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Acórdão 621/99/T, de 23 de Fevereiro

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Texto do documento

Acórdão 621/99/T. Const. - Processo 1142/98. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - O Ministério Público veio, "ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea a), do Constituição da República Portuguesa (CRP) e 70.º, n.º 1, alínea a), 71.º, n.º 1, 72.º n.os 1, alínea a) e 3, da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de Novembro, alterada pelas Leis 143/85, de 26 de Novembro, 85/89, de 7 de Setembro e 88/95, de 1 de Setembro), interpor recurso para o Tribunal Constitucional da sentença [...], por a mesma se ter recusado a aplicação, por inconstitucionalidade, dos despachos normativos, proferidos pelo Secretário de Estado da Segurança Social, n.os 31/83 (Diário da República, 1.ª série, n.º 22, de 27 de Janeiro de 1983), 168/84 (Diário da República, 1.ª série, n.º 277, de 29 de Novembro de 1984) e 1/86 (Diário da República, 1.ª série, n.º 2, de 3 de Janeiro de 1986), por violação dos artigos 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea i) da CRP [correspondentes aos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), na versão de 1997]".

E é certo que nessa sentença do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Leiria de 12 de Outubro de 1998, julgando-se "procedente a oposição" e, em consequência, ordenando-se "a extinção da execução instaurada contra a aqui oponente" (a ora recorrida Araújo & Santos, Lda., sociedade comercial com sede na Nazaré), o M..º Juiz a quo, depois de demarcar o tratamento da questão de fundo - "saber se os despachos normativos em causa padecem ou não de inconstitucionalidade, o que previamente exige que se averigue saber se as contribuições patronais para a segurança social devem ou não ser consideradas como impostos" -, deu-lhe a seguinte e resumida resposta:

"Tendo nós acima considerado as contribuições em causa como impostos, há que concluir, como se conclui, no sentido de que as normas (os mencionados despachos normativos) com base nas quais se pretende a cobrança coerciva padecem, face ao que vem de dizer-se, de inconstitucionalidade orgânico-formal."

2 - Nas suas alegações, concluiu assim o Ministério Público:

"1.º As contribuições para a segurança social que têm como sujeito passivo as entidades patronais estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária e da reserva de lei.

2.º Os despachos normativos a que se reporta o presente recurso, ao estabelecerem uma espécie de 'benefício mínimo presumido' para as prestações de alimentação e alojamento, facultadas em espécie pelas entidades patronais aos seus trabalhadores, para efeitos de cálculo das referidas contribuições para a previdência, exorbitam claramente do quadro normativo precedente, já que nenhum dos diplomas que regulamentavam tais contribuições previa o estabelecimento pela Administração de tal 'presunção'.

3.º Inovando, deste modo, substancialmente em matéria relevante para - reflexamente - fixar os valores sobre que irá incidir o tributo em causa, invadem matéria inserida no âmbito da 'Constituição fiscal'.

4.º Tais despachos são ainda formalmente inconstitucionais, por violação do n.º 5 do artigo 115.º da Constituição da República Portuguesa (na redacção então em vigor), já que traduzem exercício de uma tarefa de interpretação e integração autêntica da lei, vedada constitucionalmente à Administração.

5.º Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida."

3 - A recorrida Araújo & Santos, Lda., não apresentou alegações.

4 - Tudo visto, cumpre decidir.

Sobre a mesma matéria, e relativamente aos mesmos despachos normativos, em processo em tudo idêntico aos presentes autos, com o n.º 1143/98, vindo também do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Leiria e com as mesmas partes, foi já apresentado hoje e assinado um acórdão com o n.º 620/99, com o julgamento de inconstitucionalidade das normas contidas nos Despachos Normativos n.os 31/83, de 27 de Janeiro, 168/84, de 29 de Novembro, e 1/86, de 3 de Janeiro, que estabelece valores mínimos presumidos das prestações relativas à alimentação dos trabalhadores, por violação do disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea i) (em articulação com o artigo 106.º, n.º 2), da Constituição.

Transcreve-se desse acórdão a fundamentação a que se arrima:

"II - Fundamentação. - 4 - Os despachos impugnados têm a seguinte redacção:

Despacho Normativo 1/86:

'1 - Para efeitos de contribuição para a segurança social e subsequente cálculo dos benefícios, devem ser atribuídos à alimentação e ao alojamento os valores mensais a seguir indicados, sempre que em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho não sejam fixados quantitativos superiores:

Alimentação - 3300$00;

Alojamento - 2200$00:

Alojamento e alimentação - 4500$00.'

Despacho Normativo 168/84:

'1 - Para efeitos de contribuição para a segurança social e subsequente cálculo dos benefícios, devem ser atribuídos à alimentação e ao alojamento, quando integram a remuneração do trabalho, os valores mensais a seguir indicados, sempre que em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho não sejam fixados quantitativos superiores:

a) Alimentação - 5100$00;

b) Alojamento - 3500$00;

c) Alojamento e alimentação 7000$00.'

Despacho Normativo 31/83:

'1 - Para efeitos de contribuição para a segurança social e subsequente cálculo dos benefícios, devem ser atribuídos à alimentação e ao alojamento, quando integram a remuneração do trabalho, os valores mensais a seguir indicados, sempre que em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho não sejam fixados quantitativos superiores:

a) Alimentação - 6120$00;

b) Alojamento - 4200$00;

c) Alojamento e alimentação - 8400$00.'

O Tribunal a quo, concluindo que as contribuições para a segurança social têm natureza tributária, considerou tais normas inconstitucionais, uma vez que criam impostos, com violação do princípio da legalidade tributária, consagrado nos artigos 106.º e 168, n.º 1, alínea i), da Constituição.

O recorrente, por seu turno, sustentou igualmente a inconstitucionalidade das normas impugnadas, por violação da reserva de lei [artigos 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, na versão em vigor à data da emissão dos despachos], invocando, por outro lado, a violação do disposto nos artigo 115.º, n.º 5, da Constitução na versão então vigente.

5 - A decisão da questão de constitucionalidade normativa em apreciação no presente recurso pressupõe a sujeição do regime das contribuições para a segurança social às garantias consagradas pela Constituição em matéria fiscal nomeadamente à reserva de lei.

O Tribunal Constitucional, no Acórdão 183/96 (Diário da República, 2.ª série, de 23 de Maio de 1996), considerou que 'as contribuições para a segurança social que têm como sujeito passivo a entidade patronal [...], quer sejam havidas como verdadeiros impostos, quer sejam consideradas como uma figura contributiva de outra natureza [...] sempre deverão estar sujeitos aos mesmos requisitos a que aqueles se encontram obrigados', uma vez que 'as prestações pecuniárias em que estas contribuições se traduzem' têm 'carácter definitivo e unilateral' só podendo 'ser restituídas quando indevidamente pagas, não admitindo reembolso e não implicando nenhuma contrapartida por parte das entidades delas credoras'.

É esta a linha de entendimento que se seguirá no presente processo.

6 - Assim, importa averiguar se a matéria regulada em concreto nos despachos normativos impugnados está abrangida pela reserva de lei (ou seja, se tais despachos 'criam' algum imposto ou determinam a 'incidência', a 'taxa', os 'benefícios fiscais' ou as 'garantias dos contribuintes').

Nos termos do disposto no Decreto 45 266, de 23 de Setembro de 1963, nomeadamente nos artigos 112.º e 113.º (em conjugação com o artigo 5.º do Decreto-Lei 103/80, de 9 de Maio), as entidades patronais concorriam para as caixas de previdência com as percentagens legalmente estabelecidas sobre as remunerações pagas e recebidas, considerando-se como 'remunerações' 'a remuneração base, que compreende a prestação pecuniária e prestações em géneros, alimentação ou habitação' [artigo 113.º, alínea a)].

Posteriormente, o Decreto Regulamentar 12/83, de 12 de Fevereiro, veio também incluir na noção de remuneração as referidas prestações.

Os despachos normativos impugnados vieram, por seu turno, fixar um valor mínimo das prestações relativas à alimentação e alojamento prestados em espécie, para efeito de contribuições para a segurança social. De acordo com tais diplomas, independentemente dos valores das prestações para alimentação e alojamento acordados nos respectivos contratos de trabalho e nas convenções colectivas, as prestações para a segurança social incidentes sobre uma parte da remuneração teriam de ser sempre determinadas, no mínimo (ou seja, no caso de os valores acordados serem inferiores), de acordo com os montantes fixados nos despachos.

Assim, é claro que as normas em apreciação não delimitam nem definem o âmbito da incidência das contribuições patronais para a segurança social. Com efeito, a incidência de tais contribuições sobre os valores das prestações relativas à alimentação e alojamento, resulta, como se demonstrou de outros preceitos legais (das disposições que incluem na noção de remuneração as prestações em causa), que não integram o objecto do presente recurso de constitucionalidade. Todavia, consagrando as normas questionadas um rendimento ou benefício presumido mínimo, para efeito do cálculo das contribuições devidas à previdência, que se sobrepõe ao conteúdo concreto e casuístico dos instrumentos de regulamentação colectiva, será constitucionalmente admissível que tais presunções constem de normas de origem regulamentar?

7 - O Tribunal Constitucional, no Acórdão 348/97 (Diário da República, 2.ª série, de 25 de Julho de 1997), considerou que 'da Constituição [...] não se pode retirar a conclusão de ser vedada entre nós a tributação dos rendimentos presumidos com a utilização de presunções na determinação da base tributável'. Porém, entende-se que tais presunções hão-de ser estabelecidas por lei (como acontecia, aliás, na situação apreciada pelo Tribunal).

Afixação da matéria colectável constitui um momento central da determinação do montante do imposto, pois influencia decisivamente o apuramento do respectivo quantum (interferindo, consequentemente, nas garantias do contribuinte). Nessa medida, consubstancia um elemento estruturante da obrigação tributária, integrando, desse modo, o núcleo fundamental do conjunto de matérias cobertas pelas normas constitucionais de âmbito fiscal.

Por outro lado, cabe sublinhar que as normas em apreciação, de fonte regulamentar, não constituem mero desenvolvimento de um regime legal prévio (nomeadamente, do constante dos diplomas referidos supra). Com efeito, a fixação do valor mínimo das prestações para a segurança social não se confunde com a inclusão das mesmas no conceito de remuneração uma vez que a qualificação de determinado benefício como remuneração corresponde a uma tarefa qualificativa prévia, ao passo que o estabelecimento do valor exacto da prestação é já um juízo posterior de determinação quantitativa da matéria colectável. Deste modo, as normas impugnadas apresentam uma feição inovatória em face do regime que inclui as prestações para a segurança social na noção de remuneração, pois se referem aos critérios quantitativos que fixarão o montante sobre o qual incidirá a tributação.

Assim, a criação, de modo inovatório, de critérios gerais e abstractos que permitam a fixação do montante sobre o qual incidirá a taxa do imposto está abrangida pela reserva de lei (nesse sentido cf. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, vol. I, 1974, p. 253, onde se afirma que tal matéria há-de ser criada por lei).

8 - Conclui-se, consequentemente que as normas regulamentares impugnadas, por regularem inovatoriamente matéria atinente às garantias dos contribuintes, são inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 168.º , n.º 1, alínea i) (em articulação com o artigo 106.º , n.º 2), da Constituição.

9 - Alcançada esta conclusão torna-se inútil apreciar a alegada violação do artigo 115.º, n.º 5, da Constituição (correspondente ao actual artigo 112.º, n.º 6)."

Não havendo razão para divergir de tal entendimento há apenas que extrair a mesma consequência do juízo de inconstitucionalidade das normas em questão, repetindo aqui a decisão constante do citado acórdão.

5 - Termos em que, decidindo:

a) Julgam-se inconstitucionais as normas contidas nos Despachos Normativos n.os 31/83, de 27 de Janeiro, 168/84, de 29 de Novembro, e 1/86, de 3 de Janeiro, que estabelecem valores mínimos presumidos das prestações relativas à alimentação dos trabalhadores, por violação do disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea i) (em articulação com o artigo 106.º, n.º 2), da Constituição; e

b) Em consequência, nega-se provimento ao recurso.

Lisboa, 10 de Novembro de 1999. - Guilherme da Fonseca - Paulo Mota Pinto - Maria Fernanda Palma Bravo Serra - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1754862.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1963-09-23 - Decreto 45266 - Ministério das Corporações e Previdência Social - Gabinete do Ministro

    Promulga o Regulamento Geral das Caixas Sindicais de Previdência.

  • Tem documento Em vigor 1980-05-09 - Decreto-Lei 103/80 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministérios da Justiça, das Finanças e do Plano e dos Assuntos Sociais

    Aprova o Regime Jurídico das Contribuições para a Previdência.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1983-02-12 - Decreto Regulamentar 12/83 - Ministério dos Assuntos Sociais

    Regulamenta a base de incidência das contribuições para a segurança social.

  • Tem documento Em vigor 1985-11-26 - Lei 143/85 - Assembleia da República

    Alterações à lei eleitoral para a Presidência da República.

  • Tem documento Em vigor 1989-09-07 - Lei 85/89 - Assembleia da República

    Introduz alterações à Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1995-09-01 - Lei 88/95 - Assembleia da República

    ALTERA A LEI 28/82, DE 15 DE NOVEMBRO, QUE APROVA A LEI ORGÂNICA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (NA REDACÇÃO CONFERIDA PELAS LEIS 143/85, DE 26 DE NOVEMBRO E 85/89, DE 7 DE SETEMBRO) NO ATINENTE AS CONTAS DOS PARTIDOS, AS DECLARAÇÕES DE TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS, AO RECURSO DE APLICAÇÃO DE COIMAS, A APLICAÇÃO DE COIMAS EM MATÉRIA DE CONTAS DOS PARTIDOS POLÍTICOS, A NAO APRESENTAÇÃO DAS CITADAS CONTAS, ASSIM COMO NO QUE SE REFERE AOS PROCESSOS RELATIVOS A DECLARAÇÕES DE RENDIMENTOS E PATRIMÓNIO DOS TITULARES (...)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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