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Acórdão 370/2008, de 12 de Agosto

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Sumário

Não julga inconstitucionais as normas constantes do artigo 161.º, n.os 1 a 5, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro

Texto do documento

Acórdão 370/2008

Processo 141/08

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório:

1.1 - António Melo Pereira, Fernando António Pinto Carneiro, José Joaquim Marques Ferreira Machado, Manuel de Bessa Moreira, Maria do Carmo Pereira da Mota, Serafim Marques de Oliveira e José Maria Castelar requereram, no Supremo Tribunal Administrativo (STA), contra a Comissão de Inscrição da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, ao abrigo do artigo 161.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a extensão dos efeitos do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA de 5 de Julho de 2005, processo 164/04, que confirmou o Acórdão da 1.ª Subsecção, de 3 de Novembro de 2004, que anulara o acto da requerida que recusara a inscrição de um interessado na então designada Associação dos Técnicos Oficiais de Contas (ATOC), criada pelo Decreto-Lei 265/95, de 17 de Outubro (designação alterada para Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (CTOC), pelo Decreto-Lei 452/99, de 5 de Novembro).

Nessas decisões entendeu-se que, para efeitos de inscrição na ATOC que a Lei 27/98, de 3 de Junho, possibilitara aos «profissionais de contabilidade que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação do Decreto-Lei 265/95, de 17 de Outubro, tenham sido, durante três anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade, responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada», era possível provar por qualquer meio probatório admissível em procedimento administrativo esse requisito de responsabilidade directa por contabilidade organizada, sendo ilegal a limitação da possibilidade de prova a cópias de declarações modelo 22 de IRC ou anexo C ao modelo 2 de IRS, como a Comissão de Inscrição estabelecera num «Regulamento», de 3 de Junho de 1998, que aprovara para execução daquela lei.

Aduziram os requerentes que se encontram na mesma situação daqueles casos, já superiores a cinco, em que foram proferidas decisões judiciais, transitadas em julgado, em processos em que foi parte a ora requerida, que julgaram inválidos os actos de recusa de inscrição por considerarem ilegais as normas restritivas de meios probatórios constantes do referido Regulamento: Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 355/2005, de 6 de Julho de 2005, e Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA de 5 de Julho de 2005, processo 164/04, de 6 de Outubro de 2005, processo 342/04, de 10 de Novembro de 2005, processo 343/04, de 19 de Janeiro de 2006, processo 424/04, de 7 de Fevereiro de 2006, processo 419/04, e de 2 de Março de 2006, processo 423/04.

A pretensão formulada obteve acolhimento no Acórdão da 1.ª Secção do STA de 19 de Abril de 2007, que determinou que «na esfera jurídica dos requerentes se produzam os mesmos efeitos que o mencionado Acórdão do Pleno da 1.ª Secção de 5 de Julho de 2005, proferido no processo. n.º 164/04, projectou na esfera jurídica dos respectivos beneficiários».

Contra este acórdão interpôs a recorrente recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:

«1 - O acórdão recorrido incorreu em deficiente aplicação do direito aos factos.

2 - Desde logo, deveria ter procedido à desaplicação in casu da norma contida no artigo 161.º do CPTA, porquanto a mesma não está conforme à Constituição da República Portuguesa.

3 - Com efeito, são violados os princípios do Estado de direito, na sua vertente da protecção da segurança jurídica e da protecção da confiança, e o princípio da igualdade, plasmados, respectivamente, nos artigos 2.º e 13.º da Constituição;

4 - A opção tomada pelo legislador viola, intoleravelmente, a confiança que a Administração deve poder pôr na estabilidade das relações administrativas e nos seus efeitos;

5 - Além disso, traduz um benefício concedido em favor dos que, perante um acto desfavorável, se quedaram passivos e não reagiram judicialmente dentro do prazo legal para tanto fixado, tratando-se, pois, de forma desigual face àqueles particulares que, dentro do prazo de que dispunham, tiveram que mobilizar os meios processuais adequados, para que não se firmasse na sua esfera jurídica um acto que lhes era desfavorável, assim se violando o princípio constitucional da igualdade.

6 - Ao contrário do que considerou o tribunal a quo, o artigo 161.º mais não é, em termos materiais, do que a atribuição a quem já não o tinha, do direito de impugnar um acto administrativo desfavorável, indo até mais além do que isso, pois esse particular, que vê, assim, 'ressuscitado' o seu direito de acção, poderá, por essa via, ver automaticamente produzidos na sua esfera jurídica os mesmos efeitos que veria caso tivesse impugnado atempadamente o acto desfavorável e tivesse obtido vencimento.

7 - A argumentação oferecida pelo acórdão recorrido para sustentar a constitucionalidade da norma perspectiva, assim, a questão de um prisma estritamente formal, não atendendo à materialidade das razões que apontam, ao contrário, para a inconstitucionalidade da norma.

8 - Por outro lado, e independentemente da posição tomada quanto à conformidade do artigo 161.º do CPTA, andou mal o acórdão recorrido ao considerar que a situação em apreço se encaixava na respectiva previsão da norma.

9 - O artigo 161.º está pensado para se aplicar nos casos em que foram praticados actos administrativos com vários destinatários, e não, como é o caso, actos administrativos distintos.

10 - Ao não dar razão à aqui recorrente, procedeu o acórdão recorrido a uma errada interpretação e aplicação do artigo 161.º [do CPTA].»

Por Acórdão de 13 de Novembro de 2007, o Pleno da 1.ª Secção do STA negou provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação jurídica:

«2.2 - Matéria de direito. - A recorrente insurge-se contra o acórdão da Subsecção por entender que o artigo 161.º do CPTA é inconstitucional e, se assim não for entendido, por não se verificarem os requisitos aí previstos para se declarar a extensão de efeitos de uma decisão judicial, ou seja, por não estar em causa uma sentença anulatória de um acto plural.

Vejamos cada uma das questões.

2.2.1 - Inconstitucionalidade do artigo 161.º do CPTA. - A recorrente retoma, no recurso, os argumentos que esgrimira na acção e que o acórdão não acolheu. O acórdão recorrido, em suma, entendeu que o artigo 161.º do CPTA não violava os princípios da segurança inerente ao Estado de direito (artigo 2.º) e da igualdade (artigo 13.º, ambos da Constituição). A recorrente insiste na tese oposta, vendo no referido artigo uma intolerável violação da confiança que a Administração deve poder pôr na estabilidade das relações jurídicas (violação da protecção da segurança jurídica) e ainda a violação da igualdade, na medida em que o preceito em causa traduz um 'favor dos que, perante um acto desfavorável, se quedaram passivos e não reagiram judicialmente dentro do prazo legal[...] tratando-os de forma desigual face àqueles que, dentro do prazo de que dispunham, tiveram que mobilizar os meios processuais adequados'.

i) Princípio da segurança jurídica. - O artigo 161.º do CPTA, sob a epígrafe 'extensão dos efeitos da sentença', permite que os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica favorável possam ser estendidos a outras pessoas que 'se encontrem na mesma situação jurídica'. [A redacção do preceito é a seguinte: 'Os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica favorável a uma ou várias pessoas podem ser estendidos a outras que se encontrem na mesma situação jurídica, quer tenham recorrido ou não à via judicial desde que, quanto a estas, não exista sentença transitada em julgado'.]

É verdade que a eficácia de um acto administrativo inimpugnável - e que portanto gozava de alguma estabilidade na ordem jurídica - pode vir a ser inutilizada, por aplicação do artigo 161.º do CPTA. Mas essa destruição dos efeitos, não obstante o 'caso decidido', não significa uma intolerável quebra da confiança na estabilidade das relações jurídicas inerente a um Estado de direito.

O acórdão recorrido sublinhou, citando a propósito o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 17/84, que o cidadão deve 'poder prever as intervenções que o Estado poderá levar sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas.[...]. Deve poder confiar em que a sua actuação seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as consequências juridicamente relevantes'. Ora, a introdução na ordem jurídica do artigo 161.º do CPTA não é uma ruptura inesperada da irrelevância (em determinadas situações) do caso decidido. A lei, a doutrina e a jurisprudência desde sempre admitiram - como veremos - hipóteses em que o caso decidido não gozava de total protecção.

Como é sabido, nem sequer os actos favoráveis, constitutivos de direitos, não impugnados têm essa protecção, pois podem ser revogados com fundamento em ilegalidade no prazo de um ano - cf. artigo 141.º, n.º 1, do CPA. Por outro lado, a ilegalidade dos actos inimpugnáveis (consolidados), como hoje decorre do artigo 38.º, n.º 1, do CPTA, pode ser posta em causa e, portanto, reconhecida. O artigo 7.º do Decreto-Lei 48 051, ainda em vigor, também permite a discussão da ilicitude de actos administrativos consolidados, mostrando que um acto ilegal não impugnado pode levar à condenação da Administração pelos danos causados a terceiros com a prática desse acto.

Freitas do Amatral (Direito Administrativo, iv, Lisboa, 1988, p. 227) defendia - desde há muito - a eficácia erga omnes de algum tipo de sentenças anulatórias, tudo dependendo do seu fundamento: 'terão eficácia erga omnes se forem baseadas em fundamentos objectivos, e eficácia inter partes se baseadas em fundamentos subjectivos'.

Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, ii, pp. 1371-1373) defendia que a anulação de um acto divisível por fundamentos objectivos, isto é, por razões independentes das condições pessoais seja de quem for, tinha eficácia erga omnes.

Rui Machete (Dicionário [Jurídico da Administração Pública, ii, 1969], p. 291) também refere, como se dá conta no Acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Junho de 2004, proferido no processo 45 497/B, 'que na delimitação do caso julgado anulatório de acto administrativo encontra-se a ideia de que, sob pena de contradição insanável, o mesmo acto não pode ser, perante a mesma ordem jurídica, simultaneamente nulo para uns e válido para outros'. [No seguimento da posição que defendeu in O Contencioso Administrativo: O Caso Julgado nos Recursos Directos de Anulação, Coimbra, 1973, pp. 132 e seguintes]. Ou seja, adverte o autor, casos haverá em que a estabilização dos efeitos de um acto consolidado seria uma pura contradição (o acto era e não era válido ao mesmo tempo).

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal sempre se reconheceu haver efeitos 'extraprocessuais' das sentenças anulatórias, como se pode ver, por exemplo, no Acórdão deste Tribunal de 26 de Setembro de 2001, recurso n.º 35 484, citado no Acórdão de 15 de Dezembro de 2006, proferido no processo 195/05: 'os efeitos extraprocessuais desse caso julgado obstam a que, em processos judiciais que tenham por objecto actos atinentes à mesma relação material controvertida, venham a ser proferidas decisões incompatíveis com o decidido', já que 'valem aqui as razões de impedir que o tribunal seja colocado em situação de ter de contradizer ou reproduzir decisão anterior que justificam o caso julgado (n.º 2 do artigo 497.º do CPC)'.

O artigo 161.º do CPTA insere-se, assim, num entendimento mais geral que permitia, em determinados casos, negar protecção ao 'caso decidido', aceitando que actos não impugnados, e já inimpugnáveis, possam vir a ser destruídos. A existência de um entendimento claro (na lei, na doutrina e na jurisprudência) permitindo a inutilização da estabilidade assente no 'acto inimpugnável' - anulado por razões objectivas - mostra que o artigo 161.º do CPTA não introduziu na ordem jurídica qualquer perturbação (intolerável) da confiança na ordem jurídica.

Não tem, pois, razão de ser a crítica ao preceito em causa, pois o mesmo não veio introduzir qualquer perturbação inaceitável na estabilidade dos actos administrativos inimpugnáveis;

ii) Princípio da igualdade. - O acórdão recorrido considerou que o preceito em causa não violava o princípio da igualdade: 'Não se vê, assim [diz o acórdão] em que medida é que o princípio constitucional da igualdade postule que, numa situação como a definida no questionado artigo 161.º do CPTA, aos aludidos particulares, que não tenham acedido à via judicial, esteja vedada a já referida extensão dos efeitos, tanto mais que, aqui, ou seja, no âmbito de aplicação do artigo 161.º do CPTA, não se trata, como já se salientou, de permitir a impugnação contenciosa do acto de recusa de inscrição, não sendo, por isso, particularmente pertinente, a este nível, trazer à lide o regime da aceitação do acto, prevista no artigo 56.º do CPTA, não comportando, no caso em apreço, o citado artigo 161.º qualquer pretensão anulatória do acto de recusa. Ou seja, o referido princípio constitucional não constitui impedimento a que o órgão legiferante tivesse editado a norma em causa, nos termos e com o seu preciso conteúdo, não se detectando, aqui, um qualquer arbítrio legislativo, traduzido na hipotética clara falta de apoio constitucional para a diferenciação ou não diferenciação efectuada pela citada medida legislativa. Em suma, o legislador não deu tratamento jurídico diferente a situações semelhantes, na exacta medida em que tudo se situa ao nível dos efeitos do julgado anulatório ou daquele que tenha reconhecido uma situação jurídica favorável, não tendo, por isso, sido desrespeitado o comando contido no artigo 13.º da CRP.'

A nosso ver, é de manter o acórdão. A argumentação da recorrente relativamente à violação do princípio da igualdade é de resto 'perversa', pois a razão de ser da extensão de efeitos do caso julgado regulada no artigo 161.º do CPTA é precisamente a de dar tratamento substancialmente igual a quem se encontra na mesma 'situação jurídica'. Não se entende, também, o argumento da recorrente quando acusa o acórdão de ter encarado a questão num prisma 'estritamente formal' (conclusão 7.ª). O artigo 161.º, n.º 1, do CPTA exige como requisito da extensão dos efeitos do julgado que estejamos perante a 'mesma situação jurídica', pretendendo, desse modo, que situações jurídicas materialmente semelhantes venham a ser reguladas, na prática, do mesmo modo. Não é uma visão 'estritamente formal', sendo, pelo contrário, uma visão que privilegia a igualdade.

O princípio da igualdade, nos termos do artigo 13.º da Constituição, proíbe discriminações decorrentes dos índices (sexo, raça, etc.) aí definidos, onde não se encontra a 'não interposição do recurso contencioso'. Fora dos casos expressamente proibidos de discriminação, só existe violação do princípio da igualdade quando estivermos perante discriminações arbitrárias ou manifestamente injustificadas [cf. Jorge Miranda, Direito Constitucional, tomo iv, p. 248, e jurisprudência do Tribunal Constitucional aí citada e, em especial, o Acórdão 231/94, de 9 de Março, Diário da República, 1.ª série-A, n.º 98, de 28 de Abril de 1994, pp. 2056 e 2057: '[...] a essência da aplicação do princípio da igualdade encontra o seu ponto de apoio na determinação dos fundamentos fácticos e valorativos da diferenciação jurídica consagrada no ordenamento. O que significa que a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica'. Trata-se, hoje, de um entendimento pacífico e consolidado - cf., por todos, Acórdãos n.os 44/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3.º vol., pp. 133 e segs., 309/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6.º vol., pp. 547 e segs., 191/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12.º vol., pp. 239 e segs., 303/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.º vol., pp. 65 e segs., 468/96, Diário da República, 2.ª série, de 13 de Maio de 1996, e, mais recentemente, 1186/96, Diário da República, 2.ª série, de 12 de Fevereiro de 1997, e 1188/96, Diário da República, 2.ª série, de 13 de Fevereiro de 1997. Não é arbitrário, nem manifestamente injustificado atribuir efeitos extraprocessuais a uma sentença anulatória com fundamento na identidade das situações jurídicas em causa. O princípio da igualdade, interpretado em termos materiais, não é violado, antes pelo contrário, é densificado em todos os casos em que a ordem jurídica dê tratamento materialmente igual àqueles que, como se diz no artigo 161.º do CPTA, se encontram 'na mesma situação jurídica'.

É assim, a nosso ver, manifesto que não se verifica a violação do princípio da igualdade.

2.2.2 - Requisitos de aplicação do artigo 161.º, n.º 1, do CPTA. - No recurso, a recorrente insurge-se contra o acórdão na parte em que se entende que o artigo 161.º, n.º 1, do CPTA é aplicável a situações como a dos presentes autos. A requerida já sustentara a mesma tese na subsecção, pretendendo que o preceito em causa tem como um dos seus pressupostos de aplicação a existência de um acto administrativo plural.

A sua tese foi refutada por não se ver qualquer elemento interpretativo permitindo a interpretação restritiva do preceito."Aliás - argumenta o acórdão - a própria alusão que é feita no mencionado n.º 2 aos processos 'no domínio do funcionalismo público e no âmbito dos concursos' é manifestamente exemplificativa, só assim se justificando o uso do termo 'nomeadamente', que antecede tal alusão, o que não pode deixar de significar que se possa equacionar extensão dos efeitos de sentença, ainda que fora de tal tipo de processos".

A recorrente limita-se a discordar, reassumindo a tese de que é pressuposto deste preceito e, portanto, da extensão de efeitos da sentença que se trate de actos administrativos plurais, invocando a seu favor Colaço Antunes, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, p. 18. Este autor, efectivamente, entende que '[...]na situação em apreço hão-de tratar-se de actos com destinatário plural ou indeterminado, pois, de outra forma, estar-se-ia a alargar os referidos efeitos não só subjectivamente - o que foi pensado pelo legislador - mas também objectivamente, o que permitiria a anulação de outros actos que não o que constitui objecto da acção impugnatória'.

A nosso ver, é de sufragar inteiramente a tese do acórdão.

Desde logo, pelo argumento literal denunciando que as situações aí referidas são meramente exemplificativas. Tal significa que o pressuposto de aplicação do artigo é o facto de os interessados se encontrarem na 'mesma situação jurídica'. A pluralidade de destinatários num acto plural é, sem dúvida, um caso onde os interessados podem estar em situação jurídica idêntica (desde que a anulação se não funde em motivos subjectivos), mas não se vislumbram razões para ser a única hipótese legalmente prevista no artigo 161.º, n.º 1, do CPTA. Na verdade, o que determinou a opção do legislador foi a possibilidade da extensão dos benefícios decorrentes da reposição da legalidade a todos os prejudicados com a prática de um acto ilegal. Não se compreenderia, assim, sem uma indicação clara nesse sentido (como argumentou e bem o acórdão) que ficassem fora do âmbito da extensão situações materialmente idênticas, só porque não estávamos perante um acto plural [...]. Como um acto plural se pode decompor em tantos actos singulares quantos os seus destinatários, a aplicabilidade do artigo 161.º, n.º 1, do CPTA dependeria, afinal, da opção do autor do acto em emitir um ou vários actos iguais.

Depois, o artigo permite também a extensão de efeitos de uma sentença que 'reconheça uma situação jurídica favorável', onde pode não existir qualquer acto administrativo, o que inviabiliza a tese restritiva defendida pela recorrente.

Finalmente, um dos pressupostos da extensão de efeitos do julgado é a existência de três sentenças proferidas em processos seleccionados segundo o disposto no artigo 48.º do CPTA - cf. artigo 161.º, n.º 2, do CPTA. Ora, nos termos do artigo 48.º do CPTA, podem ser seleccionados casos que 'digam respeito à mesma relação jurídica material, ou ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididas com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto'. Podem, como decorre do preceito, agrupar-se processos que não tenham por objecto o mesmo acto plural. Se a sentença proferida nos termos do artigo 48.º do CPTA, em processos seleccionados, pode ver os seus efeitos estendidos, não teria grande sentido proibir a extensão dos efeitos dessa decisão a casos idênticos aos que constavam dos processos seleccionados (onde poderiam estar, como vimos, processos que não tenham como objecto o mesmo acto plural).

A melhor solução é, assim, a acolhida no acórdão.»

Ainda inconformada, a recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos princípios do Estado de direito, na sua vertente de protecção da segurança jurídica e de protecção da confiança, e da igualdade, consagrados nos artigos 2.º e 13.º da CRP, da norma do artigo 161.º do CPTA, na interpretação dada pelo tribunal recorrido. Convidada a identificar, com precisão, qual a interpretação do artigo 161.º do CPTA que teria sido aplicada no acórdão recorrido, a recorrente veio referir que «o Supremo Tribunal Administrativo aplicou uma interpretação inconstitucional do normativo citado ao acordar que o mesmo não viola o princípio da segurança e da protecção jurídica inerente ao Estado de direito, admitindo a possibilidade de a validade e a eficácia de um acto administrativo que não foi impugnado, nem administrativa nem jurisdicionalmente, em tempo oportuno, possa, ainda assim, vir a ser posto em causa por efeito da extensibilidade dos efeitos das sentenças, previsto no artigo 161.º do CPTA, considerando o Supremo Tribunal Administrativo que esta interpretação não veio introduzir qualquer perturbação inaceitável na estabilidade dos actos administrativos inimpugnáveis; e o princípio da igualdade, por, no entender do acórdão recorrido, ser possível que alguém, que não utilizou os meios processuais legais ao seu dispor, possa aproveitar uma sentença favorável a um terceiro que utilizou, muitas vezes à exaustão, essas vias processuais, entende o Supremo Tribunal Administrativo que ambos os particulares se encontrariam na mesma situação jurídica exigida pelo artigo 161.º do CPTA».

A recorrente apresentou alegações, concluindo que a norma questionada é desconforme à Constituição, por violação dos princípios da segurança jurídica e da igualdade, aduzindo, nesse sentido, em suma, o seguinte:

«No que toca aos actos da Administração, o princípio da segurança jurídica 'aponta para a ideia de caso decidido dos actos administrativos';

Isto é, os actos administrativos que não padeçam de invalidades mais graves (às quais a sanção correspondente seja a nulidade ou a inexistência), não sendo impugnados judicialmente dentro de um prazo razoável, adquirem estabilidade na ordem jurídica, ganhando força de caso decidido;

Aliás, é justamente o princípio da segurança jurídica que está presente no artigo 56.º do CPTA, que estabelece que a 'aceitação do acto' impede o particular de impugnar esse acto, consagrando o princípio da inimpugnabilidade do acto consentido;

Ora, a norma em crise vem precisamente pôr em causa o princípio da segurança jurídica e da certeza do direito, abalando a estabilidade de que os actos administrativos, ainda que anuláveis, gozam na ordem jurídica portuguesa, pois permite, com alguma irracionalidade, que os particulares que não impugnaram judicialmente um acto administrativo que lhes fora desfavorável, dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, possam vir depois a beneficiar dos efeitos de uma sentença emitida noutro processo judicial, a favor de um particular que não se conformou com o sentido do acto que lhe dizia respeito e mobilizou os instrumentos que a ordem jurídica põe ao seu serviço para reagir contra esse acto;

Além da violação do princípio da segurança e da estabilidade jurídica, a norma em análise é, assim, e noutra perspectiva, também violadora do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da Constituição;

Pois do que se trata, ao fim e ao cabo, é de beneficiar os cidadãos que, por qualquer razão, se quedaram passivos face a um acto administrativo desfavorável, face àqueles que, perante um acto de sentido semelhante, não se conformaram com o mesmo e mobilizaram os meios processuais que tinham ao seu dispor, com o que tiveram naturalmente custos e incómodos.»

Os recorridos não contra-alegaram.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação:

2.1 - Sob a epígrafe «Extensão dos efeitos da sentença», dispõe o artigo 161.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei 4-A/2003, de 19 de Fevereiro:

«1 - Os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica favorável a uma ou várias pessoas podem ser estendidos a outras que se encontrem na mesma situação jurídica, quer tenham recorrido ou não à via judicial, desde que, quanto a estas, não exista sentença transitada em julgado.

2 - O disposto no número anterior vale apenas para situações em que existam vários casos perfeitamente idênticos, nomeadamente no domínio do funcionalismo público e no âmbito de concursos, e só quando, no mesmo sentido, tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas em julgado ou, existindo situações de processos em massa, nesse sentido tenham sido decididos em três casos os processos seleccionados segundo o disposto no artigo 48.º [Redacção da Lei 4-A/2003; na redacção originária constava: '[...] e só quando, no mesmo sentido, tenham sido proferidas três sentenças transitadas em julgado ou, existindo uma situação de processos em massa, nesse sentido tenha sido decidido o processo seleccionado segundo o disposto no artigo 48.º']

3 - Para o efeito do disposto no n.º 1, o interessado deve apresentar, no prazo de um ano, contado da data da última notificação de quem tenha sido parte no processo em que a sentença foi proferida, um requerimento dirigido à entidade administrativa que, nesse processo, tenha sido demandada.

4 - Indeferida a pretensão ou decorridos três meses sem decisão da Administração, o interessado pode requerer, no prazo de dois meses, ao tribunal que tenha proferido a sentença, a extensão dos respectivos efeitos e a sua execução em seu favor, sendo aplicáveis, com as devidas adaptações, os trâmites previstos no presente título para a execução das sentenças de anulação de actos administrativos.

5 - A extensão dos efeitos da sentença, no caso de existirem contra-interessados que não tenham tomado parte no processo em que ela foi proferida, só pode ser requerida se o interessado tiver lançado mão, no momento próprio, da via judicial adequada, encontrando-se pendente o correspondente processo.

6 - Quando, na pendência de processo impugnatório, o acto impugnado seja anulado por sentença proferida noutro processo, pode o autor fazer uso do disposto nos n.os 3 e 4 do presente artigo para obter a execução da sentença de anulação.»

Apesar de a recorrente aludir globalmente ao artigo 161.º do CPTA, o certo é que, atentos os contornos do caso concreto em litígio, a arguição de inconstitucionalidade respeita essencialmente ao seu n.º 1, enquanto prevê - nas condições e termos dos n.os 2 a 5 - a extensão dos efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo desfavorável a uma ou várias pessoas a outras que se encontrem na mesma situação jurídica, mas que não recorreram à via judicial, sendo inaplicável ao caso o disposto no n.º 6, uma vez que não estava pendente qualquer processo impugnatório instaurado pelos requerentes quando foi proferido o acórdão cujos efeitos pretendem lhes sejam extensíveis.

2.2 - Como assinalam Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida (Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3.ª ed., Coimbra, 2004, pp. 108-114), «o facto de, em muitos domínios da actuação administrativa, haver lugar à produção de actos administrativos em massa, que envolvem a aplicação, por vezes automática ou quase automática, do mesmo dispositivo normativo a um amplo conjunto de pessoas, faz com que, quando nesses domínios a Administração incorre em ilegalidade, se multiplicam os litígios, dando origem a um fenómeno de processos idênticos em grande número que tendem a assoberbar os tribunais administrativos». Para enfrentar esse fenómeno, na reforma do contencioso administrativo de 2002, foram introduzidas várias soluções inovatórias com o objectivo de agilizar o contencioso administrativo. A primeira traduziu-se na possibilidade de o juiz ou relator decidir por decisão sumária (que pode consistir na simples remissão para decisão anterior) questões já apreciadas pelo tribunal, de modo uniforme e reiterado (artigo 94.º, n.º 3). Depois, quanto aos «processos em massa», o artigo 48.º prevê que «quando sejam intentados mais de 20 processos que, embora reportados a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa, digam respeito à mesma relação jurídica material ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto, o presidente do tribunal pode determinar, ouvidas as partes, que seja dado andamento a apenas um ou alguns deles, que neste último caso são apensados num único processo, e se suspenda a tramitação dos demais» (n.º 1), intervindo no julgamento do processo seleccionado todos os juízes do tribunal ou da secção (n.º 4), e que, uma vez decidido com trânsito em julgado o processo seleccionado, as partes nos processos suspensos podem, designadamente, requerer ao tribunal a extensão ao seu caso dos efeitos da sentença proferida [n.º 5, alínea b)], seguindo-se a tramitação do processo de execução das sentenças anulatórias (n.º 6). Uma terceira solução, assumidamente inspirada no regime do artigo 110.º da espanhola Ley de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa (Lei 29/1998, de 13 de Julho), consistiu no inovatório regime consagrado no transcrito artigo 161º, regime que, como tem sido salientado pela doutrina (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª ed., Coimbra, 2007, pp. 918-925; e Rodrigo Esteves de Oliveira, «Processo executivo: algumas questões», em «A reforma da justiça administrativa», Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica, n.º 86, Coimbra, 2005, pp. 239-267, em especial pp. 260-263), apesar da sua inserção sistemática no título do CPTA dedicado ao processo executivo, tem natureza essencialmente substantiva, dizendo respeito, em primeira linha, «a relações que, no plano extrajudicial, se desenvolvem entre Administração e particulares, quando estes pretendam que ela proceda, em seu favor, à extensão dos efeitos de sentenças proferidas em benefício de outrem», só assumindo alcance processual os n.os 4 e 6.

Esta nova possibilidade vale mesmo que a situação em causa tenha sido objecto de acto administrativo (como resulta da primeira parte do n.º 1, que refere a anulação de acto administrativo desfavorável), permitindo-se «que um interessado que foi objecto de um acto administrativo e não intentou contra ele um processo impugnatório ou, em todo o caso, ainda não obteve decisão nesse processo, peça a anulação desse acto com fundamento nas anulações que, em relação a outros actos precisamente iguais, foram proferidas num conjunto de processos impugnatórios já transitados em julgado. Nisto se concretiza, na verdade, a extensão dos efeitos nesse caso: trata-se, efectivamente, de estender o efeito constitutivo (anulatório) que foi judicialmente decretado, em relação aos actos impugnados nesses processos, pelas sentenças proferidas nos processos impugnatórios que foram precedentemente decididos com trânsito em julgado, ao caso do interessado na extensão de efeitos e, portanto, ao acto que o afecta e que não foi impugnado naqueles processos» (comentário citado, p. 921).

Daqui resulta que, de acordo com esse entendimento, a aplicabilidade do instituto não está circunscrita aos actos administrativos plurais, como sustenta a recorrente, abonando-se na opinião de Luís Filipe Colaço Antunes («O artigo 161.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: uma complexa simplificação», in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, pp. 16-24). Criticando esta opinião, aduzem os referidos comentadores (nota 899, a pp. 921-922), que «o preceito em causa não visa assegurar a eficácia erga omnes da sentença anulatória, que, no plano substantivo, se impõe, pela própria natureza do efeito constitutivo da sentença, em relação a todos os que pelo acto sejam afectados. O preceito não visa, portanto, aplicar-se às situações de actos administrativos com destinatário plural ou indeterminado, mas a quaisquer actos administrativos que tenham colocado o interessado em situação jurídica idêntica à dos destinatários de outros actos que já foram contenciosamente anulados. Não se afigura, por outro lado, compreensível a objecção deduzida pelo autor de que a aplicação nos termos aqui propostos do mecanismo do artigo 161.º a quaisquer actos administrativos (que não apenas os actos plurais ou gerais) implicaria a anulação de actos que não constituíram objecto de acção anulatória. Na verdade, é no pedido de extensão de efeitos que o interessado vai agir contra o acto que o lesou e é a decisão de extensão de efeitos que vai anular o acto em causa, com base no prévio reconhecimento da identidade das situações em presença e do preenchimento dos demais pressupostos da extensão de efeitos. A anulação decorre, portanto, não de um alargamento do objecto do processo impugnatório originário, mas do processo de extensão de efeitos que é intentado pelo interessado, com sujeição ao contraditório da Administração (sem que se coloque a questão do contraditório dos contra-interessados, visto que, como se refere no texto, a existência de contra-interessados que não tenham intervindo no processo em que foi proferida a sentença anulatória constitui, nos termos do n.º 5, um requisito negativo da extensão de efeitos)».

De qualquer forma, não competindo ao Tribunal Constitucional, nesta sede, tomar partido sobre a interpretação tida por mais correcta da norma em causa, há que considerar, como um dado da questão de inconstitucionalidade que cumpre apreciar, que o entendimento sufragado pelo acórdão recorrido foi o de que o instituto em causa não se circunscreve aos «actos plurais», sendo aplicável face a actos administrativos individuais, desde que, porém, se verifiquem os demais requisitos elencados no preceito.

O primeiro requisito é o do trânsito em julgado da sentença que tenha anulado um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica favorável a uma ou várias pessoas. O segundo é que, se o requerente da extensão de efeitos tiver recorrido à via judicial, no respectivo processo ainda não exista sentença transitada em julgado. Depois, é necessário que, na decisão judicial cuja extensão de efeitos se pretende, o tribunal tenha julgado procedente uma pretensão perfeitamente idêntica àquela que o interessado accionou ou teria podido accionar contra a mesma entidade administrativa (isto é: que se trate «de um litígio contra a mesma entidade administrativa e que surja na sequência da mesma questão de direito, cuja resolução convoque a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras jurídicas ou, se se preferir, de um caso idêntico, quanto ao pedido (igual providência pretendida) e à causa de pedir (procede de idêntico facto jurídico), àquele sobre que recaiu a sentença» - Rodrigo Esteves de Oliveira, estudo citado, p. 261). Em seguida, exige-se que, no mesmo sentido, tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas em julgado ou três sentenças proferidas em processos seleccionados nos termos do artigo 48.º do CPTA (processos em massa). Finalmente, excluem-se da aplicabilidade do instituto as situações em que existam contra-interessados que não tomaram parte no processo em que foi proferida a sentença cujos efeitos se pretendem estender ao caso dos requerentes, excepto se estes tiverem lançado mão, no momento próprio, da via judicial adequada, encontrando-se pendente o correspondente processo. Apenas se acrescente que tem sido doutrinalmente entendido que a extensão dos efeitos da sentença, sendo admissível apesar do decurso do prazo de impugnação do acto administrativo desfavorável (isto é: apesar da caducidade do correspondente direito de acção), já não é possível se dela resultar afectação das situações de prescrição substantiva (neste sentido:José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 9.ª ed., Coimbra, 2007, p. 391, e nota 897), pois o artigo 161.º «não constitui causa de desaplicação dos prazos de prescrição que eventualmente haja para o exercício dos direitos substantivos que se pretendem fazer valer» (Rodrigo Esteves de Oliveira, estudo citado, p. 263).

É dentro destes rigorosos requisitos que o legislador admite que seja reconhecida a pretensão dos requerentes a um tratamento idêntico ao concedido, em «casos perfeitamente idênticos», por jurisprudência reiterada, mesmo que aqueles não tenham lançado mão, oportunamente, dos meios processuais de impugnação do acto que lhes foi desfavorável, e que, por isso, se teria convertido em «caso decidido» ou «caso resolvido».

2.3 - Este «desrespeito do caso decidido», com «afastamento das consequências típicas associadas ao decurso do prazos de caducidade (do direito de acção)», violará, como pretende a recorrente, os princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade?

Como a jurisprudência deste Tribunal (na esteira, aliás, de entendimento já defendido pela Comissão Constitucional) tem reiteradamente afirmado (cf., por último, as sínteses constantes dos n.os 11 e 12 do Acórdão 86/2004 e do n.º 2.3. do Acórdão 310/2005, e Isabel Alexandre, «O caso julgado na jurisprudência do Tribunal Constitucional», em Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pp. 11-77), nem sequer o caso julgado (judicial) beneficia de protecção constitucional absoluta, apesar da possibilidade de convocação, em seu apoio, não apenas do princípio da segurança jurídica inerente ao princípio do Estado de direito (artigo 2.º), mas também da especial força vinculativa das decisões dos tribunais (artigo 205.º, n.º 2) e do princípio da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º, n.º 1, todos da CRP). Da desenvolvida análise da jurisprudência do Tribunal feita no citado estudo conclui a respectiva autora que o caso julgado (material ou formal) não é concebido como um valor absoluto, embora, considerando-se naturalmente imanente à função jurisdicional a definitividade da decisão proferida a final num processo, a modificabilidade ou revogabilidade dessa decisão só deva ser permitida em casos excepcionais, cabendo, porém, uma «vasta margem de liberdade do legislador na escolha das decisões que, dentro do processo, são aptas a constituírem caso julgado, na determinação dos limites do caso julgado e, bem assim, no estabelecimento dos requisitos do trânsito em julgado de uma decisão»; por outro lado, da analisada jurisprudência extrai-se ainda que «o caso julgado deve poder ser impugnado em certos casos», sendo configurável a revisão de sentenças (mesmo fora do campo criminal - em que o direito à revisão das sentenças condenatórias injustas está expressamente consagrado no artigo 29.º, n.º 6, da CRP) como uma decorrência do direito de acção, não podendo o legislador abolir, pura e simplesmente, os recursos extraordinários (caracterizados por terem por objecto decisões transitadas em julgado) em processo civil (estudo citado, pp. 61-62). Como, a este propósito, se referiu no n.º 2.4. do Acórdão 310/2005, «o caso julgado, configurando-se como um valor constitucionalmente relevante, deverá dispor de algum grau de protecção (de intangibilidade), em termos de a sua ultrapassagem só ser aceitável dentro de um lógica de balanceamento ou ponderação com outros interesses dotados, também eles, de tutela constitucional. E, seguindo este entendimento, se é certo que a existência de um meio processual de ultrapassagem do caso julgado, v. g., com as características que o nosso ordenamento adjectivo confere ao recurso de revisão (e ao recurso de oposição de terceiro), cumpre igualmente um objectivo dotado de relevância constitucional (que decorre do artigo 20.º da CRP), não é menos certo que, descontada a supressão pura e simples da existência desse (de um qualquer) meio de ultrapassagem do caso julgado - supressão esta constitucionalmente ilegítima - ao legislador ordinário sempre assistirá um apreciável grau de liberdade na configuração concreta desse meio processual».

Ora, o denominado «caso decidido» (administrativo) seguramente não merece protecção constitucional mais intensa que o «caso julgado» (judicial). A propósito da norma do artigo 282.º, n.º 3, da CRP, que ressalva os «casos julgados» dos típicos efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade, tem sido discutida a extensão dessa ressalva aos «casos decididos» (e a outras situações juridicamente consolidadas), sendo prevalecente a ideia de que, embora similares razões de segurança jurídica possam justificar essa extensão (que o Tribunal Constitucional tem cautelarmente feito, em diversas situações, através do uso da faculdade de limitação de efeitos que o n.º 4 desse artigo 282.º lhe confere), ela não é imperiosa nem assenta directamente numa equiparação, constitucionalmente imposta, entre caso julgado e caso decidido (cf., por último, uma referência desenvolvida ao «estado da questão», dos pontos de vista doutrinal e jurisprudencial, em Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. iii, Coimbra, 2007, pp. 842-845, nota viii ao artigo 282.º). Por isso, seguramente que não pode ser atribuído um valor absoluto à «intangibilidade» do «caso decidido», sendo admissíveis quebras à tendencial estabilidade das relações jurídicas definidas por actos administrativos «consolidados», desde que outros valores constitucionais relevantes tal justifiquem.

Acresce que, contrariamente ao que a recorrente parece supor, da não impugnação de um acto administrativo desfavorável, que padeça de vício gerador de anulabilidade, no prazo de que legalmente dispunha um determinado interessado, nem se segue imediatamente a formação de «caso decidido», nem, muito menos, mesmo quando esta consolidação venha a ocorrer, dela decorre a sanação do vício ou a convalidação do acto.

Antes de prosseguirmos com a demonstração destas afirmações, importa, desde já, desfazer o equívoco, em que a recorrente parecer incorrer, consistente no tratamento da falta de impugnação tempestiva de acto inválido desfavorável como se representasse a «aceitação do acto», expressa ou tácita (derivando esta da «prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar»), que priva o interessado da faculdade de impugnar o acto. Esta «aceitação do acto» tem sido tradicionalmente tratada, designadamente pelo legislador (cf. artigos 827.º do Código Administrativo, 47.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, 53.º, n.º 4, e 160.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo e 56.º do CPTA), a propósito da legitimidade contenciosa e procedimental, o que conduziu a que fosse concebida como um requisito negativo desse pressuposto processual (cf. Rui Chancerelle de Machete, «Sanação (do acto administrativo inválido)», em Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. vii, 1996, pp. 327-343, em especial n.º 10, a pp. 339-341), tendo mais recentemente J. C. Vieira de Andrade («A aceitação do acto administrativo», Boletim da Faculdade de Direito, volume comemorativo do 75.º tomo do Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 2003, pp. 907-934) defendido a sua concepção como um «pressuposto processual autónomo» (p. 926), concebido como «um mero acto jurídico do particular, que revele a sua conformação voluntária com o conteúdo da decisão de autoridade [...] e que produz, por determinação legal, a perda da faculdade de impugnação desse acto» (p. 919). Independentemente da concepção que se perfilhe, duas constatações merecem a concordância dos dois autores citados: por um lado, são figuras diferentes o decurso do prazo de impugnação e a aceitação do acto [segundo J. C. Vieira de Andrade, local citado, p. 915, «nunca o decurso do tempo poderia ser entendido como uma manifestação de vontade (que a aceitação sempre pressupõe), nem o facto do não exercício do direito nesse tempo poderia significar uma conformação com os efeitos do acto - para além de não constituir uma aceitação expressa nem, em rigor, configurar a prática de um facto, o não exercício pode ter sido determinado pelas mais diversas razões»; para Rui Chancerelle de Machete, local citado, pp. 337-338, a aceitação do acto, a renúncia ao recurso contencioso e o decurso do prazo para recorrer, apesar de ser frequente na doutrina e na jurisprudência uma certa indistinção terminológica e também conceptual, «são, porém, figuras estruturalmente diferentes que importa não confundir», tendo «a preclusão do direito de impugnação por decurso do prazo processual previsto para o exercitar» como causa «um facto e não um acto jurídico [...] das partes»; por outro lado, a aceitação do acto - tal como a seguir veremos acontecer quanto ao decurso do prazo de impugnação - não tem qualquer efeito de sanação do vício de que o acto padeça: «a aceitação da disciplina desfavorável de acto administrativo traduz-se em [o particular] abdicar do seu interesse à disciplina favorável, isto é, em renunciar ao interesse legítimo», mas «não pode entender-se como adesão ou reconhecimento da legalidade do acto, pelo carácter indisponível de interesse público prosseguido pela Administração» (Rui Chancerelle de Machete, local citado, p. 341).

Encerrado este parêntesis, destinado a afastar a confusão entre aceitação do acto e decurso do prazo de impugnação do acto, e retomando a demonstração encetada, sublinhe-se que a não impugnação de determinado acto administrativo anulável, no prazo legalmente concedido a determinado interessado, apenas produz a relativa estabilização do acto quanto a esse interessado, sendo bem possível que tal estabilização só venha a ocorrer posteriormente quanto a outros interessados, bastando para tal que o início dos respectivos prazos de impugnação se tenha iniciado mais tarde (por ter ocorrido posteriormente o facto - notificação, publicação, conhecimento do acto ou da sua execução - que marca o início da respectiva contagem) ou que esses prazos tenham duração superior (como geralmente ocorre com o prazo de impugnação de que dispõe o Ministério Público, que é de um ano, em contraste com o prazo de três meses dos restantes interessados, prazo este que, aliás, pode ser excedido, até ao limite de um ano, se se demonstrar que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente por: (i) a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro; (ii) o atraso dever ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do acto impugnável ou à sua qualificação como acto administrativo ou como norma; ou (iii) se ter verificado uma situação de justo impedimento - artigo 58.º do CPTA).

Da expiração do prazo de impugnação de acto anulável por parte do particular seu destinatário também não se segue a sua imediata «consolidação» por outra razão: é que a própria Administração mantém o poder de revogação do acto inválido, com fundamento na sua invalidade, dentro do prazo do recurso que terminar em último lugar (artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo).

Mas mesmo que venham a expirar todos os prazos, quer de impugnação, quer de revogação (e ou anulação), do acto administrativo inválido, e quando, assim, finalmente, se puder falar com rigor em «caso decidido» ou «caso resolvido», daí não se segue a convalidação do acto ou sanação do vício, não sendo lícito afirmar que, por esses factos, o acto ilegal se transformou num acto legal, o que é bem demonstrado pela possibilidade de a ilegalidade (e inerente ilicitude) do acto «consolidado» ser apreciada incidentalmente em acção de responsabilidade. Como refere Margarida Cortez (A Responsabilidade Civil da Administração por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, Coimbra, 2000, pp. 82-85), a inimpugnabilidade, sendo «uma qualificação dos actos administrativos que já não se encontram ao alcance do poder de reacção directa dos particulares, 'não é uma qualificação intrínseca dos actos administrativos e [...], portanto, não tem quaisquer conexões com a validade», e, por isso, «não determina a convalidação do acto inválido, pois é apenas uma modalidade de conservação e não de convalescença dos actos administrativos inválidos em geral: o acto permanece tal qual era antes de expirado o prazo de recurso, conservando os vícios com que nasceu». E prossegue esta autora: «Contrariamente à sentença que, uma vez transitada em julgado, adquire força de 'verdade legal', não podendo mais ser posta em causa, ainda que indirectamente, o acto administrativo pode ver a sua legalidade contestada por via de incidente ou por via de excepção. Daí a possibilidade de apreciar a (i)legalidade de um acto administrativo, que entretanto se tornou inimpugnável, numa acção sobre responsabilidade, tendo em vista o apuramento da ilicitude. [...] Quer isto dizer que o esgotamento do prazo de recurso não produz efeitos substanciais: não incide sobre a situação jurídica substantiva, eventualmente subjacente, não impedindo, portanto, a sua tutela por outras vias. Daí que não se possa atribuir ao acto administrativo uma autoridade material análogo à do caso julgado material da sentença, especialmente no que se refere à sua incontestabilidade por via judicial» (obra citada, pp. 84-85).

O não reconhecimento ao decurso do prazo de impugnação de acto administrativo anulável de efeito sanatório do vício de que padecesse e, consequentemente, a aceitação da persistência da ilicitude derivada da ilegalidade do acto acabou por ser jurisprudencialmente reconhecida, designadamente no Acórdão do Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Fevereiro de 1996, processo 23 058 (publicado, como anotação de Margarida Cortez, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 1, Janeiro/Fevereiro de 1997, pp. 8-18), que abandonou a concepção tradicional da segunda parte do artigo 7.º do Decreto-Lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967, como o estabelecimento de um regime de caducidade do direito de ressarcimento ou de uma excepção peremptória fundada no caso decidido ou caso resolvido por falta de oportuna impugnação contenciosa, para ver nessa previsão legal apenas o estabelecimento de um regime de exclusão ou diminuição da indemnização quando a negligência processual do lesado, por omissão ou deficiência na impugnação contenciosa do acto administrativo ilegal ou na utilização dos meios processuais acessórios, tenha contribuído para a produção ou agravamento dos danos.

Foi este entendimento que veio a ser legislativamente consagrado, de forma inequívoca, primeiro no artigo 38.º, n.º 1, do CPTA, que permite que o tribunal, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, possa «conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado», e, por último, no novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, cujo artigo 4.º dispõe que «quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída».

Por último, refira-se que, para além de - como acabou de se demonstrar - o decurso do prazo de impugnação de acto inválido não ter efeito sanatório do vício que o afecta, não convertendo, assim, um acto ilegal em acto legal, a «estabilidade» do «caso decidido», agora numa perspectiva substantiva, já havia sido relativizada pela disposição do artigo 9.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, que, a contrario, permite a renovação de pretensões, mesmo sem invocação de novos fundamentos, decorridos dois anos sobre a apresentação de requerimento entretanto objecto de acto administrativo desfavorável. Como refere Mário Aroso de Almeida («Considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável», em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no Centenário do seu Nascimento, Coimbra, 2006, p. 276): «Por força do disposto no artigo 9.º, n.º 2, do CPA, ainda que o interessado não reaja e deixe consolidar na ordem jurídica um acto de conteúdo negativo, ele não fica impedido, no plano substantivo, de deduzir de novo a mesma pretensão, constituindo de novo a autoridade competente no dever de decidir, desde que aguarde o decurso do prazo de dois anos. Embora não lhe retire a força de caso decidido formal [...], esta solução tem o alcance de retirar ao acto negativo a força de caso decidido material, impedindo que a solução por ele determinada se possa vir a consolidar em termos definitivos na ordem jurídica».

Demonstrada a relatividade que o ordenamento jurídico vigente confere à «estabilidade» das situações jurídicas definidas por acto administrativo não oportunamente impugnado pelo interessado, é neste domínio mais patente - em comparação com as situações cobertas por caso julgado judicial - a admissibilidade constitucional, sem quebra intolerável do princípio da protecção da segurança jurídica, de soluções legais que admitam o desrespeito de «casos decididos», desde que tal seja reclamado por outros valores, também eles, constitucionalmente tutelados. Ainda recentemente, no Acórdão 164/2008 (cuja doutrina foi reiterada no Acórdão 265/2008), o Tribunal Constitucional, ao julgar não inconstitucional a norma constante do artigo 371.º-A do Código de Processo Penal, na redacção aditada pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de permitir a reabertura de audiência para aplicação de nova lei penal que aumenta o limite máximo das penas concretas a considerar, para efeitos de suspensão de execução de pena privativa da liberdade, reconheceu que a intangibilidade do caso julgado (no caso, penal), apesar da sua relevância no âmbito da protecção constitucional da segurança jurídica, não assumia valor absoluto, não prevalecendo sobre os valores constitucionais (tidos por superiores) da aplicação retroactiva do regime penal de conteúdo mais favorável ao arguido.

Com efeito, como recentemente se recordou no Acórdão 335/2008 desta 2.ª Secção, com desenvolvidas referências doutrinais e jurisprudenciais, o princípio da protecção da confiança, que proscreve a afectação intolerável, inadmissível e arbitrária de direitos e expectativas legítimas - em regra visto na perspectiva da defesa dos direitos dos cidadãos, mas que nada impede seja também encarado do ponto de vista da Administração (ou de associações profissionais para que foram transmitidos poderes de autoridade na definição do acesso a determinadas profissões, como no presente caso ocorre) - assenta numa «ideia geral de inadmissibilidade [que] poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios: a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas delas constantes não possam contar; e, ainda, b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª Revisão). Pelo primeiro critério, a afectação das expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária».

Ora, como se viu, «a determinação em concreto das situações consolidadas não é uma questão resolvida pelo texto constitucional» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, obra e tomo citados, pp. 844-845), cabendo neste domínio uma ampla margem de conformação ao legislador ordinário, designadamente quanto à definição das condições de constituição de «caso decidido», aos seus efeitos e aos requisitos da sua modificabilidade. Por outro lado, a possibilidade de, apesar do decurso do prazo de impugnação do acto desfavorável de que o interessado dispôs (gerando a inimpugnabilidade, que não a convalidação, do acto), vir a ser-lhe reconhecido - pelo mecanismo da extensão dos efeitos das sentenças proferidas em situações perfeitamente iguais, de acordo com jurisprudência consistentemente reiterada, e sem possibilidade de afectação de direitos de contra-interessados - o direito por aquele acto negado, é ditada por preocupações, constitucionalmente relevantes, de justiça material e de tratamento igual de situações substancialmente iguais.

Esta última consideração serve também para dar por não verificada a alegada violação do princípio da igualdade. Como no recente Acórdão (do plenário) n.º 313/2008 se recordou, citando o Acórdão 522/2006:

«2.2.2.1 - Constitui jurisprudência assente e reiterada deste Tribunal a caracterização do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º da CRP, como proibição do arbítrio (cf. o Acórdão 232/2003, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 17 de Junho de 2003, pp. 3514/3531). Com tal sentido, nas palavras do Tribunal Constitucional,"[o] princípio [da igualdade] não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, 'razoável, racional e objectivamente fundadas', sob pena de, assim não sucedendo, 'estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes' [...]. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada [...]". (Acórdão 319/2000, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 18 de Outubro de 2000, pp. 16 785/16 786).»

Na sugestiva formulação do Tribunal Constitucional alemão (citado por Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt, 1986, p. 370), o carácter arbitrário de uma diferenciação legal decorre da circunstância de «[...] não ser possível encontrar [...] um motivo razoável, que surja da própria natureza das coisas ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível [...]». Daí que «[n]ão exista razão suficiente para a permissão de uma diferenciação [legal] se todos os motivos passíveis de ser tomados em conta tiverem de ser considerados insuficientes. É justamente o que sucede, quando não se logra atingir uma fundamentação justificativa da diferenciação [...]. A máxima de igualdade implica, assim, um ónus de argumentação justificativa para tratamentos desiguais» (Robert Alexy, ob. cit., p. 371).

O regime legal questionado, implicando, «no contexto dos processos em massa, uma redefinição do 'caso decidido', que aqui se entendeu dever vergar ao maior peso do direito a igual tratamento» (Rodrigo Esteves de Oliveira, estudo citado, p. 263), não surge como arbitrário, nem desrazoável ou injustificado, antes busca, dentro de apertados requisitos, alcançar um tratamento substancialmente idêntico para situações substancialmente idênticas, com sacrifício - que o legislador considerou justificado, em juízo que não assume irrazoabilidade tal que leve o Tribunal Constitucional a fulminá-lo como inconstitucional - da relativa estabilidade de que, em regra, beneficiam os actos administrativos cujo prazo de impugnação já decorreu.

Termos em que se consideram improcedentes os vícios de inconstitucionalidade assacados pela recorrente à norma questionada.

3 - Decisão:

Em face do exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 161.º, n.os 1 a 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei 4-A/2003, de 19 de Fevereiro; e, consequentemente,

b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido, na parte impugnada.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.

Lisboa, 2 de Julho de 2008. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Benjamim Silva Rodrigues - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1698592.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1967-11-21 - Decreto-Lei 48051 - Ministérios do Interior e da Justiça

    Regula em tudo o que não esteja previsto em Leis especiais a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domímio dos actos de gestão pública.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1994-04-28 - ACÓRDÃO 231/94 - TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento Especial do Regime de Pensões de Sobrevivência, aprovado por despacho ministerial de 23 de Dezembro de 1970 e publicado no Diário da República, 2.ª série, de 26 de Janeiro de 1971, por violação do artigo 13.º da Constituição, e limita os efeitos da inconstitucionalidade, de modo que a declaração de inconstitucionalidade se aplique apenas aos casos pendentes sobre os quais não tenha ainda incidido act (...)

  • Tem documento Em vigor 1995-10-17 - Decreto-Lei 265/95 - Ministério das Finanças

    APROVA O ESTATUTO DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS, PUBLICADO E ANEXO, QUE DISPOE SOBRE O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO, INSCRIÇÃO, DIREITOS E DEVERES, E DISCIPLINA DAQUELES TÉCNICOS. O CITADO ESTATUTO DISPOE TAMBEM SOBRE A ASSOCIAÇÃO DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS, CRIADA PELO PRESENTE DIPLOMA, DESIGNADAMENTE NO QUE SE REFERE A SUA DEFINIÇÃO E NATUREZA, ATRIBUIÇÕES, ORGÂNICA E COMPETENCIAS DOS SEUS ÓRGÃOS QUE SAO OS SEGUINTES: ASSEMBLEIA GERAL, DIRECÇÃO, CONSELHO FISCAL, COMISSAO DE INSCRIÇÃO, CONSELHO DISCIPLINAR E (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-06-03 - Lei 27/98 - Assembleia da República

    Permite que, a título excepcional, se admita a inscrição como técnico oficial de contas de responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, no período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995, de entidades que possuíssem ou devessem possuir esse tipo de contabilidade.

  • Tem documento Em vigor 1999-11-05 - Decreto-Lei 452/99 - Ministério das Finanças

    Aprova o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante.

  • Tem documento Em vigor 2002-02-22 - Lei 15/2002 - Assembleia da República

    Aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPPTA) e procede a algumas alterações sobre o regime jurídico da urbanização e edificação estabelecido no Decreto-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro.

  • Tem documento Em vigor 2003-02-19 - Lei 4-A/2003 - Assembleia da República

    Altera a Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; altera a Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, que aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e procede à sua republicação; e altera o Decreto-Lei nº 134/98, de 15 de Maio, que aprova o regime jurídico do recurso contencioso dos actos administrativos relativos à formação dos contratos de empreitada de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-17 - Acórdão 232/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade do segmento normativo que contém o critério respeitante aos candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores, constante da parte final da alínea a) do n.º 7 do artigo 25.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário.(Pocesso nº 306/2003)

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 2007-12-31 - Lei 67/2007 - Assembleia da República

    Aprova o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas e altera (sexta alteração) o Estatuto do Ministério Público.

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