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Acórdão 231/94, de 28 de Abril

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento Especial do Regime de Pensões de Sobrevivência, aprovado por despacho ministerial de 23 de Dezembro de 1970 e publicado no Diário da República, 2.ª série, de 26 de Janeiro de 1971, por violação do artigo 13.º da Constituição, e limita os efeitos da inconstitucionalidade, de modo que a declaração de inconstitucionalidade se aplique apenas aos casos pendentes sobre os quais não tenha ainda incidido acto administrativo cujos efeitos se tenham consolidado no ordenamento jurídico ou decisão judicial transitada em julgado.

Texto do documento

Acórdão n.° 231/94 - Processo n.° 232/93

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I

1 - Em 7 de Abril de 1993, o provedor de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 281.°, n.° 2, da Constituição, veio requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização da constitucionalidade da norma do n.° 3 do artigo 3.° do Regulamento Especial do Regime de Pensões de Sobrevivência (RERPS) de 1970, publicado no Diário do Governo, 2.ª série, de 26 de Janeiro de 1971.

2 - Fundamentando a sua pretensão, o requerente apresentou o seguinte quadro argumentativo:

1.° O regime jurídico das pensões de sobrevivência estabelecido pelo Decreto-Lei n.° 277/70, de 18 de Junho, e desenvolvido pelo citado Regulamento (aliás, integrado em diploma legal por força do artigo 1.°, n.° 2, daquele decreto-lei) foi objecto de reformulação através do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro. No seu âmbito de aplicação incluem-se, além das pensões de sobrevivência, o subsídio por morte e para assistência por terceira pessoa.

2.° Entre as principais disposições inovadoras deste último diploma destaca-se o artigo 7.°, alínea a), a consagrar igualdade de tratamento dos cônjuges no que respeita à definição da titularidade do direito às pensões de sobrevivência.

3.° Elimina-se, por essa forma, a diferença constante do n.° 3 do artigo 3.° do RERPS, a qual se mostrava desconforme com o princípio da igualdade, consignado no artigo 13.° da Constituição.

4.° Refira-se, a propósito, ainda, a incompatibilidade entre a citada norma e a do artigo 5.°, n.° 4, da Lei de Bases da Segurança Social - Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto -, por esta exprimir com clareza a proscrição de qualquer discriminação, designadamente em função do sexo.

5.° No entanto, as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, na ausência de qualquer disposição expressa sobre a retroactividade das suas normas, abrangem unicamente as situações ocorridas após o início da sua vigência.

6.° Resulta, por outro lado, do preceituado no seu artigo 15.°, ser o respectivo regime jurídico aplicável em função da data de ocorrência do evento determinante da protecção a garantir.

7.° Reconhecida, ao que parece, a obrigatoriedade de aplicação do referido Regulamento, sem as alterações de 1990, às pensões atribuídas por morte do beneficiário ocorrida em momento anterior ao da data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, justifica-se a sua sindicabilidade, em termos de se ajuizar sobre a constitucionalidade.

8.° A questão surge, concretamente, em relação ao conteúdo do artigo 3.°, n.° 3, do RERPS, no qual se dispõe que:

O cônjuge sobrevivo do sexo masculino apenas terá direito à pensão se sofrer de incapacidade permanente e total para o trabalho ou tiver completado 65 anos de idade à data do falecimento da mulher.

9.° Resulta deste preceito que os indivíduos do sexo masculino e os do sexo feminino não se encontram em situação de igualdade no que concerne ao direito à pensão por morte do respectivo cônjuge.

10.° Quanto aos primeiros, é imposto um tratamento manifestamente desfavorável, consubstanciado em dois requisitos arbitrários: a exigência de ter sido atingida a idade de 65 anos em alternativa à verificação da incapacidade total e permanente para o trabalho.

11.° Uma tal diferença de requisitos não pode deixar de ser considerada discriminatória, nos termos da proibição do artigo 13.°, n.° 2, da CRP.

12.° A diversidade de tratamento imposta pela norma visada poderia ser justificável caso houvesse razões objectivamente aceitáveis que afastassem a existência de qualquer distinção discriminatória.

13.° A investigação sobre esse aspecto permite concluir que as circunstâncias históricas que levaram à adopção do regime constante do n.° 3 do artigo 3.° do Regulamento estão relacionadas com uma situação economicamente mais desfavorecida da mulher.

14.° A compensação mediante a atribuição de um tratamento mais favorável que o do cônjuge masculino viúvo foi hoje alterada (Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro). Não pode, por isso, sustentar-se coerentemente a posição em que se baseara a dicotomia de tratamento consagrada naquela norma.

15.° De facto, é sobejamente reconhecido ter a mulher, hoje, quer no plano social, quer no mercado de trabalho, um posicionamento diferente do existente na época em que foi regulamentado o regime das pensões de sobrevivência da segurança social.

16.° Assim o entendeu esse Tribunal no seu Acórdão n.° 191/88, publicado em 6 de Outubro de 1988 (Diário da República, 1.ª série), ao não admitir como consentânea com o princípio da igualdade a diferença de tratamento do cônjuge supérstite em razão do sexo, tal como figurava na alínea b) do n.° 1 da base XIX da Lei n.° 2127, de 13 de Agosto de 1965.

17.° Se é certo que no passado a desigualdade de facto entre mulheres e homens permitia compreender um tratamento normativo de privilégio, nada justificaria à luz da actual Constituição, mesmo na versão originária, uma discriminação dos cônjuges sobrevivos masculinos, ainda que menos afortunados do que as suas consortes.

18.° A contribuição do legislador para a correcção de desigualdades sociais não pode passar pela redução do estatuto dos homens em tudo quanto não signifique um privilégio sem fundamento objectivo. Passará, sim, pelo enriquecimento do estatuto das mulheres.

19.° Apenas a carência económica, surgida ou agravada pela morte do outro cônjuge, permite garantir suporte objectivo e adequado à atribuição de pensão de sobrevivência - não à diferença de sexo.

20.° Sob a protecção do princípio da igualdade, isto há-de ser assim, no presente como no futuro, e, bem assim, nas situações de carência constituídas no passado que perdurem hoje e às quais foi negada a prestação destas pensões com base na norma visada.

21.° Do exposto se retira a utilidade da fiscalização da constitucionalidade da norma. Embora revogada, ela é responsável pela não produção de certos efeitos no ordenamento jurídico. Não se trata, pois, de obter uma simples correcção formal do sistema.

Por estas razões, o provedor acaba por requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que o n.° 3 do artigo 3.° do RERPS contém, «porque é supervenientemente inconstitucional, desde a vigência do artigo 13.° da actual Constituição».

3 - Convidado a pronunciar-se sobre este pedido o órgão autor da norma impugnada, veio o Primeiro-Ministro oferecer o mérito dos autos.

Passemos então a decidir.

II

1 - Caracterizemos, antes do mais, e do ponto de vista jurídico-constitucional, o pedido do provedor de Justiça.

Está em causa um pedido de declaração de inconstitucionalidade de norma de direito ordinário anterior à vigência da Constituição de 1976. Conforme resulta do disposto no artigo 290.°, n.° 2, da Constituição (na redacção decorrente da segunda revisão constitucional - correspondendo, sem alterações, ao artigo 292.°, n.° 2, da versão originária e ao artigo 292.° decorrente da primeira revisão constitucional), «o direito ordinário anterior à entrada em vigor da Constituição mantém-se, desde que não seja contrário à Constituição ou aos princípios nela consignados». Donde resulta que o RERPS de 1970 se manteve em vigor mesmo após a entrada em vigor da lei fundamental de 1976, porquanto a eventual desconformidade (material) do mesmo face à nova Constituição não dispensa, antes implica, um específico processo de apreciação e declaração de inconstitucionalidade.

Com efeito, apenas podem estar em causa nesta sede questões de desconformidade material face à Constituição de 1976, mostrando-se subtraída a qualquer tipo de controlo a eventual desconformidade da norma em causa face ao ordenamento constitucional anterior a 25 de Abril de 1976, como irrelevantes serão também as eventuais contradições de natureza orgânica ou formal das normas desse direito ordinário anterior face à Constituição de 1976.

Por outro lado, o preceito constitucional chamado à colação (artigo 290.°, n.° 2) inculca uma ideia de caducidade do direito ordinário anterior à vigência da Constituição de 1976 que com ela se mostre materialmente incompatível (seja por confronto com normas seja com princípios constitucionais), mas, porque em certa medida nesse preceito se contém uma novação de índole genérica do seu título de legitimidade (todo o direito ordinário anterior subsiste, na medida em que não se mostre desconforme com o novo ordenamento constitucional), daí resulta que a presunção da sua subsistência terá sempre de ser afastada por um específico processo de verificação da caducidade produzida pela entrada em vigor da nova Constituição.

Ora, como a Constituição recebe materialmente o direito ordinário anterior no mesmo pé de igualdade que o direito ordinário posterior à sua vigência, a verificação da eventual caducidade daquele pressupõe um juízo de constitucionalidade idêntico à apreciação da inconstitucionalidade material atinente a normas (ordinárias) posteriores à Constituição.

Com o distinguo de que em relação ao direito ordinário anterior o juízo de inconstitucionalidade não determina a sua invalidade desde a origem, mas antes e tão-somente retroage os seus efeitos à data da entrada em vigor da Constituição, daí decorrendo que a norma de direito ordinário anterior considerada inconstitucional só tenha deixado de vigorar apenas a partir de 25 de Abril de 1976 - inconstitucionalidade superveniente (a que acresceria ainda, na opinião de Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. II, 3.ª ed., Coimbra, 1991, p. 490, que tal declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, não determinaria a repristinação da norma anterior que ela eventualmente haja revogado).

2 - Conforme refere o requerente, a norma em causa já não vigora neste momento no nosso ordenamento jurídico. Com efeito, em virtude da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, o RERPS deve ter-se por revogado.

A este propósito pode ler-se no preâmbulo do decreto-lei de 1990:

A generalização do regime de pensões de sobrevivência estabelecida pelo Decreto-Lei n.° 277/70, de 18 de Junho, enquadrado pelo Regulamento, ainda hoje em vigor, aprovado por despacho ministerial de 23 de Dezembro de 1970, contribuiu significativamente para o alargamento do âmbito das pessoas protegidas [itálico nosso].

E noutro passo do mesmo preâmbulo refere-se, de entre as inovações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 322/90:

Em primeiro lugar, procedeu-se à redefinição dos titulares das pensões de sobrevivência em termos mais actualizados, nomeadamente estabelecendo-se a igualdade de tratamento entre cônjuges e colocando-se os descendentes além do 1.° grau com direito a abono de família em pé de igualdade com os filhos [itálico nosso].

E finalmente, no artigo 59.° do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, sob a epígrafe «Revogação», dispõe-se que:

É revogada a secção VII do capítulo V do Decreto n.° 45 266, de 23 de Setembro de 1963, e o Regulamento Especial do Regime de Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo despacho de 23 de Dezembro de 1970, publicado no Diário do Governo, 2.ª série, de 26 de Janeiro de 1971, bem como a demais legislação complementar relativa às matérias reguladas no presente diploma [itálico nosso].

Importa, portanto, ponderar de seguida as implicações desta revogação no conhecimento do pedido do provedor de Justiça. Com efeito, a norma impugnada, no âmbito do ordenamento constitucional vigente, produziu efeitos entre 25 de Abril de 1976 e a entrada em vigor do diploma que revogou o RERPS, a saber, 1 de Janeiro de 1991 (por força do disposto no artigo 60.° do Decreto-Lei n.° 322/90, que dispunha que «o presente diploma entra em vigor no primeiro dia do terceiro mês seguinte ao da data da sua publicação»).

Ora, o Tribunal Constitucional tem dito que a revogação de uma norma não faz cessar, ipso facto, a possibilidade de fiscalização abstracta da sua inconstitucionalidade, nem tão-pouco faz desaparecer necessariamente a utilidade dessa fiscalização (cf. Acórdãos n.os 124/87, 238/88, 73/90, 135/90, 175/93 e 397/93, publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 12 de Maio de 1987, de 21 de Dezembro de 1988, de 19 de Julho e de 7 de Setembro de 1990, de 29 de Abril e de 14 de Setembro de 1993). Com efeito, enquanto a revogação produz, em princípio, meros efeitos ex nunc, ou seja, após a entrada em vigor da norma revogatória, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, reveste-se de eficácia ex tunc, ou seja, retroage à data da emissão da norma ou, na especialidade atrás assinalada do caso vertente, à data da entrada em vigor da Constituição de 1976. Pelo que, em tese, não será de excluir que haja um interesse jurídico relevante na eliminação do ordenamento dos efeitos jurídicos que a norma tenha entrementes produzido, isto é, os efeitos gerados medio tempore, durante o período da sua vigência.

A jurisprudência em causa tem exigido que, em sede de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade de normas já revogadas, se verifique ainda um interesse «com conteúdo prático relevante», por forma a assim justificar o accionamento de um tal mecanismo de controlo de constitucionalidade, de índole genérica e abstracta.

No seu pedido, o provedor aborda explicitamente esta questão, ao sublinhar que o diploma revogando não contém expressamente nenhuma norma que possibilite a sua aplicação retroactiva, decorrendo mesmo do seu artigo 15.° (que dispõe que «as condições de atribuição das prestações são definidas à data da morte do beneficiário») que o RERPS continuará a ser aplicado, sem as alterações decorrentes do diploma de 1990, às pensões atribuídas por morte do beneficiário, desde que esta tenha ocorrido em momento anterior ao da data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 322/90, de tal facto inferindo a justificação da sua sindicabilidade.

Mas o pedido do provedor de Justiça parece ainda contemplar uma outra vertente, quando, no seu n.° 20.°, refere que, «sob a protecção do princípio da igualdade, isto [a não discriminação em função do sexo] há-de ser assim, no presente como no futuro e, bem assim, nas situações de carência constituídas no passado que perdurem hoje e às quais foi negada a prestação destas pensões com base na norma visada» (itálico nosso). Ou seja, embora de forma não muito explícita, o provedor aponta no sentido de uma decisão de inconstitucionalidade não se limitar a produzir efeitos sobre processos pendentes, cuja apreciação será ainda regulada pelo RERPS (em função da data da morte do cônjuge do beneficiário), mas também abranger «situações de carência» que ocorreram no passado, às quais foi «negada a prestação destas pensões com base na norma impugnada», e que hoje ainda perdurem.

Importa, a este propósito, começar por recordar que, nos termos do artigo 282.° da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, ao produzir efeitos desde a entrada em vigor da Constituição (n.° 2), não afecta os casos julgados que se hajam formado em momento anterior ao da aludida declaração, podendo, contudo, o Tribunal determinar a derrogação desses casos julgados «quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo mais favorável ao arguido» (n.° 3). O que significa que, não cabendo a norma impugnada nestes casos onde o Tribunal pode determinar a insubsistência dos casos julgados, uma eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral sempre terá de respeitar as decisões judiciais transitadas em julgado que hajam negado a prestação das referidas pensões com base no normativo ora impugnado.

Por outro lado, sempre se poderia colocar a questão de saber se na pretensão do provedor se deveriam ter por compreendidos os meros «casos decididos», ou seja, aquelas decisões administrativas de carácter definitivo que negaram a prestação das pensões com base na regra do n.° 3 do artigo 3.° do RERPS e que não foram contenciosamente impugnadas, mas cujos beneficiários ainda sobrevivam e reúnam as condições legalmente necessárias (exceptuados os requisitos constantes da norma impugnada).

Em tais situações, uma eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral teria como consequência que se poderiam reabrir os processos administrativos em causa por manifesta ausência de base legal legitimadora das decisões de denegação das pensões, atenta a eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

Ora, esta questão pode bem considerar-se como uma das mais complexas no domínio dos efeitos das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral proferidas pelo Tribunal Constitucional.

Alguns autores propendem a considerar que na ressalva de caso julgado constante do n.° 3 do artigo 282.° da Constituição se deverão ter por compreendidas outras situações equiparáveis (cf. Vitalino Canas, Introdução às Decisões de Provimento do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1984, pp. 74 e segs., e Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª ed., Coimbra, 1991, pp.

1083 e segs.). Escreve, a propósito, este autor:

Não é líquido que a Constituição tenha considerado como limite à retroactividade da declaração de inconstitucionalidade apenas o caso julgado, entendido no sentido restrito acabado de mencionar [caso julgado em sentido restrito é toda a decisão jurisdicional que põe termo, de forma definitiva e irretratável, a relações ou situações a que foi concretamente aplicada a norma declarada inconstitucional].

Pode também entender-se que os limites à retroactividade se encontram na definitiva consolidação de situações, actos, relações, negócios a que se referia a norma declarada inconstitucional. Se as questões de facto ou de direito reguladas pela norma julgada inconstitucional se encontram definitivamente encerradas porque sobre elas incidiu caso julgado judicial, porque se perdeu um direito por prescrição ou caducidade, porque o acto se tornou inimpugnável, porque a relação se extinguiu com o cumprimento da obrigação, então a dedução de inconstitucionalidade, com a consequente nulidade ipso jure, não perturba, através da sua eficácia retroactiva, esta vasta gama de situações ou relações consolidadas. Pode dizer-se que a norma viciada de inconstitucionalidade não era já materialmente reguladora de tais situações, sendo irrelevante a sua declaração de inconstitucionalidade.

E logo de seguida acrescenta ainda Gomes Canotilho (op. cit., p. 1084):

O mesmo já não se verifica relativamente a relações ou situações ainda abertas (por exemplo: ainda a discutir em tribunal, ainda não consolidadas por qualquer decurso do prazo) e às quais se pode ainda aplicar, com efeitos úteis, a norma declarada inconstitucional. Nestas hipóteses é claro o efeito da declaração de inconstitucionalidade: ela impede a sua aplicação e neutraliza os efeitos jurídicos que dela poderiam resultar. Perante este entendimento, os autores tendem a salientar os efeitos relativos da retroactividade e a questionar se, em rigor, se deverá falar aqui de retroactividade. Esta existiria se, com a declaração de inconstitucionalidade da norma, fosse possível recolocar em discussão as relações já consolidadas e não apenas as relações ou situações pendentes ou em aberto.

Em sentido diferente se pronuncia Jorge Miranda, (Manual, cit., p. 495), quando escreve:

Cabe perguntar se não deve acolher-se por analogia a necessidade de ressalva de situações ou relações consolidadas por cumprimento de obrigações, por transacção, ainda que não homologada, ou por acto de natureza análoga (artigo 13.° do Código Civil).

Afigura-se-nos duvidosa uma resposta positiva, porque são diferentes os pressupostos destas situações (e de outras, como o caso decidido em direito administrativo) e as do caso julgado. Nem por isso, aliás, ficarão desprotegidos interesses legítimos ou relevantes ligados a essas situações: a modelação dos efeitos prevista no artigo 282.°, n.° 4, por razões de segurança jurídica ou da equidade, é suficiente e idónea para lhes dar satisfação; mas não será já uma ressalva automática no artigo 282.°, n.° 3, terá de haver uma decisão do Tribunal Constitucional.

Chegados a este ponto, deixemos a questão assim colocada, por ora, em aberto.

E isto porque o Tribunal admite, como refere o provedor de Justiça, que por certo ainda estão pendentes de decisão (logo, ainda em aberto) casos aos quais se aplica o regime impugnado e que foi revogado em 1990, o que por si só poderá representar um mínimo de «interesse prático» no conhecimento do pedido. A que acresce que a delimitação das situações pretéritas já resolvidas ou consolidadas, em relação às quais eventualmente poderia relevar uma hipotética declaração de inconstitucionalidade, pressupõe previamente que se apure da alegada inconstitucionalidade e que, a proceder esta, seja ela cotejada com a faculdade da limitação dos efeitos da inconstitucionalidade prevista no n.° 4 do artigo 282.° da Constituição, operações a que só se poderá proceder a final.

3 - O vício de inconstitucionalidade que o provedor de Justiça imputa à norma do n.° 3 do artigo 3.° do RERPS decorre do contraste do preceito em causa com o disposto no artigo 13.°, n.° 2, da Constituição, onde se dispõe que «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social» (itálico nosso).

Invoca o requerente, como fundamento do seu pedido, o lugar paralelo que constituiu a decisão deste Tribunal Constitucional no sentido de declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da alínea b) da base XIX da Lei n.° 2127, de 3 de Agosto de 1965 (Acórdão n.° 191/88, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 6 de Outubro de 1988, e no 12.° vol. dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, pp. 239 e segs.).

Com efeito, a base em causa tinha a seguinte redacção:

1 - Se do acidente resultar a morte, os familiares da vítima receberão as seguintes pensões anuais:

a) Viúva, se tiver casado antes do acidente: 30 % da retribuição base da vítima até perfazer 65 anos e 40 % a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;

b) Viúvo, se tiver casado antes do acidente e estiver afectado de doença física ou mental que lhe reduza sensivelmente a capacidade de trabalho, ou se for de idade superior a 65 anos à data da morte da mulher, enquanto se mantiver no estado de viuvez: 30 % da retribuição base da vítima.

À alínea b) então em causa imputava-se o vício de inconstitucionalidade, por violação do n.° 2 do artigo 13.° da Constituição, «quer na medida em que só concede direito a pensão por morte resultante de acidente de trabalho ao viúvo da vítima, desde que este esteja afectado de doença física ou mental que lhe reduza sensivelmente a capacidade de trabalho ou tenha mais de 65 anos de idade, quer na medida em que limita o montante da pensão do viúvo a 30 % da retribuição base da vítima» (Acórdão n.° 191/88, cit.).

E o Tribunal Constitucional veio, com efeito, a declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da citada alínea b) «na parte [...] em que atribui ao viúvo, em caso de falecimento do outro cônjuge em acidente de trabalho, e havendo casado previamente ao acidente, uma pensão anual de 30 % da retribuição base da vítima, e isto desde que esteja afectado de doença física ou mental que lhe reduza sensivelmente a capacidade de trabalho, ou seja de idade superior a 65 anos à data da morte da mulher».

4 - Revertendo ao caso do n.° 3 do artigo 3.° do RERPS, dele resulta, conforme refere o provedor de Justiça no seu pedido, um tratamento mais desfavorável para o cônjuge sobrevivo do sexo masculino, em caso de morte da mulher, quando comparado com o tratamento dispensado ao cônjuge sobrevivo do sexo feminino, em caso de morte do marido.

Com efeito, quando o cônjuge sobrevivo seja do sexo feminino, este terá sempre direito à pensão de sobrevivência, sem qualquer tipo de restrições, enquanto, se o cônjuge sobrevivo for do sexo masculino, este só terá direito à correspondente pensão desde que preencha um de dois requisitos legalmente postulados: ou sofra de incapacidade permanente e total para o trabalho ou tenha completado já 65 anos de idade à data do falecimento da mulher.

Parece evidente que deste regime resulta um tratamento discriminatório em relação aos cônjuges sobrevivos do sexo masculino. Sem embargo, contudo, importa recordar que o princípio da igualdade não implica que todos sejam tratados, em quaisquer circunstâncias, de forma idêntica, antes postula que só haverá verdadeira igualdade quando recebam tratamento semelhante aqueles que se encontram em situações semelhantes e, consequentemente, que possa ser diferenciado o tratamento jurídico daqueles que se encontram em situações «não semelhantes».

Dito de outra forma: não basta a mera identificação de uma discriminação fundada num dos títulos especificamente referenciados no n.° 2 do artigo 13.° da Constituição como vedando o estabelecimento de privilégios, benefícios ou prejuízos, para desde logo concluir pela ilegitimidade constitucional de tal discriminação. É que o princípio constitucional da igualdade não diz, ele próprio, o que é igual, apenas determina que o que é igual seja tratado igualmente, pelo que o que não é igual deva ser também tratado de forma desigual. Sendo, por isso, não tanto um princípio dotado de sentido absoluto, mas antes um conceito que carece de integração numa perspectiva histórica e relacional.

Que o conteúdo do princípio da igualdade está estreitamente vinculado a cada momento histórico resulta inquestionável, desde logo no próprio domínio da igualdade dos sexos na lei e perante a lei, para cuja ilustração bastará recordar as medidas discriminatórias das mulheres no domínio laboral, das relações civis e familiares existentes no ordenamento jurídico que vigorou em Portugal até 25 de Abril de 1976. De igual forma bastaria chamar à colação a especial atenção que a temática da igualdade entre os sexos tem merecido no plano da protecção internacional dos direitos humanos, de que são exemplos a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 2.°), a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 14.°), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigo 2.°, n.° 1), o Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (artigo 2.°, n.° 2), a Convenção n.° 111 da Organização Internacional do Trabalho (artigo 1.°, n.° 1), a Convenção da UNESCO sobre a Discriminação na Educação (artigo 1.°) e, last but not least, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979 (em especial o seu artigo 1.°, onde se define como «discriminação» contra a mulher «toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo que tenha por objectivo ou por resultado diminuir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, pela mulher, independentemente do seu estado civil, na base da igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nas esferas política, económica, social, cultural, civil ou em qualquer outra esfera»).

Enquanto conceito relacional, a medida do que é igual e deva ser tratado como igual depende da matéria a tratar e do ponto de vista de quem estabelece a comparação, em termos de determinar quais são os elementos essenciais e os não essenciais num juízo acerca da admissibilidade ou inadmissibilidade de soluções jurídicas dissemelhantes e eventualmente mesmo discriminatórias. Ou seja, quando é que duas situações reais da vida são equiparáveis, quando as similitudes entre elas sobrelevam das diferenças e, por isso, o juízo de valor sobre a materialidade que lhes serve de suporte conduz à necessidade de um igual tratamento jurídico.

Daqui resulta que a essência da aplicação do princípio da igualdade encontra o seu ponto de apoio na determinação dos fundamentos fácticos e valorativos da diferenciação jurídica consagrada no ordenamento. O que significa que a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica. Pelo que se pode afirmar que dentro do princípio da igualdade cabem diferenças de tratamento, ainda que não a pura e simples diferença de tratamento, a diferença de tratamento pela pura diferença a que também se tem chamado naked preferences (cf.

Sunstein, «Naked Preferences and the Constitution», in Columbia Law Review, Novembro de 1984, pp. 1689 e segs.);

5 - Neste sentido se tem orientado uniformemente a nossa jurisprudência constitucional, que, na senda do que se escrevia no parecer n.° 1/76 da Comissão Constitucional (in Pareceres da Comissão Constitucional, 1.° vol., pp. 11 e segs.), tem sublinhado que «a semelhança das situações da vida nunca pode ser total: o que importa é distinguir quais os elementos de semelhança que têm de registar-se - para além dos inevitáveis elementos diferenciadores - para que duas situações devam dizer-se semelhantes em termos de merecerem o mesmo tratamento jurídico».

A resposta a esta questão, escrevia-se no mesmo parecer, «é, no entanto, facilitada quando o legislador constitucional não se limita a enunciar o princípio geral da igualdade, mas especifica os títulos - ou alguns deles - que não podem fundar um tratamento diferenciado entre cidadãos. Quando isso acontece, tem de entender-se, em princípio, que viola a regra da igualdade o preceito que dá relevância a um desses títulos para, em função dele, beneficiar ou prejudicar um grupo de cidadãos perante os restantes».

Mas, vistas as coisas nesta óptica, ela mostra-se compaginável com o entendimento segundo o qual um juízo valorativo das situações fácticas pode encontrar justificação bastante para que, alicerçado num critério de justiça distributiva ou em função de objectivos atinentes à realização de uma sociedade mais equilibrada, o legislador adopte soluções normativas distintas para grupos diversos de cidadãos, o que significará, como se escreveu no já citado Acórdão n.° 191/88, que «o legislador, para corrigir diferenças derivadas de simples situações de facto ou para contrabalançar discriminações vindas do passado e com grande carga tradicional, estabeleça compensações em favor dos grupos de cidadãos em cada caso mais desfavorecidos».

Nesta ordem de razões se fundamentarão as denominadas «discriminações positivas», que, sendo portadoras de tratamento desigual, são, em última ratio, motivadas por preocupações igualizadoras ou, no mínimo, tendentes a aproximar situações fácticas à partida diferenciadas.

Daí que a discriminação só se deva ter por intolerável e atentatória do princípio da igualdade quando de todo em todo se mostre desrazoável, arbitrária e desproporcionada. Por contraste, tratamentos jurídicos discriminatórios poderão existir que, fundados em motivações objectivas, razoáveis e justificadas, se deverão ter por conformes com os ditames do princípio da igualdade.

6 - Vêm estas considerações a propósito da temática da discriminação em função do sexo. Com efeito, no passado, entre nós como em outros países do nosso espaço civilizacional, razões de ordem cultural (entendidas em sentido muito amplo) fundaram tratamentos jurídicos discriminatórios em relação às mulheres, estabelecendo-lhes um estatuto jurídico menor ou mais desfavorável do que o dispensado aos homens.

A norma ora em apreço, numa primeira leitura, parece apontar para o sentido contrário, ou seja, o da consagração de um tratamento mais favorável às mulheres, ao cônjuge sobrevivo do sexo feminino, no acesso às pensões de sobrevivência por morte do outro cônjuge. Com efeito, o menor grau de exigência, quanto aos cônjuges supérstites femininos, para aceder às aludidas pensões de sobrevivência correspondia a uma acrescida protecção económica e social da mulher não trabalhadora, aparentemente uma «discriminação positiva» em face de situações de infortúnio familiar (a morte do cônjuge trabalhador).

Mas, sob esta aparência «protectora», o regime em causa reconhecia uma exigência de ordem social (acrescida protecção do cônjuge sobrevivo do sexo feminino) decorrente, no fundo, de uma profunda desigualdade de base, a saber, a da dificuldade de acesso das mulheres ao mercado de trabalho. Com efeito, como se refere no Acórdão n.° 191/88 (citando documentação emitida pela Comissão da Condição Feminina), «em 1970 a mão-de-obra feminina, que representava um quarto da população activa, caracterizava-se pela sua juventude (dos 10 aos 14, dos 15 aos 19 e dos 20 aos 24 anos as taxas de actividade feminina, e dentro de cada grupo etário, eram, respectivamente, de 10,6 %, 45,7 % e 46,3 %); pelo declínio da sua participação no mercado de trabalho a partir dos 25 anos (quase metade da população activa feminina - 42 % - tinha menos de 24 anos); e pelo fraco volume de emprego das mulheres com idade média», em virtude, em boa medida, do aparecimento do primeiro ou segundo filho por volta da idade dos 25 anos que coincidia com o grupo etário em que a frequência de partos era maior e do baixo número de mulheres que ulteriormente (após os 35 anos) voltavam a procurar um emprego. Por contraste, conforme refere o citado aresto, em 1981 «o número de mulheres activas mais que duplicara: em 1970 era de 815 000 e em 1981 de 1 851 000».

Estes dados apontam para realidades fácticas em profunda mutação.

Com efeito, à data da elaboração do RERPS, as mulheres casadas (e eventualmente mães) ocupavam-se sobretudo com actividades domésticas e familiares, sobretudo a partir dos 25 anos de idade, desfrutavam de limitadas oportunidades de emprego e, consequentemente, a sua sobrevivência dependia quase totalmente dos cônjuges.

Hoje em dia a situação tende a alterar-se: desde logo, a própria Constituição estabelece um paradigma cultural distinto, de incentivo e apoio à inserção da mulher no mercado de trabalho, e, logo, de garantia da sua autonomia económico-financeira e de contribuinte efectivo para a economia familiar em condições de igualdade com os homens. Embora este paradigma, em termos materiais, não se possa considerar ainda totalmente realizado, pois que não é possível ignorar que subsistem discriminações materiais e que as mulheres constituem o sector do mercado de trabalho mais vulnerável em situações de crise económica e de aumento do desemprego, contudo é já abundante e significativa a legislação tendente a corporizar este novo paradigma constitucional e, assim, eliminar as discriminações atentatórias da igualdade entre os homens e as mulheres no plano jurídico, quer em termos de igualdade de condições de acesso aos postos de trabalho quer em termos de igualdade das respectivas remunerações.

As discriminações, entendidas enquanto favorecimento do cônjuge do sexo feminino no acesso à pensão de sobrevivência devida por morte do outro cônjuge radicam, assim, e tal como se disse no Acórdão n.° 191/88, «fundamentalmente no sexo dos viúvos e surgem no momento actual em clara dessintonia com a realidade social e jurídica». Por isso devem ter-se por irrazoáveis e injustificadas, atentando contra o princípio constitucional da igualdade.

É que, por imperfeita que ainda se possa ter a realidade da inserção, no mercado de trabalho, de homens e mulheres, por ausência de um total paralelismo e por em diversos aspectos subsistirem ainda várias situações de desfavorecimento da mulher, o certo é que as diferenças entre homens e mulheres trabalhadores se têm vindo sucessivamente a atenuar, quer ao nível fáctico quer jurídico, pelo que a discriminação ínsita na norma em apreço se prefigura como objectivamente injustificável e perfeitamente irrazoável. E é-o, conforme se disse no citado Acórdão n.° 191/88, «porquanto, nas actuais circunstâncias fácticas e jurídicas, e considerado um lapso de tempo razoável (o indispensável para que às estatísticas possa ser atribuído um mínimo de significação), verificar-se-á que nem os cônjuges supérstites femininos são sempre, ou mesmo em número muito significativo de casos, economicamente mais pobres que os respectivos consortes masculinos vítimas de morte infortunística, nem os cônjuges supérstites masculinos são sempre, ou mesmo em número muito significativo de casos, economicamente mais afortunados que as respectivas consortes femininas vítimas de morte infortunística».

7 - Chegados a esta conclusão, importa agora retomar a questão atrás deixada em aberto quanto à delimitação dos efeitos desta declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

Conforme já atrás se referiu, a eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade cede perante a regra da intangibilidade do caso julgado, em virtude do que as decisões judiciais que hajam transitado em julgado se encontrarão subtraídas a qualquer tipo de revisão como consequência daquela declaração. Contudo, o conceito de caso julgado não se encontra constitucionalmente definido, o que pode desde logo colocar a questão de saber se nele está apenas abrangido o caso julgado judicial ou também o caso administrativo decidido ou caso julgado administrativo, ou seja, as decisões administrativas que se consolidaram definitivamente por já não serem juridicamente susceptíveis de impugnação contenciosa.

Sobre esta questão escreve Luís Nunes de Almeida, A Justiça Constitucional no Quadro das Funções do Estado Vista à Luz das Espécies, Conteúdo e Efeitos das Decisões sobre a Constitucionalidade das Normas Jurídicas, Lisboa, 1987, p. 38:

Se a doutrina nacional não é uniforme na resposta dada a estas diversas questões, a verdade é que a jurisprudência do Tribunal também não é muito esclarecedora.

Com efeito, nesta matéria, a posição do Tribunal tem sido, essencialmente, a de assumir uma jurisprudência de cautelas feita em função da possibilidade de restringir os efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade. E se, em certos casos, tendo em conta os efeitos restringidos, o Tribunal parece ter entendido que a ressalva dos casos julgados não abrangia, pelo menos, todas as situações jurídicas consolidadas, a verdade é que esses casos não são determinantes para definir uma jurisprudência clara e uniforme.

Assim, por exemplo, no Acórdão n.° 142/85, quando, a certo momento, tinha de se pronunciar sobre as consequências a extrair de uma declaração de inconstitucionalidade proferida ainda pelo Conselho da Revolução, não foi sem dúvidas que o Tribunal partiu do princípio de que no direito português a eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade de uma norma se traduzia na ineficácia, também retroactiva, dos actos praticados à sua sombra, ou seja, na respectiva invalidade sucessiva.

Todavia, o Tribunal reconheceu que esse resultado estava na lógica da declaração de invalidade da norma, isto é, do reconhecimento da sua inconstitucionalidade com efeitos ex tunc, porquanto, com tal invalidação, aqueles actos deixavam de ter fundamento legal desde o momento em que ela operava. Mas logo acrescentou que «podendo a invalidação de certos actos administrativos, em consequência da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que lhes serviu de fundamento, ocorrer a todo o tempo, é logo extremamente duvidoso» que devam transpor-se para aí os aspectos do regime de invalidação que têm de fazer-se funcionar em prazo limitado, como é o caso do recurso contencioso de anulação; por isso, não considerou atingidas pela referida declaração de inconstitucionalidade certas situações já insusceptíveis de serem atacadas contenciosamente.

Já no Acórdão n.° 80/86 se entendeu, de forma mais afirmativa, que, «sendo a norma nula desde a origem, por força de inconstitucionalidade, tornam-se igualmente inválidos, não somente os efeitos directamente produzidos por ela (e daí a reposição em vigor de normas que haja revogado), mas também os actos jurídicos praticados ao seu abrigo (actos administrativos, negócios jurídicos, etc.)». Todavia, quando se restringiram os efeitos da declaração de inconstitucionalidade - no caso, para salvaguardar remunerações entretanto percebidas por funcionários -, sublinhou-se que se podia sustentar que, «mesmo na ausência dessa restrição, aqueles direitos sempre seriam salvaguardados».

Todavia, da análise dos acórdãos em que se pronunciou sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade resulta que, muito embora propendendo claramente no sentido de a declaração de inconstitucionalidade afectar, em regra geral, a validade dos actos praticados ao abrigo da norma inconstitucional, o Tribunal não extrai tão facilmente igual conclusão no que se refere, por exemplo, aos actos administrativos constitutivos de direitos já insusceptíveis de impugnação contenciosa.

E o mesmo se diga das decisões em que se procedeu à restrição de efeitos, porquanto o que delas se pode concluir a contrario sensu, e para além da já referida regra geral da invalidação sucessiva dos actos entretanto praticados, é que o Tribunal, pelo menos, não considera como automaticamente ressalvadas as situações decorrentes do cumprimento voluntário da obrigação.

De facto, na grande maioria dos casos, o Tribunal ou ressalvou todos os efeitos produzidos, não procedendo a qualquer distinção, ou limitou-se a restringir a eficácia da declaração, de modo a ressalvar essas situações;

pelo contrário, só muito excepcionalmente restringiu a eficácia da declaração, de forma a serem ressalvadas outras situações jurídicas presumivelmente já consolidadas.

Com efeito, para quem entenda que a declaração de inconstitucionalidade comporta o desvalor jurídico da nulidade da norma, então os actos administrativos praticados ao abrigo dela entre a entrada em vigor da Constituição e o momento presente carecem absolutamente de base legal, e, porque são actos atentatórios de direitos fundamentais, deverão ter-se por nulos, logo impugnáveis a todo o tempo. Pelo que, nesta óptica, os aludidos actos poderão ser agora de novo impugnados contenciosamente, por forma que seja aplicado a esses casos o adequado quadro legal expurgado da norma ora declarada inconstitucional. Pelo que tais casos não se deverão ter por compreendidos nos «casos julgados» a que alude o n.° 3 do artigo 282.° da Constituição, que assim deverão apenas ser tomados em sentido restrito (caso julgado judicial).

Mas esta visão das coisas defronta-se com um obstáculo de monta: é que, se não se tiverem por compreendidas na ressalva dos casos julgados as situações que apenas foram definidas pela competente instância administrativa, já num tal conceito de caso julgado (restrito) hão-de ter-se inelutavelmente por abrangidas as situações do mesmo tipo que, depois de resolvidas em sede administrativa, foram objecto de impugnação contenciosa e sobre as quais tenha recaído uma decisão judicial (de denegação da pretensão), assente na norma impugnada, já transitada.

Ora, para estas, a declaração de inconstitucionalidade mostrar-se-ia de todo em todo imprestável, por força da imposição constitucional constante do n.° 3 do artigo 282.° da Constituição, mas para aquelas outras a declaração já operaria plenamente e em termos de produzir uma radical modificação da situação em causa. Desta discrepância resultaria, sem dúvida, uma gritante desigualdade, que premiaria quem, no passado, tivesse sido menos zeloso, menos convicto ou menos diligente na defesa dos seus interesses e acabaria por ser desproporcionadamente punitiva daqueles que procuraram nos tribunais apoio para a tese que defendiam.

Conscientes deste paradoxo, alguns autores são levados a questionar a própria admissibilidade da ressalva dos casos julgados, estabelecida pelo n.° 3 do artigo 282.° da Constituição.

Assim, Marcelo Rebelo de Sousa, no seu livro O Valor Jurídico do Acto Inconstitucional, I, Lisboa, 1988, pp. 316 e segs., reportando-se à inconstitucionalidade dos actos jurisdicionais, considera que a mesma pode gerar inexistência ou nulidade, englobando no primeiro caso diversas situações de mera aparência de acto jurisdicional, como sejam as aparências de actos jurisdicionais aprovadas por uma entidade que não é órgão do Estado ou, sendo, não exerce funções jurisdicionais, os aparentes actos jurisdicionais praticados sob coacção física, coacção moral e estado de necessidade evidentes, as aparências de actos jurisdicionais que não preenchem minimamente a definição como acto jurisdicional e as aparências de actos jurisdicionais que violem os direitos absolutos, o objecto ou conteúdo dos demais direitos fundamentais e a essência dos outros princípios integrantes da Constituição material (ob. cit., pp. 324-325).

Destas situações assim identificadas decorre que tais actos não produzem efeitos jurídicos, são insanáveis, inconvertíveis e irredutíveis, inexecutórios pelo poder político e contra eles é possível utilizar o direito de resistência, não havendo necessidade de declaração jurisdicional e não se encontrando vinculados pelo princípio do respeito dos casos julgados.

Considerando o segundo tipo, dos actos jurisdicionais cuja inconstitucionalidade gera nulidade, este autor considera que, não existindo um mecanismo de controlo dos actos jurisdicionais inconstitucionais que não reentram na primeira categoria (de meras aparências de actos, que gera inexistência), daí decorre que eles não se poderão considerar nulos, embora aceite que por vezes a lei admita a possibilidade de controlo de tais actos jurisdicionais desconformes com a Constituição, casos em que se verifica «uma equiparação da inconstitucionalidade à ilegalidade e os actos jurisdicionais inconstitucionais são nulos, nos termos legislativos ordinários e, nesses exactos termos, objecto de controlo de legalidade» (op. cit., p. 326).

Numa posição assaz distinta coloca-se Jorge Bacelar Gouveia, O Valor Positivo do Acto Inconstitucional, Lisboa, 1992, pp. 17 e segs., para quem, afastados que sejam os actos jurisdicionais sem identificabilidade como tais e os actos praticados pelos tribunais comuns de carácter normativo e ainda os que imponham danos aos seus destinatários, consideram-se os actos jurisdicionais inconstitucionais que, desde que respeitados os seus requisitos de formalidades externas, acabam por assumir um valor positivo, ou seja, actos jurisdicionais violadores da Constituição que não comportam quaisquer consequências jurídicas negativas pela sua inconstitucionalidade.

Abordando este tema, Miguel Galvão Teles, «Inconstitucionalidade pretérita», in Nos 10 Anos da Constituição, Lisboa, 1987, p. 329, entende que a ressalva de casos julgados constante do n.° 3 do artigo 282.° da Constituição não significa que se esteja a permitir que, no plano substantivo, um acto inconstitucional produza efeitos, antes «aquilo que [se] faz é, num segundo grau, salvaguardar juízos precedentes sobre a inconstitucionalidade, diferentes do juízo que veio a prevalecer na decisão com efeito geral», acrescentando ainda que «o respeito dos casos julgados não significa reconhecer efeitos a uma lei inconstitucional, mas reconhecer efeitos a uma lei que determinado juízo teve por inconstitucional, melhor, reconhecer efeitos ao juízo de constitucionalidade».

Por seu turno, Paulo Otero, Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional, Lisboa, 1993, pp. 83 e segs., interpretando o sentido da ressalva dos casos julgados constante da primeira parte do n.° 3 do artigo 282.° da Constituição, identifica nas decisões do Tribunal Constitucional que declaram a inconstitucionalidade com força obrigatória geral um efeito constitutivo, ao ressalvarem os casos julgados fundados em norma ainda não declarada inconstitucional com força obrigatória geral à data da respectiva decisão judicial, donde retira três conclusões, que identifica do seguinte modo:

1.ª A ressalva do caso julgado inconstitucional constitui uma dupla excepção:

por um lado, é uma excepção à eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade da norma; por outro lado, traduz uma excepção à natureza predominantemente declarativa das decisões com força obrigatória geral do Tribunal Constitucional;

2.ª Sempre que, segundo a Constituição, não seja possível o Tribunal Constitucional emitir uma decisão que produza o efeito de ressalvar os casos julgados inconstitucionais, deve daí extrair-se que os mesmos nunca poderão beneficiar do disposto no artigo 282.°, n.° 3, primeira parte, da Constituição, isto é, tais decisões judiciais não podem ser ressalvadas;

3.ª Sempre que os casos julgados não possam ser ressalvados, recorde-se que a sua inconstitucionalidade nem sempre decorre de aplicarem norma inconstitucional, isto significa que ficam sujeitos ao princípio geral em matéria de inconstitucionalidade: as decisões judiciais não produzem efeitos jurídicos, podendo a sua nulidade ser declarada a todo o tempo.

O mesmo autor, depois de referir que o artigo 282.°, n.° 3, primeira parte, assume natureza excepcional, apenas se podendo aplicar às decisões judiciais fundadas em norma inconstitucional que ainda não havia sido declarada como tal à data do seu trânsito em julgado, daí retira que «não podem ser ressalvados os casos julgados fundados em norma já declarada inconstitucional com força obrigatória geral à data da respectiva decisão» e que «também não podem ser ressalvados os casos julgados de decisões judiciais directa e imediatamente violadoras da Constituição» (ob. cit., p.

84), para mais adiante (ob. cit., pp. 120-121) concluir que a imodificabilidade do caso julgado apenas pode concorrer em pé de igualdade com o princípio da constitucionalidade dos actos jurídico-públicos quando essa imodificabilidade ou insindicabilidade seja consagrada constitucionalmente, à semelhança do que ocorre no artigo 282.°, n.° 3, primeira parte, da Constituição, pelo que propende a reconhecer «a possibilidade de interposição de um recurso extraordinário atípico de todas as decisões judiciais directa e imediatamente inconstitucionais, sempre que se tenham esgotado os respectivos recursos ordinários», recurso esse que, «à falta de disciplina jurídica específica, seria regido pelas regras gerais do recurso de revisão, sem prejuízo das necessárias adaptações».

Desta panorâmica acabada de traçar de forma sucinta resulta que, à luz dos entendimentos doutrinários respigados, quando se trata de avaliar a imodificabilidade de casos julgados fundados em aplicação de norma que, posteriormente à decisão judicial que os formou, venha a ser declarada inconstitucional com força obrigatória geral, os autores, partindo de diferentes fundamentações, convergem no sentido de reconhecerem a subsistência desses casos julgados em nome da certeza e segurança jurídica que, em tais situações, constitui um princípio constitucionalmente equiparável ao princípio da conformidade à Constituição dos actos jurídico-públicos, plasmado no artigo 3.° da nossa Constituição. E mesmo quando se entende que certas ofensas à Constituição (direitos fundamentais e princípios da Constituição material), decorrentes de actos jurisdicionais transitados em julgado, configuram situações de nulidade desses actos, reconhece-se de igual modo a ausência de mecanismos constitucionais de fiscalização da constitucionalidade de tais actos jurisdicionais ou então, em situações muito específicas, aponta-se para a equiparação da inconstitucionalidade à ilegalidade, o que abriria espaço a um controlo de legalidade, de natureza decerto distinta do controlo de constitucionalidade.

Neste contexto, estas considerações parecem suficientes para que o Tribunal entenda que, independentemente da tese que se perfilhe acerca do fundamento, do âmbito e do alcance da ressalva de caso julgado constante do n.° 3 do artigo 282.° da Constituição, designadamente no tocante à sua extensão ao caso decidido administrativo ou mesmo aos casos julgados atentatórios de direitos fundamentais fundados em normas inconstitucionais, ponderosas razões de equidade justificam que se proceda à limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por forma a naquela declaração apenas fazer abranger os casos sobre os quais se encontrem pendentes decisões administrativas ainda susceptíveis de recurso ou decisões judiciais ainda não transitadas em julgado.

III

Termos em que o Tribunal Constitucional decide:

a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.° 3 do artigo 3.° do Regulamento Especial do Regime de Pensões de Sobrevivência, aprovado por despacho ministerial de 23 de Dezembro de 1970 e publicado no Diário do Governo, 2.ª série, de 26 de Janeiro de 1971, por violação do artigo 13.° da Constituição;

b) Limitar os efeitos da inconstitucionalidade, de modo que a declaração de inconstitucionalidade se aplique apenas aos casos pendentes sobre os quais não tenha ainda incidido acto administrativo cujos efeitos se tenham consolidado no ordenamento jurídico ou decisão judicial transitada em julgado.

Lisboa, 9 de Março de 1994. - António Vitorino - Maria da Assunção Esteves - Luís Nunes de Almeida - Alberto Tavares da Costa - Guilherme da Fonseca - Vítor Nunes de Almeida - Messias Bento - José de Sousa e Brito - Armindo Ribeiro Mendes - Bravo Serra - Antero Alves Monteiro Dinis - Fernando Alves Correia - José Manuel Cardoso da Costa

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1994/04/28/plain-58546.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/58546.dre.pdf .

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1995-10-10 - Acórdão 468/95 - Tribunal Constitucional

    DECLARA, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA CONSTANTE DA ALÍNEA A) DO NUMERO 3, CONJUGADA COM O NUMERO 1, AMBOS DA PORTARIA NUMERO 760/85, DE 4 DE OUTUBRO, - APROVA AS TABELAS RELATIVAS AO CÁLCULO DAS PROVISÕES MATEMÁTICAS DAS PENSÕES DE ACIDENTES DE TRABALHO -, POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 55, NUMERO 5, ALÍNEA D), E 57, NUMERO 2, ALÍNEA A), DA CONSTITUICAO, NA VERSÃO RESULTANTE DA LEI CONSTITUCIONAL NUMERO 1/82, DE 20 DE SETEMBRO. (ACORDAO NUMERO 468/95-PROC. NUMERO 121/95)

  • Tem documento Em vigor 1996-09-03 - Acórdão 869/96 - Tribunal Constitucional

    DECLARA, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA CONSTANTE DO ARTIGO 3, NUMERO 3 - CRITÉRIO DE ATRIBUIÇÃO DE LICENÇAS -, DO DECRETO LEI 74/79, DE 4 DE ABRIL, - REGIME DE PRIORIDADE NA ATRIBUIÇÃO DE LICENÇAS PARA A EXPLORAÇÃO DA INDÚSTRIA DE TRANSPORTES DE ALUGUER EM VEÍCULOS LIGEIROS DE PASSAGEIROS -, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 115, NUMERO 5, DA CONSTITUICAO. RESTRINGE, POR RAZÕES DE SEGURANÇA JURÍDICA, E AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 282, NUMERO 4, DA CONSTITUICAO, OS EFEITO (...)

  • Tem documento Em vigor 2003-06-17 - Acórdão 232/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade do segmento normativo que contém o critério respeitante aos candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores, constante da parte final da alínea a) do n.º 7 do artigo 25.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário.(Pocesso nº 306/2003)

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