Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 355/99/T, de 1 de Março

Partilhar:

Texto do documento

Acórdão 355/99/T. Const. - Processo 323/97. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - 1 - Maria José Franco Lopes Clérigo Firme recorreu, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, do acto tácito de indeferimento do pedido de promoção à categoria de liquidadora tributária principal do director-geral das Contribuições e Impostos.

Por sentença de 24 de Outubro de 1995, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa concedeu provimento ao recurso, decidindo que a recorrente, tendo completado, em 25 de Outubro de 1989, 3 anos de serviço na categoria de liquidadora tributária de 1.ª classe e tendo obtido classificação superior à média legalmente exigida, reunia os requisitos necessários ao deferimento do pedido de promoção apresentado ao director-geral das Contribuições e Impostos, de acordo com os artigos 45.º, n.º 1, alínea c), e 114.º do Decreto Regulamentar 42/83, de 20 de Maio, e 1.º do Decreto-Lei 199/85, de 25 de Junho.

O Tribunal afastou a argumentação do director-geral das Contribuições e Impostos no sentido de não conceder a promoção em virtude do disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 187/90, de 7 de Junho, conjugado com os artigos 12.º e 15.º do mesmo diploma; concluiu que o legislador, tendo extinguido a categoria de liquidadora tributária principal, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 1989, retirou à recorrente o direito a ser promovida a essa categoria:

"Como resulta da matéria dada como provada, a recorrente pretende a sua nomeação como liquidador tributário principal, com efeitos a 25 de Outubro de 1989.

Ora, tal categoria foi extinta pelo artigo 12.º do Decreto-Lei 187/90, de 7 de Junho.

Uma vez que o citado diploma legal produz efeitos a partir de 1 de Outubro de 1989 no que respeita à matéria de incidência remuneratória (cf. artigo 15.º), temos que em relação a promoções para categorias extintas apenas entrou em vigor no 5.º dia posterior ao da publicação, ou seja, em 12 de Junho de 1990.

Por outro lado, e de acordo com o disposto nos artigos 45.º, n.º 1, alínea c), e 114.º do Decreto Regulamentar 42/83, de 20 de Maio, estamos perante uma promoção automática, verificados os respectivos pressupostos.

Daí que por mero efeito da lei, a recorrente em 25 de Outubro de 1989 tivesse inscrita na sua relação de emprego público o direito a ser promovida à categoria de liquidador tributário principal."

2 - A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos interpôs recurso desta sentença para o Supremo Tribunal Administrativo.

Na sua contra-alegação de recurso, Maria José Franco Lopes Clérigo Firme invocou a inconstitucionalidade das normas dos artigos 3.º, n.º 2, 12.º e 15.º do Decreto-Lei 187/90, de 7 de Junho, desde que lhes seja atribuída eficácia retroactiva. Nas suas palavras, "Com efeito, considerando que o direito fundamental de acesso à função pública, contemplado no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição, abrange, igualmente, o direito às promoções dentro da carreira, de tal facto decorre que normas restritivas de um tal direito que pretendam, como sugere a autoridade recorrente, retroagir os seus efeitos a momento anterior à sua aplicação, violariam frontalmente o artigo 18.º, n.º 3, da Constituição [...]".

O Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento ao recurso. Considerou que, tendo o legislador feito repercutir os efeitos do novo sistema remuneratório (NSR) a 1 de Outubro de 1989 (artigo 15.º do Decreto-Lei 187/90) -facto que não configura, para o Supremo Tribunal Administrativo, verdadeira retroactividade, uma vez que o Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, já previra que a reforma do sistema retributivo se reportasse a 1 de Outubro de 1989 (artigo 45.º) -, e tomando em consideração o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, e 12.º do mesmo diploma, a recorrente não tinha qualquer direito, nem a ser promovida, nem, consequentemente, a que a transição para a nova escala salarial se efectivasse com base em categoria superior àquela que tinha em 30 de Setembro de 1989:

"Em tal diploma [Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro], no seu artigo 45.º, também se previu que o novo sistema retributivo para todas as carreiras (as já reguladas e as a regular posteriormente) produzisse efeitos a partir de 1 de Outubro de 1989.

Por tal motivo é que no artigo 15.º do Decreto-Lei 187/90 se estabeleceu a sua produção de efeitos a partir de 1 de Outubro de 1989, no que toca à matéria de incidência remuneratória; por idêntico motivo é que, no n.º 2 do artigo 3.º, se estabeleceu que 'a transição para a escala salarial prevista no mapa I anexo ao presente diploma dos funcionários com as categorias de liquidador tributário [...] far-se-á para o escalão correspondente à categoria a que tinham direito a 30 de Setembro de 1989, nos termos do disposto nos artigos 45.º, 46.º, 48.º e 114.º do Decreto Regulamentar 42/83, de 20 de Maio, no n.º 1 do artigo 45.º do Decreto Regulamentar 54/80, de 30 de Setembro, e no artigo 1.º do Decreto-Lei 199/85, de 25 de Junho'.

Foi este, nas suas grandes linhas, o regime geral e específico para a transição dos trabalhadores tributários para o NSR que, entretanto, veio receber ainda o contributo legislativo do Decreto-Lei 393/90, de 11 de Dezembro, no intuito de reparar algumas injustiças, a frustração de legítimas expectativas, veio estabelecer normas, uma a do n.º 3 do artigo 2.º e artigo 3.º que contemplam e darão satisfação devida às expectativas da recorrente."

3 - Maria José Franco Lopes Clérigo Firme interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional, pedindo a apreciação dos artigos 3.º, n.º 2, e 12.º do Decreto-Lei 187/90.

Nas alegações de recurso para o Tribunal Constitucional caracterizou assim a inconstitucionalidade daquelas normas, tal como foram interpretadas pelo acórdão recorrido:

"Este reporte da integração do funcionário na categoria a que tinha direito, por mero efeito da lei, a momento anterior ao da sua entrada em vigor, operado pelo Decreto-Lei 187/90, de 7 de Junho, na interpretação dada pelo douto acórdão em questão, reconduz-se, afinal, a uma retroacção dos seus efeitos com ofensa do direito (fundamental) à promoção na carreira subjectivado em 25 de Outubro de 1989. A argumentação do douto acórdão recorrido, procurando afastar o problema da retroactividade de lei restritiva de direitos, liberdades e garantias com base no facto de lei anterior (Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro) já ter previsto efeitos do NSR a momento anterior ilude um facto essencial: é que esse diploma nunca previu qualquer extinção de categorias na carreira de liquidador tributário, isto é, afinal, aquilo que está em causa na interpretação dada aos preceitos do Decreto-Lei 187/90 ora objecto do recurso de constitucionalidade.

Não pode aceitar-se, assim, que in casu a recorrente tenha visto coarctado o seu direito à promoção, subjectivado muito antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 187/90, de 7 de Junho, merecendo portanto a protecção conferida pelo princípio da confiança e gozando do regime de tutela reforçada próprio dos direitos, liberdades e garantias, incluindo a proibição de restrição retroactiva (cf. artigo 18.º, n.º 3, da Constituição).

Defende-se, portanto, na esteira aliás de uma parte da jurisprudência dos tribunais administrativos de que o douto acórdão da 1.ª Secção supracitado [Acórdão de 20 de Maio de 1993, recurso n.º 30 371] constitui exemplo, que o regime do Decreto-Lei 187/90, de 7 de Junho, que, além de aplicar o NSR aos funcionários da administração tributária, determina a extinção das categorias correspondentes a todas as classes da carreira de liquidador tributário (cf. artigo 12.º), só pode vigorar para futuro, sem retroacção a 1 de Outubro de 1989, pelo que a própria transição dos funcionários para o NSR (seja, num primeiro momento lógico, para o anexo II, seja, num segundo momento, para o anexo I) não pode deixar de ter em conta as promoções adquiridas.

Afigura-se assim à recorrente que o douto acórdão recorrido, ao não considerar o direito daquela à promoção subjectivada antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 187/90, de 7 de Junho, acolheu uma interpretação das normas constantes dos artigos 3.º, n.º 2, e 12.º desse diploma legal que as fere de inconstitucionalidade material, por ofensa do disposto no artigo 47.º, n.º 2, conjugado com os artigos 17.º e 18.º, n.º 3, todos da Constituição [...]"

II - 4 - O presente recurso tem por objecto a interpretação, feita pelo Supremo Tribunal Administrativo, das normas dos artigos 3.º, n.º 2, e 12.º do Decreto-Lei 187/90, de 7 de Junho - mais concretamente, na perspectiva da recorrente, a aplicação retroactiva dos artigos 3.º, n.º 2, e 12.º, por força do artigo 15.º do citado decreto-lei, a qual implicaria a violação dos artigos 47.º, n.º 2, 17.º e 18.º, n.º 3, todos da Constituição, por restringir, com efeito retroactivo, o âmbito do direito à promoção na carreira, direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.

O Decreto-Lei 187/90 veio estabelecer o estatuto remuneratório do pessoal da administração tributária e aprovar a respectiva escala salarial.

As disposições em causa são do seguinte teor:

"Artigo 3.º

Transição

[...]

2 - A transição para a escala salarial prevista no mapa I anexo ao presente diploma dos funcionários com as categorias de liquidador tributário, técnico tributário, técnico verificador tributário e técnico de contencioso tributário far-se-á para o escalão correspondente à categoria a que tinham direito, a 30 de Setembro de 1989, nos termos do disposto nos artigos 45.º, 46.º, 48.º e 114.º do Decreto Regulamentar 42/83, de 20 de Maio, no n.º 1 do artigo 45.º do Decreto Regulamentar 54/80, de 30 de Setembro, e no artigo 1.º do Decreto-Lei 199/85, de 25 de Junho.

Artigo 12.º

Extinção de categorias

São extintas as categorias correspondentes às classes de principal, de 1.ª e de 2.ª classes da carreira de liquidador tributário e de 1.ª e 2.ª classes de técnico tributário, técnico verificador tributário e técnico de contencioso tributário."

5 - Importa averiguar, antes de mais, se o direito à promoção na carreira está abrangido no núcleo do direito de acesso à função pública, consagrado no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição, e, caso a resposta seja afirmativa, em que termos.

De acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito de acesso à função pública não comporta o direito a obter um emprego, mas garante a realização de um procedimento concursal - direito a um due process de recrutamento, para assegurar a igualdade -, sempre que houver vagas a preencher no âmbito da função pública e a consequente contratação dos candidatos apurados nas provas de selecção. Além disso, "embora o preceito refira expressamente apenas o direito de acesso (jus ad officium), o âmbito normativo-constitucional abrange igualmente o direito de ser mantido nas funções (jus in officio) e, bem assim, o direito ainda às promoções dentro da carreira" (Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 265).

O facto de a progressão na carreira se incluir no núcleo essencial do direito de acesso à função pública deriva da protecção que o legislador constitucional dispensa ao trabalho, em condições de estabilidade e como forma de realização pessoal - cf. artigo 59.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa. A permanência num posto de trabalho proporciona a especialização e o aperfeiçoamento do trabalhador e contribui para a sua inserção no ambiente laboral.

Esta estabilidade deve ser premiada, através da criação de um sistema de progressão na carreira, o qual é uma componente essencial da dignificação do trabalho. As promoções podem operar a dois títulos: um primeiro, objectivo, que traduz, pura e simplesmente, a permanência e estabilidade do trabalhador no seu posto, permitindo a manutenção de um padrão de prestação de serviço homogéneo - promoção por antiguidade; um segundo, subjectivo, que constitui um mais relativamente ao primeiro, na medida em que se apresenta como um incentivo, não à mera prestação de trabalho, mas à prestação de trabalho de qualidade - promoção por mérito.

Dizer que o trabalhador tem um direito à progressão na carreira não é o mesmo que afirmar que o trabalhador tem o direito à carreira tal como ela se configurava na data em que ele ingressou no seu posto. A protecção constitucional da carreira como factor de valorização profissional do trabalhador não impede que o legislador proceda a reajustamentos, maiores ou menores, na estrutura das carreiras do funcionalismo público, de acordo com as exigências do interesse público.

Ou seja, o legislador pode redefinir a organização administrativa dos serviços públicos, no sentido de reordenar ou mesmo reconstruir as carreiras dos funcionários. No entanto, em atenção aos princípios da boa fé e da tutela das expectativas, deverá assegurar mecanismos substitutivos ou compensatórios da reestruturação, ou mesmo da extinção dos postos de trabalho anteriormente existentes.

Tudo isto significa, por um lado, que o legislador ordinário deve construir um sistema de promoções que garanta o reconhecimento objectivo da dedicação do trabalhador à causa pública, permitindo-lhe a progressão na carreira. Isso não obsta, por outro, a que o legislador introduza alterações na estruturação dos serviços públicos e na evolução profissional, em termos de categorias, dos funcionários. Caso opte por reestruturar as carreiras dos funcionários, sempre deverá respeitar as situações constituídas e ter em conta as legítimas expectativas dos funcionários.

6 - No caso dos trabalhadores da administração tributária, a especificidade do seu regime de prestação e remuneração de trabalho - "em virtude das especiais exigências e responsabilidades profissionais a que têm de satisfazer, considerando, em simultâneo, o empenhamento na defesa dos interesses da Fazenda Pública e nas garantias dos contribuintes" (cf. o preâmbulo do Decreto-Lei 187/90, de 7 de Junho) - justifica a disciplina deste em diploma autónomo do estatuto geral do funcionalismo público. Porém, isso não impede que a estruturação das carreiras se processe tendo em atenção as preocupações antes mencionadas.

7 - Ao definir os princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública, o Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, lançou as bases de um novo sistema retributivo (NSR). No artigo 43.º desse diploma previa-se que:

"1 - O presente diploma de princípios gerais será objecto de desenvolvimento e regulamentação e entra em vigor conjuntamente com os diplomas legais de desenvolvimento relativos a matéria salarial."

Em qualquer caso, dispunha também o Decreto-Lei 184/89, no seu artigo 40.º:

"2 - Em caso algum pode resultar da introdução do novo sistema retributivo 'redução da remuneração que o funcionário ou agente já aufere ou diminuição das expectativas de evolução decorrentes quer da carreira em que se insere, quer do regime de diuturnidades vigente'."

As bases lançadas pelo Decreto-Lei 184/89 viriam a ser desenvolvidas pelo Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro (nos termos do citado artigo 43.º do Decreto-Lei 184/89).

O Decreto-Lei 353-A/89 dispunha, no artigo 45.º, n.º 1, que o início dos seus efeitos se deveria reportar a 1 de Outubro de 1989, quanto ao regime geral. No n.º 3 do mesmo artigo acrescentava que, "relativamente às carreiras e categorias não contempladas neste diploma, o Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, entra em vigor, no que respeita à matéria salarial, à medida que forem publicados os respectivos diplomas de desenvolvimento, sem prejuízo de a produção de efeitos se reportar à data prevista no número anterior" [1 de Outubro de 1989].

Em virtude da sua especificidade, as remunerações dos funcionários da administração tributária foram objecto de regulação autónoma, através do Decreto-Lei 187/90.

Pertencem a este diploma as disposições sub judice.

A norma do artigo 12.º, que decreta a extinção de certas categorias do quadro de pessoal da administração tributária - de entre as quais a de liquidador tributário principal e de 1.ª e 2.ª classes -, não é aplicável retroactivamente, uma vez que o artigo 15.º do mesmo diploma restringe a eficácia retroactiva das disposições nele contidas "à matéria de incidência remuneratória". Ou seja, a extinção da categoria em que se integrava a recorrente - quer daquela em que se integrava em 30 de Setembro de 1989 (liquidadora tributária de 1.ª classe), quer daquela para a qual pretende ter o direito a transitar, em 25 de Outubro de 1989 (liquidadora tributária principal) -, nunca poderia operar retroactivamente, à luz do artigo 15.º citado.

8 - Recorde-se que, no caso dos autos, de acordo com os artigos 45.º, n.º 1, alínea c), e 114.º do Decreto Regulamentar 42/83, de 20 de Maio, e 1.º do Decreto-Lei 199/85, de 25 de Junho, a recorrente reunia, em 25 de Outubro de 1989, as condições exigidas para a promoção à categoria de liquidadora tributária principal. Com efeito, ela exercia as funções de liquidadora tributária de 1.ª classe há mais de dois anos e as suas classificações de serviço, nos últimos dois anos, eram superiores a Suficiente [alínea b) do n.º 1 do artigo 45.º do Decreto Regulamentar 42/83]. Por isso, nos termos do artigo 114.º do mesmo diploma, aplicável por força do artigo 1.º do Decreto-Lei 199/85, a promoção a categoria superior é um acto a cuja prática a Administração está predominantemente vinculada, só dependendo de requerimento da interessada (cf. a redacção do artigo 114.º, onde se refere que "sempre que nas carreiras previstas no presente decreto haja categorias com várias classes a que corresponda circularidade de lugares e a transição das inferiores para as superiores dependa apenas do tempo e da classificação de serviço, é dispensada a realização de concurso".

O artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 187/90, ao prever a transição dos funcionários com a categoria de liquidador tributário para a escala salarial indicada no mapa I anexo ("para o escalão correspondente à categoria a que tinham direito, a 30 de Setembro de 1989"), opera, à primeira vista, um congelamento da evolução na carreira, desde a data referida até ao dia 12 de Junho de 1990 (data da entrada em vigor do Decreto-Lei 187/90). O mesmo é dizer que, ao reportar-se a 30 de Setembro de 1989, para efeitos de transição salarial, o diploma, ainda que indirectamente, está a afirmar que não serão tidas em consideração as modificações decorrentes do mero decurso do tempo, inclusive as relacionadas com promoções por antiguidade, cujo direito se consolidasse durante esse período. E está a fazê-lo com eficácia retroactiva.

Não pode sequer argumentar-se que a eficácia retroactiva, com todos estes efeitos, já resultava da previsão do artigo 45.º do Decreto-Lei 353-A/89, acima citado. O sentido dessa disposição é claramente o de garantir a uniformidade de benefícios remuneratórios introduzidos pelo NSR entre os funcionários públicos, estejam eles sujeitos ao regime geral, ou a regimes especiais (como é o caso dos funcionários da administração tributária). Ou seja, o legislador pretendeu tutelar a igualdade remuneratória entre os funcionários públicos, apesar do eventual atraso na emissão da legislação complementar a que se refere o n.º 3 do artigo 45.º, reconhecendo-lhes o direito a exigir as actualizações dos vencimentos retroactivamente.

Porém, essa eficácia retroactiva diz respeito apenas à matéria remuneratória, não à questão da progressão na carreira. Esta interpretação decorre da própria letra do n.º 3 do artigo 45.º do Decreto-Lei 353-A/89 ("[...] entra em vigor, no que respeita à matéria salarial, à medida que forem publicados os respectivos diplomas de desenvolvimento, sem prejuízo de a produção de efeitos se reportar à data prevista no número anterior").

9 - Para obviar a "eventuais" injustiças derivadas da aplicação do NSR, surgiu, meses depois, o Decreto-Lei 393/90, de 11 de Dezembro. Este diploma, conforme consta do seu preâmbulo, "salvaguarda a situação dos funcionários que obteriam pelo sistema salarial anterior, no período compreendido entre 1 de Outubro de 1989 e 31 de Dezembro de 1989, posição mais vantajosa que a resultante da aplicação do NSR se tivessem completado uma diuturnidade ou o módulo de tempo necessário para a progressão nas carreiras horizontais em que se encontrassem providos". Assim, os artigos 2.º e 3.º deste diploma vêm determinar o cômputo do tempo decorrido até 1 de Julho de 1990, para efeitos de contagem do tempo de serviço nos casos das carreiras horizontais e das categorias extintas por agregação pelo Decreto-Lei 353-A/89 e legislação complementar (artigo 2.º, n.º 3), e desde 1 de Outubro de 1989 até 31 de Dezembro de 1989, para efeitos de progressão para um escalão superior, dos funcionários que, durante esse período, adquirissem o direito a uma diuturnidade ou à progressão nas respectivas carreiras (artigo 3.º, n.os 1 e 2).

O Decreto-Lei 393/90, aplicando-se aos funcionários da administração tributária (por remissão do artigo 2.º, n.º 3, para a legislação complementar ao Decreto-Lei 353-A/89, em cujo artigo 29.º se prevê, entre outras, a emissão de legislação especial para as carreiras da administração tributária), não resolve, porém, todos os problemas deixados em aberto pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 187/90.

Com efeito, se, por um lado, vem obviar ao congelamento do tempo de serviço e da obtenção de diuturnidades, por outro, não rectifica a paralisação da progressão na carreira, nomeadamente, não corrige situações em que, tendo-se consolidado, no período compreendido entre 30 de Setembro de 1989 e 12 de Junho de 1990, um direito à promoção para categoria superior, tal direito foi eliminado pelo Decreto-Lei 187/90, mais concretamente pela aplicação retroactiva do seu artigo 3.º, n.º 2.

10 - À face da Constituição, concretamente do artigo 47.º, n.º 2, a evolução na carreira é um valor a tutelar, como contrapartida da dedicação do funcionário ao serviço público. Como se notou, esta protecção constitucional da carreira não obriga o legislador a manter inalterada a estrutura inicialmente existente à data do ingresso do trabalhador no seu posto, mas os valores da segurança jurídica e da tutela das expectativas legítimas - referências fundamentais num Estado de direito democrático, tal como vem delineado no artigo 2.º da Constituição -, implicam que se devam respeitar as situações constituídas, ou seja, que não se retire ao trabalhador um benefício laboral adquirido por força de normas válidas e eficazes.

Conclui-se, deste modo, que, na interpretação feita pelo Supremo Tribunal Administrativo, que lhe imprimiu eficácia retroactiva, o artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 187/90 violou o direito à evolução na carreira que decorria da legislação anterior, afectando, retroactivamente, o núcleo essencial de tal direito. Esta interpretação contraria o disposto no artigo 18.º, n.º 3, da Constituição - cujo regime é aplicável ao direito fundamental à evolução na carreira contido no âmbito do artigo 47.º, n.º 2, da Constituição. É, assim, inconstitucional o artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 187/90, com o sentido que lhe foi atribuído pelo acórdão recorrido.

III - 11 - Neste termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Julgar inconstitucional, na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida, as normas conjugadas dos artigos 3.º, n.º 2, e 12.º do Decreto-Lei 187/90, de 7 de Junho, por desconformidade com o preceituado nos artigos 47.º, n.º 2, 17.º e 18.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa;

b) Conceder provimento ao recurso, ordenando a reforma do acórdão recorrido, em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.

Lisboa, 15 de Junho de 1999. - Maria Helena Brito - Vítor Nunes de Almeida - Artur Maurício (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - Luís Nunes de Almeida.

Declaração de voto. - Não está - como não podia estar - em causa a questão de saber se foi, ou não, correcta a interpretação dos artigos 3.º, n.º 2, e 12.º do Decreto-Lei 187/90, feita no acórdão recorrido, no estrito plano do direito infraconstitucional.

Importa, sim, saber se a norma constante daquele preceito, conforme a interpretação acolhida, viola o direito de acesso à função pública, consagrado no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

Embora aceitando que a norma constitucional compreenda o direito às promoções dentro da carreira (neste sentido, G. Canotilho e V. Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 265), entendo, porém, que não está o legislador impedido de reestruturar a carreira, onde o funcionário se mostra inserido, com efeitos retroactivos.

Extintas categorias de uma carreira com efeitos retroagidos a um momento em que, em substituição, outra se estrutura, o que a norma constitucional impõe é que, por um lado, o funcionário mantenha, na "nova" carreira, o direito de aceder a escalões superiores e, por outro, as normas que prevêem a transição não provoquem distorções no posicionamento relativo dos funcionários nem afectem os seus direitos, com incidência remuneratória, já subjectivados.

Ora, no caso, estando directamente em causa a negação do direito à promoção a uma categoria que, nos termos do acórdão recorrido, se extinguiu por força do Decreto-Lei 187/90, com efeitos reportados a 1 de Outubro de 1989, não pode dissociar-se esta medida da sua razão, ou seja do facto de se ter instituído um novo sistema retributivo para a função pública em geral e para o pessoal da administração tributária, em especial, com efeitos reportados àquela data.

Mas, sendo essa a razão, logo se vê do disposto no Decreto-Lei 187/90 (artigo 6.º) e, posteriormente, no Decreto-Lei 393/90 (de que a recorrente beneficiou) que o legislador cuidou de garantir que o pessoal transitaria para o novo regime remuneratório sem afectação dos seus direitos com incidência remuneratória (a recorrente nem alega que tenha passado a receber menos ...), o que tanto bastaria para obstar ao juízo de inconstitucionalidade que fez vencimento no presente acórdão. - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1757450.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1980-09-30 - Decreto Regulamentar 54/80 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério das Finanças e do Plano

    Reestrutura os serviços distritais e locais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.

  • Tem documento Em vigor 1983-05-20 - Decreto Regulamentar 42/83 - Ministérios das Finanças e do Plano e da Reforma Administrativa

    Reestrutura a orgânica da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.

  • Tem documento Em vigor 1985-06-25 - Decreto-Lei 199/85 - Ministério das Finanças e do Plano

    Determina que a mudança de classe do pessoal da administração fiscal que não acarrete alteração substancial de funções e as nomeações para cargos de chefia nas repartições de finanças se efectuarão conforme o disposto em legislação especial aplicável .

  • Tem documento Em vigor 1989-06-02 - Decreto-Lei 184/89 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece principios gerais de salários e gestão de pessoal da Função Pública.

  • Tem documento Em vigor 1989-10-16 - Decreto-Lei 353-A/89 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas.

  • Tem documento Em vigor 1990-06-07 - Decreto-Lei 187/90 - Ministério das Finanças

    Estabelece o estatuto remuneratório do pessoal das carreiras da administração tributária e aprova a respectiva escala salarial.

  • Tem documento Em vigor 1990-12-11 - Decreto-Lei 393/90 - Ministério das Finanças

    Altera o Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro (estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública).

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda