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Acórdão 326/86, de 18 de Dezembro

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Sumário

Pronuncia-se pela inconstitucionalidade de todas as normas do Decreto n.º 19/86, da Assembleia Regional dos Açores, aprovado em 10 de Outubro de 1986, versando a «orgânica da Segurança Social», com fundamento em violação do artigo 229.º, alínea a), conjugado com o artigo 201.º, n.º 1, alínea c), da Constituição.

Texto do documento

Acórdão 326/86

Processo 254/86

Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:

I Relatório

1 - O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores vem, ao abrigo do disposto no artigo 278.º, n.º 2, da Constituição, requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade de todas as normas do Decreto 19/86, aprovado pela Assembleia Regional dos Açores em 10 de Outubro de 1986, alegando que elas violam o artigo 229.º, alínea a), da lei fundamental. E violam-no - diz - pelas seguintes razões:

a) Embora a Segurança Social conste do respectivo estatuto como matéria de interesse específico para a Região, a verdade é que, incumbindo ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, não pode tal matéria ser assim qualificada;

b) A definição das bases gerais da Segurança Social constitui, de resto, matéria da competência exclusiva da Assembleia da República, a qual sobre ela já produziu a Lei 28/84, de 14 de Agosto;

c) O artigo 84.º desta Lei 28/84 dispõe que «a presente lei é aplicável às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo da regulamentação própria em matéria de organização e funcionamento e da regionalização dos serviços de segurança social», mas essa regulamentação deve ser editada pelas assembleias regionais, e não pelos governos regionais;

d) Ora, no decreto submetido à apreciação deste Tribunal, a Assembleia Regional dos Açores, em vez de usar o poder regulamentar que lhe é conferido pelas disposições conjugadas dos artigos 229.º, alínea b), e 234.º da Constituição e 84.º da citada Lei 28/84, invocou a alínea a) do artigo 229.º da lei fundamental, assim pretendendo legislar ex novo sobre a matéria, ou seja, «em pé de igualdade com a Assembleia da República»;

e) E, para além disso, impôs ao Governo Regional a tarefa de regulamentar o seu próprio diploma - o que contraria os artigos 114.º e 234.º da Constituição;

Mais ainda: «no tratamento da matéria sobre que dispõe, parece afastar o que, nos termos da Lei 28/84, se refere ao orçamento da Segurança Social no seu artigo 49.º, n.º 1, e aos financiamentos previstos nos artigos 54.º e 55.º»;

g) Finalmente: «a equiparação, a nível regional, dos órgãos e instituições criados a nível nacional conduz ao entendimento de que, na Região, estas instituições não existem».

2 - Notificado o Presidente da Assembleia Regional dos Açores para responder, veio ele fazê-lo, dizendo, em síntese:

a) O decreto submetido a controle de constitucionalidade estabelece a organização e o funcionamento das instituições regionais de segurança social, reformulando a disciplina estabelecida em diplomas regionais anteriores;

b) E fá-lo respeitando integralmente os princípios estabelecidos na Lei 28/84;

c) A matéria sobre que versa o decreto é da exclusiva competência dos órgãos de governo próprio da Região;

d) É do Governo Regional a competência para regulamentar a legislação regional.

3 - Cumpre agora decidir, começando por identificar o thema decidendum - o que impõe se proceda à interpretação do artigo 84.º da Lei 28/84, de 14 de Agosto («Da Segurança Social»), que dispõe como segue:

Art. 84.º A presente lei é aplicável às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo de regulamentação própria em matéria de organização e funcionamento e da regionalização dos serviços de segurança social.

Da fundamentação aduzida pelo requerente resulta que ele vê na norma acabada de transcrever a atribuição às assembleias regionais do encargo de emitirem regulamentos de execução da Lei 28/84. A Assembleia Regional dos Açores viu aí, ao invés, um espaço aberto ao seu poder legislativo.

Pois bem: a Lei 28/84 define «as bases em que assenta o sistema de segurança social previsto na Constituição e a acção social prosseguida pelas instituições de segurança social, bem como as iniciativas particulares não lucrativas de fins análogos aos daquelas instituições» (artigo 1.º). E, para além disso, no artigo 84.º, acabado de transcrever, dispôs que o regime que instituiu é aplicável nas regiões autónomas, «sem prejuízo de regulamentação própria em matéria de organização e funcionamento e da regionalização dos serviços de segurança social».

Isto significa que, nessas áreas - ou seja, em matéria de organização e funcionamento dos serviços de segurança social e da respectiva regionalização -, o legislador parlamentar deixou um espaço em branco, aberto à intervenção do legislador regional. Tal espaço só pode ser preenchido pela edição de um decreto legislativo regional, pois se trata de editar normação inicial ou primária, «regras de fundo», preceitos jurídicos novos, necessários para a regulamentação das matérias em causa.

A normação requerida pelo citado artigo 84.º não pode, assim, caber dentro dos limites de um regulamento, que contém sempre disciplina secundária ou consequente.

A Lei 28/84 é uma lei de bases. E só tinha de ser isso mesmo [cf. artigo 168.º, n.º 1, alínea f), da Constituição]. Deixou, por isso, para outras leis o desenvolvimento dos princípios gerais. Assim, e além do mais: é a lei quem determina «as atribuições, competência e organização interna das instituições de segurança social» (artigo 57.º, n.º 2) e «as atribuições, competências e composição do Conselho Nacional da Segurança Social» (artigo 60.º, n.º 2); é ela também quem define «as formas de participação nas instituições de segurança social» das associações sindicais e patronais, das autarquias locais e de outras instituições (artigo 61.º).

Quanto às regiões autónomas, quis a Lei 28/84 regionalizar o sistema de segurança social (cf. citado artigo 84.º). E dispôs que a organização e funcionamento dos respectivos serviços há-de constar de decreto legislativo regional.

A primeira questão, pois, que aqui se coloca é a de saber se esse «reenvio» para o poder legislativo regional, feito pela Lei 28/84, é constitucionalmente legítimo. E, sendo-o, se o decreto sub iudicio se apresenta conforme às bases que se propôs desenvolver.

Na verdade, no caso de o «reenvio» ser constitucionalmente inadmissível ou de existir desconformidade entre o parâmetro legal lei de bases e o diploma regional de desenvolvimento dessas bases, então é porque o diploma aqui em apreciação invadiu a área de competência dos órgãos de soberania. E, nesse caso, haverá violação do artigo 229.º, alínea a), da Constituição.

Haverá, depois, que ver - e esta é a segunda questão - se o artigo 114.º da Constituição veda à assembleia regional que cometa ao governo regional o encargo de regulamentar o seu próprio diploma.

Vejamos, então:

II Fundamentos

Primeira questão: a da eventual violação do artigo 229.º, alínea a), da Constituição 1 - O decreto aqui em apreço tem 33 artigos distribuídos por quatro títulos. No título I «Princípios gerais», composto por um só artigo, reproduzem-se, ao fim e ao cabo e sem nada inovar, os artigos 4.º, n.os 1 e 2, e 7.º, n.os 1 e 2, da Lei 28/84. No título II «Organização e atribuições» enumeram-se as instituições regionais de segurança social, definem-se-lhes as atribuições, indicam-se os respectivos órgãos e trata-se do seu regime financeiro. No título III «Participação» trata-se do Conselho de Segurança Social, remetendo-se para diploma regulamentar a fixação da «respectiva composição, competência e modo de funcionamento» (artigo 31.º). No título IV «Disposições finais» remete-se para diplomas regulamentares regionais a definição da «estrutura interna, competência e modo de funcionamento dos órgãos e serviços das instituições previstas no presente diploma» (artigo 32.º); fixa-se como data de entrada em funcionamento das instituições ora criadas aquela em que começarem a vigorar «os decretos regulamentares» previstos no n.º 1 do artigo 32.º; e dispõe-se que nessa data serão revogados os Decretos Regionais n.os 21/79/A e 22/79/A, ambos de 7 de Dezembro, que - conforme se diz no respectivo preâmbulo - definiram «as bases da organização do sistema de segurança social na Região Autónoma dos Açores».

2 - O artigo 84.º da Lei 28/84, atrás transcrito, comete ao poder legislativo regional o encargo de preencher o espaço deixado em branco pela Lei 28/84 sobre determinadas matérias - a saber: as matérias relativas à «organização e funcionamento» e à «regionalização dos serviços de segurança social» -, a fim de «adaptar» a respectiva regulamentação às condições particulares de cada região.

É este um procedimento que, em abstracto, nada tem de constitucionalmente censurável. Questão é que as matérias deixadas à legislação regional sejam daquelas que a Constituição abriu ao poder legislativo regional - designadamente, que elas se não encontrem «reservadas à competência própria dos órgãos de soberania». É que, se isso suceder, haverá violação do artigo 114.º, n.º 2, da Constituição. Este preceito proíbe, com efeito, que os órgãos de soberania, de região autónoma ou de poder local deleguem os seus poderes noutros órgãos, a não ser, naturalmente, «nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei». Ora, como os poderes dos órgãos de soberania são os definidos na Constituição (cf. artigo 113.º, n.º 2), só quando esta consinta uma delegação de poderes ela é admissível. É o que pode designar-se por princípio da indisponibilidade de competências [cf. sobre isto: Acórdão deste Tribunal n.º 82/86 (Diário da República, 1.ª série, de 2 de Abril de 1986)].

Se, pois, as matérias deixadas pela Lei 28/84 à intervenção do legislador regional forem daquelas que a Constituição reservou para os órgãos de soberania, a Assembleia Reional, ao editar o decreto aqui em apreciação, invadiu essa reserva de competência e, desse modo, violou o artigo 229.º, alínea a), da Constituição.

Este preceito dispõe como segue:

Art. 229.º As regiões autónomas são pessoas colectivas de direito público e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos:

a) Legislar, com respeito da Constituição e das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania Isto significa que o poder legislativo regional há-de mover-se dentro dos seguintes limites:

a) As matérias a tratar hão-de ser de interesse específico para a região (limite positivo);

b) Tais matérias não podem estar reservadas à competência própria dos órgãos de soberania (limite negativo);

c) Ao tratá-las, os órgãos legislativos regionais - para além de haverem de obedecer à Constituição - não podem estabelecer disciplina que contrarie as «leis gerais da República» [cf. Acórdãos deste Tribunal n.os 91/84, 82/86 e 164/86 (Diário da República, 1.ª série, de 6 de Outubro de 1984, 2 de Abril de 1986 e 7 de Junho de 1986, respectivamente)].

3 - Vejamos, então.

Uma coisa parece segura. E é esta: a intervenção da assembleia regional «em matéria de organização e funcionamento e da regionalização dos serviços de segurança social» não invade a reserva de competência da Assembleia da República. A competência desta circunscreve-se, no caso, às «bases do sistema de segurança social» [cf. artigo 168.º, n.º 1, alínea f), da Constituição].

Matéria reservada à Assembleia da República é, pois, aqui, tão-somente a fixação do travejamento do respectivo regime, a definição das ideias standards ou dos princípios gerais.

Na verdade, o artigo 168.º, n.º 1, alínea f), estabelece:

Art. 168.º - 1 - É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:

...

f) Bases do sistema de segurança social [...] Pois bem, no caso, as matérias «reenviadas» para o poder normativo regional não se identificam com as bases do respectivo regime jurídico.

4 - Não sucederá, porém, que só o Governo seja competente para desenvolver as bases gerais do regime jurídico do sistema de segurança social? Responde-se afirmativamente.

O artigo 201.º, n.º 1, alínea c), da Constituição preceitua como segue:

Art. 201.º - 1 - Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas:

...

c) Fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidas em leis que a eles se circunscrevam [cf.

também o n.º 2 do artigo 115.º].

O desenvolvimento de uma lei de bases tem, pois, o Governo de fazê-lo por decretos-leis de desenvolvimento, os quais «devem invocar expressamente [...] a lei de bases ao abrigo da qual são aprovados» (cf. artigo 201.º, n.º 3, da Constituição).

Dir-se-á que, do artigo 201.º, n.º 1, alínea c), não decorre que só o Governo possa desenvolver as «bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam». E a isso acresce - ajuntar-se-á - que nenhuma outra norma constitucional proíbe que esse desenvolvimento seja feito pelas assembleias regionais.

Esta interpretação não é, porém, de acolher, como vai ver-se.

O poder legislativo regional é um poder condicionado, sujeito a limites vários:

só pode versar sobre matérias de interesse específico para a respectiva região e que não se achem reservadas à competência própria dos órgãos de soberania; para além de dever obediência à Constituição, não pode editar normas que contrariem leis gerais da República; não pode restringir os direitos legalmente reconhecidos aos trabalhadores; não pode estabelecer restrições ao trânsito de pessoas e bens entre as regiões e o restante território nacional, salvo, quanto aos bens, as ditadas por exigências sanitárias; e, por último, não pode reservar o exercício de qualquer profissão ou o acesso a qualquer cargo público aos naturais ou residentes na região [cf. artigos 115.º, n.º 3, 229.º, alínea a), e 230.º da Constituição].

Sendo isto assim, o que então se tornava necessário era que as normas constitucionais que balizam o poder legislativo das regiões o credenciassem, de modo expresso, para a emissão de decretos legislativos regionais de desenvolvimento de leis de bases. Essa credencial, no entanto, não existe.

Uma das áreas vedadas à intervenção do poder legislativo regional é, como se assinalou, constituída pelas matérias «reservadas à competência própria dos órgãos de soberania».

Estas, segundo este Tribunal já decidiu, não se circunscrevem às que constituem a reserva de competência legislativa da Assembleia da República (artigos 167.º e 168.º, e do Governo constante do n.º 2 do artigo 201.º, da lei fundamental (cf. citado Acórdão 164/86). À competência própria dos órgãos de soberania acham-se reservadas todas as matérias que reclamem a intervenção do legislador nacional.

Daqui decorre que, ali onde houver uma reserva de competência legislativa parlamentar, ainda quando a Assembleia da República não tenha de definir todo o regime jurídico da matéria, cumprindo-lhe apenas fixar as respectivas bases gerais, só o Governo pode editar a regulamentação destinada a preencher os vazios legislativos existentes.

É isto coisa que bem se compreende, pois que, se a matéria tem relevo suficiente para exigir que os respectivos princípios gerais sejam estabelecidos mediante debate parlamentar com subordinação à regra da maioria, o desenvolvimento desses princípios deve também ser feito a nível nacional e pela via legislativa - o que convoca a intervenção do Governo.

Vale isto por dizer que, no domínio da reserva de lei, mesmo que relativa apenas às bases do seu regime jurídico - à parte, naturalmente, pormenores de execução sempre susceptíveis de serem versados em regulamento (regulamentos de mera execução ou, quando muito, integrativos, mas, em qualquer caso, visando a boa execução da lei) -, só pois, o legislador é admitido a intervir. Legislador que, aqui, significa legislador nacional. Os decretos legislativos regionais - para certa doutrina - «não são, materialmente vistas as coisas, senão regulamentos autónomos a que a Constituição atribui forma legislativa e força de lei» (cf. Afonso Rodrigues Queiró, «Teoria dos regulamentos», in Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XVII, 1980, pp. 1 e segs.).

Como se escreveu no já citado Acórdão 91/84 e se repetiu no Acórdão 82/86, «o carácter unitário do Estado e os laços de solidariedade que devem unir todos os portugueses exigem que a legislação sobre matéria com relevo imediato para a generalidade dos cidadãos seja produzida pelos órgãos de soberania (Assembleia da República ou Governo), devendo ser estes a introduzir as especialidades [...] que se mostrem necessárias, designadamente por, no caso, concorrerem interesses insularmente localizados».

Na hipótese que nos ocupa, trata-se de matéria que interessa imediatamente à generalidade dos cidadãos, pois todos eles têm direito à Segurança Social (cf.

artigo 63.º, n.º 2, da Constituição). Depois, trata-se de regulamentar um sistema - o sistema de segurança social - que, devendo embora ser descentralizado, há-de também ser unificado e com participação de associações de diverso tipo - o que é susceptível de reclamar que seja o mesmo legislador a editar normação para todo o território nacional. Legislador que, porém, deverá tomar em consideração as especificidades insulares, ouvindo, para tanto, as regiões autónomas [cf. artigo 229.º, alínea q), da Constituição], se estas não tomarem a iniciativa de tal pronúncia ou, inclusive, a própria iniciativa legislativa [cf. artigo 229.º, alínea c), da Constituição].

As matérias que o artigo 84.º remeteu para o poder normativo regional são, na verdade, daquelas que, embora saindo já fora da competência dos órgãos regionais, todavia respeitam a interesses que, no plano nacional, merecem um tratamento específico no que toca à sua incidência nas regiões.

5 - Na presente hipótese - já se disse -, à Assembleia da República compete legislar sobre as bases gerais do sistema de segurança social. E foi isso que ela fez editando a Lei 28/84, de 14 de Agosto. O desenvolvimento dos princípios gerais aí fixados, esse há-de ser feito, como se viu, para todo o território nacional pelo Governo, que, para tanto, haverá de editar os necessários decretos-leis de desenvolvimento.

A verdade, no entanto, é que o decreto sob apreciação procedeu ao desenvolvimento das bases gerais da Segurança Social, embora tão-só para a Região Autónoma dos Açores. Que isto é assim resulta desde logo do artigo 1.º, que reproduz os artigos 4.º, n.os 1 e 2, e 7.º, n.os 1 e 2, da Lei 28/84.

Mas essa conclusão impõe-se com maior evidência ainda, quando se repare em que, tendo o artigo 84.º da Lei 28/84 devolvido às regiões o poder de editar «regulamentação própria em matéria de organização e funcionamento e da regionalização dos serviços de segurança social», a Assembleia Regional dos Açores, depois de definir as atribuições das instituições regionais de segurança social (cf. artigos 3.º, 12.º e 22.º), remeteu para decretos regulamentares (a publicar, naturalmente, pelo governo regional: (cf. artigo 234.º da Constituição) a definição da estrutura interna, da competência e do modo de funcionamento dos órgãos e serviços daquelas instituições (cf. artigo 32.º). Ou, então, quando se atente em que o preâmbulo do decreto não só refere a citada Lei 28/84 como afirma que se propõe proceder à reformulação das regras estabelecidas pelos Decretos Regionais n.os 21/79/A e 22/79/A, ambos de 7 de Dezembro, onde haviam sido «definidas as bases da organização de segurança social na Região Autónoma dos Açores».

Assim sendo, o decreto sub iudicio versa sobre matéria que está constitucionalmente reservada à competência própria de um órgão de soberania - no caso, o Governo [cf. artigo 201.º, n.º 1, alínea c), da Constituição]. Viola ele, por isso, o artigo 229.º, alínea a), conjugado com o artigo 201.º, n.º 1, alínea c), da Constituição.

6 - A conclusão que acaba de alcançar-se não se alteraria mesmo que houvesse de entender-se que o artigo 84.º da Lei 28/84, ao mandar aplicar a lei em que se inscreve às regiões autónomas, «sem prejuízo de regulamentação própria em matéria de organização e funcionamento e da regionalização dos serviços de segurança social», o que tão-só teria pretendido era ressalvar a legislação existente sobre a matéria, designadamente o Decreto-Lei 276/78, de 6 de Setembro, que veio «transferir algumas atribuições para a Região Autónoma dos Açores, em matéria de saúde e segurança social», sendo essa transferência encarada «como um processo gradual destinado a habilitar a Região a conduzir uma política genuinamente regional naqueles domínios» (cf. o respectivo preâmbulo).

De facto, mesmo aceitando aquela interpretação do artigo 84.º e aceitando bem assim, sem discutir, que o Decreto-Lei 276/78, embora anterior à Lei 28/84, podia ser havido como diploma de desenvolvimento das suas bases gerais, mesmo assim, o que aquele artigo 84.º na sua projecção regional, podia significar era tão-só que as assembleias regionais podiam editar regulamentos para a boa execução daquele decreto-lei.

Simplesmente, como se viu, não foi isso o que fez a Assembleia Regional dos Açores; antes se propôs, ela própria, desenvolver, para a Região, as bases gerais da Segurança Social.

Repetindo, pois: o decreto sub iudicio viola o artigo 229.º, alínea a), conjugado com o artigo 201.º, n.º 1, alínea c), da Constituição.

7 - Objectar-se-á que foi a própria Lei 28/84 (artigo 84.º) a cometer ao legislador regional o encargo de desenvolver, para a respectiva região, as bases gerais que fixou.

A objecção é, porém, improcedente: de um lado, não é à lei que compete definir a competência do órgão de soberania Governo, mas sim - e exclusivamente - à Constituição (cf. artigo 113.º n.º 2, da Constituição), e esta cometeu-lhe, como já se viu, a tarefa de fazer decretos-leis de desenvolvimento das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que versem matéria da competência legislativa reservada à Assembleia da República. E, por outra parte, como também já se disse e resulta do artigo 114.º, n.º 2, da Constituição, nenhum órgão de soberania pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição (cf., sobre isto, o já citado Acórdão 82/86).

8 - É também irrelevante que o Estatuto da Região Autónoma dos Açores (Lei 39/80, de 5 de Agosto) inclua, no seu artigo 27.º, alínea m), a Segurança Social entre as matérias de interesse específico para a Região.

É irrelevante, porque - como já se escreveu no citado Acórdão 164/86 - daí não decorre que a legislação regional haja de ter-se por conforme à Constituição.

É que - acrescentou-se então - «desde logo e em primeiro lugar, o estatuto haverá sempre, ele próprio, de ser interpretado de modo a não entrar em conflito com a Constituição. Constituição que constitui também, como se viu, um limite à actuação dos órgãos legislativos regionais».

Uma medida legislativa regional não pode, assim, haver-se como detentora de credencial constitucional bastante tão-só porque ela versa sobre matéria que o respectivo estatuto considera como sendo de interesse específico para a região.

9 - Irrelevante é, por último, que o decreto em apreciação venha reformular a disciplina constante de anteriores diplomas regionais - rectius dos Decretos Regionais n.os 21/79/A e 22/79/A, ambos de 7 de Dezembro, que criaram, respectivamente, na Região, o Centro de Gestão Financeira de Segurança Social e os centros de prestações pecuniárias de segurança social.

Irrelevante porque, mesmo aceitando, sem a discutir, a constitucionalidade daqueles diplomas, do que agora se trata é de uma reformulação que vem introduzir disciplina nova no ordenamento jurídico (novos são, por exemplo, os artigos 22.º e seguintes do decreto sub iudicio).

10 - Aqui chegados, seria despido de todo o interesse ir averiguar se o decreto sub iudicio vem ou não matérias de interesse específico para a Região ou se a Assembleia Regional, ao editá-lo, violou qualquer «lei geral da República».

Também perde todo o interesse a questão de saber se o decreto em causa respeitou ou não o parâmetro legal que se propôs desenvolver. Este ponto só interessaria, com efeito, dilucidá-lo se o «reenvio» feito pelo artigo 84.º da Lei 28/84 fosse constitucionalmente admissível - e não o é, como se viu.

Finalmente, também não interessa abordar a segunda questão - a de saber se o artigo 114.º da Constituição veda ou não à assembleia regional que cometa ao Governo a regulamentação do diploma que aprovou. De facto, caindo, por inconstitucionalidade, as normas editadas ao abrigo da norma de reenvio, as restantes normas - inclusive as que impõem a edição de regulamentos - ficam sem utilidade, pelo que a sua inconstitucionalidade decorre consequencialmente.

III Decisão

Pelo exposto, o Tribunal Constitucional pronuncia-se pela inconstitucionalidade de todas as normas do decreto da Assembleia Regional dos Açores, aprovado em 10 de Outubro de 1986, versando a «orgânica da Segurança Social», com fundamento em violação do artigo 229.º, alínea a), conjugado com o artigo 201.º, n.º 1, alínea c), da Constituição.

Tribunal Constitucional, 25 de Novembro de 1986. - Messias Bento - Monteiro Dinis - Martins da Fonseca - Mário de Brito - Magalhães Godinho - Mário Afonso - Nunes de Almeida (vencido quanto à fundamentação, nos termos da declaração de voto junta) - Raul Mateus (vencido nos termos da declaração de voto junta) - Cardoso da Costa (votei a decisão, mas por outros fundamentos, conforme declaração anexa) - Vital Moreira (vencido, nos termos da declaração de voto anexa, quer quanto ao âmbito da declaração de inconstitucionalidade, quer quanto à fundamentação) - Armando Manuel Marques Guedes (vencido quanto à fundamentação. Na verdade, o artigo 201.º da Constituição, na alínea c) do seu n.º 1, não reserva para o Governo o exclusivo do desenvolvimento das leis de bases votadas pela Assembleia da República; limita-se, tão-só, a regular o modo por que o Governo o deve fazer, designadamente quanto à forma que deve por ele ser para o efeito adoptada.

Não exclui que os órgãos legislativos regionais o façam. A Assembleia Regional dos Açores podia, consequentemente, tomar sobre si, em princípio, a tarefa de desenvolver as bases enunciadas quanto à Segurança Social pela Lei 28/84).

Declaração de voto

Votei vencido, quanto à fundamentação, pelas seguintes razões:

1 - Não atribuí ao artigo 84.º da Lei 28/84, de 14 de Agosto, o sentido e alcance que lhe foram dados no acórdão que obteve vencimento.

Com efeito, não me pareceu que, com tal disposição, se haja pretendido deixar um espaço em branco, aberto à intervenção do legislador regional, o qual ficaria incumbido de editar a normação inicial ou primária necessária para a regulamentação das matérias em causa. Antes entendi que a história legislativa referente à regionalização dos serviços de segurança social impunha interpretação bem diversa do mencionado preceito.

Vejamos porquê.

2 - O Decreto-Lei 549/77, de 31 de Dezembro, estabeleceu a estrutura orgânica da Segurança Social, distinguindo entre uma estrutura orgânica central, uma estrutura orgânica regional, e uma estrutura orgânica local.

Posteriormente, o Decreto-Lei 276/78, de 6 de Setembro, veio determinar que a Região Autónoma dos Açores passasse a superintender nos serviços dependentes do então Ministério dos Assuntos Sociais - designadamente os do âmbito da Segurança Social - situados na Região.

Foram, por via desse diploma, «regionalizados», não só os órgãos e serviços que constituíam a estrutura orgânica local e a estrutura orgânica regional (na linguagem do Decreto-Lei 549/77), mas também os serviços periféricos da estrutura orgânica central, como resulta claramente do disposto no artigo 4.º do citado Decreto-Lei 276/78.

Todavia, não foram «regionalizados» os órgãos e serviços centrais não periféricos, ou seja, «não situados» na Região Autónoma. Era o caso, obviamente, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e do Centro Nacional de Pensões que, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei 549/77, eram organismos dotados de personalidade jurídica e gozavam de autonomia administrativa e financeira.

Mais tarde, os Decretos Regionais n.os 21/79/A e 22/79/A, de 7 de Dezembro, vieram criar no âmbito da Direcção Regional da Segurança Social - que absorvera os serviços periféricos do Estado - o Gabinete de Gestão Financeira de Segurança Social e os centros de prestações pecuniárias de segurança social.

Quanto a estes centros de prestações pecuniárias, cabe apenas assinalar que constituem estruturas muito idênticas aos centros regionais de segurança social existentes no continente, devidamente adaptadas às peculiaridades próprias de um arquipélago.

No que se refere ao Gabinete de Gestão Financeira, a verdade é que se verifica que ele não se traduzia numa «regionalização» do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, porquanto as suas receitas correntes, na parte que nos interessa, não consistiam em quaisquer contribuições, mas apenas em transferências do próprio Instituto de Gestão Financeira e do OGE.

Isto é, não se operou, por via do Decreto Regional 21/79/A, uma «regionalização» das receitas e despesas do sistema de segurança social, com implicações nas atribuições exercidas pelos organismos de carácter nacional.

3 - A Lei 28/84, ao dar cumprimento ao estipulado na primeira parte da alínea f) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 57.º que «as instituições de segurança social são, a nível nacional, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o Centro Nacional de Pensões, o Centro de Relações Internacionais e Convenções da Segurança Social e o Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais e, a nível distrital, os centros regionais de segurança social». Todavia, no seu artigo 84.º, esclareceu que «a presente lei é aplicável às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo de regulamentação própria em matéria de organização e funcionamento e da regionalização dos serviços de segurança social».

Qual o verdadeiro sentido desta última disposição legal? Em meu entender, o legislador pretendeu, antes de mais, ressalvar a legislação anterior que procedera à regionalização dos serviços periféricos e à transferência das instituições de carácter regional para a tutela dos órgãos próprios das regiões autónomas. E entendeu, ainda, ressalvar igualmente a regulamentação própria já existente em matéria de organização e funcionamento dos serviços de segurança social: como vimos, por exemplo, a substituição de centros regionais, de base distrital (aliás, o distrito deixou já de existir como circunscrição administrativa nas regiões autónomas), por centros de prestações pecuniárias, correspondentes a grupos de ilhas.

4 - É evidente que a mera ressalva de tal legislação anterior (quer nacional, quer regional) em nada viola a Constituição. E é também evidente que tal ressalva não impedia que, de futuro, tal legislação viesse a ser reformulada pelos órgãos que a haviam editado.

Não vejo, pois, que estivesse vedado à assembleia Regional dos Açores revogar os Decretos Regionais n.os 21/79/A e 22/79/A, substituindo-os por outros em que se procedesse, em termos diferentes, à regulamentação da organização e funcionamento dos serviços da segurança social já regionalizados.

5 - No entanto, não foi isso que a Assembleia Regional se limitou a fazer.

Na verdade, conforme decorre, desde logo, do preceituado na alínea a) do artigo 17.º do diploma em apreço, é criado um Centro Regional de Pensões, integrado no também agora criado Instituto de Gestão dos Regimes da Segurança Social, ou seja, «regionaliza-se» uma instituição de carácter nacional, não ainda regionalizada: o Centro Nacional de Pensões.

Por outro lado, pelo estabelecido nos artigos 20.º e 21.º do diploma em causa, as contribuições passam a constituir receitas do agora criado Instituto, o qual passa a suportar, como despesas, as prestações pecuniárias. Ou seja, «regionaliza-se» o regime financeiro de segurança social, anteriormente assegurado, a nível nacional, nos termos da lei, pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

Pois bem, a regionalização assim efectuada por diploma regional é que não é compatível com o disposto na lei fundamental, designadamente na alínea a) do seu artigo 229.º, porquanto aí só se permite às regiões autónomas que legislem em matérias de seu interesse específico.

Ora, conforme a extinta Comissão Constitucional assinalou em sucessivos pareceres, e designadamente nos seus pareceres n.os 7/77, 4-A/78 e 13/78, «não pode pretender-se que verse sobre interesse específico da região o decreto emanado de um órgão regional cujas disposições se propõem subtrair a órgãos centrais competências a estes atribuídas por lei geral da República, para as deferir a órgãos regionais».

6 - Dir-se-á que nem todas as disposições do diploma ora em apreciação enfermam deste vício. E é verdade. Mas com toda a lógica do decreto aprovado pela assembleia regional - salvo naquilo em que apenas se retoma os decretos regionais ainda em vigor - assenta na regionalização que ora se procura efectuar da forma constitucionalmente vedada, votei a conclusão do acórdão, por admitir que as normas não directamente inquinadas sejam consequencialmente inconstitucionais, por não poderem subsistir, se expurgadas as restantes. - Nunes de Almeida.

Declaração de voto

1 - Continuei a entender, na linha do Acórdão 14/84 do Tribunal Constitucional (Diário da República, 2.ª série, n.º 108, de 10 de Maio de 1984), que uma lei de bases da Assembleia da República não tem necessariamente de ser desenvolvida por decreto-lei; pode sê-lo ainda por decreto legislativo regional, desde que a própria Assembleia da República, sendo a matéria do interesse específico de uma ou outra das regiões autónomas, cometa o desenvolvimento das bases à respectiva assembleia regional, que então actuará no exercício da competência legistativa prevista no artigo 229.º, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Por manter este entendimento, não acompanhei a linha de raciocínio do aresto de que esta declaração de voto é parte integrante e, em consequência, não votei que as normas, todas elas, do Decreto Legislativo Regional 19/86/A, da Assembleia Regional dos Açores, fossem inconstitucionais por violação do disposto no artigo 22.º, alínea a), em articulação com o artigo 201.º, n.º 1, alínea c), da CRP.

2 - A intervenção legislativa das assembleias regionais neste campo exige, porém, que a Assembleia da República, ao remeter para qualquer delas o ulterior desenvolvimento de uma lei de bases - e citando o que, a seu tempo, se escreveu no mencionado Acórdão 14/84 - se não limite «a normas em branco ou puramente remissivas. A Assembleia da República não pode alienar ou delegar a sua competência legislativa reservada (salvo no caso de autorizações legislativas). Qualquer que seja, a definição de 'bases gerais' que se perfilhe, parece seguro que nelas se há-de incluir aquilo que em cada área constitua as opções político-legislativas fundamentais», sem o que a assembleia regional solicitada estará constitucionalmente impedida de desenvolver, dentro da sua área territorial específica, essas mesmas «bases».

Com o decreto legislativo regional em causa pretendeu a Assembleia Regional dos Açores desenvolver na Região as bases do sistema de segurança social, cuja definição é da competência exclusiva da Assembleia da República [artigo 168.º, n.º 1, alínea f) da CRP], pretendeu, e mais concretamente, desenvolver as bases da Lei de Segurança Social (Lei 28/84, de 14 de Agosto), em cujo artigo 84.º se estabeleceu, a esse propósito, o seguinte:

A presente lei é aplicável às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo de regulamentação própria em matéria de organização e funcionamento e da regionalização dos serviços de segurança social.

No entanto, este dispositivo, ao permitir que as assembleias regionais desenvolvessem as bases dessa lei em matéria de organização e funcionamento e no domínio da regionalização dos serviços de segurança social, «esqueceu-se» de definir com um mínimo de precisão as «opções político-legislativas fundamentais», ou seja, as bases do sistema de segurança social de que, no caso das regiões, o legislador regional teria necessariamente de partir.

Essa norma do artigo 84.º da Lei 28/84 é, pois, nesta perspectiva, uma norma em branco ou puramente remissiva, o que, em última análise, significa que a Assembleia Regional dos Açores - examinadas as coisas em termos substanciais - agiu a descoberto de qualquer lei de bases.

3 - Deste modo, a Assembleia Regional dos Açores, «desenvolvendo», através do Decreto Legislativo Regional 19/86, «bases» do sistema de segurança social que realmente não existiam, invadiu a esfera de competência legislativa reservada da Assembleia da República [artigo 168.º, n.º 1, alínea f), da CRP] e, do mesmo passo, desacatou um dos parâmetros definidores da sua competência legislativa regional, o do respeito pela competência própria dos órgãos de soberania [artigo 229.º, alínea a), da CRP] Nestas circunstâncias, votei a inconstitucionalidade de todas as normas do mesmo decreto legislativo regional por infracção ao disposto nos artigos 168.º, n.º 1, alínea f), e 229.º, alínea a), da CRP, conjugadamente lidos. - Raul Mateus.

Declaração de voto

Votei a conclusão do acórdão pelas razões expostas na declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Nunes de Almeida, que fundamentalmente acompanho.

Acrescentarei apenas que, na lógica de tal declaração, e vista a questão por outro ângulo, se dirá que no caso vertente ocorre um «desenvolvimento» de uma lei de bases da Assembleia da República em termos e grau seguramente reservado ao Governo da República. Isto, independentemente da questão de saber se nalgum nível ou grau é admissível o «desenvolvimento» daquelas leis por legislação regional [se é que, no caso de tal ser admissível, ainda se está aí perante decretos de «desenvolvimento», no sentido preciso em que deles se fala nos artigos 115.º, n.º 2, e 201.º, n.º 1, alínea c), da Constituição]. - Cardoso da Costa.

Declaração de voto

Acompanho, nos diferentes domínios em que se situam, o essencial das declarações de voto dos conselheiros Raul Mateus e Nunes de Almeida.

Por um lado, não adiro à tese sustentada no acórdão, segundo a qual é reservado ao Governo da República o desenvolvimento legislativo das leis de bases gerais da AR. Na linha do Acórdão 14/84 - de que, aliás, fui relator -, continuo a ter como boa a doutrina de que a Constituição não proíbe que a AR devolva às regiões autónomas o desenvolvimento legislativo de leis de bases gerais nos casos em que a AR entenda haver interesse específico de qualquer das regiões. Todavia, continuo também a sustentar que a AR não pode limitar-se a uma norma em branco, devendo dispor sobre as bases gerais a que há-de obedecer o diploma legislativo regional.

Por outro lado, e independentemente disso, afigura-se-me que o decreto em causa da Assembleia Regional dos Açores ultrapassa manifestamente a credencial que poderia invocar no artigo 84.º da Lei 28/84 (preceito este que, de resto, nem sequer é mencionado).

Da conjugação dos artigos 63.º, 108.º, n.º 1, e 168.º, n.º 1, alínea f), da CRP, creio serem evidentes as seguintes ilações:

Existe um sistema unificado de segurança social, pelo que (independentemente de saber se, ao lado do sistema nacional de segurança social, pode haver sistemas regionais, separados daquele) não pode haver regimes próprios nas regiões autónomas em matéria de definição de direitos à segurança social, contribuições, prestações, etc.;

Mesmo que seja constitucionalmente admissível a regionalização dos serviços de segurança social, é aos órgãos da República que compete decidir a transferência de serviços para a órbita regional, e não, por iniciativa autónoma, às próprias regiões autónomas;

A CRP prevê a existência de um orçamento da Segurança Social a nível do Estado (artigo 108.º), não estando previsto nenhum orçamento regional de segurança social, pelo que é altamente duvidoso que possa verificar-se uma regionalização financeira da Segurança Social (a qual, a admitir-se, sempre pressuporia, pelo menos, a existência de um orçamento próprio, a ser aprovado directamente pela assembleia regional - como sucede com o orçamento estadual da Segurança Social, que é aprovado pela AR -, o que não está previsto em nenhuma lei da República, a começar pelo Estatuto Regional dos Açores);

De qualquer modo, o artigo 84.º da Lei 28/84 só deixou margem para regulamentação regional própria em matéria de organização e funcionamento e para a regionalização dos serviços de segurança social e não para a existência de um sistema regional de segurança social separado e independente do sistema nacional de segurança social (ao contrário do que se pretende no artigo 1.º do decreto em apreço, a Lei 28/84 não admite a existência de «regimes [...] regionais de segurança social», mas apenas, eventualmente, de «instituições» regionais de segurança social).

Nesta medida, o decreto em apreço, ao afastar-se do quadro das bases gerais da Segurança Social - cuja definição compete exclusivamente à AR -, infringe as normas conjugadas dos artigos 229.º, alínea a), e 168.º, n.º 1, alínea f), da CRP. - Vital Moreira.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1986/12/18/plain-173520.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/173520.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1977-12-31 - Decreto-Lei 549/77 - Ministério dos Assuntos Sociais - Secretaria de Estado da Segurança Social

    Reestrutura os órgãos, serviços e instituições do âmbito da Secretaria de Estado da Segurança Social.

  • Tem documento Em vigor 1978-09-06 - Decreto-Lei 276/78 - Ministério dos Assuntos Sociais

    Transfere para a Região Autónoma dos Açores alguns serviços dependentes do Ministério dos Assuntos Sociais.

  • Tem documento Em vigor 1980-08-05 - Lei 39/80 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

  • Tem documento Em vigor 1984-08-14 - Lei 28/84 - Assembleia da República

    Lei de Bases da Segurança Social.

  • Tem documento Em vigor 1984-10-06 - Acórdão 91/84 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade das normas do decreto da Assembleia Regional dos Açores aprovado em 28 de Junho de 1984 e que vem identificado como sendo o Decreto Legislativo Regional n.º 18/84.

  • Tem documento Em vigor 1986-04-02 - Acórdão 82/86 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 7.º, n.º 2, e 30.º, n.os 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de Março.

  • Tem documento Em vigor 1986-06-07 - Acórdão 164/86 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de todas as normas da Portaria n.º 108/83, de 20 de Dezembro, da Secretaria Regional do Comércio e Indústria dos Açores, por violação da alínea a) do artigo 229.º, e bem assim da alínea b) do artigo 230.º, da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 1986-08-19 - Decreto Legislativo Regional 19/86/A - Região Autónoma dos Açores - Assembleia Regional

    Dá nova redacção ao artigo 6.º do Decreto Regional n.º 8/77/A, de 17 de Maio (adopta providências relativas ao pessoal dos quadros políticos, técnicos e administrativos do Governo Regional dos Açores).

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1987-07-02 - Acórdão 190/87 - Tribunal Constitucional

    Decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade de todas as normas do Decreto Legislativo Regional 8/87/A, aprovado pela ARA em sessão de 7 de Abril de 1987 - Regulamenta o Decreto-Lei 44/84, de 3 de Fevereiro que define os principios gerais do recrutamento e selecção de pessoal e do processo de concurso na função pública. - (Procº nº. 187/87)

  • Tem documento Em vigor 1988-05-12 - Acórdão 91/88 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, DE TODAS AS NORMAS DO DECRETO REGIONAL NUMERO 21/80/A, DE 11 DE SETEMBRO, (CONDUCAO DE VELOCIPEDES), POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 229, NUMERO 1, A) DA CONSTITUICAO.

  • Tem documento Em vigor 1988-12-21 - Acórdão 268/88 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes das Resoluções 42/87, de 15 de Janeiro e 5/88, de 28 de Janeiro, do Governo Regional dos Açores ( fixam os valores do salário mínimo mensal a observar a partir de, respectivamente, 1 de Janeiro de 1987 e 1 de Janeiro de 1988 ). ( Proc. nº 207/88 )

  • Tem documento Em vigor 1992-07-28 - Acórdão 220/92 - Tribunal Constitucional

    Decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas do artigo 1.º e das alíneas a), b), c), d) e e) do artigo 2.º do decreto aprovado pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira, na sessão plenária de 30 de Abril de 1992, subordinado ao título a «Competências no âmbito do ensino superior». Decide não se pronunciar pela inconstitucionalidade das restantes normas do mesmo diploma - alíneas f), g), h), i), j) e k) do referido artigo 2º.

  • Tem documento Em vigor 1993-08-13 - Acórdão 433/93 - Tribunal Constitucional

    PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORM CONSTANTE DO ARTIGO 1 DO DECRETO APROVADO NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA REGIONAL DA MADEIRA EM 8 DE JUNHO DE 1993, QUE 'TORNA OBRIGATÓRIO O USO DE CINTO DE SEGURANCA', POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NA ALÍNEA A) DO NUMERO 1 DO ARTIGO 229 DA CONSTITUICAO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, E DAS NORMAS CONSTANTES DOS ARTIGOS 2 E 3 DO MESMO, CONSEQUENCIALMENTE A ANTERIOR PRONUNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE (PROCESSO NUMERO 421/93).

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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