de aplicar-se ao réu uma pena única, é sobre esta, e não sobre as penas parcelares que o § 2.º do mesmo artigo manda também indicar, que deve incidir o perdão previsto pelo artigo 2.º da Lei n.º 3/81, de 13 de Março.

Texto do documento

Assento 5/83
Acordam, em plenário, no Supremo Tribunal de Justiça:
1 - O Exmo. Representante do Ministério Público junto da Secção Criminal recorreu para este Supremo Tribunal, funcionando em plenário, do Acórdão de 14 de Outubro de 1981, exarado no processo 36276, e que está copiado a fls. 5 e seguintes, afirmando existir oposição entre ele e o proferido em 6 de Julho do mesmo ano no processo 36274, e que está certificado a fls. 16 e seguintes.

Na apreciação da questão preliminar a que alude o artigo 768.º, n.º 1, do Código de Processo Civil ficou julgado existir entre os dois acórdãos indicados a oposição que serve de fundamento ao recurso, ordenando-se, em conformidade, o prosseguimento dos respectivos termos.

Só o Exmo. Magistrado do Ministério Público recorrente alegou quanto ao fundo da questão. Fê-lo doutamente, expressando o parecer de que no caso ocorre, na verdade, o conflito de jurisprudência invocado e propondo a sua resolução por assento no sentido do acórdão recorrido.

O processo tem os vistos legais.
Cumpre decidir:
2 - Reexaminada, como a lei prescreve, a questão preliminar da oposição dos acórdãos invocados, pode observar-se que estes constam de processos diferentes, tendo transitado em julgado apenas o de 6 de Julho de 1981.

Observar-se também que ambos foram proferidos no domínio da mesma legislação, no caso a Lei 3/81, de 13 de Março, e que as situações de facto pressupostas na aplicação dessa lei eram idênticas: incidência do perdão numa situação de concurso de crimes em que foram impostas as penas parcelares referidas aos vários crimes e a pena única correspondente ao respectivo cúmulo jurídico.

Observa-se, finalmente, que nos dois acórdãos se resolveu a mesma questão fundamental de direito (a interpretação do artigo 2.º daquela Lei 3/81) de modo diverso: enquanto num se aplicou o perdão à pena única resultante do cúmulo, no outro fez-se incidir o perdão sobre a mais grave das penas parcelares.

Há, pois, razões para decidir, como no acórdão preliminar de fls. 27 e seguintes, que existe entre os dois acórdãos em apreço a oposição que serve de fundamento ao recurso para o tribunal pleno. E que este deve, nessa conformidade, proferir assento a fixar jurisprudência.

3 - A questão de direito a resolver centra-se, como se viu, na interpretação do artigo 2.º da Lei 3/81, de 13 de Março, e visa definir sobre que pena incide o perdão ali previsto no caso de haver concurso de infracções. Que será sobre a pena única correspondente ao cúmulo jurídico apurado, diz o acórdão recorrido; que será sobre a mais grave das penas parcelares de onde resultar maior benefício para o réu, di-lo o acórdão apontado em oposição; que será sobre cada uma das penas parcelares, di-lo ainda outra orientação, que já também foi proposta em decisões de tribunais.

O texto interpretado é o seguinte:
1 - São perdoados, relativamente às penas correspondentes às infracções cometidas até à data referida no artigo 1.º:

a) As penas de prisão até 6 meses correspondentes a infracções cometidas por delinquentes primários;

b) 3 meses nas penas de prisão até 6 meses;
c) Um sexto, nunca inferior a 3 meses, das restantes penas de prisão;
d) Um oitavo, nunca inferior a 4 meses, das penas de prisão maior variáveis;
e) Um décimo, nunca inferior a 12 meses, das penas de prisão maior fixas.
2 - Os benefícios previstos no número anterior não se cumulam, aplicando-se apenas aquele que concretamente mais favorecer o condenado.

4 - Sem dúvida que a letra do texto transcrito pode comportar as soluções interpretativas díspares que se referiram. A consideração, porém, de que nele se há-de ter querido consagrar a solução mais acertada (artigo 9.º do Código Civil) permitirá reconstituir em termos adequados o real pensamento legislativo.

Ora, a solução mais acertada que se impõe ao legislador de um perdão de penas será aquela em que se prescreva a aplicação do instituto de harmonia com a sua índole e sem o distorcer em incidências menos conformes com ela.

Haveria, portanto, que ter presente na feitura da lei, tanto como agora na sua interpretação, que o perdão é um instituto relativo à execução da pena. Tal como o indulto ou a comutação pressupõe uma pena já em execução ou que o agente tem de cumprir, reconduzindo-se a uma simples alteração da sua duração ou a uma diminuição do seu rigor.

Ora é irrecusável que no caso de um concurso de crimes só há uma pena efectiva que o condenado tem de cumprir, e essa é a pena única a que se refere o artigo 102.º do Código Penal de 1886; a ela, portanto, haveria de referir-se o texto interpretado.

Dogmaticamente, o concurso real é, na verdade, um todo em que se consideram globalmente os factos imputados ao agente e à sua personalidade. A pena única que lhe corresponde assume esta globalidade e expressa a real e legal condenação do mesmo agente.

Pensa-se que este pensamento não é contrariado pelo facto de a decisão condenatória ter de indicar as penas parcelares relativas aos crimes em concurso. É que esta indicação tem apenas um sentido informativo e hipotético; cada uma, com efeito, só terá de ser considerada na hipótese de outra (ou outras) ser algum dia eliminada e haver de proceder-se a novo cúmulo jurídico; e servirá, então, para informar a composição deste ou para ser simplesmente, ela só, cumprida.

Fora desta situação hipotética, pois, a pena real que tem de executar-se e a pena única resultante do cúmulo jurídico. As penas parcelares perdem toda a sua individualidade ou, se se quiser, existirão apenas virtualmente, na suposição de uma condição que na maior parte dos casos se não verifica.

Sendo, portanto, sobre tal pena única que deverá recair conceitualmente qualquer eventual perdão legislativo, será em função deste juízo que se presumirá que o legislador quis pronunciar-se. Essa, pois, a solução acertada a que alude o artigo 9.º do Código Civil.

5 - Esta construção, que, assumido o inegável espírito do artigo 2.º, n.º 1, da Lei 13/81, se prevalece também da sua letra, tem sido contrariada com argumentação atida quase exclusivamente a esta última.

Já se pretendeu, com efeito, criticá-la com fundamento no uso das plurais "infracções» e "penas» constantes do preceito em apreço - neles se lendo uma alusão à incidência plúrima do perdão. Mas sem razão. Os ditos plurais não se reportam obviamente às infracções (ou às penas) constitutivas do concurso real, mas, como é lógico, apenas às "infracções cometidas» até 20 de Janeiro de 1981, que o diploma contempla, e, em coerência gramatical de número, às penas correspondentes.

6 - Outra objecção ao entendimento que se defende tem sido a de lhe arguir o senão de deixar sem sentido prático o n.º 2 do artigo 2.º da lei, na medida em que este proíbe a cumulação de benefícios e manda aplicar apenas aquele que, concretamente, mais favoreça o condenado. Argumenta-se, então, que tal comando legal também só se compadece com a possibilidade de plúrimas incidências do perdão, isto é, sobre todas as penas parcelares ou, noutra versão, sobre aquela de que resulte um tal maior favor.

Não parece, porém, que o argumento proceda.
Antes de mais, haverá que contrapor-lhe que a pena única, sendo mais grave do que qualquer das outras, é a que oferece maior alvo ao perdão e, portanto, possibilita o maior benefício do réu.

É de considerar, depois, que a razão de ser do preceito está melhor explicada no facto de com ele se pretender obstar à sobreposição de tipos de perdão previstos nas várias alíneas do n.º 1. É o caso, que já tem sido apontado, de, perante a condenação de um delinquente primário em 9 meses de prisão, se pretender perdoar 3 meses com invocação da alínea c) e o restante tempo com invocação da alínea a) do mesmo preceito.

É certo que outras razões de contexto obstariam a tal pretensão, mas a verdade é que sempre existiria a possibilidade de tal erro de interpretação. E sendo a expressão legal reproduzida, como foi, do Decreto-Lei 607/73, de 14 de Novembro, é natural que se lhe empreste o sentido que consabidamente ali tinha, isto é, o de contrariar as sobreposições de perdões.

Eis, portanto, o alcance prático do preceito.
Dir-se-á que a expressão em apreço não foi usada no Decreto-Lei 259/74, de 14 de Junho, nem nos diplomas que subsequentemente concederam perdões mas a omissão é explicável no facto de aí não existirem hipóteses de os perdões se sobreporem (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1981, no processo 36389). O que, como se viu, acontece no texto interpretado.

7 - Contra o entendimento proposto, tem sido ainda apontada, como argumento, uma hipótese em que aquele pode não conseguir uma solução justa.

É a situação de um condenado em concurso real de infracções numa pena única de pouco mais de 6 meses de prisão, com base em penas parcelares naturalmente inferiores àquela. Aí, com efeito, a incidência na pena única beneficiaria menos o agente que as plúrimas incidências nas penas parcelares.

Há que dizer, porém, em primeiro lugar, que o argumento tem de valer também para o entendimento que manda incidir o perdão só na mais grave das penas parcelares (o caso do acórdão dito em oposição). Em segundo lugar, que o inconveniente verificado só resulta da magnanimidade do legislador para os delinquentes primários com penas de prisão até 6 meses - ao arrepio da restante economia do preceito. E, finalmente, mas com não menor relevo, que não é correcto induzir do particularismo de um caso concreto uma teoria contrariada pelos princípios e inadequada aos demais casos visados na lei.

8 - A solução que se propõe contém, para além da sua valia intrínseca, uma inegável vantagem de ordem prática que não pode ter sido indiferente ao legislador. Basta pensar que a aplicação do perdão às penas parcelares envolveria sempre a reformulação do cúmulo jurídico já fixado e a concretização da nova pena única. E considerar depois os inconvenientes desta reapreciação, nalguns casos tardia, dos factos e da personalidade do réu.

9 - Resta observar que a incidência do perdão nas penas únicas é a orientação hoje unanimemente seguida na Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça. Que ela foi a expressamente consagrada na subsequente Lei 17/82, de 2 de Julho. E que idêntica solução legislativa vem adoptada a respeito do indulto no novo Código Penal.

10 - Em conformidade, pois, com o que fica exposto, concede-se provimento ao recurso e formula-se o seguinte assento:

No caso de concurso real de infracções em que, nos termos do artigo 102.º do Código Penal de 1886, tem de aplicar-se ao réu uma pena única é sobre esta, e não sobre as penas parcelares que o § 2.º do mesmo artigo manda também indicar, que deve incidir o perdão previsto pelo artigo 2.º da Lei 3/81, de 13 de Março.

Não é devido imposto de justiça.
Lisboa, 11 de Outubro de 1983. - José Fernando Quesada Pastor - Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - José Luís Pereira - Manuel Amaral Aguiar - Manuel dos Santos Carvalho - José dos Santos Silveira - Manuel Baptista Dias da Fonseca - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - Antero Pereira Leitão - Licurgo Augusto dos Santos - Manuel Flamino dos Santos Martins - António Júdice de Magalhães Barros Baião - Abel Vieira Campos Carvalho Júnior - António Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Júnior - Aníbal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro - Manuel Alves Peixoto - Ruy de Matos Corte Real - Amílcar Moreira da Silva - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - Silvino Alberto Villa Nova - Raúl José Dias Leite Campos - Octávio Dias Garcia - António Carlos Vidal de Almeida Ribeiro.

Está conforme.
Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Outubro de 1983. - A Escriturária, (Assinatura ilegível.)

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/187651.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1973-11-14 - Decreto-Lei 607/73 - Ministérios da Justiça e do Ultramar

    Concede a amnistia e o perdão a vários crimes e contravenções.

  • Tem documento Em vigor 1974-06-15 - Decreto-Lei 259/74 - Ministério da Justiça

    Concede perdão e amnistia a diversos delitos de carácter comum.

  • Tem documento Em vigor 1981-03-13 - Lei 3/81 - Assembleia da República

    Amnistia de infracções e perdão de penas.

  • Tem documento Em vigor 1981-07-29 - Lei 13/81 - Assembleia da República

    Altera, por ratificação, o Decreto-Lei n.º 488/80, de 17 de Outubro, que reestrutura a Comissão Regional do Turismo do Algarve.

  • Tem documento Em vigor 1982-07-02 - Lei 17/82 - Assembleia da República

    Amnistia várias infracções e concede o perdão a várias penas por ocasião da visita a Portugal do Sumo Pontífice.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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