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Acórdão 632/99/T, de 20 de Março

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Texto do documento

Acórdão 632/99/T. Const. - Processo 166/99. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Laboratório Medinfar, S. A, com sede em Lisboa, intentou no Tribunal Judicial de Lisboa, acção de condenação com processo ordinário contra Astra Hassle Aktiebolaget, AB, com sede na Suécia, e outra, pedindo ao tribunal que condenasse as RR. a pagar à A. a quantia de 300 000 000$00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, bem como o que viesse a ser liquidado em execução de sentença a título de danos patrimoniais e não patrimoniais e ainda em custas e demais acréscimos legais.

A empresa sueca foi citada por carta registada com aviso de recepção; na referida carta foi consignada a dilação mínima.

As RR. não contestaram, pelo que se consideraram confessados os factos articulados pela A., nos termos do artigo 484.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

A acção foi julgada procedente por sentença do Tribunal Cível de Lisboa e as RR. condenadas a pagar à A. a quantia que viesse a ser apurada em execução de sentença referente aos danos patrimoniais e não patrimoniais invocados.

Nas alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluíram as RR., nos seguintes termos:

"...

5 - Ainda que se considere que a ora recorrente Astra Hassle Aktiebolaget, AB, foi regularmente citada, então não podem ser dados como provados os juízos de valor constantes dos n.os 10, 11, 13, 24, 25, 34, 35, 37, 38, 45 e 50 da sentença a quo, porquanto o efeito cominatório do artigo 484.º, n.º 1, do Código de Processo Civil abrange apenas factos.

6 - Dos factos provados não emerge qualquer ofensa ao bom nome, reputação e imagem da A.

7 - A publicidade constante dos documentos dos autos não individualiza nem os produtos com que é comparado o produto fabricado pelas ora recorrentes, nem o seu produtor, sendo certo que não estão alegados factos que permitam concluir que tal publicidade se baseie em características essenciais, afins e objectivamente demonstráveis, pelo que não viola os artigos 7.º e 16.º do Decreto-Lei 330/90, de 23 de Outubro.

8 - Não foram alegados factos que permitam dar como provado que a A. sofreu danos patrimoniais em consequência da alegada conduta das ora recorrentes, pelo que não podia a decisão a quo concluir pela sua existência e muito menos determinar que tais danos sejam liquidados em execução de sentença, com base no artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

9 - A sentença a quo por erro de interpretação violou, assim, os artigos 194.º, alínea a), 195.º, n.os 1, alínea d), e 2, alínea d), 197.º, 228.º, n.º 1, 244.º, 484.º, n.º 1, e 661.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, e 7.º e 16.º do Decreto-Lei 330/90, de 23 de Outubro.

10 - A sentença a quo violou ainda, por erro de interpretação, o artigo 20.º da Constituição e 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em conjugação com os artigos 195.º, n.º 1, alínea d), e 244.º, ambos do Código de Processo Civil; ou, se assim se não entender, o citado artigo 195.º, n.os 1, alínea d), e 2, alínea d), estarão feridos de inconstitucionalidade por omissão, pelo que:

11 - A sentença a quo deve ser anulada, e efectivada a citação da ora recorrente Astra Hassle Aktiebolaget, AB, aproveitar à Astra Portuguesa - Produtos Farmacêuticos, Lda., o prazo de contestação da primeira, nos termos do artigo 486.º, n.º 2, do Código de Processo Civil."

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa revogou parcialmente a decisão recorrida e julgou adequado fixar em 100 000 000$00 a indemnização apenas por danos não patrimoniais a pagar pelas apelantes, Astra Hassle Aktiebolaget, AB, e Astra Portuguesa - Produtos Farmacêuticos, Lda., à apelada, Laboratórios Medinfar, S. A., pelo facto de a sua imagem de mercado, o seu prestígio industrial e o bom nome terem sido intensa e negativamente afectados pela acção dolosa e ilícita das apelantes. Este aresto julgou ainda improcedente a alegada inconstitucionalidade.

Inconformadas, as RR. interpõem recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo nas suas alegações:

"...

7 - Mas ainda que assim fosse - o que por mera hipótese se admite - , a lesão da imagem, prestígio e bom nome da recorrida não teria magnitude que justifique uma indemnização por danos não patrimoniais de 100 mil contos, nem ela é conforme com os critérios jurisprudenciais de equidade para a ofensa de interesses de maior valia - como é o caso da vida - ou em que a intensidade da lesão e o universo da sua publicitação não têm par com os dos autos.

8 - O acórdão a quo, por erro de interpretação, violou, assim, os artigos 194.º, alínea a), 195.º, n.os 1, alínea d), e 2, alínea d), 197.º, 228.º, n.º 1, 244.º, 484.º, n.º 1, e 712.º todos do Código de Processo Civil, e 483.º e seguintes do Código Civil.

9 - O acórdão a quo violou, ainda, por erro de interpretação, os artigos 20.º da Constituição e 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em conjugação com os artigos 195.º, n.º 1, alínea d), e 244.º, ambos do Código de Processo Civil, na redacção vigente ao tempo da citação, sendo o último destes preceitos inconstitucional se o seu sentido for o de, na citação, por via postal, de réu residente em país estrangeiro, que não seja português, não ser exigível tradução, pelo menos, da carta de citação, na língua do Estado da residência do réu, ou numa das línguas veiculares da supracitada Convenção da Haia, se, como é o caso, o Estado requerente e o Estado requerido forem signatários da mesma Convenção.

10 - O acórdão a quo deve ser revogado e absolvidas as rés do pedido ou, se assim se não entender, anulada a sentença de 1.ª instância, e efectivada a citação da ora recorrente Astra Hassle Aktiebolaget, AB, aproveitar à Astra Portuguesa - Produtos Farmacêuticos, Lda., o prazo de contestação da primeira, nos termos do artigo 486.º, n.º 2, do Código de Processo Civil."

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça concedeu parcialmente a revista condenando as RR. a pagar 5 000 000$00 de indemnização, considerando, também, improcedente a arguição de inconstitucionalidade.

É deste acórdão que vem interposto o presente recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82.

Conforme o respectivo requerimento de interposição, pretendem as recorrentes a apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 195.º, n.º 1, alínea d), e 244.º, ambos do Código de Processo Civil, na redacção anterior à introduzida pelos Decretos-Leis 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96, de 25 de Setembro, por violação dos artigos 20.º da Constituição da República Portuguesa e 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Das suas alegações para o Tribunal Constitucional, extraem-se as seguintes conclusões:

"1 - À citação de réu residente em país estrangeiro é aplicável a lex fori.

2 - A Convenção da Haia de 15 de Novembro de 1965 permite a citação postal directa, sendo certo que o Reino da Suécia e a República Portuguesa são partes de tal Convenção.

3 - Nos termos dos artigos 228.º, n.º 1, e 244.º, ambos do Código de Processo Civil, a citação de réu residente em país estrangeiro pode ser feita por via postal, desde que a isso não se oponha tratado ou convenção internacionais aplicáveis; mas quando ele não seja português, exige que, pelo menos, a carta de citação vá traduzida na língua do Estado de residência do réu, ou numa das línguas veiculares da supracitada Convenção da Haia.

4 - Tal tradução constitui, à luz do citado artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, formalidade essencial, cuja preterição determina falta de citação, ex vi do artigo 195.º, alínea d) do Código de Processo Civil, e, consequentemente, nulidade da sentença de 1.ª instância, de harmonia com o preceituado nos artigos 194.º, alínea a), e 197.º, ambos do Código de Processo Civil, já que a referida decisão, como, aliás, os subsequentes acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça, considerou as rés regularmente citadas.

5 - Os artigos 244.º e 195.º, n.º 1, alínea d), ambos do Código de Processo Civil, na interpretação do tribunal recorrido, são inconstitucionais, por violadores do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem."

A recorrida, por seu turno, pugna pela manutenção do julgado recorrido.

Cumpre decidir.

2 - A questão de constitucionalidade que cumpre apreciar e decidir consiste em saber se as normas dos artigos 191.º, n.º 1, alínea d), e 244.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior às alterações introduzidas naquele diploma em 1987, interpretadas no sentido de que a citação feita em língua portuguesa, por via postal com aviso de recepção, de citando, residente em país estrangeiro, signatário da Convenção da Haia de 15 de Novembro de 1965, viola o princípio consignado no artigo 20.º, conjugado com o disposto no artigo 13.º, ambos da Constituição, e o artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Para a recorrente, tal princípio imporia que a carta de citação viesse traduzida em língua sueca (língua do país da sede da recorrente) ou em outra das línguas veiculares da citada Convenção da Haia.

Será assim?

3 - Começa por se salientar que não se insere na competência do Tribunal Constitucional sindicar a legalidade da interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) da norma constante do artigo 244.º do Código de Processo Civil no sentido de que a ela obedece a citação feita em língua portuguesa, a isto se não opondo o disposto na Convenção da Haia [em especial o artigo 10.º, alínea a)], aprovada para ratificação pelo Estado Português através do Decreto-Lei 210/71, de 18 de Maio.

Ao Tribunal Constitucional incumbe, apenas, no âmbito do recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, decidir se aquela norma, com a interpretação que lhe foi dada, viola qualquer norma ou princípio constitucional.

Não deixa, porém, de se assinalar que a interpretação acolhida pelo STJ segue uma linha jurisprudencial largamente dominante nos nossos tribunais como se evidencia nos Acórdãos da Relação de Évora de 21 de Maio de 1981, in Colectânea de Jurisprudência, III, p. 275, e de 4 de Fevereiro de 1983 sumariado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 326, p. 540, da Relação do Porto de 15 de Setembro de 1988, sumariado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 379, p. 638, e do STJ de 10 de Março de 1977, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 265, pp. 175 e segs., sendo que este último revogou o Acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Abril de 1976, único que a recorrente cita em abono da sua tese.

Uma segunda nota preliminar concerne à invocação da violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 6.º, n.º 1).

Cabe aqui chamar à colação o que a propósito de semelhante invocação se escreveu no Acórdão deste Tribunal n.º 352/98, in Diário da República, 2.ª série, n.º 160, de 14 de Julho de 1998.

"[...] se a Convenção Europeia dos Direitos do Homem deve ser perspectivada num sentido de aplicação directa no ordenamento jurídico nacional, é necessário não olvidar que, se dos preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais já se retirarem em todas as vertentes (aqui se incluindo as que se extractam de uma interpretação, como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p., 138, 'de acordo com as regras hermenêuticas, à ordem constitucional dos direitos fundamentais'), o alcance e sentido que porventura se encontrem naquela Convenção, nada lhe sendo, pois, acrescentado por esta, o recurso à mesma é, de todo e na realidade das coisas, destituído de sentido (cf., por entre muitos, os Acórdãos deste Tribunal n.os 14/84, n.º 2.2, parte final, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2.º vol., pp. 339 e segs., e 222/90, idem, 16.º vol., pp. 635 e segs.).

Parafraseando, e com a adaptação que se imporá, os autores e obra citados - que se reportam não à Convenção dos Direitos do Homem, mas sim à Declaração Universal dos Direitos do Homem e a propósito do n.º 2 do artigo 16.º da Constituição -, esta questão é praticamente irrelevante, pois a Constituição não só consumiu a Declaração - sendo muitas das disposições constitucionais reprodução textual, ou quase textual, de disposições daquela - mas também inclui direitos não referidos na Declaração".

No mesmo sentido, cf. Acórdãos n.os 147/92 e 223/95, in Diário da República, 2.ª série, de 24 de Julho de 1992, e de 27 de Junho de 1995, respectivamente.

No caso, o disposto no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, consagrando o direito dos cidadãos a que a sua causa seja examinada "equitativa e publicamente", "num prazo razoável", "por um tribunal independente e imparcial", não confere direitos diversos ou mais extensos do que os previstos na nossa Constituição, máxime no seu artigo 20.º; ao invés, mesmo, este preceito constitucional, na concretização do princípio do acesso ao direito e do direito à tutela jurisdicional efectiva, e utilizando a linguagem do acórdão, em parte transcrito, "não só consumiu a Declaração [...] mas também inclui direitos não referidos na Constituição".

4 - Sendo o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa um preceito que integra diversos comandos normativos e não explicitando, embora, a recorrente qual deles elege como parâmetro de inconstitucionalidade, toda a argumentação desenvolvida nas alegações faz convocar o segmento normativo final do n.º 4 daquele preceito no ponto em que confere o direito a um "processo equitativo".

Não foi o facto de a última revisão constitucional ter alterado aquele preceito, com expressa consagração do referido direito, que implicou diferente postura do Tribunal Constitucional relativamente ao que vinha sendo decidido, anteriormente à revisão, sobre o mesmo direito.

Com efeito, já antes e face à redacção então vigente do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal decidiu nos seguintes termos (Acórdão 208/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º vol. pp. 527 e segs.):

"Refira-se, quanto ao ponto de que nos ocupamos, desde logo, que, como tem sido sublinhado pela jurisprudência deste Tribunal o direito de acesso aos tribunais, consignado na transcrita norma, é um direito à solução dos conflitos por banda de um órgão independente e imparcial face ao qual as partes se devem postar em condições de total [...]

A estatuição constitucional de que agora nos ocupamos pressupõe, também, no domínio da jurisdição como função do Estado, a valência da ideia de igualdade consubstanciada em todos terem o direito de aceder aos tribunais em condições de igualdade e, se revertermos à jurisdição civil, e desfrutarem de iguais condições com vista à obtenção dos seus direitos ou interesses.

Daí que essa igualdade inculque que as partes no processo tenham ao seu dispor os mesmos meios, não sendo legítimos tratamentos injustificados de favor de uma parte em detrimento da outra. É, enfim, imposto por aquela norma constitucional ao ordenamento jurídico infra-constitucional a consagração de toda uma arquitectura normativa processual de onde resulte para as partes uma 'igualdade de armas'."

Com isto se pretende demonstrar ser irrelevante decidir se, tendo ocorrido a citação da recorrente em data anterior à revisão constitucional de 97, a questão de constitucionalidade deve ser resolvida no quadro normativo constitucional então vigente ou no que veio a resultar da referida revisão.

Como se viu do passo supratranscrito do Acórdão 208/93, a exigência de um processo equitativo como vertente do direito de acesso aos tribunais traduz-se, no essencial, no direito das partes "a desfrutarem de iguais condições com vista à obtenção dos seus direitos ou interesses"; as normas processuais hão-de proporcionar uma situação de paridade entre as partes na dialéctica que elas protagonizam na defesa dos seus respectivos direitos.

O modo como o legislador ordinário concretiza essa imposição da lei fundamental é, porém, livre e incensurável no plano constitucional se as medidas legislativas adoptadas assegurarem, no processo, aquela igualdade.

Mas o direito a um "processo equitativo" exige, para além disto, que a lei, na oferta de iguais meios de defesa dos direitos das partes, tenha construído um modelo que permita também, de uma forma adequada e equilibrada e sem prejuízo do respeito por outros valores igualmente determinantes na administração da justiça, uma defesa eficaz das perspectivas antagónicas que se confrontam no processo.

É óbvio, porém, que a arquitectura processual desenvolvida pelo legislador, no respeito pelos valores constitucionais a que deve obedecer, e cuja concordância determina, aqui e ali, cedências recíprocas - não pode, sempre e totalmente, ultrapassar diferenças que resultam da "natureza das coisas", sobrando algumas vezes pequenas zonas em que a paridade absoluta não é sequer atingível; ponto é que, nesse âmbito, a "diferença" se contenha em limites razoáveis e nunca comprometa a possibilidade de cada uma das partes invocar os seus direitos, expor os fundamentos em que eles se sustentam e contraditar as razões adversas.

No caso, questiona-se, do ponto de vista constitucional, a validade de uma norma que permitiria a citação, em país estrangeiro de uma sociedade com sede nesse país, através de carta registada com aviso de recepção, em língua portuguesa.

Ora, antes do mais, há que salientar o princípio consagrado no artigo 139.º, n.º 1, do Código de Processo Civil - o de que nos actos judiciais se usa a língua portuguesa - que é uma decorrência dos direitos de soberania do Estado Português.

Logo aqui, da exigência de nos actos judiciais se usar a língua portuguesa resultará para os estrangeiros, residentes ou não em país estrangeiro, uma "diferença" que, embora legal e constitucionalmente justificada, não deixará de se traduzir para eles no "encargo" de se exprimir, nas peças que apresentem no processo, em língua que não é a sua e podem até desconhecer; e, nem por isso, é defensável que se considere ofendido o direito constitucional a um processo equitativo, em litígios onde cidadãos estrangeiros se confrontem com cidadãos portugueses.

A observância daquele princípio da lex fori não impediria, contudo, que, em determinados actos processuais, se utilizasse língua estrangeira (através de tradução), como no caso de citação directa, de residente em país estrangeiro, mediante carta registada com aviso de recepção.

Não se contesta a extrema relevância do acto de citação no processo civil.

Trata-se, com efeito, de um acto que a lei conformou com especial cuidado nos artigos 228.º e seguintes do Código de Processo Civil, exigindo, designadamente, o cumprimento de determinadas formalidades essenciais, cuja preterição equiparou à falta de citação e sancionou com nulidade (artigos 194.º, 195.º e 198.º do Código de Processo Civil).

Esse especial cuidado compreende-se pela função que o acto desempenha - "[dar] conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender" ou, ainda, "para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa" (artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) -, sendo certo que é na contestação que deve ser deduzida toda a defesa (artigo 489.º do Código de Processo Civil) e na sua falta, em processo ordinário (como é o dos autos), se consideram confessados os factos articulados pelo autor (artigo 484.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Não pode, assim, ser alheio ao direito constitucional a um processo equitativo, em que se assegure a "igualdade de armas" entre as partes, os termos em que o legislador ordinário definiu o acto de citação.

E a questão que se coloca no presente recurso é, precisamente, a de saber se a Constituição da República Portuguesa, enquanto consagra o referido direito, não consente um acto de citação tal como ele foi praticado nos autos.

A resposta é negativa.

Na verdade, ponderado o valor da utilização da língua portuguesa nos actos judiciais, a citação, sem tradução na língua do país onde aquela é feita, ou numa das veiculares da Convenção da Haia, não compromete o direito do citado a um processo equitativo.

Um eventual constrangimento desse direito seria apenas congeminável, no momento em que a parte recebe a citação, ou pela absoluta ignorância do sentido da comunicação recebida ou, numa segunda fase, pela necessidade de a traduzir.

Ora, tendo como padrão um citando com diligência e zelo minimamente exigíveis, será de todo inaceitável que, recebida uma carta com aviso de recepção, a parte não procure saber o sentido da comunicação e, sem mais, a remeta para um arquivo.

Não está, com efeito, o legislador vinculado a dispor sobre o acto de citação, com observância de princípios de equitatividade e igualdade, supondo destinatários de que, razoavelmente, se não deva esperar uma conduta diligente e zelosa.

No que concerne à necessidade de uma tradução e sem embargo de se reconhecer um "incómodo" acrescido no confronto com a parte que domine a língua portuguesa, não assume essa tarefa uma dimensão tal que acabe por representar uma diminuição relativa inadmissível dos direitos de defesa do citado.

Aliás, não obstante reconhecer-se que as dilações de prazo previstas no Código de Processo Civil visam, directamente, compensar as demoras inerentes às comunicações com o estrangeiro, elas não deixam aqui de, também, funcionar em termos de permitir a concretização daquela ou doutras diligências, sem encurtamento de prazos que comprometam a defesa eficaz que o citado pretenda deduzir.

Note-se, ainda, que a própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem "não garante expressamente o direito de ser informado numa língua que o réu compreenda da natureza e da razão de uma acção cível", limitando-se a prevê-lo em matéria penal (artigo 6.º, § 3), como julgou a Comissão Europeia dos Direitos do Homem na sua decisão de 9 de Dezembro de 1991, in Decisions et Rapports, vol. 27, pp. 209 e segs.

Bem decidiu, pois, o acórdão recorrido julgando que se não verifica a arguida inconstitucionalidade material dos artigos 244.º e 495.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (redacção anterior às revisões de 1995/1996).

5 - Decisão. - Pelo exposto e em conclusão decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.

Lisboa, 17 de Novembro de 1999. - Artur Maurício (relator) - Vítor Nunes de Almeida - Maria Helena Brito - Luís Nunes de Almeida (vencido, por entender que "um processo justo e equitativo" pressupõe, pelo menos, que o réu tome conhecimento, em língua por ele intelegível, de que foi citado para contestar uma acção contra ele intentada) - José Manuel Cardoso da Costa (vencido, acompanhando a declaração de voto do conselheiro vice-presidente, Luís Nunes de Almeida).

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1764004.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1971-05-18 - Decreto-Lei 210/71 - Ministério dos Negócios Estrangeiros - Secretaria-Geral

    Aprova, para ratificação, a Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extra-Judiciais em Matérias Civil e Comercial, concluída em Haia em 15 de Novembro de 1965.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1990-10-23 - Decreto-Lei 330/90 - Ministério do Ambiente e Recursos Naturais

    Aprova o Código da Publicidade.

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

  • Tem documento Em vigor 1996-09-25 - Decreto-Lei 180/96 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil, altera o Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro que o reviu e republicou e rectifica algumas inexactidões na republicação do Código em anexo ao citado diploma.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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