Considerando que, por despacho conjunto dos Ministros de Estado e das Finanças, da Presidência, da Economia, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e da Segurança Social e do Trabalho de 23 de Dezembro de 2003, o XV Governo Constitucional constituiu um grupo de trabalho;
Considerando que ao grupo de trabalho foi atribuída a missão de estudar com profundidade a situação actual do mercado de jogos português de forma a habilitar o Estado a delinear uma política nacional de jogos;
Considerando as propostas para a definição, adopção e execução de uma política nacional de jogos formuladas no relatório "Estudo da situação actual do mercado de jogos em Portugal, para definição da política nacional de jogos e da estratégia para a prossecução desta, identificando as medidas a adoptar na sua concretização" elaborado pelo referido grupo de trabalho;
Considerando que, nos termos do relatório do grupo de trabalho, se determina o "enquadramento da actividade, da tipologia, regime e normas sancionatórias dos jogos numa lei de bases, revogando-se a actual legislação, no sentido da unificação legislativa";
Considerando que se propõe a "aprovação de um novo regime de apostas mútuas hípicas urbanas, estreitamente ligadas ao desenvolvimento rural";
Considerando que se preconiza a "manutenção de princípio da não realização de apostas mútuas hípicas urbanas, associada, com carácter obrigatório, à introdução de apostas com base nos resultados das corridas no estrangeiro e prévia à realização de investimentos";
Considerando que, em reunião de Conselho de Ministros de 27 de Janeiro de 2005, foi aprovado o diploma que aprova o regime de exploração das apostas mútuas hípicas, revogando o Decreto-Lei 268/92, de 28 de Novembro, que estabelece o regime de exploração de apostas mútuas hípicas;
Considerando que o novo regime das apostas mútuas hípicas admite a realização de apostas mútuas hípicas com base nos resultados das corridas de cavalos realizadas no estrangeiro;
Considerando que a exequibilidade do novo regime depende da aprovação de medidas legislativas, regulamentares e administrativas:
Assim, o Ministro de Estado e da Presidência e o Ministro da Agricultura, Pescas e Florestas determinam:
1 - A publicitação, através do portal do Governo, do relatório elaborado pelo grupo de trabalho constituído por despacho conjunto dos Ministros de Estado e das Finanças, da Presidência, da Economia, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e da Segurança Social e do Trabalho de 23 de Dezembro de 2003, "Estudo da situação actual do mercado de jogos em Portugal, para definição da política nacional de jogos e da estratégia para a prossecução desta, identificando as medidas a adoptar na sua concretização", que se anexa.
2 - A abertura à discussão pública, a partir de 7 de Março de 2005, por um período de 120 dias, das conclusões e propostas do relatório referido no n.º 1.
3 - No âmbito da discussão pública, a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros disponibilizará a todos os interessados a consulta dos documentos relevantes.
4 - No âmbito da discussão pública, todos os interessados têm a faculdade de se pronunciar por escrito através de requerimento a dirigir ao secretário-geral da Presidência do Conselho de Ministros.
5 - A aprovação das medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à plena exequibilidade do diploma que aprova o regime de exploração das apostas mútuas hípicas, aprovado em reunião de Conselho de Ministros de 27 de Janeiro de 2005, dependerá da conclusão da discussão pública do relatório referido no n.º 1.
4 de Março de 2005. - O Ministro de Estado e da Presidência, Nuno Albuquerque Morais Sarmento. - O Ministro da Agricultura, Pescas e Florestas, Carlos Henrique da Costa Neves.
Relatório I - Intróito Por despacho conjunto de 23 de Dezembro de 2003 dos Ministros de Estado e das Finanças, da Presidência, da Economia, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e da Segurança Social e do Trabalho, foi constituído um grupo de trabalho, tendo por objecto o estudo da situação actual do mercado de jogos em Portugal, para definição da política nacional de jogos e da estratégia para a prossecução desta, identificando as medidas a adoptar na sua concretização.
Ao grupo de trabalho foi conferido um mandato de três meses, com início em 5 de Janeiro de 2004.
O grupo de trabalho procedeu à consulta e análise de um vasto conjunto de estudos, relatórios e propostas, de que se realçam aqueles apresentados pela Comissão nomeada pelo despacho 178/ME/88, pela Comissão Coordenadora de Corrida de Cavalos de 1994, pelo grupo de trabalho designado para analisar as implicações dos diversos impostos incidentes sobre os jogos, datado de 1998, e, ainda, pelo Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica Portuguesa, efectuado em 2003.
Destacam-se igualmente os estudos e dados estatísticos coligidos pela Inspecção-Geral de Jogos (casinos, bingos, apostas hípicas e estimativas do jogo ilegal), pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (jogos sociais - lotarias e apostas mútuas) e pela Direcção-Geral dos Impostos (IRS sobre prémios e IRC).
O grupo de trabalho procedeu ainda ao levantamento das receitas entregues ao sector público, provenientes dos jogos de fortuna e azar, bem como dos jogos sociais e a várias simulações atinentes ao regime de fiscalidade.
O grupo de trabalho ouviu ainda as entidades interessadas no sector, em ordem a obter uma definição das preocupações respectivas, tendo ponderado as sugestões formuladas.
O grupo de trabalho ponderou igualmente a necessidade de proceder a consultas necessárias ao pleno cumprimento dos seus objectivos. Para o efeito, o representante do Ministro da Economia formulou súmula com o conteúdo que se anexa.
Atendendo aos elementos de que já dispunha, à duração do mandato, ao regime regulador da contratação pública, o grupo de trabalho optou por não efectuar qualquer nova consulta, sem prejuízo de relegar para posterior estudo os elementos que entenda carecerem de cabal aprofundamento.
Deste iter resultaram as reflexões e a formulação de propostas que se passam a enunciar.
II - Da caracterização da actividade do jogo na ordem interna Na ordem jurídica interna portuguesa, o direito de explorar jogos de fortuna ou de azar encontra-se vedado aos particulares e demais pessoas colectivas, públicas ou privadas, vigorando, consequentemente, o princípio da proibição.
O direito em questão encontra-se reservado ao Estado, o qual pode explorar directamente os jogos ou cometer a sua exploração, mediante lei, a uma entidade terceira; pode concessioná-los, mediante contrato administrativo, por um dado período de tempo e numa determinada área, a entidades privadas, ou pode autorizá-los casuisticamente, nos casos de exploração de jogos e modalidades afins dos jogos de fortuna e azar (assim designados por atribuírem como prémio exclusivamente coisas com valor económico - que não quantias pecuniárias -, não podendo ser organizados por entidades com fins lucrativos, salvo se se destinarem a actividade promocional dos produtos e ou serviços do promotor).
A reserva de tal direito prende-se com juízos de desvalor associados às consequências da actividade, bem como à necessidade de assegurar a ordem pública e interesses gerais da colectividade.
Daí que a exploração e a prática de jogos não autorizada mereça, entre nós, a tutela do direito penal, questão a que se voltará.
1 - O Estado deve manter o princípio geral da proibição de jogos de fortuna ou azar, ou jogos a dinheiro, atentas as seguintes razões:
a) O jogo é uma actividade económica atípica. - Por razões de protecção dos consumidores, das famílias e dos seus patrimónios, deverá continuar a vigorar o princípio geral de proibição. Para sublimar a tendência humana para o jogo, os Estados abrem excepções ao princípio, regulando e fiscalizando aquelas modalidades de jogos que entendem autorizar, definindo em cada momento o volume aceitável de oferta legal de jogos.
b) O jogo é uma actividade sensível - O jogo implica considerações de ordem pública que têm a ver, nomeadamente, com a necessidade de lutar contra a criminalidade organizada. Esta actividade, como o demonstram os diversos relatórios das autoridades nacionais e comunitárias, é considerada como uma das mais sensíveis ao risco de branqueamento de capitais.
As preocupações de segurança, operacionais ou financeiras, estão no coração da missão das lotarias de Estado e nas actividades de controlo permanente que elas exercem.
2 - O Estado deve, ainda, preservar o princípio do monopólio jurisdicional nacional, tendo em conta que:
a) O jogo é uma actividade de reserva estatual. - O controlo do jogo deve ser exercido de perto pelos Estados sobre um número restrito de operadores que previamente licenciaram para actuar nos respectivos territórios.
O princípio do reconhecimento mútuo, consagrado na proposta de directiva relativa aos serviços no mercado interno, aprovada pela Comissão Europeia em Dezembro de 2003, que significará muito provavelmente o alinhamento pelos padrões do menos exigente do ponto de vista ético e o aligeiramento do controlo, não se pode aplicar a este domínio da actividade, em resultado do princípio da subsidiariedade.
b) O jogo é regulamentado no conjunto dos países. - O modelo de um mercado interno de jogo, tal como proposto pela Comissão, em sede de directiva, questão a que se retomará, não existe em nenhuma outra região do mundo.
Mesmo em todos os Estados federais (EUA, Canadá, Austrália), o jogo continua a ser competência soberana dos Estados e é objecto de um enquadramento muito restritivo.
A liberalização dos jogos a dinheiro atingirá gravemente a natureza muito particular desta actividade que sempre foi firmemente regulada pelos Estados, tendo em vista a protecção das famílias e a luta contra a criminalidade organizada.
Esta banalização terá consequências particularmente danosas para as pessoas, designadamente de ordem pública (é suficientemente ilustrativa a constatação da infiltração criminosa de inúmeros sítios de jogo pela Internet, sediados em offshore).
A eliminação dos monopólios de Estado sempre acarretaria, por fim, um golpe fatal sobre as actividades sociais financiadas pelas lotarias de Estado (que no caso português ultrapassa os 500 milhões de euros por ano).
Como subidamente referem os Professores Mota Pinto, Pinto Monteiro e Calvão da Silva, em Subsídios de Fundamentação Ética e Histórico-Jurídica, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 1982, p. 7, sublinha-se que:
"A difusão do jogo e os graves inconvenientes provocados pela paixão do jogo - litígios, rixas e delitos, fraudes enganos múltiplos para garantir a vitória à outrance, a que não foram insensíveis nobres e sacerdotes, acolhendo estes últimos na igreja jogadores que, assim, beneficiavam da imunidade concedida aos lugares sacros para jogar e apostar - convenceram rapidamente os legisladores que não bastava limitar o jogo de azar e que urgia tomar medidas mais drásticas. Ou seja, que era preciso abandonar a tolerância e introduzir normas severas."
Os mesmos autores sublinham (ob. cit., pp. 34 e 35) que "no nosso Direito Penal mais recente, se evolui de um regime de punição, em todos os casos, daqueles que dirigissem ou explorassem ou fossem achados a jogar jogo de fortuna ou azar (artigos 265.º e 267.º do Código Penal de 1886) para a punição, em leis avulsas, da exploração da prática de jogos de fortuna ou azar, fora dos locais e sem respeito pelas condições em que os mesmos são autorizados".
O legislador português adoptou, pois, o sistema da autorização regulamentada, crê-se que tendo presente, justamente, a inevitabilidade do jogo.
Apontam os referidos autores, para tanto, as seguintes razões (ob. cit., pp. 30, 31 e 36):
"Por um lado, ao criar zonas de jogo, que fiscaliza, e ao estabelecer o monopólio da exploração de outros jogos em favor de certas entidades idóneas, o Estado, ao mesmo tempo que possibilita a satisfação de uma tendência natural do homem, fá-lo ainda por saber que serão observadas certas condições por ele impostas, as quais contribuem para atenuar os efeitos negativos do jogo (por exemplo, condições de entrada em casinos restritas a uma certa idade, profissão, etc.).
Assim, ao mesmo tempo que permite que o homem satisfaça o seu desejo de jogar, o Estado encaminha a sua prática para instituições onde são dadas garantias de seriedade e isenção aos jogadores - instituições que o Estado controla e fiscaliza - reduzindo, ou anulando mesmo, o interesse pelo jogo clandestino, ilícito e particularmente perigoso, em si mesmo e no ambiente marginal que o rodeia.
Por outro lado, e ao mesmo tempo, o Estado obtém importantes receitas fiscais, incentiva o turismo e canaliza parte considerável das receitas do jogo para fins de ordem social.
Acresce ainda, no que diz respeito mais especificamente à lotaria nacional e ao totobola, que se trata de jogos (lato sensu) de características marcadamente populares, praticamente isentos de gerar qualquer perigo, visto que a sua prática envolve apenas o dispêndio de pequenas quantias, possibilitando, em contrapartida, ganhos elevadíssimos.
Além disso, trata-se de jogos cuja prática não é contínua, não constituindo, pois, uma actividade absorvente que desvie o jogador das suas ocupações diárias. O tempo que decorre entre as diversas jogadas impede que o jogador seja prejudicado pela excitação momentânea produzida pelos resultados favoráveis ou desfavoráveis que tenha obtido.
Trata-se, em suma, de jogos que, além de revelarem poucos ou nenhuns inconvenientes, permitem que se obtenham apreciáveis vantagens, tanto para os particulares que arriscam, como para a sociedade, que beneficia em larga medida da receita dos mesmos.
[...] Destarte, o Estado procura sublimar as tendências humanas para o jogo, controlando-as, defendendo a ordem pública e os bons costumes através de uma rigorosa disciplina preventiva de segurança pública que evite o jogo como fonte de litígios, de desordem e mesmo de paixões ardentes - a fazer com que o jogo lícito e controlado deixe de ser visto como ética e socialmente reprovável.
A moralidade dos jogos lícitos e controlados radica, pois, não só no facto de os seus benefícios se aplicarem a fins socialmente úteis mas também, mais directamente, em que sejam conduzidos honestamente e em que permitam satisfazer sem perigo a inclinação ao jogo inata no homem."
Sem desconhecer orientações doutrinárias distintas (Prof. Doutor Pinto Duarte, in O Jogo e o Direito, Themis II, 3, 2001, pp. 69 e segs.), certo é que a opção criminalizadora portuguesa encontra paralelo noutras legislações europeias, as quais punem como ilícito penal a exploração e prática de jogos de fortuna e azar.
É o caso do Código Penal alemão, que no § 284.º, "pune com prisão até dois anos ou com multa quem organizar publicamente um jogo de azar sem autorização administrativa, ou ceder instalações para tal efeito, salvo se actuar de forma profissional ou como membro de um grupo que se tenha constituído para cometer continuadamente tais actos, caso em que será punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos. E a própria participação em jogos de azar não autorizado é punida com prisão até seis meses ou com multa." [cf.
Prof. Doutor Emílio Eiranova Encinas (coord.), Código Penal Alemán AtGB/Código Procesal Penal Alemán StPO, Marial Pons, Barcelona, 2000, p.
160] (ver nota 1).
Também o Código Penal Francês, no seu artigo 410.º, "pune os organizadores e exploradores não autorizados de jogos de azar ou de lotarias com penas que podem ir, consoante os casos, até três ou seis meses de prisão, para além de pesadas multas e do confisco de todos os bens móveis que guarneçam ou decorem os locais onde se processe o jogo proibido." (Codes Dalloz, Code Penal - Nouveau Code Penal, 1993-1994, p. 564).
Como sublinha o Tribunal Constitucional (Acórdão 99/2002 - Processo 482/2001):
"A punição penal da exploração de jogos de fortuna ou azar não autorizados não se destina primacialmente a impedir a prática de uma actividade, o jogo - considerada moralmente reprovável. Com efeito, o fundamento ético-social do sancionamento penal do jogo de azar não se encontra tanto na necessidade de proteger o jogador contra as inclinações, gostos ou vícios que lhe podem - e normalmente são - ser prejudiciais, quanto na necessidade de reprimir a prática de uma actividade que constitui objecto de uma significativa reprovação social, do ponto de vista ético, tendo em conta os males e prejuízos para a própria sociedade que se considera encontrarem-se-lhe associados - por exemplo, acréscimo de burlas, usuras e fraudes, bem como de litígios e violências, facilitando o alastramento do crime organizado; significativa perturbação da vida familiar dos jogadores, com repercussão na capacidade de manutenção e educação dos filhos; ou, ainda, possibilidade de incidência negativa no domínio das relações laborais ou económicas dos jogadores.
Ora, o que é certo é que em todas estas possíveis situações se encontrarão afectados interesses constitucionalmente protegidos - a segurança dos cidadãos, o respeito da legalidade democrática, a protecção da infância e da juventude, a estabilidade da vida social e económica. E, consequentemente, não se vê que o legislador ao criminalizar a exploração do jogo pudesse estar a violar o princípio da necessidade da pena, procedendo a uma opção manifestamente arbitrária ou excessiva."
São, assim, razões de ordem pública que fundamentam o princípio da proibição e que encontram tradução também na comummente designada, entre nós, Lei do Jogo, aprovada pelo Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 10/95, de 19 de Janeiro, que a republicou.
Não se descortina fundamento para postergar ou considerar terem existido modificações que determinem a alteração do referido princípio da proibição, cujos fundamentos se deixaram alinhados.
Diga-se não ser concebível, face aos princípios e regras vigentes, a introdução ou consentimento de um mercado do jogo.
III - Da caracterização da actividade no âmbito da União Europeia Considerando a vigência do princípio da proibição na generalidade dos países da União Europeia, na matéria que nos ocupa, não foi sem alguma surpresa que se constatou, em sede de proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à criação de um mercado interno de serviços até ao ano de 2008, a previsão da inclusão do jogo, entre os referidos serviços, tendo-se estabelecido uma derrogação transitória relativa às actividades do jogo até ao ano de 2010.
Certo é que, a ser aprovada a proposta de directiva, sob apreciação na sua versão de 13 de Janeiro de 2004 - o que não se antevê, atenta a insistência que vem sendo feita, no sentido da exclusão dos jogos do mercado interno (artigo 2.º da proposta) Portugal não poderá restringir a livre circulação de serviços de jogo, fornecidos por um prestador tendo um estabelecimento noutro Estado membro. A questão assume tanto maior gravidade quanto, nos termos da referida proposta, serão proibidas a imposição das seguintes exigências, que pela sua importância se sublinham:
i) Obrigação de o prestador ser titular de um estabelecimento no seu território;
ii) Obrigação de o fornecedor efectuar qualquer declaração ou notificação às autoridades competentes ou de obter uma autorização administrativa, nelas se compreendendo uma inscrição no registo ou numa ordem profissional existente no seu território;
iii) Obrigação de o fornecedor dispor no seu território de uma morada ou de um representante, ou de se domiciliar junto de um terceiro;
iv) Proibição do fornecedor instalar no seu território uma determinada infra-estrutura, incluindo escritório ou gabinete, necessário ao cumprimento das prestações em causa;
v) Obrigação de o fornecedor respeitar as exigências relativas ao exercício de uma actividade, aplicáveis no território;
vi) Aplicação de um regime contratual especial entre o fornecedor e o destinatário que impeça ou limite a prestação de serviços independentes;
vii) Obrigação de o fornecedor possuir um título de identificação próprio para o exercício de uma actividade, emitido pelas autoridades competentes;
viii) Exigências que afectem a utilização de equipamentos que integrem a prestação de serviços;
ix) Restrição à livre circulação de serviços que se traduza numa imposição que restrinja a utilização de um serviço, designadamente pela exigência de uma autorização ou declaração administrativa, de imposição de limites ou possibilidades de deduções fiscais ou de ajudas financeiras, pelo facto de o prestador ter o seu estabelecimento noutro Estado membro, ou em função do lugar de execução da prestação, bem como a sujeição do destinatário a taxas discriminatórias ou desproporcionadas sobre o equipamento necessário para receber um serviço à distância proveniente de um Estado membro (artigos 16.º, 20.º, 23.º, § 1.º, título 1.º, e artigo 25.º, § 1.º).
O mesmo vale para os procedimentos por via electrónica (artigo 8.º).
O objectivo é, obviamente, o de postergar quaisquer barreiras administrativas.
Trata-se, muito claramente, de contemplar, em sede de livre circulação de serviços, o princípio do país de origem, de tal forma que seja o Estado membro do país de origem o responsável pelo fornecedor e pelos serviços que ele forneça, mesmo que o sejam num outro Estado membro. Dito ainda de outra forma, trata-se de poder exercer uma actividade num Estado membro, independentemente dos critérios e requisitos desse Estado membro, o que obviamente se traduzirá numa vantagem para os regimes menos exigentes.
Nem mesmo a previsão, nos termos do artigo 40.º, de a actividade do jogo vir a ser objecto de harmonização complementar, limita qualquer antinomia, face ao princípio da proibição, vigente entre nós.
Do que antecede, facilmente se afere que a intenção de incluir os jogos num mercado de livre prestação de serviços não se coaduna com a legislação interna portuguesa, em que tal actividade está, por natureza, subtraída ao mercado, configurando mesmo uma actividade proibida.
Temos, aliás, fundadas dúvidas de que tal proposta de directiva seja compatível com o Tratado.
A inclusão do jogo no mercado de serviços é tanto menos esperada quanto a própria jurisprudência comunitária não tem feito uma leitura de inclusão das actividades de jogo no elenco de serviços de livre prestação, não sendo desconhecida a jurisprudência correctiva do Tribunal de Justiça.
O Tribunal de Justiça tem entendido, é certo, que os jogos de fortuna ou azar constituem uma actividade económica, na acepção do artigo 2.º do Tratado, isto é, uma actividade que consubstancia o fornecimento de um serviço determinado, mediante remuneração e perspectiva de um lucro em dinheiro (Acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1994, Schindler, C-273/92, Acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 1999, Läärä, C-124/97, e Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2003, Anomar, C-6/01); mas tem igualmente entendido que as actividades de jogo não são abrangidas pelas disposições aplicáveis às mercadorias, mas aos serviços e que os monopólios de exploração de jogos de fortuna e azar não se enquadram no âmbito de aplicação do artigo 31.º da CE, disposição que obriga os Estados membros a adaptar os monopólios nacionais, de natureza comercial, de modo a assegurar a exclusão de toda e qualquer discriminação entre nacionais dos Estados membros.
No que tange à caracterização da legislação portuguesa, como restritiva da livre prestação de serviços, o Tribunal de Justiça considera-a como justificada por razões imperativas de interesse geral e ordem pública, a saber:
a) A protecção dos consumidores;
b) A prevenção da fraude e da delinquência;
c) A protecção da moral pública;
d) O financiamento de actividades de interesse geral, que na legislação constituinte - entrave à livre prestação de serviços - não é incompatível com o Tratado, tendo em conta as preocupações de política social e de prevenção da fraude, nas quais se baseia.
Sufraga ainda o Tribunal de Justiça o entendimento de que compete às autoridades nacionais apreciar se, no contexto da finalidade prosseguida, é necessário proibir, total ou parcialmente, as actividades desta natureza ou se basta restringi-las e prever, para este efeito, modalidades de controlo, mais ou menos restritas (Acórdão Anomar).
Mais defende aquele Tribunal que, no âmbito de uma legislação compatível com o Tratado CE, a escolha das modalidades de organização e de controlo das actividades de exploração e de prática dos jogos de fortuna ou azar, como a celebração com o Estado de um contrato administrativo de concessão ou a limitação da exploração e da prática de certos jogos nos locais devidamente autorizados para o efeito, incumbe às autoridades nacionais, no quadro do seu poder de apreciação (Acórdão Anomar).
É certo que, no Acórdão de 6 de Novembro de 2003, proferido no Processo C-243/01, vulgarmente conhecido por Acórdão Gambelli, o Tribunal de Justiça veio decidir que "uma regulamentação nacional que proíbe - sob pena de sanções penais - o exercício de actividades de recolha, aceitação, registo e transmissão de propostas de apostas, nomeadamente sobre acontecimentos desportivos, sem concessão ou autorização emitida pelo Estado membro em causa, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços previstos respectivamente nos artigos 43.º e 49.º CE".
E que "[c]ompete ao órgão jurisdicional de reenvio analisar se essa regulamentação, tendo em conta as suas modalidades concretas de aplicação, obedece verdadeiramente aos objectivos susceptíveis de a justificarem e se as restrições que a mesma impõe não se mostram desproporcionadas em relação a esses objectivos".
A decisão proferida no caso Gambelli poderia, numa primeira leitura, ser entendida como uma alteração jurisprudencial, não fora tal decisão ter sido proferida no âmbito de uma factualidade onde se verificava a existência de uma organização, "difusa e ramificada de agências italianas, ligadas pela Internet ao bookmaker (agente de apostas)" - nas palavras daquele aresto - e isto no âmbito de um sector que vivia uma efectiva liberalização no sector das apostas, política essa de forte expansão do jogo.
Daí que a própria decisão jurisprudencial refira que "na medida em que as autoridades de um Estado membro incitem e encorajem os consumidores a participar em lotarias, jogos de azar ou jogos de apostas, a fim de que o tesouro público daí retire benefícios no plano financeiro, as autoridades desse Estado não podem invocar a ordem pública social ligada à necessidade de reduzir as ocasiões de jogo para justificar medidas como as que estão em causa no processo principal".
E adiante: "Além disso, as restrições impostas pela regulamentação italiana em matéria de concursos devem ser indistintamente aplicáveis, no sentido de que devem aplicar-se da mesma maneira e com os mesmos critérios aos operadores estabelecidos em Itália e aos operadores provenientes de outros Estados membros."
Dito de outra forma e salvo melhor opinião, tendo o Estado Italiano criado um verdadeiro e próprio mercado, não parece poder subsequentemente subtrair-se às regras reguladoras do mesmo.
Certo é que, apesar de uma jurisprudência comunitária que se pode considerar restritiva, a proposta de directiva atinente à instituição de um mercado interno de serviços até 2008, com as derrogações especiais - nas quais se inclui o jogo - até 2010, impõe que se considere a possibilidade de liberalização da actividade, contra a qual militam as razões que presidem a que em Portugal constituam uma actividade proibida e que, como sublinhado, se mantêm integralmente.
A admitir tal possibilidade não pode deixar de se sublinhar a sua antinomia com a legislação constituinte europeia.
Daí que se venha subsequentemente e a final formular proposta no sentido de manter o princípio da proibição, mas também de pugnar pela manutenção dessa proibição e de condicionar a regulação de quaisquer modalidades de jogo, tanto quanto possível, à satisfação de fins gerais da Comunidade, sejam eles preventivos ou de satisfação de necessidades colectivas concretas, numa perspectiva óbvia de instrumentalidade face a outras actividades, obrigando os intervenientes à realização de tais actividades e à prestação de garantias efectivas, maxime à prestação de garantias bancárias à primeira interpelação.
IV - Os jogos: Tipologia no ordenamento jurídico português As modalidades de jogo de fortuna e azar previstas na lei portuguesa são as seguintes:
a) Jogos de fortuna e azar em casinos;
b) Jogo do bingo e do Keno;
c) Lotarias, apostas mútuas ou concursos de prognósticos e outros jogos sociais (vulgo jogos sociais);
d) Apostas mútuas hípicas;
e) Modalidades afins de jogos de fortuna e azar (rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimento e passatempos) e máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas e electrónicas de diversão.
IV-A - Quanto aos jogos de fortuna ou azar nos casinos Os jogos de fortuna e azar em casinos só são permitidos em zonas de jogo e são regulados pelo Decreto-Lei 422/89, vulgo Lei do Jogo, na sua actual redacção.
O jogo em casino é aquele que revela menor consumo de jogadores regulares (perfil de jogadores de casino, in "Síntese de resultados do inquérito aos consumidores", Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos Aplicados, Janeiro de 2003).
Segundo o referido estudo, a importância dos jogos de casino, face aos jogos sociais, parece ser reduzida [apenas 10, 1% de apostadores, revelam ter jogado jogos de casino (relatório final citado, vol. II, de p. 52 a p. 56]. No caso dos jogos de casino, apenas 13 dos 105 inquiridos que afirmaram jogar aceitaram dar informação sobre o montante dos gastos por visita, inviabilizando um significado expressivo em termos de resultado, diferindo o perfil do público destes jogos dos jogos sociais.
O sector público, em especial o do turismo, beneficia de verbas provenientes desta actividade.
Assim, os jogos de casino não são concorrenciais dos jogos sociais (idem, ibidem).
Existem oito casinos em Portugal com protecção jusconcorrencial.
O regime vigente não parece suscitar por parte dos operadores especiais resistências, com excepção das restrições à publicidade que em nosso entender se devem manter, atenta as preocupações que caracterizam a actividade de jogo como proibida, por um lado, e, por outro, as características e natureza dos jogos, bem como o seu escopo lucrativo.
A introdução de solução técnica e a necessidade de maior autonomia de gestão são também referidas como desejáveis, o que se afigura adequado num quadro de não menos adequada fiscalização.
Em sede de regime vigente, cremos que é de rever a actual Lei do Jogo, de acordo com os seguintes considerandos:
1) As zonas de jogo são hoje criadas por decreto-lei, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 422/89.
Trata-se de acto administrativo, omitido no exercício da função administrativa, praticado no exercício da função administrativa e não legislativo, pelo que a forma adequada é a de resolução, com a inerente agilização do regime;
2) Também a tipologia de jogos de fortuna e azar deve revestir a forma regulamentar, evitando-se a consagração legal e respectiva enunciação (artigo 4.º);
3) No que tange aos concursos públicos para concessão de jogos de fortuna e azar, estamos em crer que a forma de decreto-lei (prevista para a estatuição das obrigações das concessionárias) bem como a prevista no artigo 10.º (de decreto regulamentar) para a abertura de concurso público são inadequadas e excessivas, sugerindo-se a forma de resolução para ambos os actos (artigos 10.º e 11.º);
4) A prorrogação do prazo de concessão (artigo 13.º) deve, igualmente, constar de resolução;
5) O regime de acesso às salas de jogos (artigo 35.º) bem como os modelos a que obedecem os cartões (artigos 39.º a 46.º) devem ser objecto de portaria, eliminando-se a sua previsão, em sede de diploma legal, o mesmo valendo para o capítulo V, com excepção dos artigos 67.º e 68.º IV-B - Bingos O bingo é um jogo de fortuna ou azar não bancado, explorado sob a forma de aposta mútua em salas de jogo, instaladas em casinos e fora dos casinos.
Nos termos do estudo da autoria da Universidade Católica, a que já aludimos supra, a maioria dos jogadores de bingo são ou dizem ser jogadores ocasionais, com gastos declarados que apresentam valores muito baixos.
Tal como sucede com os jogadores de jogos de casino, o perfil destes jogadores difere bastante dos jogadores de jogos sociais, operando em palcos competitivos diferentes (idem, ibidem).
A atribuição da exploração de salas de jogo do bingo fora dos casinos é feita mediante concurso público a que se podem candidatar apenas pessoas colectivas públicas, pessoas colectivas de utilidade pública e empresas do sector do turismo, o que se afigura dever manter-se, atento o princípio da proibição.
A exploração do jogo do bingo foi autorizada em Portugal, pela primeira vez, através do Decreto-Lei 277/82, de 16 de Julho, tendo na mesma data sido publicados o Decreto Regulamentar 41/82 e o Despacho Normativo 148/82, reguladores das normas e procedimentos disciplinares da sua prática e exploração.
A exploração e prática do jogo do bingo encontra-se hoje plasmada no Regulamento da Exploração do Jogo do Bingo (REJB), aprovado pelo Decreto-Lei 314/95, de 24 de Novembro.
O Decreto-Lei 314/95 determina, quanto à distribuição de receitas, o seguinte (ver nota 2):
a) 55% da receita bruta da venda dos cartões para prémios (artigo 26.º do REJB);
b) Passam a ser definidas por resoluções do Conselho de Ministros as percentagens da receita bruta da venda dos cartões que constituem receita dos concessionários (artigo 27.º do REJB) e a parte da receita que reverte para entidades do sector público (artigo 3.º do REJB).
Em execução destas normas, foram publicadas resoluções do Conselho de Ministros, no sentido de afectar receitas.
Um ano após a regulamentação do jogo do bingo (Decreto Regulamentar 41/82, de 16 de Janeiro), nos termos já expostos, os prémios deste jogo ficaram sujeitos ao imposto do selo, à taxa de 15% (artigo 3.º do REJB).
Em Outubro do mesmo ano, a taxa de 15% passou para 16%.
Em Fevereiro de 1988, a taxa voltou a subir, agora para 24%.
Em 1989 (Janeiro), os prémios do jogo do bingo passam a estar sujeitos à taxa liberatória de IRS de 25%.
Em 1995, a taxa liberatória subiu de 25% para 35%.
Em 1998 (Janeiro), a taxa liberatória desceu de 35% para 25%.
O aumento de 2,5% para 35% da taxa liberatória de IRS sobre os prémios de jogo do bingo entrou em vigor em Janeiro de 1995.
A subida da taxa liberatória para 35% teve como consequência que a percentagem de 55% da receita bruta destinada a prémios baixasse para 35,75%, descendo o prémio do bingo de 50% para 32,50% e o prémio de linha de 5% para 3,25%. À subida da taxa fica associado o fecho de 15 salas de bingo.
Esta circunstância teve como resultado o desinteresse crescente pela prática do jogo do bingo e o correspondente decréscimo do produto da venda dos cartões.
Conclui-se, pois, que o aumento de fiscalidade teve como consequência:
a) O decréscimo do produto da venda dos cartões;
b) A redução quanto aos valores líquidos dos prémios pagos aos jogadores;
c) A evolução negativa das receitas destinadas aos concessionários;
d) A menor percentagem de IRS arrecadado;
e) As verbas destinadas ao sector público diminuíram.
Sempre segundo o relatório do referido grupo de trabalho, o significativo decréscimo das receitas brutas do jogo do bingo motivou que:
a) Nas salas de província, com menor movimento, a redução da frequência fez que em alguns dias da semana o jogo não se iniciasse porque os prémios a distribuir assumiam valores despiciendos, acabando em especial o prémio de linha por ser frequentemente inferior ao valor da aposta;
b) O valor do prémio de linha correspondia apenas a 3,25% do produto dos cartões vendidos, sendo necessário - na hipótese frequente de haver dois prémios de linha, e pode haver mais de dois - que se tivessem vendido mais de 60 cartões de 100$ (Euro 0,50) para que o prémio a atribuir fosse superior ao valor do cartão, o que em certas salas de menor movimento não acontece, inviabilizando-se deste modo a realização do jogo;
c) Daqui resultou que, no período de 1994-1997, encerraram 15 salas de jogo do bingo e algumas delas funcionam apenas aos fins-de-semana;
d) Com o encerramento das salas legais criam-se condições que propiciam a existência de explorações onde o Estado não tem, obviamente, qualquer participação, como sucedia antes da abertura legal das actuais salas;
e) A tributação dos prémios de bingo (inicialmente, no âmbito da Tabela Geral do Imposto de Selo e, presentemente, em sede de IRS) foi criada posteriormente à definição das regras do jogo do bingo e sem ter em conta o equilíbrio indispensável à repartição das receitas previamente estabelecida do jogo em causa, o que originou as consequências antes indicadas.
Nas salas de jogo do bingo instaladas em casinos, a receita bruta da venda dos cartões é distribuída assim: 60% para prémios (50% para o prémio do bingo e 10% para o prémio de linha) e os restantes 40% constituem receita das empresas concessionárias.
Sobre a receita das concessionárias incide, nos termos do n.º 2 do artigo 87.º do Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro, o imposto especial de jogo.
Em 1998, a taxa liberatória do IRS sobre os prémios de jogo do bingo desceu de 35% para 25%, que era a praticada em 1993.
Volvidos anos, a diminuição do número dos jogadores mantém-se, não havendo como não admitir que a redução fiscal não foi suficiente para que se assista à recuperação dos níveis de vendas de cartões ocorridos antes de 1994.
Foi já sugerido, anos atrás, que, em vez de uma taxa única, fossem estabelecidas taxas progressivas, isentando de qualquer taxa os prémios que sejam iguais ou inferiores ao ordenado mínimo nacional, proposta que, estamos em crer, é de reiterar.
Acresce que, no decurso das audições efectuadas pelo grupo de trabalho, foi amiúde referido o desinteresse crescente por este jogo, o que certamente contribuiu para o seu desuso.
A exploração comercial do jogo do bingo na União Europeia só acontece, para além de Portugal, em Inglaterra e em Espanha.
IV-C - Jogos sociais Os jogos sociais foram objecto de um aturado e completo estudo, efectuado pela Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos Aplicados, em Janeiro de 2003, a solicitação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, instituição que disponibilizou o referido estudo ao grupo de trabalho, como dito.
Os objectivos do estudo visavam, inter alia, caracterizar os jogadores, determinar as preferências dos jogadores relativamente aos atributos dos jogos, medir a importância dos jogos concorrentes e caracterizar os seus apostadores (jogos legais, bingo, casino, jogos ilegais clandestinos e transfronteiriços), conforme síntese dos resultados do inquérito que se junta sob anexo, com formulação de propostas legislativas, atinentes à fiscalidade sobre os jogos, que igualmente se anexam.
O direito de exploração dos jogos sociais é, entre nós, exclusivo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
No final da década de 90, as receitas dos jogos diminuíram em termos reais e nominais; entre 1999 e 2001, a diminuição terá sido superior a 10% ao ano em termos reais, redução que se verifica mesmo em conjuntura económica favorável, em contraste com o sucedido noutros países da União Europeia.
A receita da venda de jogo social financia a actividade social da Santa Casa, bem como as seguintes instituições e actividades:
Associação de Bombeiros Voluntários;
Federação Portuguesa de Futebol;
Fomento de actividades desportivas;
Policiamento de espectáculos desportivos;
Fundo de Fomento Cultural;
INATEL;
Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social;
Prevenção e reabilitação de diminuídos físicos;
Prev. e rep. de situações de calamidade pública;
Projecto de apoio à família e à criança;
Com. Nac. para a Política da Terceira Idade;
Instituto Português da Droga e da Toxicodependência;
Comissão Nacional de Luta contra a Sida;
Projectos de apoio a crianças carenciadas;
Projectos especiais de estudantes do ensino secundário;
Projectos especiais de ocupação de jovens;
Direcção-Geral do Tesouro.
É consensual, nos vários estudos elaborados, a necessidade de diminuir o custo fiscal sobre os jogos sociais, tendo-se por excessiva a sua tributação.
De cinco países considerados - Portugal (SCML), Espanha (LAE), Reino Unido (Camelot), EUA (State Lotteries) e Canadá (Loto Québec) -, em dois deles (Espanha e Canadá) os jogos sociais estão isentos de qualquer tributação explícita. No Reino Unido, a tributação incide sobre as vendas de jogo, a uma taxa de 12%, aos quais acrescem 28% para o financiamento de "boas causas", de acordo com o contrato estabelecido entre o governo britânico e a Camelot. Nos EUA, os jogos sociais são explorados pelos Estados, sendo variável a percentagem das receitas que é retida pelas State Lotteries. Em média, a take-out (TOR) rate antes de impostos situa-se próximo dos 42%. No entanto, os prémios são tributados através do imposto federal sobre os rendimentos, federal income tax, ao qual podem ou não acrescer outros impostos estatais e locais, conforme os casos. O facto de se apresentar um intervalo para a TOR depois de impostos (cujos limites inferior e superior são estimativas aproximadas) traduz portanto as diferenças de tratamento fiscal que existem entre os diversos Estados.
Deste modo, a percentagem dos prémios que não regressa aos bolsos dos apostadores varia significativamente de país para país. Em Portugal, os apostadores são penalizados pela taxa mais elevada dos cinco países considerados. Sublinha-se que Espanha apresenta uma taxa de 0%, traduzindo uma situação de algum modo inversa da portuguesa, o que é significativo, tendo em conta que a atracção dos jogos espanhóis sobre os apostadores portugueses, incipiente, é certo, mas existente, pode vir a aumentar significativamente, em resultado também do mais fácil acesso às tecnologias de informação e de comunicação, as quais reduzem os entraves à realização de apostas no país que com Portugal tem fronteira.
O regime de criação e regulação dos jogos explorados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é procedimentalmente complexo, questão que se retomará infra, com proposta de deslegalização.
IV-D - Apostas mútuas hípicas A aposta mútua no hipódromo está regulada pelo Decreto-Lei 40 910, de 19 de Dezembro de 1956.
O Decreto-Lei 268/92, de 29 de Novembro, definiu o quadro legal regulador da exploração das apostas mútuas hípicas dentro e fora dos hipódromos.
A exploração das apostas mútuas hípicas fora dos hipódromos (apostas mútuas hípicas urbanas) seria concedida, em regime de exclusivo e em todo o território nacional, mediante concurso público.
O primeiro concurso público para exploração de apostas mútuas hípicas ficou deserto, o mesmo sucedendo com o segundo concurso público, por razões que se prenderam quer com a alta fiscalidade quer com a natureza dos investimentos.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 45/95, de 23 de Março, publicada no Diário da República, 1.ª série-B, n.º 104, de 5 de Maio de 1995, criou a Comissão Coordenadora das Corridas de Cavalos e definiu as suas competências, subsequentemente alteradas pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 107/96.
Portugal, apesar de apresentar uma forte tradição na arte equestre e na criação de cavalos, é o único país da União Europeia onde não existem corridas de cavalos, excepção feita ao Luxemburgo (dada a diminuta superfície do seu território).
Na Europa, e em geral por todo o mundo, as corridas de cavalos transformaram-se numa verdadeira indústria internacional, sustentada por inúmeros apostadores e organizada em termos racionais e eficazes com recurso às modernas tecnologias.
Basta referir, a título de exemplo, que se realizam corridas, entre outros, nos seguintes países: Alemanha, África do Sul, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, China, Chipre, República Checa, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Holanda, Hong Kong, Hungria, Índia, Inglaterra, Irlanda, Itália, Japão, Malásia, México, Marrocos, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Panamá, Polónia, Suécia, Suíça, Trinidad, Tunísia, Turquia, EUA, Rússia e Venezuela.
Em Inglaterra, a actividade equina, em termos financeiros, encontra-se a seguir à indústria do petróleo e em França situa-se entre as grandes indústrias daquele país. Daí que nestes e noutros países os Estados se esforcem por favorecer o seu desenvolvimento. Ou seja, as corridas de cavalos passaram a constituir uma actividade eminentemente empresarial, a exigir elevado investimento e um avançado know-how, fora do alcance dos amadores e entusiastas de outrora.
Refira-se ainda que em países com tradições mais recentes, como o Japão e a Austrália (onde é considerado "the sport of the people"), o nível tecnológico da aposta já ultrapassou o que de melhor existe nos EUA e na Europa e o da tradição de cavalos e serviços de suporte, como os veterinários, se encontram ao mesmo nível.
Vêm sendo apontadas inúmeras virtualidades associadas à introdução de apostas mútuas hípicas, a saber:
a) Fomento da criação de cavalos em termos qualitativos e quantitativos. - As corridas funcionarão como um estímulo à criação de cavalos de puro sangue inglês, pese embora a necessária importação de cavalos estrangeiros, pelo menos na fase de arranque dos hipódromos. A participação de cavalos de criadores nacionais irá gradualmente aumentar, face ao estímulo constituído pela actividade que as corridas e os prémios irão proporcionar.
Uma política de incentivos financiada quer por receitas do produto líquido da aposta quer pelas verbas previstas na medida n.º 1 do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, relativa à "modernização, reconversão e diversificação de explorações agrícolas", permitirá a viabilização de um crescimento sustentado da criação de equíduos vocacionados para as corridas em qualidade e quantidade.
Sublinha-se ainda, a projecção mediática das corridas, que incentivará o interesse pela equitação (em toda a Europa um desporto de lazer, alargando consideravelmente a actividade para os criadores. Em França, o número de cavalos utilizados nas randonées - passeios equestres - ultrapassa os 200 000).
b) Desenvolvimento do desporto equestre. - O desenvolvimento do desporto equestre nas suas diferentes modalidades e disciplinas, poderá beneficiar com os meios financeiros provenientes de uma parte do produto líquido da aposta, através da realização de programas de promoção de formação e de criação de infra-estruturas adequadas.
c) Recuperação de cidadãos portadores de deficiência. - Em Inglaterra, França e Alemanha existem movimentos de cidadãos portadores de deficiência, através do desporto equestre, ao qual são reconhecidos efeitos terapêuticos.
d) Fomento de animação turística. - As corridas de cavalos constituem um espectáculo atractivo com condições para funcionar como factor de animação turística.
e) Favorecimento dos investimentos nas múltiplas actividades ligadas aos cavalos. - Em Inglaterra, por exemplo, exportam-se anualmente milhões de arreios.
f) Aproveitamento das nossas condições climáticas, que são ideais para a deslocação para o nosso país dos cavalos de corridas e desporto dos países do norte da Europa onde há dificuldades em manter o treino durante o Inverno.
- A construção e manutenção de hipódromo, além do emprego de mão-de-obra que proporcionará, irá favorecer outras iniciativas turísticas e de lazer nas zonas onde se estabeleçam.
g) Criação de novos empregos e profissões e o relançamento de ofícios tradicionais em vias de extinção, como o de ferradores e tratadores (nos termos do estudo subscrito pelo engenheiro Canelas, cerca de 8000). - Esta actividade exige bastante mão-de-obra especializada, em profissões como a de treinador, tratador, veterinário, jockey e empregado de hipódromo;
h) Estímulo de sectores industriais, agrícolas e de serviços ligados à criação de cavalos e à equitação, nomeadamente o fabrico de equipamentos destinados aos cavalos e aos jockeys, à clínica veterinária e ao cultivo de cereais e forragens apropriadas, tais como aveia canadiana, feno, etc.
Em síntese, a introdução das corridas de cavalos funcionará em termos comparáveis aos do estabelecimento de um novo desenvolvimento do sector rural, que como tal envolverá elevados investimentos, o que proporcionará mais receitas para o Estado, favorecendo simultaneamente o desporto equestre, a criação cavalar, o turismo e o emprego.
Como eventual objecção, poderia questionar-se a adesão da população em relação a uma realização que lhe é actualmente quase desconhecida, bem como quanto à coexistência da aposta nas corridas, com as apostas actualmente existentes.
Todavia, não parecendo poder assegurar-se uma adesão a curto prazo às corridas de cavalos, esta sempre dependerá do esforço promocional desenvolvido pelos organizadores - que terá forçosamente de passar por programas de informação e divulgação nos meios de comunicação, através de profissionais especializados -, sem embargo de se referir que, em 1868, se realizaram em Portugal (Évora) as primeiras corridas de cavalos e que, até 1989, se realizaram algumas corridas no hipódromo da Marinha e em algumas localidades do norte do País (cf. relatório apresentado pela comissão nomeada pelo despacho conjunto 178/ME/88).
Trata-se de uma actividade cujos investimentos caberão sobretudo à iniciativa privada, pelo que o Estado não sofrerá prejuízos em caso de insucesso.
Porém, atentos os fins de interesse público que preside à regulação das apostas mútuas hípicas urbanas, deve ser ponderada, em sede de regulação concursal - que não de diploma legal - a associação com entidades públicas, tuteladas pelo Estado ou detidas por entidades públicas.
Quanto à coexistência com apostas já existentes, deverá ponderar-se que:
A aposta nas corridas e o perfil do apostador têm características peculiares, em que muito conta o conhecimento e interesse pelas possibilidades dos cavalos, o que lhe retira um carácter totalmente aleatório;
Nestas condições, poderá atingir sectores que não apostam ou apostam pouco nas actuais modalidades de apostas mútuas;
A proliferação por todo o País de apostas ilegais, incontroláveis por maiores que sejam os meios repressivos utilizados, é inquestionável e tem vindo a ser reconhecida pelas próprias autoridades;
Nos demais países da UE, a aposta sobre as corridas de cavalos coexiste, em termos variáveis quanto ao respectivo valor relativo, com apostas idênticas às actualmente existentes em Portugal, nas suas várias modalidades.
A concorrência entre diferentes tipos de apostas legais é susceptível de produzir no seu conjunto um aumento global do valor apostado e consequentemente dos rendimentos disponibilizados para finalidades de interesse social.
Ao supra-exposto acresce a existência de um regime de incentivos comunitários, que é susceptível de ser utilizado, como atrás se referiu, em benefício da actividade em questão, à semelhança do que sucede na Irlanda.
A potencialidade da actividade aconselha a sua introdução.
O Orçamento do Estado para 1999, aprovado pela Lei 87-B/98, de 31 de Dezembro, veio ao encontro das preocupações expressas pelos interessados, tendo procedido à alteração do regime fiscal aplicável às apostas mútuas hípicas.
Daí que tenha vindo dar nova redacção ao n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei 42/91, de 22 de Janeiro, dispondo o seguinte:
"O regime transitório das apostas mútuas hípicas, a vigorar a partir da concessão e nos cinco anos posteriores, é o seguinte:
1) Isenção de IRS;
2) Isenção de imposto de selo sobre os bilhetes emitidos;
3) Isenção de imposto de selo sobre os prémios a pagar aos apostadores, para apostas efectuadas dentro dos hipódromos;
4) Sujeição ao imposto de selo, de acordo com as seguintes taxas:
a) Acima de 15 e até 50 vezes o valor da aposta - 5%;
b) Acima de 50 e até 150 vezes o valor da aposta - 10%;
c) Acima de 150 e até 250 vezes o valor da aposta - 15%;
d) Acima de 250 vezes o valor da aposta - 20%."
O Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas procedeu à elaboração do projecto de decreto-lei de enquadramento da exploração de apostas mútuas hípicas dentro e fora dos hipódromos.
A deslegalização operada pelo referido projecto não permite aquilatar do mérito do regime material, excepção feita à distribuição da receita bruta das apostas mútuas hípicas, que se nos afiguram adequadas, excepcionando a consignação efectuada ao Serviço Nacional Coudélico e à Inspecção-Geral de Jogos, não por se considerar desadequado que o seja àquelas entidades mas antes por retomar uma tradição de afectação das receitas do jogo a serviços em abstracto e independentemente dos projectos a que se destinam.
Tais serviços depressa consomem as receitas afectas em despesas de funcionamento. Acresce que o princípio da imparcialidade não parece consentâneo com a afectação de verbas a entidades fiscalizadores/licenciadoras saídas dessas mesmas actividades.
Também nos oferece muitas dúvidas a possibilidade de aposta com base nos resultados de corridas de cavalos no estrangeiro, com carácter obrigatório e prévia à realização de investimentos, por várias ordens de razões, a saber:
Traduz-se num financiamento a priori ao concessionário, independentemente da realização de quaisquer investimentos;
Tal financiamento não encontra paralelo em qualquer regime de concessão;
Habilita a saída de capitais com benefício para os países/entidades onde se realizam as corridas;
Cativa os apostadores em jogo virtual, o que se não coaduna com o objectivo de introdução das apostas mútuas hípicas, do qual são meio instrumental;
Trata-se, por outro lado, de um procedimento questionável por introduzir no nosso ordenamento jurídico um princípio de extraterritorialidade, configurando a aceitação do princípio da existência de um mercado verdadeiro e próprio.
Estamos igualmente em crer que, em sede de garantias, se devem privilegiar as garantias bancárias à primeira interpelação, o que deve constar do projecto de diploma em questão.
Considerando ainda o interesse público subjacente à introdução das apostas mútuas hípicas, devem ser ponderadas - eventual estatuição nos elementos concursais - as candidaturas que integrem pessoas colectivas públicas ou entidades detidas por pessoas colectivas públicas ou sujeitas à sua tutela que operem nos sectores respectivos.
IV-E - Modalidades afins e máquinas de diversão Quanto ao sector das modalidades afins dos jogos de fortuna e azar, importa deixar alguns registos:
a) Inexistência de um regime material regulador dos requisitos e procedimentos, com excepção do registo e licenciamento de máquinas de diversão, regulado pelo Decreto-Lei 310/2002;
b) Existência de critérios díspares de autorização em função do número de entidades licenciadoras (câmaras e governos civis);
c) Carácter desigual e aleatório dos custos suportados para operadores de máquinas de diversão, em função da entrada em vigor do Decreto-Lei 310/2002.
A Inspecção-Geral de Jogos elaborou um projecto de diploma contendo alterações ao Decreto-Lei 310/2002, que submeteu ao membro do Governo responsável pelo sector, com o objectivo de instituir um registo de operadores de máquinas de diversão - o que se afigura adequado em nome dos princípios da certeza e segurança jurídicas e, assim, do combate ao jogo ilícito -, avançando ainda que o licenciamento passe a incidir sobre os locais onde é feita a exploração e não sobre os aparelhos. Já se não subscreve esta última sugestão, atendendo à proliferação do jogo a que fatalmente conduziria.
O sector de operadores de máquinas de diversão vem reclamando a previsão da possibilidade de realização de jogos, com pequenos prémios a dinheiro, configurando verdadeiros jogos de fortuna ou azar.
Para além das complexas questões de concorrência e de eventual lesão de direitos concessionados que tal medida suscitaria, a posição de princípio deste grupo de trabalho, de restrição do jogo, quando desacompanhado de fins de interesse público, determina uma opinião negativa a este propósito.
V - Do jogo ilícito O jogo ilícito movimenta verbas muito substanciais e gera complexos problemas de ordem social.
Como referido no relatório de actividades do Programa Operacional de Combate ao Jogo Ilegal de 2001, subscrito pela Inspecção-Geral de Jogos, o jogo ilegal em Portugal pode ser dividido nos seguintes tipos:
A) Máquinas;
B) Senhas com cartaz;
C) Jogos paralelos aos explorados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa;
D) Jogos de sociedade a dinheiro;
E) Jogos tradicionais dos casinos.
As máquinas são, por sua vez, divididas em dois subtipos: máquinas com jogo de diversão e com jogo de fortuna ou azar e máquinas de jogo de fortuna ou azar directo.
As primeiras, sendo em número superior às segundas, são igualmente propriedade de um empresário de máquinas de diversão que as coloca em exploração em estabelecimentos de restauração, salões de jogos e associações recreativas ou clubes desportivos, com uma divisão de lucros entre o proprietário da máquina e o proprietário local (habitualmente varia entre os 70%-30% e os 50%-50%, respectivamente). Muitas vezes o lucro retirado constitui o suporte real do estabelecimento.
Encontram-se por todo o País e sempre à volta dos casinos.
Sendo muito difícil fazer uma estimativa do número de máquinas ilegais existentes, ainda assim arriscou-se, naquele relatório, um número que variará entre as 5000 e as 15 000 unidades. Sempre segundo o mesmo documento, a experiência possibilita crer que a média diária jogada em cada máquina é bem superior a 20 000$, à data e se se multiplicar o número mais baixo da estimativa de máquinas existentes por 20 000$, multiplicando-se, então, o valor encontrado pelo número médio de dias que um estabelecimento de restauração se encontra de portas abertas:
(5000x20 000$)x[365-52 (dias de encerramento semanal)-30 (dias de férias)]=28 300 000$ (Euro 141 159,80) Encontraremos o valor de 28 300 000$ (Euro 141 159,80)/ano, livre de impostos.
Directamente prejudicadas saem as concessionárias das zonas de jogo, que utilizaram repetidamente este tipo de argumentos nas negociações conducentes à renovação dos contratos de concessão, designadamente em comunicações enviadas aos meios de comunicação social.
A oferta é sustentada por uma procura persistente e estimuladora, com os conscientes riscos subjacentes a uma conduta ilícita e criminalizadora.
Sempre nos termos do relatório a que vimos aludindo, foi possível encontrar - e levantar autos de notícia - máquinas em bairros degradados e em estabelecimentos hoteleiros de luxo, com jogadores que mal sabiam escrever e licenciados.
A forte pressão exercida nos últimos dois anos, após o programa contra o jogo ilícito, aprovado em 1999, segundo o relatório em que nos temos vindo a louvar, tem diminuído a oferta deste tipo de máquinas, mas não significativamente, face aos lucros gerados pelo jogo ilícito e pelos fracos resultados dos processos judiciais. Feito, no âmbito do POCJ, o levantamento parcial das sentenças proferidas em processos instaurados desde 1994, constatou-se que a maioria ainda é absolutória e as restantes aplicam penas de prisão sempre remíveis a multas, com o valor médio de 100 000$, lucrando a generalidade das máquinas bem mais que isso num fim-de-semana.
Nos termos do aludido documento, o esforço de elevação do nível de competências das autoridades - e consequente aumento das apreensões - causou uma reacção por parte da oferta, traduzida numa crescente sofisticação das máquinas e na dificultação dos acessos aos jogos ilícitos por parte das autoridades, tendo em vista a sua absolvição futura, por falta de provas de que a máquina apreendida desenvolva jogo ilegal.
É também assinalado que os contínuos rumores de que as máquinas de jogo brando seriam autorizadas em Portugal provocaram o dispêndio de somas que se pensam substanciais em milhares de contratos-promessa sob condição, bem como o investimento em material de jogo, pois pretendia-se ocupar os melhores pontos de venda e alguns desses investimentos terão sido feitos por "testas-de-ferro" nacionais, escondendo estratégias de empresas do país vizinho.
Os investimentos vultuosos, cujo retorno legal se revela impossível, forçam, ainda mais, a opção pela via ilícita.
O enquadramento legal é desajustado, daí que se afigure que as sanções, penas neste segmento, devem ser alteradas e com aumento substancial dos montantes das coimas, porque estamos em crer que só esta posição desincentiva esta actividade ilícita.
Como sugerido no âmbito do POCJI, dentro do presente enquadramento legal, crê-se que se poderá efectuar alguns ajustamentos e daí a necessidade de registo de licenciamento de máquinas de diversão.
Quanto às senhas com cartaz, são vendidas unitariamente ou em cápsulas de plástico, encerradas em expositores de plástico, senhas essas em que, depois de abertas, serão confrontados os números que contêm com os constantes do cartaz. Se algum dos números coincidir, destacar-se-á o número correspondente do cartaz, revelando o valor do prémio.
É referido que a sua produção é fácil e requer baixa tecnologia e mão-de-obra sem qualificações especiais e que a exploração ocorre nos mesmos locais e de forma algo semelhante à que acontece com o tipo "máquinas".
Explorado normalmente de forma fraudulenta, teve um forte incremento na sua produção nos últimos anos, fruto de desvio de investimento de alguns empresários de máquinas, atraídos pelo baixo investimento inicial, inexistência de manutenção e lucros certos e muito vultuosos.
As apreensões efectuadas no decurso do ano de 2000 permitiram estimar uma produção deste tipo de jogo superior a 100 milhões de contos (relatório citado).
O tipo de jogo em questão é muito popular por todo o País, sendo especialmente procurado por camadas com fracos recursos da sociedade e representando um dos jogos mais procurados e aceites.
A censura social é, ainda, mais baixa do que no tipo "máquinas", julgando-se que se trata de uma actividade de diminuto valor económico, quando na realidade se fala de uma actividade económica que movimenta milhões.
A detecção da exploração deste tipo de jogo é referida como muito fácil, não carecendo da utilização de pessoal muito especializado, situação que se transforma radicalmente quando se pretende atingir os centros produtores e distribuidores.
Referido é ainda que as alterações ao enquadramento legal punitivo, conjugadas com a continuação de formação às forças policiais, permitirão senão erradicar pelo menos baixar para níveis insignificantes a exploração deste tipo de jogo ilícito.
Quanto aos jogos paralelos aos explorados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), é referenciado que revestem diferentes nomes (papelinhos, rifas, jogo do bicho), diferentes formatos e apresentações, mais ou menos elaborados, coincidindo num aproveitamento dos sorteios efectuados pela SCML para proceder à venda de lotarias ou apostas mútuas paralelas.
Aceitando a premissa expressa no relatório de que a actividade do jogo, do ponto de vista da procura, é pouco elástica, implicando qualquer introdução de novo jogo, legal ou ilegal, uma contracção das margens de lucros dos jogos preexistentes, verificar-se-á a severa ameaça que a concorrência directa destes jogos representam aos jogos legais.
A actividade na perspectiva da procura é muito semelhante ao tipo "senhas com cartaz". É igualmente muito popular por todo o País, sendo mesmo endémico em determinadas zonas do País, verificando-se em algumas delas, em particular, que o jogo do bicho já uma tradição, o que inculca a ideia na comunidade da quase-legalidade.
As precauções utilizadas pelos distribuidores em rede são cada vez mais sofisticadas.
Quanto aos jogos de sociedade a dinheiro, pretende incluir-se nesta classificação os jogos explorados e praticados com cartas e dados e o bingo.
Os dois primeiros subtipos são jogados maioritariamente em associações recreativas e clubes desportivos, mas também em residências privadas e anexos de estabelecimentos de restauração. Representam o lado mais "escuro do jogo ilegal, onde os jogadores investem e perdem mais dinheiro de uma só vez, graças às altas paradas que são atingidas".
O último subtipo, o jogo do bingo, joga-se habitualmente em associações recreativas e clubes desportivos. É de longe o jogo que menor perigosidade pode ter para a sociedade.
Os exploradores e jogadores rodeiam-se de fortes medidas de vigilância, já que estes subtipos não usufruem da baixa censura social dos anteriores, sendo vistos como algo marginal à boa sociedade, sejam quais forem as classes e níveis sociais.
Boa parte dos jogadores identificados dessas salas de jogo são jogadores proibidos de entrar em casinos, seja por sua iniciativa seja por procedimento administrativo.
Crê-se que estes subtipos existirão sempre, sendo imunes a eventuais alterações do enquadramento jurídico, pois aproveitam as franjas marginais do mercado.
Quanto aos jogos tradicionais dos casinos não autorizados, os exploradores e jogadores rodeiam-se de fortes medidas de vigilância, já que estes subtipos não usufruem da baixa censura social dos anteriores, sendo visto como algo marginal à sociedade, seja quais forem as classes e níveis sociais.
O fenómeno do jogo ilícito é de difícil contorno, desde logo porque muito poucos inquiridos assumem a sua prática. No estudo efectuado pela Universidade Católica, a que já fizemos alusão, refere-se que os números apurados são de tal modo reduzidos que não permitem a extracção de perfis tipo, com bases sólidas; da mesma forma é referido que os comportamentos sistematicamente defensivos dos inquiridos evidenciam uma consciência de reprovação social e ou de infracção à lei.
Esta conclusão é tanto mais curiosa quanto em sede jurisprudencial se vêm verificando inúmeras decisões absolutórias, com fundamento na falta de consciência da ilicitude.
Esta aparente antinomia resulta, todavia, explicitada porquanto, neste último caso, estão sobretudo em causa modalidades afins (rifas, tômbolas, máquinas) objecto de um juízo de censura assaz distinto do jogo em casinos clandestinos, em regra associado à alta criminalidade.
O Estado deve combater o fenómeno do jogo ilegal e para isso deverá modificar o actual enquadramento fiscal da actividade e alterar o quadro sancionatório em vigor.
O actual enquadramento fiscal dos jogos sociais, lotarias e apostas mútuas é altamente penalizador para os apostadores e não tem paralelo nos restantes países da União Europeia.
Em Portugal, todos os prémios das lotarias e das apostas mútuas estão sujeitos a tributação em sede de IRS. Não é o caso na grande maioria dos países europeus. Em Espanha, por exemplo, estes prémios estão isentos.
De acordo com os estudos efectuados, designadamente pela Universidade Católica, esta é uma das principais condicionantes da procura legal deste tipo de apostas. E, ao invés, estima-se que o crescente volume de negócios gerado nos circuitos ilegais de apostas seja fortemente estimulado pela existência de uma elevada tributação nas apostas legais. Uma das consequências, por exemplo, é o crescente fluxo de apostas de portugueses nos jogos espanhóis.
De acordo com os dados fornecidos pela Inspecção-Geral de Jogos, estima-se que em 2000 as apostas ilegais tenham atingido valores superiores a mil milhões de euros.
O facto de a Inspecção-Geral de Jogos não assumir a natureza de órgão de polícia criminal, associada a uma menor sensibilidade das polícias para o jogo clandestino, face a outros tipo de crime, contribui também para alguma impunidade.
O grupo de trabalho debruçando-se sobre esta problemática, entende assim que os ilícitos ligados às modalidades afins e máquinas de diversão devem continuar a ser sancionados pecuniariamente, impondo-se o aumento de coimas com responsabilização do titular dos meios utilizados bem como do titular do local onde se encontrem os referidos meios.
VI - Do jogo electrónico O Governo anunciou a intenção de regular o jogo electrónico, o que fez no âmbito da Resolução 97/2003, de 1 de Agosto.
O grupo de trabalho sublinha que o jogo electrónico (excepção feita aos jogos sociais) - entre nós proibido - coloca complexos problemas de fiscalização, efectivação de sanções e de concorrência, para os quais os ordenamentos jurídicos não têm ainda respostas completas, para além de questões éticas ligadas aos jogadores (v. g. desde logo o controlo da idade).
Daí que o grupo de trabalho sufrague o entendimento de que o jogo electrónico deve permanecer proibido, salvaguardada a excepção que se assinalou.
A natureza dos jogos em casino, que se caracterizam, entre outros factores, pelo apelo ao impulso, levaram o legislador a estabelecer o princípio da concessão de territorialidade ligada às zonas de jogo. A criação dos casinos online quebra esse princípio e representa, de facto, um aumento significativo das oportunidades de jogo. A tomar tal decisão, o Estado Português, à luz da jurisprudência do TJCE, não poderia mais sustentar a proibição da prestação deste tipo de serviços por outros operadores estabelecidos em outros estados da EU.
Se outro for o entendimento político, o projecto da autoria da Inspecção-Geral de Jogos afigura-se como menos lesivo, cabendo aos actuais casinos a sua exploração.
Caso seja adoptado tal projecto, devem ainda nele ser incluídas as recomendações do Gaming Regulations European Form, adoptadas em Helsínquia, em 15 de Maio de 1998, com a presença de Portugal.
VII - Dos jogadores O grupo de trabalho procedeu à audição de jogadores anónimos.
As sugestões formuladas vão no sentido de constituição de um grupo de trabalho em ordem a definir a ludopatia como doença, habilitando o acesso a centros de tratamento.
Mais foi referida a necessidade de medidas de protecção à família, com maior rapidez nos processos de interdição e separação de pessoas e bens, bem como a necessidade de reforço do controlo de mútuos nos casinos.
O grupo de trabalho, atentas as implicações e a natureza das questões que subjazem à definição da ludopatia como e enquanto a doença - e a sua própria conceptualização -, entende como adequada a submissão aos profissionais de saúde, no âmbito do Ministério da Saúde, da ponderação da eventual classificação da ludopatia como doença e a respectiva caracterização.
VIII - As instituições Santa Casa da Misericórdia de Lisboa O regime de monopólio dos jogos sociais, atribuído ex lege à Santa Casa da Misericórdia - com a derrogação das apostas mútuas hípicas -, face ao entendimento proibicionista que supra sufragámos do jogo, afigura-se adequado e de manter.
Quanto à criação dos jogos e aprovação dos respectivos regimes, não faz qualquer sentido manter um regime de criação/regulação legal, mas tão-só e apenas regulamentar por acto administrativo.
Daí que se afigure adequado prever que a criação de jogo e respectiva regulação passe a ser efectuada por portaria do membro do Governo da tutela com previsão legal para o efeito.
IX - A Inspecção-Geral de Jogos A Inspecção-Geral caracteriza-se por ser uma entidade licenciadora, reguladora, fiscalizadora e sancionatória.
É parecer deste grupo de trabalho que o Estado deve promover a consagração do princípio da separação das funções de regulação, licenciamento, fiscalização e sanção dos jogos a dinheiro.
Em nosso entender, os vastos conhecimentos e a experiência adquiridos pela instituição aconselhariam a sua previsão normativa como órgão de fiscalização e de polícia criminal.
X - Da regulação e supervisão do sector A função reguladora deve ser cometida a entidade distinta, com eventual criação de uma entidade de supervisão e acompanhamento do jogo, pois a criação de um órgão independente com funções de defesa dos interesses dos jogadores e de apoio técnico e consultivo ao membro do Governo da tutela, também com funções de licenciamento, clarificaria o regime.
XI - Das tutelas A tutela das várias instituições intervenientes no sector dos jogos é exercida por vários membros do Governo (sobre os jogos da SCML é exercida uma dupla tutela pelos Ministros da Segurança Social e do Trabalho e da Saúde;
dos jogos em casino, do bingo, pelo Ministro da Economia; das modalidades afins, ao Ministro da Administração Interna, com a faculdade de delegação nos governadores civis; as máquinas de diversão têm o respectivo registo e licenciamento sujeito à competência das câmaras municipais, cuja tutela de legalidade é do membro do Governo responsável pelas cidades, ordenamento do território e ambiente).
Esta dispersão de tutelas dificilmente permite a concepção e execução de uma política integrada do jogo.
Em consequência, a instituição de uma tutela transversal coordenadora do jogo, exercida sob a entidade de regulação e supervisão, em função da transversabilidade da actividade, afigura-se a resposta adequada.
XII - Do financiamento e da fiscalidade dos jogos Do financiamento As avultadas receitas do jogo encontram-se afectas a uma multiplicidade de instituições públicas e privadas.
A pulverização dos recursos não permite uma afectação a programas/projectos concretos nem as sinergias inerentes a tão significativa quantia.
Daí que o grupo de trabalho sublinhe a ponderação da pertinência de eventual constituição de um fundo com todas as demais receitas provenientes do jogo a afectar pelo Governo ao sector social, cultural e desportivo, em função de projectos/programas concretos, anualmente, excepção feita à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, atenta a sua natureza e fins, que são já sociais, bem como à razão história que presidiu à afectação do monopólio de jogos sociais e aos compromissos assumidos que geraram direitos e ou expectativas nos particulares, sem prejuízo do seu reenquadramento para o futuro.
Da fiscalidade Do mesmo modo, a fiscalidade incidente sobre os jogos em Portugal tem sido apontada pela generalidade das entidades exploradoras dos jogos e pela própria Inspecção-Geral de Jogos como responsável pelo declínio dos rendimentos dos jogos, com impactes no fecho de muitas salas de bingo e no decréscimo acentuado das vendas dos jogos sociais. Face ao exposto, constitui um dos objectivos do presente grupo de trabalho estudar esta questão e apresentar propostas no sentido de eventuais alterações ao quadro fiscal actual.
Assim:
1 - Tributação dos rendimentos obtidos pelos jogadores (ver nota 3). - Vejamos então qual a incidência fiscal actualmente existente sobre esta actividade e os rendimentos que gera:
1.1 - Tributação em IRS:
a) Incidência - artigo 9.º, n.º 2 - são incrementos patrimoniais todo os tipo de ganhos de jogo e afins, excepto os ganhos em jogos de casino, que por não estarem expressamente mencionados neste artigo se situam fora do campo de sujeição;
b) Taxas liberatórias - artigo 71.º - os ganhos de jogos pagos por entidades residentes no território nacional, pagos a residentes ou não residentes, estão sujeitos a tributação por retenção na fonte a título definitivo, às seguintes taxas:
Alínea b) do n.º 2 - totoloto, jogo do loto e sorteios e concursos - à taxa de 35% Alínea f) do n.º 2 - lotarias, apostas mútuas e bingo - à taxa de 25%;
c) Englobamento - artigo 15.º - para os rendimentos pagos por entidades residentes não existe opção de englobamento. Esta obrigação existe, contudo, relativamente aos rendimentos desta categoria obtidos fora de Portugal por sujeitos passivos residentes em Portugal;
d) Convenções - em todas as convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal, não estando este tipo de rendimentos expressamente mencionados, a sua tributação ocorre sempre no país de residência, podendo, também, nalguns casos, ser tributados no país em que são obtidos, aplicando-se então, aquando do englobamento, as regras para evitar a dupla tributação previstas naquelas convenções;
e) Não sujeição - por omissão na incidência - rendimento obtido nos jogos de casino;
1.2 - Tributação em IRC:
a) Incidência - n.º 1 do artigo 4 do CIRC - tributação em Portugal de todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional, relativamente a entidades residentes. São também tributados em Portugal os rendimentos deste tipo pagos a sujeitos passivos não residentes, nos termos do n.º 5 e da alínea c) do n.º 3 do CIRC;
b) Retenção na fonte:
Residentes - retenção com a natureza de pagamento por conta, com sujeição posterior ao englobamento [alínea e) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 88.º do CIRS], à taxa de 35%;
Não residentes [alínea e) e n.º 5 do artigo 88.º e alínea d) do n.º 2 do artigo 80.º], tributação definitiva à taxa de 35%.
c) Tributação definitiva dos residentes - a tributação é feita à taxa geral de IRC (n.º 1 do artigo 80.º do CIRC), actualmente de 25%, excepto:
Se o sujeito passivo for tributado pelo regime simplificado de tributação (n.º 3 do artigo 80.º), actualmente de 20%;
Tratando-se de entidades que não exerçam a título principal actividades de natureza comercial e industrial (n.º 4 do artigo 80.º), cuja taxa é de 20%;
d) Convenções - tal como no IRS, também em IRC, em todas as convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal, não estando este tipo de rendimentos expressamente mencionados, a sua tributação ocorre sempre no país de residência, podendo, também, nalguns casos, ser tributados no país em que são obtidos, aplicando-se então, aquando do englobamento, as regras para evitar a dupla tributação previstas naquelas convenções.
2 - Tributação em imposto sobre o rendimento das entidades exploradoras de jogos:
2.1 - Jogos sociais e casinos - os lucros da exploração dos jogos sociais obtidos pelo DJ da SCML estão isentos de IRC, em virtude de aquela entidade beneficiar da isenção prevista no artigo 10.º do CIRC.
Por seu lado, os resultados da empresas que exploram os jogos de casino, incluindo o jogo do bingo ali praticado, não se encontram sujeitos a IRC pelo facto de as respectivas entidades estarem sujeitas ao impostos especial sobre o jogo (v. artigo 7.º do CIRC e Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro).
2.2 - Jogo do bingo fora dos casinos - estes rendimentos estão sujeitos a IRC, nas seguintes condições:
Se explorado por instituições que não desenvolvam a título principal actividades de natureza comercial ou industrial, a taxa é actualmente de 20% (n.º 4 do artigo 80.º do CIRC), sendo que boa parte destas entidades se encontra isenta nos termos do artigo 9.º do CIRC;
Caso sejam explorados por entidades que exerçam a título principal actividades de natureza comercial ou industrial, a tributação ocorre pela taxa geral, actualmente de 25% (n.º 1 do artigo 80 do CIRC), o que acontece por exemplo nas entidades que desenvolvem actividades ligadas ao turismo.
3 - Tributação em IVA:
a) Sujeição - regra geral (artigo 1.º e n.º 4 do artigo 6.º) - existe tributação em IVA quando o prestador tenha no território nacional a sua sede. Quando o prestador dos serviços tenha a sua sede fora do território nacional, a sujeição ocorre nos seguintes termos:
São tributadas em Portugal as prestações efectuadas por prestadores que não tenham no território nacional a sua sede, desde que o adquirente seja um sujeito passivo no território nacional [alínea n) do n.º 8 do artigo 6.º];
São tributadas as prestações de serviços efectuadas por prestadores com sede fora da União Europeia a não sujeitos passivos situado no território nacional - pressupondo-se neste caso que estes sujeitos passivos têm de obter um registo para efeitos de IVA em Portugal e nomear um representante fiscal [alínea b) do n.º 10 do artigo 6.º] - excepto se optarem por um registo único para a União Europeia, ficando assim sujeitos ao regime especial previsto no anexo I do Decreto-Lei 130/2003;
As prestações efectuadas por residentes noutros Estados membros da União Europeia a residentes no território nacional que não sejam sujeitos passivos são tributadas na sede do prestador, prevalecendo aqui o princípio da origem;
a) No regime especial previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei 130/2003, os sujeitos passivos não residentes em Estados membros da EU que queiram prestar serviços a residentes não sujeitos passivos, em vez de se registarem em cada um EM, podem efectuar um registo num único Estado membro estando prevista uma declaração que permita o apuramento posterior das receitas devidas a cada um dos Estados onde se realizaram aquelas prestações;
b) Isenções - estão isentas de imposto todas as prestações de serviços relacionadas com jogos efectuadas por entidades residentes, incluindo os jogos sociais, os bingos e os casinos (v. artigo 32.º e artigo 9.º).
4 - Tributação em imposto de selo:
a) Sujeição - estão sujeitas a imposto de selo as apostas de jogos não sujeitos ao regime do imposto especial sobre o jogo (representadas por bilhetes, boletins, cartões matrizes, rifas ou tômbolas), incluindo portanto as apostas nos jogos sociais (n.º 11 da tabela geral). Estão também sujeitos os cartões de acesso às salas de jogo de fortuna ou azar;
b) Taxas - à excepção dos jogos de casino, a taxa é de 25% sobre o valor das apostas; no que respeita aos cartões de acesso às salas de jogo, a taxa é variável conforme os modelos e os prazos de validade dos cartões;
c) Isenções - estão isentos os jogos sociais e o jogo do bingo se explorados por entidades que desenvolvam funções sociais e afectem as receitas dos jogos aos seus fins estatutários.
5 - Síntese - a tributação efectiva sobre os jogos. - Em síntese, verifica-se que ao nível do IR a única tributação relevante é a que incide sobre os ganhos dos jogadores através de retenção na fonte a título definitivo, uma vez que a generalidade das entidades que exploram jogos estão isentas, ou porque são tributadas em imposto especial sobre o jogo (casinos) ou porque revestem as condições previstas no artigo 10.º do CIRC. Apenas um número reduzido de entidades que exploram bingos, designadamente as que desenvolvem actividades de natureza turística, está efectivamente sujeito a IRC.
No que respeita ao IVA e ao imposto de selo, não obstante a incidência que existe sobre estas actividades, as isenções actuais afastam a respectiva tributação para a generalidade dos jogos explorados em Portugal.
6 - Ameaça aos jogos nacionais e às respectivas receitas fiscais. - Não obstante a exploração de jogos em Portugal continuar a não ser uma actividade económica livre, a verdade é que uma disponibilização de jogos de outros países, via Internet, ainda que ilegal, coloca problemas novos ao nível fiscal, os quais, apesar de encontrarem já solução na legislação fiscal actual, esbarram com dificuldades de controlo que dificilmente permitirão ao Estado Português efectuar a cobrança dos impostos devidos.
Vejamos então:
a) Ao nível do IR, os rendimentos dos residentes serão sempre tributados em Portugal, independentemente do local onde forem obtidos. Contudo, torna-se praticamente impossível conhecer os rendimentos obtidos em jogos via Internet, pagos por uma qualquer entidade não residente, frequentemente com sede em paraísos fiscais;
b) No que respeita ao IVA, não obstante a previsão de incidência fiscal sobre este tipo de prestações de serviços efectuadas via Internet, colocam-se as seguintes questões:
Se o prestador de serviços for um sujeito passivo com sede noutro país da União Europeia, a tributação ocorrerá no país de origem, dado que é uma prestação de serviços efectuada directamente a consumidores finais;
Se o prestador de serviços for um sujeito passivo que não tenha sede na União Europeia, o mesmo terá de nomear um representante em Portugal para aqui exercer esta actividade [v. alínea b) do n.º 10 do artigo 6.º do CIVA], podendo em alternativa optar por um registo único em toda a União Europeia (v. regime especial no anexo I do Decreto-Lei 130/2003), sendo que neste último caso haverá uma redistribuição das receitas por cada Estado membro na proporção do imposto aí gerado.
a) Verifica-se assim que, em qualquer dos casos, a prestação a residentes via Internet daquele tipo de serviços, por parte de não residentes, teria sempre um efeito negativo nas receitas fiscais de IVA, uma vez que, sendo o prestador de serviços de um outro Estado membro da União Europeia, a tributação em IVA ocorre no país de origem e, sendo de fora da União Europeia, a exigência de que todos os prestadores de serviços nomeiem um representante em Portugal, ou para toda a União, torna-se um objectivo de muito difícil controlo.
Níveis de fiscalidade e seus efeitos nas receitas dos jogos Como já se referiu, a fiscalidade dos jogos vem sendo considerada como o principal factor responsável pela alegada crise da actividade dos jogos, designadamente no que respeita aos jogos sociais e ao bingo, sendo igualmente apontada como factor inibidor do interesse pela exploração em Portugal das apostas mútuas hípicas, cujos concursos anteriormente lançados ficaram desertos. Nos jogos de casino, a respectiva exploração é atribuída por concessão, na qual são também acordadas as respectivas contrapartidas para o Estado e outras entidades públicas, não se colocando aqui o problema da fiscalidade, como acontece nos restantes jogos.
1 - Evolução das receitas dos jogos e causas explicativas. - Face ao referido pressuposto, há que averiguar se de facto se verificou uma redução das vendas dos jogos, designadamente dos jogos sociais e do bingo, tendo em conta que se verificou um aumento considerável da oferta destes jogos, com a introdução dos bingos na década de 1980 e das lotarias instantâneas, Loto 2 e Totogolo, na década de 1990.
1.1 - Estes novos jogos, beneficiando do efeito moda, da disseminação dos locais de jogos por todo o País, no caso do bingo, e de grandes campanhas publicitárias no caso das lotarias instantâneas, designadamente com o recurso a programas televisivos, incrementaram de forma não sustentada as vendas dos jogos em Portugal e tiveram efeitos negativos sobre as vendas dos jogos já existentes. Para compreender esta realidade, vejamos então alguns dados dos últimos anos:
Jogo do bingo fora dos casinos Evolução das receitas (ver documewnto original) Jogos sociais Evolução das receitas brutas Anos ... Receitas brutas (milhões de euros) ... Variação anual das receitas (percentagem) 1994 ... 647,66 ... 5,50 1995 ... 683,30 ... 4,01 1996 ... 710,68 ... 4,01 1997 ... 748,77 ... 5,36 1998 ... 775,06 ... 3,51 1999 ... 875,91 ... 13,01 2000 ... 870,68 ... -0,60 2001 ... 756,33 ... -13,13 2002 ... 783,89 ... 3,64 Total ... 6 852,28 1.2 - A análise daqueles quadros evidencia-nos que no caso do jogo do bingo se verifica, de facto, uma tendência decrescente das receitas, de valores significativos, a qual, à excepção de dois períodos de crescimento - entre 1990 e 1993 e entre 1998 e 2000 -, mostra uma tendência negativa com algum significado, ao ponto de em 2002 se situar em níveis idênticos aos de 1991. A tendência constatada pode ser explicada por vários factores, de entre os quais se destacam:
O número excessivo de salas inicialmente abertas, bem como a perda do efeito moda, que terá sido responsável pelo sucesso deste jogo na primeira década da sua existência;
A crise económica - com efeitos sobretudo em 1993, onde se verificou um crescimento quase nulo, e em 2003, em que se constata um decréscimo significativo das respectivas receitas;
O agravamento da fiscalidade a partir de 1995, ano em que a taxa de retenção na fonte passou de 25% para 35% (ver nota 4), em que se iniciou, de facto, um período de redução significativa das receitas brutas deste jogo, situação que só volta a ser contrariada a partir de 1998, com a reposição daquela taxa nos anteriores 25% (ver nota 5).
1.3 - No caso dos jogos sociais e tendo apenas por base os dados que nos foram disponibilizados para os anos de 1994 e seguintes, é possível verificar comportamentos distintos do volume de receitas, designadamente:
a) Um crescimento sustentado até 1999, o qual se deve sobretudo ao aumento real da procura, dada a política de contenção de preços que se verificou sobretudo ao nível das apostas mútuas, para o qual contribuíram, sobretudo:
A introdução da lotaria instantânea em 1995, cujo apogeu se verificou entre 1998 e 2000, mediante a promoção de um programa televisivo de grande sucesso (ver nota 6), o qual foi também responsável pelo incremento das vendas da lotaria clássica, sobretudo em 1998 e 1998;
A introdução do Loto 2, em 1997;
b) Um decréscimo iniciado em 2000 e que tem a sua máxima expressão em 2001, com uma redução de cerca de 13% em relação ao ano anterior;
c) Uma nova recuperação iniciada em 2002 (+3,64%), que ainda não foi suficiente para recuperar as perdas de 2000 a 2001, mas que estamos certos que serão largamente recuperadas pelas receitas de 2003, a avaliar pelas retenções na fonte entregues nos cofres do Estado (v. anexo n.º 1);
d) É também patente nesta análise que o problema da fiscalidade não é o único que afecta os jogos sociais, uma vez que apesar da redução da taxa liberatória de 25% para 35% em 1998 (-28,5%), as apostas mútuas desportivas mantiveram a sua tendência decrescente acentuada, com as receitas de 2002 a serem inferiores às de 1994 em cerca de 61%, não obstante a introdução de mais um jogo, o Totogolo, a partir de 1998 (v. anexo n.º 2). É também visível que as receitas das lotarias, cujas taxas de tributação também foram reduzidas em 1998, de 35% para 25%, iniciaram nova tendência decrescente continuada a partir de 2000.
1.4 - Globalmente verifica-se que a introdução de novos jogos pode ter reflexos negativos nas vendas dos jogos já existentes, situação que podemos considerar esperada, dadas as limitações dos orçamentos familiares Não obstante o decréscimo das receitas daqueles jogos em 2000 e 2001, verifica-se um crescimento no período da ordem dos 21%, entre 1994 e 2002, o que, face aos reduzidos aumentos do preço das apostas mútuas (as mais expressivas no computo global), significa um aumento efectivo dos valores que os portugueses despenderam em jogos sociais no período em análise.
1.5 - Os valores despendidos em jogos evidenciam um peso cada vez menor do produto interno bruto, conforme se pode verificar no quadro seguinte, onde se constata uma evolução de 0,97% do PIB em 1995 para 0,70% em 2002, com a média do período a situar-se nos 0,84%.
Receitas dos jogos sociais e do bingo em percentagem do PIB (ver documento original) 2 - Importância dos jogos como fonte de receitas públicas:
2.1 - Análise dos jogos sociais e do jogo do bingo no ano de 2002 - em Portugal, a generalidade dos jogos é uma fonte privilegiada de receitas públicas, considerando aqui as seguintes formas:
Retenções na fonte sobre os prémios pagos aos jogadores, incluindo todos os jogos, à excepção dos jogos de casino;
Afectação directa de uma percentagem das receitas liquidas ao Orçamento de Estado ou ao orçamento de determinadas entidades públicas;
Consignação de uma parte das receitas ilíquidas ou dos resultados líquidos de exploração a diversas funções económicas e sociais desempenhadas por determinadas entidades sem fins lucrativos, em substituição do Estado.
O quadro seguinte procura reflectir, dentro do possível, esta realidade, evidenciando a distribuição das receitas brutas dos jogos pelos diversos intervenientes no ano de 2002:
Receitas dos jogos e sua afectação - Ano de 2002 (ver documento original) A leitura do quadro anterior permite destacar:
O facto de os jogadores, em média, apenas auferirem 41,25% e 37,46% dos valores jogados, respectivamente no jogo do bingo e nos jogos sociais;
O facto das receitas públicas directas e indirectas atingirem os 51,96% nos jogos sociais e os 25,98% no jogo do bingo, com a média global a situar-se nos 48,31%;
Que as receitas das entidades que exploram salas de bingo, em média cerca de 42% das receitas ilíquidas, para além de cobrirem os custos de exploração, se destinam ainda a fazer face a funções de natureza social ou desportivas quando as entidades que exploram aquelas salas são entidades sem fins lucrativos (entidades de assistência social, clubes desportivos, etc.).
2.2 - Apesar de não dispormos de dados que nos permitam efectuar uma análise desagregada das receitas globais dos jogos de casino e respectiva afectação, a verdade é que os mesmos contribuem também com verbas significativas de receitas públicas, envolvendo cerca de 136,13 e 150,67 milhões de euros, respectivamente em 2002 e 2003, dos quais uma parte significativa (49,9 milhões de euros em 2002 e 55,49 milhões de euros em 2003) foi directamente para o Orçamento do Estado e a restante para financiamento de apoio ao turismo e outras entidades públicas.
2.3 - Assim sendo e sem contar com a parte das receitas das entidades exploradoras das salas de bingo, por estas afectas a fins sociais, desportivos ou outros, as receitas públicas originadas pelos jogos (ver nota 8) autorizados em Portugal, no ano de 2002, representavam cerca de 576,66 milhões de euros, ou seja, cerca de 115,6 milhões de contos, o que revela que esta actividade é uma fonte significativa de financiamento do Estado, quer pela forma directa (v.g. impostos e participação nos resultados) quer pela forma indirecta, pela substituição de despesa orçamental, em funções que caberia ao Estado desempenhar (v.g. assistência social, fomento do desporto e desenvolvimento do turismo).
3 - O incremento das receitas provenientes dos jogo e a fiscalidade:
3.1 - Modelo de exploração e seu impacte nas receitas:
3.1.1 - No que respeita aos jogos sociais, o Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, após retirar as receitas afectas a prémios, conforme percentagens estabelecidas nos regulamentos de cada um dos jogos (ver nota 9), a qual fará face ao pagamento dos prémios líquidos e ao respectivo imposto retido, retira os valores correspondentes aos respectivos custos de exploração (ver nota 10), os quais rondavam, em 2002, os 12,62% das receitas brutas, distribuindo as receitas de exploração dos jogos, bem como as correspondentes aos prémios prescritos, por cerca de uma dezena e meia de entidades beneficiárias, de onde se destacam com 24,9%, 22,1%, 11,7%, 7,5%, 9,2% e 6%, respectivamente, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, os diversos organismos ligados ao fomento de actividades desportivas, a Direcção-Geral do Tesouro, os organismos ligados à prevenção e reabilitação de cidadãos portadores de deficiência e as instituições particulares de solidariedade social.
3.1.2 - Face ao que foi dito, todas as receitas públicas dos jogos sociais, à excepção da retenção na fonte de IRS sobre os prémios pagos e dos montantes dos prémios prescritos, dependem da eficiência do funcionamento do Departamento de Jogos (ver nota 11).
3.1.3 - Por sua vez, no que se refere ao jogo do bingo, também existe responsabilidade das entidades exploradoras na respectiva gestão, uma vez que, para além da percentagem para prémios, que inclui naturalmente o imposto devido por retenção na fonte, as restantes receitas afectas a entidades públicas são definidas em função do valor das receitas ilíquidas.
3.2 - Tributação dos jogos e fluxos de receitas para cobertura de despesa pública em substituição do Estado:
3.2.1 - Conforme já anteriormente referimos, os jogos são uma boa fonte de financiamento de funções do OE, quer pela via das receitas que geram (receitas fiscais/patrimoniais) quer pela via da diminuição de certas despesas orçamentais, em virtude da aplicação de partes significativas dos saldos de exploração dos jogos em determinadas despesas que em primeira linha caberiam ao Estado (v.g. assistência social e fomento do desporto).
3.2.2 - Dado que a fiscalidade que afecta os rendimentos de jogos é sobretudo a que recai sobre os prémios pagos, uma vez que a quase totalidade das entidades que os exploram se encontra isenta de IRC, uma redução fiscal, mantendo a actual forma de distribuição das receitas brutas, tem como primeira e principal consequência o aumento dos prémios dos jogadores por contrapartida de uma igual diminuição das retenções na fonte sobre os prémios pagos, isto se considerarmos uma análise ceteris paribus (ver nota 12).
3.2.3 - Sabemos, também, que ao aumentar o valor dos prémios pagos aos apostadores pela via da redução fiscal o jogo se torna mais atractivo, podendo atrair novos jogadores e incentivar o aumento do gasto despendido pelos actuais jogadores, atenuando assim a perda fiscal inicial, através do aumento da base tributável. Para além disso, uma possível redução fiscal tem igualmente efeitos indirectos, designadamente:
O aumento dos prémios na parte não reinvestida em jogo traduz-se, naturalmente, no aumento do consumo e da poupança, com os consequentes efeitos ao nível do IVA e do IR;
O aumento das receitas líquidas de exploração a distribuir pelas diferentes entidades beneficiárias, entre as quais o próprio Estado e alguns dos seus organismos, que se traduzirão em substituição da despesa orçamental.
3.2.4 - No que respeita aos jogos sociais, o conjunto dos efeitos directos e indirectos de uma possível redução fiscal foi objecto de um estudo da Universidade Católica Portuguesa no qual se pretende demonstrar, considerando uma redução fiscal de 1%, que a perda imediata da receita correspondente à retenção na fonte seria posteriormente compensada em cerca de 92% pelos respectivos efeitos directos e induzidos, admitindo-se mesmo uma recuperação de receitas da ordem dos 100% (ver nota 13).
3.2.5 - Porém, uma redução da taxa liberatória sobre os ganhos dos jogos originará tendencialmente:
Uma redução do IRS incidente sobre os jogos, limitada a cerca de 70% da perda inicial de receitas (ver nota 14);
Um acréscimo dos resultados de exploração dos jogos, em cerca de 49,5% da perda inicial de receitas (ver nota 15), os quais, se aplicados com eficiência, se traduzirão em poupança de despesa orçamental, dado que as entidades beneficiárias desempenham funções de substituição do Estado em vertentes, designadamente ao nível da despesa social.
Os restantes cerca de 20,5% não recuperados por esta via são de facto de recuperação bastante incerta, tendo em conta designadamente alguns aspectos limitativos do referido estudo académico, incluindo os que por este são evidenciados.
3.2.6 - Face ao que foi referido, consideramos inevitável que uma redução da tributação sobre os ganhos dos jogos tenha consequências orçamentais negativas com algum impacte, em virtude de a redução das receitas fiscais (ver nota 16) não ser compensada pelo aumento dos resultados de exploração aplicados em despesa pública. Este impacte negativo poderá ser ainda maior perante uma redução significativa da carga fiscal, com o consequente aumento dos resultados líquidos de exploração, caso as entidades por quem estes resultados são distribuídos não rentabilizem eficazmente os montantes adicionais que lhes são atribuídos, substituindo efectivamente despesa orçamental (ver nota 17).
3.3 - A necessidade de algumas medidas de redução fiscal:
3.3.1 - O desagravamento da fiscalidade incidente sobre os prémios distribuídos nos jogos sociais e no bingo, que, como já vimos, dificilmente será compensado na totalidade pelos acréscimos directos e indirectos do conjunto das receitas públicas dos jogos, tem, apesar de tudo, outro tipo de justificações, que não podemos deixar de considerar e das quais se destacam:
Os rendimentos dos jogos são objecto de uma carga fiscal extremamente elevada, com efeitos mais gravosos nos prémios de pequena dimensão (ver nota 18), tanto mais que não incide sobre os ganhos efectivos (ver nota 19) mas sobre o valor ilíquido dos prémios atribuídos;
Os níveis actuais da fiscalidade tendem a tornar menos atractivo o jogo legal, potenciando a passagem de alguns jogadores para o jogo ilegal, situação que evidencia um perigo acrescido com a crescente disponibilização dos chamados "casinos online", que apesar de ilegais proliferam na Internet, com a tendência para a diminuição das receitas do jogo legal e a consequente perda de receitas fiscais e outras receitas públicas;
A prevista concessão pelo Estado da exploração das apostas mútuas hípicas goza já de um regime fiscal privilegiado nos primeiros cinco anos após o início da sua exploração, com a tributação dos prémios distribuídos isenta de IRS mas sujeita ao imposto de selo, a taxas graduais que variam entre um mínimo de 5% e um máximo de 20%, de acordo com o montante dos prémios a atribuir.
3.3.2 - É referido pelo representante da Ministra de Estado e das Finanças que há ainda a referir que a redução fiscal operada a partir de 1998, com as taxas liberatórias a passarem de 35% para 25%, no que se refere a lotarias, apostas mútuas desportivas e bingos, teve um efeito efémero ao nível das lotarias e das apostas, cuja tendência de queda foi retomada a partir de 2000, e não conseguiu inverter a queda continuada das apostas mútuas desportivas, evidenciando, contudo, um efeito favorável ao nível das receitas dos bingos.
Esta situação leva-nos a crer que os principais problemas que justificam as reduções da procura de determinado tipo de jogos não serão por certo resolvidos com terapias de mera redução da carga fiscal.
Entendimento diferente perfilha o representante do Ministro da Segurança Social e do Trabalho, segundo o qual, no que respeita às lotarias e apostas mútuas desportivas se trata apenas de uma opinião não fundamentada. Por exemplo, em Espanha, a isenção de tributação faz que as receitas da lotaria representem mais de 70% das receitas de todos os jogos sociais espanhóis.
A literatura internacional existente coincide exactamente no contrário: a sujeição a tributação implicou sempre uma forte redução da procura, em alguns casos de forma irrecuperável. Acresce, no caso português, que o Totobola (única aposta desportiva existente) representa apenas 1,3% do total das receitas (cerca de 10 milhões de euros), enquanto por exemplo, em França, as receitas das apostas desportivas representam mais de 30% dos jogos sociais. A eliminação da tributação neste caso não teria nenhum impacte nas receitas do Estado.
3.3.3 - Mais entende o representante da Ministra de Estado e das Finanças que, por outro lado, e numa perspectiva da tendência à crescente liberalização desta actividade que actualmente na maioria dos países da União Europeia é ainda um monopólio do Estado, a existência de uma fiscalidade significativa é também um obstáculo importante ao interesse de entidades externas na exploração do jogo em Portugal, protegendo assim as entidades nacionais que já operam neste negócio.
O representante do Ministro da Segurança Social e do Trabalho dá por reproduzidos os argumentos supra-aduzidos no n.º 3.2.2, esclarecendo que a manutenção do status quo fiscal, se adoptada a proposta de directiva em que vigorará o princípio do país de origem, coloca as seguintes questões fundamentais:
Quem controla a aplicação das regras fiscais portuguesas no caso das apostas de residentes em jogos oferecidos por operadores estrangeiros, através da Internet ou de outros meios? Qual será a verdadeira perda fiscal para o Estado Português? Num ambiente de livre concorrência, a questão fiscal é um dos factores mais importantes da competitividade. Alguém seriamente imagina que seja possível competir com os jogos espanhóis, por exemplo? Uma das alternativas deveria ser a de propor a isenção dos prémios de tributação, em sede de IRS, como forma de garantir o aumento de escala dos jogos sociais explorados pela SCML, salvaguardando os interesses nacionais e designadamente que revertam para o Estado os lucros gerados por esta actividade, para que este possa devolver à sociedade portuguesa o que esta gasta em jogos. De contrário, será a sociedade portuguesa, quando as apostas forem dirigidas para jogos estrangeiros, a financiar as despesas sociais dos outros Estados.
XIII - Propostas Importa agora formular as seguintes propostas:
I) Manutenção do princípio geral de proibição de jogos de fortuna ou azar ou jogos a dinheiro e do princípio da reserva estadual;
II) Estatuição do princípio da instrumentalidade dos jogos autorizados, em função da prossecução de fins de interesse público;
III) Enquadramento da actividade, da tipologia, regime e normas sancionatórias dos jogos numa lei de bases, revogando-se a actual legislação, no sentido da unificação legislativa;
IV) Previsão de mecanismos de deslegalização, no âmbito da mencionada lei de bases;
V) Determinar aos serviços competentes a defesa, nas várias instâncias, da firme oposição ao princípio da liberalização e integração do jogo no mercado de serviços, máxime no âmbito dos trabalhos de elaboração da proposta de directiva atinente à criação de um mercado interno de serviços;
VI) Manutenção do exclusivo dos jogos sociais na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com alteração do regime de criação e regulação dos jogos no que respeita à respectiva deslegalização;
VII) Aprovação de um novo regime de apostas mútuas hípicas urbanas, estreitamente ligado ao desenvolvimento do sector rural;
VIII) Ponderação da intervenção de entidades públicas, de entidades detidas por entidades públicas ou sujeitas ao respectivo poder de supervisão ou tutela no âmbito da exploração de apostas mútuas hípicas urbanas;
IX) Manutenção de princípio da não realização de apostas mútuas hípicas urbanas, associada, com carácter obrigatório, à introdução de apostas com base nos resultados das corridas no estrangeiro e prévia à realização de investimentos;
X) Criação de um regime material - com estatuição dos requisitos e procedimentos para a respectiva exploração e autorização - das modalidades afins dos jogos de fortuna e azar e máquinas de diversão, atendendo à ausência de quadro regulador substantivo e tendo em conta a necessidade de pôr termo às disparidades de critérios existentes, em função da entrada em vigor do Decreto-Lei 310/2002, com a introdução de um registo de operadores;
XI) Proibição - excepção feita aos jogos sociais - do jogo electrónico;
XII) Promoção de campanhas de informação sobre o jogo ilícito;
XIII) Substituição de sanções penais por sanções contra-ordenacionais e aumento substancial das coimas, como forma de desincentivo do jogo ilícito em máquinas e senhas e jogos paralelos aos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com responsabilização do titular dos meios utilizados, mas também do titular do local onde se encontrem os referidos meios;
XIV) Caracterização da ludopatia, a efectuar no âmbito dos serviços próprios do Ministério da Saúde;
XV) Separação institucional das funções de supervisão, regulação, licenciamento e de fiscalização;
XVI) Criação de um órgão independente de supervisão do jogo, com funções de licenciamento, ponderação dos interesses dos jogadores e funções consultivas ao Governo;
XVII) Previsão de uma tutela transversal de coordenação da actividade do jogo;
XIX) Ponderação da criação de um fundo com as receitas dos jogos - excepção feita às receitas que financiem as atribuições da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa -, sem prejuízo dos direitos e expectativas adquiridos, cujas receitas serão a afectar anualmente em sede de Orçamento do Estado;
XX) Redução das taxas liberatórias do imposto sobre o rendimento que actualmente incidem sobre os prémios atribuídos pelo jogo do bingo, bem como pelos jogos sociais, à excepção das lotarias instantâneas (ver nota 20) Estas são, em síntese, as propostas formuladas, em ordem à definição, adopção e execução de uma política nacional do sector.
Notas (nota 1) Estas referências encontram-se sublinhadas no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2002, tirado no processo 482/2001.
(nota 2) Elementos colhidos do relatório do grupo de trabalho para analisar as implicações dos diversos impostos incidentes sobre os jogos em 1998.
(nota 3) O grupo de trabalho adoptou o texto elaborado pelo representante da Ministra de Estado e das Finanças, com alterações, o qual se encontra, na sua integralidade, em anexo.
(nota 4) V. Lei 39-B/94, de 27 de Dezembro.
(nota 5) V. Lei 127-B/97, de 20 de Dezembro.
(nota 6) Designado Roda dos Milhões.
(7) Custos de exploração da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa/DJ, incluem os fundos obrigatórios previstos na lei, bem como as comissões de mediação, comissões por prémios pagos e custos com publicidade.
(nota 8) Sem contar aqui com as receitas respeitante aos ganhos afins (concursos promocionais e ou de entretenimento).
(nota 9) 65% nas Lotarias Clássica e Popular e 55% no Totobola e 50% nos restantes jogos.
(nota 10) Dá-se por reproduzido o conceito alinhado supra, de custos de exploração.
(nota 11) O que no entender do representante da Ministra de Estado e das Finanças justificaria um eventual contrato de concessão.
(nota 12) Fazendo variar a taxa de imposto, supondo que tudo o resto se mantém constante.
(nota 13) V. a este propósito o entendimento do representante da Ministra de Estado e das Finanças.
(nota 14) Considerando que a redução em 1% na taxa liberatória originará uma redução inicial de 83,1 milhões de euros na receita fiscal, a qual será em parte compensada pela recuperação de 17,49 milhões de euros, em resultado do aumento da procura.
(nota 15) Correspondente ao acréscimo do resultado líquido de exploração em 41,16 milhões de euros, em resultado do aumento da procura.
(nota 16) Redução inicial menos o acréscimo induzido pelo aumento da procura.
(nota 17) O representante do Ministro da Segurança Social e do Trabalho e a coordenadora do grupo de trabalho defendem que esta consequência se verifica a curto prazo apenas, nos termos e com os fundamentos constantes do estudo oriundo da Universidade Católica a que já se fez alusão.
(nota 18) 25% nos prémios do bingo, das lotarias e das apostas mútuas desportivas e 25% no Totoloto e no JOKER.
(nota 19) Valor ganho - valor apostado (com significado nos pequenos prémios).
(nota 20) O representante do Ministro da Segurança Social e do Trabalho perfilha o entendimento de que a redução deve ser extensiva à lotaria instantânea.
Paula Teixeira da Cruz - António da Assunção Duarte - Joaquim Caldeira - Maria João Abecasis - Fernando Paes Afonso.