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Acórdão 222/2008, de 22 de Julho

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Sumário

Julga inconstitucionais as normas constantes dos artigos 1.º, n.º 6, e 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, quando interpretadas no sentido de que aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações que, antes de 31 de Dezembro de 2003, hajam reunidos os pressupostos para a aplicação do regime fixado pelo Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, e hajam requerido essa aplicação, deixa de ser reconhecido o direito a esse regime de aposentação pela circunstância de o respectivo processo ter sido enviado à Caixa, pelo serviço onde o interessado exercia funções, após a data da entrada em vigor da Lei n.º 1/2004

Texto do documento

Acórdão 222/2008

Processo 760/07

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - A Caixa Geral de Aposentações recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos que contra si havia sido intentada por José Joaquim Silva Maltez Rocha, com sinais nos autos.

Alegou, tendo concluído:

"1.ª - A 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, revogou o Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2004 - cf. artigo 1.º, n.º 3, e artigo 2.º, da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro.

2.ª - À excepção da Lei criminal, o princípio da não retroactividade das leis não tem assento constitucional - artigos 3.º e 29.º da CRP - pelo que, apesar de publicada em 15 de Janeiro, nada impede que a sua eficácia retroaja a 1 de Janeiro de 2004.

3.ª - As disposições do Código Civil não têm mais força vinculativa que as de outras Leis ordinárias, pelo que aquelas não prevalecem sobre o resultado da interpretação destas.

4.ª - Assim, para que um pedido de aposentação ao abrigo do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, fosse considerado por esta Caixa, necessário era que o processo tivesse sido enviado até ao dia 2004.01.01.

5.ª - O pedido de aposentação do representado do A., formulado ao abrigo do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, foi remetido à CGA em 12 de Janeiro de 2004 - Ponto 4 da matéria de facto dada como assente.

6.ª - Donde, nunca poderia o pedido de aposentação, por aquele formulado, ser deferido ao abrigo do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, uma vez que à data em que ia ser apreciado tal regime já se encontrava legalmente revogado.

7.ª - Consequentemente, o despacho da Direcção da CGA de 7 de Maio de 2004 - que reconheceu ao recorrido o direito à aposentação, ao abrigo do Decreto-Lei 116/85, de 19/04, encontrava-se ferido de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto, pelo que se impunha a sua revogação ao abrigo do artigo 141.º do CPA, como veio a suceder.

8.ª - Em suma, violou a douta sentença recorrida o disposto nos n.os 6 e 8 do artigo 1.º e artigo 2.º da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, e o artigo 141.º do CPA."

O Tribunal Central Administrativo Norte negou provimento ao recurso, tendo concluído pela inconstitucionalidade material das normas vertidas no n.º 6 do artigo 1.º, e no artigo 2.º, da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, quando entendidas no sentido de que não é aplicável o regime do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, aos processos que se iniciaram antes de 31 de Dezembro de 2003, pelo simples facto de não terem dado entrada na Caixa Geral de Aposentações até à data da entrada em vigor daquela Lei, por violação conjugada do dispostos nos artigos 2.º, e 266.º, da Constituição da República Portuguesa (princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica inerentes ao princípio do Estado de Direito).

Veio, então, a Caixa Geral de Aposentações interpor recurso do aludido aresto para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), pretendendo a fiscalização da constitucionalidade das normas constantes dos n.os 6 e 8 do artigo 1.º, e artigo 2.º, da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, na interpretação que foi feita pelo Tribunal Central Administrativo Norte, o qual recusou a sua aplicação com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos artigos 2.º e 266.º da Constituição.

Junto deste Tribunal concluiu as suas alegações pela seguinte forma:

"1.ª O Decreto-Lei 116/85, de 19/04, previa um regime especial e excepcional de aposentação antecipada face ao regime-regra previsto no artigo 37.º do Estatuto da Aposentação e constituía, antes de tudo o mais, uma medida conjuntural 'de descongestionamento da Administração Pública' dependente de não haver 'prejuízo para o serviço', e não o reconhecimento incondicional de um direito dos funcionários à aposentação antecipada, sendo expectável a sua alteração quando se modificassem as circunstâncias da adopção da medida legislativa.

2.ª A tramitação administrativa triangular - bem conhecida do legislador - , prevista no artigo 3.º do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, esteve na base da eleição do critério da data do envio do processo para a CGA a que se refere o artigo 1.º, n.º 6, da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, não tendo sido propositadamente dada qualquer relevância à data em que o subscritor efectuou o pedido junto do serviço.

3.ª Tal critério é claro e objectivo, não violando qualquer princípio ou norma constitucional.

4.ª Acresce que a revogação do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, não atingiu o conteúdo essencial do direito à aposentação dos subscritores da CGA, seja nos termos gerais (artigo 37.º, n.º 1 e 2 do Estatuto da Aposentação - EA), seja na nova modalidade de aposentação antecipada (prevista no artigo 37.º-A do EA) e, como tal, não implica 'uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente'.

5.ª A publicação tardia do Acórdão 360/2003 do Tribunal Constitucional que considerou a revogação do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, pelo artigo 9.º da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, inconstitucional por razões de mera forma, bem como o excessivo formalismo exigido, via interpretativa para a aprovação dos diplomas legais, implicou o atraso no procedimento legislativo tendente à publicação da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004 - que culminou na sua retroactividade 'quinzenal' - , mas igualmente permitiu o perfeito (re)conhecimento daquele diploma antes da sua publicação final (pois as normas constantes desta Lei são exactamente as mesmas que foram declaradas inconstitucionais no âmbito da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro) quer pelos Sindicatos, que as contestaram viva e publicamente, quer pelos subscritores da CGA, para além do eco que as reformas introduzidas no regime jurídico de aposentação tiveram nos media, bem como as vicissitudes a ela ligadas.

6.ª A revogação do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, era uma alteração com a qual os cidadãos e a comunidade já há muito podiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na alteração do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações jurídicas de aposentação, já que, como se demonstrou, era público e notório que estava em marcha o processo legislativo tendente à aprovação de tal medida, nos mesmos moldes que já haviam sido adoptados um ano antes pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, o mais rapidamente possível, para entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2004, como, aliás é norma neste tipo de diplomas.

7.ª O atraso na publicação, que criou a situação de retroactividade ou de retrospectividade em meros 15 dias, e cuja aprovação, sublinha-se, foi amplamente noticiada na comunicação social e vivamente contestada pelos Sindicatos, não invalida de modo algum os seus efeitos, já que a sua vigência não depende do seu conhecimento efectivo, embora a sua eficácia dependa da sua publicação.

8.ª Em conclusão, os artigos 1.º, n.º 6, e 2.º, da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, por conterem normas de efeitos retroactivos, não são inconstitucionais, já que não atingem, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de aposentação, de características excepcionais, prevista no regime instituído pelo Decreto-Lei 116/85, de 14 de Abril."

Não foram produzidas contra-alegações.

2 - Na decisão recorrida importou a seguinte factualidade:

"1 - O autor é funcionário do quadro de pessoal do Município da Figueira da Foz, com a categoria de subchefe de bombeiros municipal, e está inscrito na Caixa Geral de Aposentações (cf. fls. 23 do PA).

2 - Em 4 de Agosto de 2003, dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz o requerimento que constitui de fls. 9 da certidão junta pelo autor sob documento n.º 1, de cujo teor aqui se destaca o seguinte: 'em virtude de ter completado 36 anos de serviço, solicita a V. Exa. se digne promover o requerimento seja remetido à Caixa Geral de Aposentações (...) depois de informado por esta Câmara Municipal.'

3 - Em 11 de Novembro de 2003, dirigiu novo requerimento ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz (cf. fls. 19 do PA), requerendo o seguinte: 'em virtude de ter completado 36 anos de serviço, solicita a V. Exa. se digne promover o requerimento seja remetido à Caixa Geral de Aposentações (...) depois de informado por esta Câmara Municipal'.

4 - O seu requerimento mereceu informações favoráveis do comandante dos Bombeiros ('não se vê inconveniente no seu pedido de aposentação') e da Vereadora dos Recursos Humanos da Câmara Municipal da Figueira da Foz ('não se vê inconveniente no pedido de aposentação do funcionário'), nos termos constantes de fls. 23 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5 - Por ofício datado de 12 de Janeiro de 2004, a Vereadora da Câmara Municipal da Figueira da Foz com delegação de competências remeteu à CGA o processo de aposentação do autor, processo que foi recebido na GGA em 14 de Janeiro de 2004 - cf. fls. 18 a 28 do PA, bem como fls. 58 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6 - Nos termos constantes do Mapa de Contagem de Tempo, que consta de fls. 31 e 32 do PA, homologado pelo chefe do serviço da ré por despacho de 'concordo' datado de 30 de Abril de 2004, em 1 de Janeiro de 2004 o autor contava 40 anos e 10 meses de tempo de serviço.

7 - Por ofício datado de 7 de Maio de 2004, o autor foi notificado de que, por despacho dessa mesma data, da Direcção da CGA 'foi reconhecido o direito à aposentação (...) tendo sido considerada a sua situação existente em 2004-01-01' - cf. fls. 41 e 42, e ainda fls. 38 e 39 do PA.

8 - Por ofício datado de 2 de Setembro de 2004, do Chefe do Serviço da ré, o autor foi notificado da proposta de indeferimento do seu pedido de aposentação aposentada (cf. fls. 47 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido), tendo o mesmo se pronunciado nos termos constantes de 50 a 53 do PA, opondo-se à solução propugnada.

9 - Por ofício datado de 27 de Setembro de 2004, o autor foi notificado do despacho de 'concordamos' dos Directores da CGA de 27 de Setembro de 2004, aposto sobre a informação do Chefe do Serviço da ré da mesma data, nos termos do qual se decide o seguinte:

'Por despacho de 2004-05-07 (...) foi fixada ao subscritor em referência uma pensão de aposentação, ao abrigo do Decreto-Lei 116/85, de 19/4. - Verificando-se, porém, que o pedido veio endereçado em 2004-01-12 (...), fora do prazo estabelecido no n.º 6 do artigo 1.º da Lei 1/2004, de 15/1, diploma que revoga, no seu n.º 3 do artigo 1.º, o Decreto-Lei 116/85, de 19/04, parece de revogar o referido despacho de 2004/05/07, indeferindo-se, em consequência, o pedido de aposentação.' - cf. fls. 55 e 56 do PA."

Decidindo.

II - Fundamentação. - 3 - O recurso ora em análise vem interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido no âmbito do Recurso Jurisdicional n.º 735/04.2BECBR, que, confirmando a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, recusou a aplicação do disposto nos artigos 1.º, n.º 6, e 2.º, da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, com fundamento em inconstitucionalidade, quando interpretados no sentido de que não é aplicável o regime do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, aos processos de aposentação requeridos nos serviços dos interessados até 31 de Dezembro de 2003 que não foram enviados à Caixa Geral de Aposentações até à data de entrada em vigor daquela Lei, por violação dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica, previstos nos artigos 2.º e 266.º, da Constituição.

Verifica-se, pelo cotejo dos autos, que o pedido de aposentação antecipada apresentado pelo Recorrido José Joaquim Silva Maltez Rocha, foi efectuado ao abrigo do disposto no Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, e foi enviado pelos serviços da Câmara Municipal da Figueira da Foz à Caixa Geral de Aposentações em 12 de Janeiro de 2004.

Esse facto levou a que, por despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações de 27 de Setembro de 2004, tenha sido revogada a resolução da mesma Direcção de 7 de Maio do mesmo ano, que lhe havia reconhecido o direito à aposentação previsto no Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, em virtude da revogação deste diploma operada pela 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro.

O n.º 6 do artigo 1.º, da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, cuja constitucionalidade foi posta em causa no douto Acórdão recorrido, determina que:

"O disposto nos números anteriores [as alterações efectuadas ao Estatuto da Aposentação e a revogação do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril] não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, cujos processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços ou entidades, até à data de entrada em vigor deste diploma, desde que os interessados reúnam, nessa data, as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação, incluindo aqueles cuja aposentação depende da incapacidade dos interessados e esta venha a ser declarada pela competente junta médica após aquela data."

E o artigo 2.º do mesmo diploma estabelece que:

"A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004."

Através do artigo 1.º, n.º 3, da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, procedeu-se à revogação do Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, que, entre outras, dispunha que:

«Artigo 1.º

1 - Os funcionários e agentes da administração central, regional e local, institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos e organismos de coordenação económica, seja qual for a carreira ou categoria em que se integrem, poderão aposentar-se, com direito à pensão completa, independentemente de apresentação a junta médica e desde que não haja prejuízo para o serviço, qualquer que seja a sua idade, quando reúnam 36 anos de serviço.

(...)

Artigo 3.º

1 - Os requerimentos solicitando a aposentação nos termos do n.º 1 do artigo 1.º devem dar entrada nos departamentos onde os funcionários e agentes prestam serviço, acompanhados dos necessários documentos comprovativos do tempo de serviço prestado.

(...)»

4 - Pergunta o Recorrente, na sua alegação de recurso para este Tribunal, se o "critério eleito pelo legislador ordinário de fazer relevar a data do envio dos pedidos de aposentação à CGA e não a data em que o requerimento é efectuado pelos subscritores nos serviços, concatenado com a retroactividade ou retrospectividade decorrente do atraso da publicação da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, atinge de forma inadmissível ou demasiadamente onerosa os seus destinatários que sejam titulares de direitos ou de expectativas legalmente fundadas, violando dessa forma o princípio da confiança, ínsito num Estado de direito democrático."

O Tribunal Constitucional tem entendido que a tutela constitucional da confiança não abrange todo e qualquer juízo de previsibilidade que o sujeito possa fazer em face de determinado quadro normativo vigente. Com efeito, apenas colidirá com a tutela da confiança a afectação infundada e arbitrária de expectativas legítimas objectivamente consolidadas (ver Acórdãos n.º s 330/93, 580/99, 95/2004, 99/2004, 202/2004, 302/2006, publicados, respectivamente, no Diário da República, 2.ª série, de 30 de Julho de 1993, 21 de Fevereiro de 2000, 1 de Abril de 2004, 3 de Junho de 2004 e 12 de Junho de 2006).

Com efeito, apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento normativo conferido a uma dada categoria de situações, havendo situações substancialmente iguais que terão soluções diferentes, não se pode falar neste tipo de casos de uma diferenciação verdadeiramente incompatível com a Constituição.

A diferença de tratamento decorre da possibilidade que o legislador tem de modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção de conferir um diferente tratamento legal à categoria de situações em causa é afinal a razão de ser da própria alteração legislativa. Por outro lado, o critério de aplicação da lei no tempo reportado ao momento da prática do acto administrativo que reconhece o direito (no caso, à pensão) não é desrazoável mesmo numa perspectiva de igualdade de posições de sujeitos jurídicos diacronicamente considerada.

Que a lei aplicável seja a lei vigente em tal momento, é um critério de decisão que se fundamenta num critério objectivo e racional, decorrente dos próprios princípios gerais relativos à aplicação da lei no tempo (aplicação da lei vigente no momento da prática do acto).

Um tal critério não fundamenta diferenciações injustificadas nem contraria a segurança e a justiça.

Neste sentido, exarou-se, no Acórdão 580/99 deste Tribunal (citado), que:

"A recorrente sustenta, por um lado, que as normas impugnadas violam os princípios da confiança e da boa fé, ínsitos no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição.

O Tribunal Constitucional, no Acórdão 303/90 (D.R., 1.ª série, de 26 de Dezembro de 1990), afirmou que no princípio do Estado de direito democrático 'está, entre o mais, postulada uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas.'"

Por outro lado, no Acórdão 237/98 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Junho de 1998), o Tribunal considerou que:

"'Uma norma jurídica apenas violará o princípio da protecção da confiança do cidadão, ínsito no princípio do Estado de direito, se ela postergar de forma intolerável, arbitrária, opressiva ou demasiado acentuada aquelas exigências de confiança, certeza e segurança que são dimensões essenciais do princípio do Estado de direito': Nesse aresto, afirmou-se ainda que o 'princípio do Estado de direito democrático é um princípio cujos contornos são fluidos (...), pelo que tem um conteúdo relativamente indeterminado'. Em consequência, concluiu-se que tais características 'sempre inspirarão prudência ao intérprete e convidá-lo-ão a não multiplicar, com apoio nesse princípio, as ilações de inconstitucionalidade.'

Resulta da jurisprudência citada que o Tribunal Constitucional tem entendido que a tutela constitucional da confiança não abrange todo e qualquer juízo de previsibilidade que o sujeito possa fazer em face de determinado quadro normativo vigente. Com efeito, apenas colidirá com a tutela da confiança a afectação infundada e arbitrária de expectativas legítimas objectivamente consolidadas.

Nos presentes autos, a recorrente requereu uma pensão de aposentação num momento em que vigorava um regime que levaria à fixação do respectivo valor num determinado montante (...). Contudo, nesse momento, vigorava também a norma que estabelecia que o regime aplicável à fixação da pensão de aposentação seria o regime vigente no momento em que o despacho de reconhecimento do direito à pensão de aposentação voluntária viesse a ser proferido [artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto de Aposentação]. Nessa medida, a recorrente sabia, quando requereu a pensão, que o respectivo montante seria fixado de acordo com a lei vigente no momento da prolação desse despacho.

A pensão foi definitivamente fixada no valor de (...), nos termos do artigo 10.º, n.º 1, da Lei 2/92, de 9 de Março. O regime legal aplicado determinou, portanto, uma redução do valor da pensão em relação ao valor que resultaria da aplicação do regime vigente no momento em que a pensão foi requerida.

No entanto, na data em que apresentou o requerimento (altura em que a situação jurídica da requerente como pensionista não se encontrava ainda definida), a recorrente tinha apenas a expectativa de lhe vir a ser atribuída uma pensão (caso se verificassem os respectivos pressupostos) nos termos da lei vigente no momento da prolação do despacho que viesse a reconhecer o direito à pensão, tendo, naturalmente, o legislador a possibilidade de, no âmbito da liberdade de conformação legislativa, vir a estabelecer novos critérios de fixação da pensão aplicáveis, desse modo, no momento da fixação definitiva.

Uma vez que era já configurável a possibilidade de a sua situação vir a ser definida de acordo com o regime introduzido por uma eventual alteração legislativa, a recorrente não tinha uma expectativa consolidada de ver a sua pensão fixada de acordo com a lei vigente no momento em que apresentou o respectivo requerimento. Com efeito, em face do quadro legal vigente, a requerente apenas podia, como se referiu, representar que lhe seria, em princípio, concedida uma pensão de aposentação, de acordo com o regime vigente na data do despacho de reconhecimento do direito à pensão. Conclui-se, assim, que não se verifica qualquer violação arbitrária e intolerável do princípio da confiança e da boa fé quando, de acordo com a norma contida no artigo 43.º n.º 1, alínea a), do Estatuto de Aposentação (norma vigente no momento em que a pensão foi requerida), se fixa definitivamente o montante da pensão de aposentação à luz da lei vigente no momento em que o despacho que reconhece o direito da pensionista é proferido (...)."

Acrescentou-se, ainda, no citado Acórdão 580/99:

"A recorrente sustenta que, dado ter requerido a pensão no domínio da vigência de um determinado regime que lhe é mais favorável

(e que foi aplicado a colegas de profissão na mesma situação), a pensão a atribuir só poderia ser fixada de acordo com tal regime, não sendo portanto aplicável a lei vigente (desfavorável em comparação com aquele regime) no momento em que o despacho que reconheceu o direito à pensão foi proferido.

Colocada a questão neste plano, importa ter presente que o legislador tem uma ampla liberdade no que respeita à alteração do quadro normativo vigente num dado momento histórico. Na verdade, o legislador, de acordo com opções de política legislativa tomadas dentro de uma ampla zona de autonomia, pode proceder às alterações da lei que se lhe afigurarem mais adequadas e razoáveis, tendo presente, naturalmente, os interesses em causa e os valores ínsitos na ordem jurídica.

Uma alteração legislativa para operar, consequentemente, uma modificação do tratamento normativo conferido a uma dada categoria de situações. Com efeito, as situações abrangidas pelo regime revogado são objecto de uma valoração diferente daquela que incidirá sobre as situações às quais se aplica a lei nova. Nesse sentido, haverá situações substancialmente iguais que terão soluções diferentes. Contudo, não se pode falar neste tipo de casos de uma diferenciação verdadeiramente incompatível com a Constituição. A diferença de tratamento decorre, como resulta do que se disse, da possibilidade que o legislador tem de modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção de conferir um diferente tratamento legal à categoria de situações em causa é afinal a razão de ser da própria alteração legislativa.

O entendimento propugnado pela recorrente levaria à imutabilidade dos regimes legais, pois qualquer alteração geraria sempre uma desigualdade. Ora, tal posição não é reclamável pelo princípio da igualdade no quadro constitucional vigente."

E, no campo de maior incidência da situação em análise, reportada à pertinência constitucional da dimensão da sucessão de leis no tempo, acrescentou-se no citado Acórdão que:

"O legislador não tem a possibilidade de abranger na lei nova todas as situações que entender. Existem limites constitucionais (para além dos limites à aplicação retroactiva da lei penal e da lei fiscal - que não estão em causa nos presentes autos) que decorrem, desde logo, da tutela da confiança.

(...) o critério de aplicação da lei no tempo acolhido pela norma contida no artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto de Aposentação (aplicação da lei vigente no momento da prática do acto administrativo que reconhece o direito à pensão) não é desrazoável mesmo numa perspectiva de igualdade de posições de sujeitos jurídicos diacronicamente considerada. Com efeito, a solução que determina que a lei aplicável a um dado acto administrativo é a lei vigente no momento em que a Administração aprecia as circunstâncias do caso e define, inovatoriamente, através do acto administrativo praticado a situação do particular é uma solução racionalmente justificada, porque o momento do reconhecimento, do direito é o momento central da definição da situação do particular requerente. E nesse momento que a situação é valorada e decidida na sua dimensão fundamental (é nessa altura que se decide da existência ou não do direito, neste caso particular do direito à pensão). Que a lei aplicável seja a lei vigente em tal momento, é um critério de decisão que se fundamenta num critério objectivo e racional, decorrente dos próprios princípios gerais relativos à aplicação da lei no tempo (aplicação da lei vigente no momento da prática do acto). Um tal critério não fomenta diferenciações injustificadas nem contraria a segurança e a justiça."

5 - "Esclarecido este aspecto, impõe-se, contudo, aferir da similitude entre aquelas situações controvertidas que deram lugar à jurisprudência supra reproduzida e a situação concreta em apreço nos presentes autos.

Deve notar-se, em primeiro lugar, que este Tribunal, nos arestos citados, abordou um problema geral - o de saber se a introdução de uma diferente e menos favorável fórmula de cálculo da pensão de aposentação afecta expectativas legítimas dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações. E a esse problema optou por responder negativamente, isto porque os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança não fundamentam o reconhecimento de expectativas legítimas à manutenção de um regime de aposentação mais favorável que haja vigorado ao longo da carreira contributiva do candidato a aposentado", conforme se exarou no citado Acórdão 615/2007.

Além disso, é de sublinhar que a jurisprudência deste Tribunal quando invoca o artigo 43.º do Estatuto da Aposentação o faz, apenas, enquanto elemento da "previsibilidade genérica de mudança do regime de aposentação ao longo da carreira contributiva do subscritor e não no âmbito do problema específico da alteração dos pressupostos da constituição da situação do aposentado" ocorrida no decurso de processos de aposentação pendentes, conforme se salientou no recente Acórdão 615/2007, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 8 de Fevereiro de 2008.

6 - Decidiu aí o Tribunal, que:

"O problema que se coloca no caso em apreço nos presentes autos é, portanto, diferente.

Sublinhe-se que, neste caso, foi o próprio legislador que pretendeu assegurar um grau mais intenso de protecção da segurança jurídica e da legítima confiança de alguns subscritores da Caixa Geral de Aposentações, garantindo que a extinção, por revogação, do regime especial previsto no Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, 'não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações cujos processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços ou entidades, até à data de entrada em vigor deste diploma.' Significa isto que, ciente das consequências jurídicas do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação - que permitiria a aplicação imediata do novo regime a partir da sua entrada em vigor - , o legislador quis adoptar - e adoptou - uma norma transitória que permitia que os subscritores da Caixa Geral de Aposentações continuassem a beneficiar do regime anterior de aposentação, desde que os pedidos fossem enviados - e não recebidos, note-se - até à entrada em vigor da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, de 15 de Janeiro.

Daqui decorre que o regime da aposentação destes subscritores (...) não seria fixado com base na lei em vigor à data em que 'se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade', conforme determinado pela alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, mas com base na lei vigente à data em que os 'processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, desde que os interessados reúnam, nessa data, as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação', nos termos do n.º 6 do artigo 1.º da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004.

Consequentemente, por força da adopção pelo legislador desta norma transitória, o regime jurídico da aposentação (...) do recorrido passa a depender do acaso de o seu processo ser, ou não, enviado pelos serviços antes da entrada em vigor do novo regime jurídico da aposentação.

Mas a verdade é que a partir do momento em que o serviço em causa reconhece que a aposentação (...) do recorrido poderia ocorrer 'sem prejuízo para o serviço', este criou legitimamente expectativas que o legislador considerou merecedoras de tutela, uma vez que introduziu um desvio ao regime geral.

A decisão acabada de transcrever é transponível para o recurso ora em análise até porque, numa perspectiva fáctica, existe coincidência nas datas da apresentação e da remessa do respectivo processo da Câmara Municipal da Figueira da Foz para a Caixa Geral de Aposentações.

7 - Não obstante a decisão acabada de extractar ser transponível para o presente recurso, entende-se, no entanto, que a questão de inconstitucionalidade suscitada pode e deve ser analisada na perspectiva da violação do princípio da confiança, na linha do também recente aresto deste Tribunal n.º 158/2008 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que se passa a transcrever:

"Como no aludido Acórdão 615/2007 se recordou, a jurisprudência deste Tribunal tem entendido que - para além dos casos de retroactividade explicitamente postergados pela Constituição quanto às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, leis penais e leis criadoras de impostos (artigos 18.º, n.º 3, 29.º, n.os 1, 3 e 4, e 103.º, n.º 3, da CRP) - a afectação de legítimas expectativas dos cidadãos só se reputa violadora do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, quando seja de reputar 'inadmissível e arbitrária', devendo a 'ideia geral de inadmissibilidade' ser aferida pelo recurso a dois critérios: (i) 'afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar'; e (ii) 'quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição desde a 1.ª revisão' (formulações do Acórdão 287/90, na esteira dos Acórdãos n.º s 11/83, 17/84, 86/84 e 99/99, e que viriam a ser frequentemente retomadas em decisões posteriores: cf. Acórdãos n.º 285/92 e 302/2006).

Estes apertados critérios foram estabelecidos para situações em que os cidadãos detinham apenas meras expectativas legítimas, sendo obviamente distinta a situação quando estejamos perante situações de direitos já completamente formados e, ainda mais, de direitos já exercitados, como ocorre no presente caso.

Na verdade, sendo evidente que o facto de um interessado ter ingressado na função pública no domínio de um determinado regime legal, designadamente em matéria de definição dos requisitos para a aposentação e das regras de cálculo das respectivas pensões, não lhe outorga o direito a ver inalterado esse regime durante todo o tempo, em regra várias décadas, que durar a sua carreira até atingir o seu termo por aposentação, substancialmente distinta é a situação - que é a ora em apreço - em que os requisitos legais para a passagem à situação de aposentado se completaram no domínio da vigência de determinado regime legal e são posteriormente alterados em termos de determinarem o não reconhecimento desse direito.

A consagração legal do direito exercitado pelo funcionário representado pelo Sindicato ora recorrido remonta à Lei 2-B/85, de 28 de Fevereiro (Orçamento do Estado para 1985), cujo artigo 10.º, n.º 4, dispôs: 'Poderão aposentar-se, com direito à pensão completa, independentemente de apresentação a junta médica e desde que não haja prejuízo para o serviço, os funcionários e agentes que, qualquer que seja a sua idade, reúnam 36 anos de serviço'.

Em execução deste comando foi editado o Decreto-Lei 116/85 (...).

Contrariamente ao sustentado pela recorrente, não resulta, nem do artigo 10.º, n.º 4, da Lei 2-B/85, nem do preâmbulo e do articulado do Decreto-Lei 116/85, que o regime instituído fosse considerado excepcional e transitório. Na sua consagração confluíram razões ligadas à necessidade de descongestionamento e de rejuvenescimento da Administração, é certo, mas também motivações de justiça material com reconhecido lastro temporal: satisfazer 'pretensão desde há muito manifestada por numerosos funcionários e agentes públicos que, possuindo 36 anos de serviço e tendo por isso direito à pensão completa, eram obrigados a aguardar pelo completamento dos 60 anos de idade'. De qualquer forma, mesmo que tivesse sido - e não foi - inicialmente pensado para vigorar durante um período limitado de tempo, o certo é que o regime em causa persistiu durante mais de 18 anos. Dele resultava que a aquisição do direito à aposentação dependia de três elementos: (i) requerimento do interessado; (ii) prova da prestação de 36 anos de serviço; e (iii) inexistência de inconveniência para o serviço motivada pela aposentação. Reunidos estes três elementos, a concessão da pensão de aposentação constituía acto estritamente vinculado da Caixa Geral de Aposentações, à qual não era reconhecido qualquer possibilidade de denegação da pretensão.

No presente caso, tratando-se de funcionário da administração local, a competência para emitir despacho de concordância com a informação no sentido da inexistência de prejuízo para o serviço foi exercitada pela Vereadora dos Recursos Humanos, que ratificou a informação prestada pelo Comandante dos Bombeiros Municipais, encontrando-se ambos os despachos exarados em informação datada de 20 de Novembro de 2003 (fls. 11 destes autos).

Com a conjugação desses três requisitos subjectivou-se na titularidade do interessado o direito à aposentação, que ele exercitou em plena vigência do regime legal que o consagrava. A retirada, por lei posterior, desse direito não pode deixar de ser considerada violadora do princípio da confiança, sendo substancialmente distinta da situação (essa, sim, não necessariamente violadora de tal princípio) de a alteração do regime da aposentação, com a eliminação da modalidade criada pelo Decreto-Lei 116/85, ser aplicável aos funcionários que estavam ao serviço ao tempo da publicação e entrada em vigor da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004 mas que nessa data ainda não tinham reunido os requisitos necessários para o exercício desse direito.

Este entendimento não é afectado pelo disposto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto da Aposentação, que determina que o regime da aposentação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade. Desde logo, é sustentável que esta norma tem em vista primacialmente o regime aplicável ao cálculo da pensão de aposentação. Como anota António José Simões de Oliveira (Estatuto da Aposentação Anotado e Comentado, Coimbra, 1973, p. 119), esta norma - tendo por pressuposto a conveniência de 'uma verificação administrativa do direito de requerer a aposentação' - visou acautelar as situações em que entre a data do requerimento e a da resolução do processo de aposentação decorra largo tempo, no decurso do qual o funcionário, em princípio, se manteve ao serviço, com mais tempo aproveitável para a aposentação e eventual superveniência de outras alterações relevantes, designadamente ao nível remuneratório, sendo manifestamente injusto, em tal quadro, calcular a pensão à data do requerimento [No sentido da inconstitucionalidade da referida norma se interpretada no sentido de aplicar alterações de regime desfavoráveis ao interessado surgidas após a data do requerimento - questão que não está em causa no presente recurso - cf. José Cândido de Pinho, Estatuto da Aposentação, Coimbra, 2003, p. 161].

Este Tribunal já teve oportunidade de salientar a necessidade de distinguir o momento em que se subjectiva o direito a uma pensão de reforma e o momento em que se subjectiva o direito ao montante da pensão (cf. Acórdão 330/93, último parágrafo do n.º 8), considerando que, embora o direito do então recorrente a uma pensão extraordinária de aposentação se tenha subjectivado na data do despacho que o considerou deficiente das Forças Armadas (20 de Agosto de 1976), o certo é que, como ele optou por se manter no serviço activo e só em 15 de Dezembro de 1983 veio requerer a transição para a situação de reforma extraordinária, no cálculo que então se operou do montante da pensão houve que ter em conta as alterações legislativas ocorridas entre 1976 e 1983.

No presente caso, porém, não está em causa o direito a um determinado montante de pensão de aposentação, mas tão-só o direito à aposentação nos termos do Decreto-Lei 116/85, e este, pelas razões expostas, entrou na titularidade do interessado quando se reuniram os três elementos de que dependia (requerimento do interessado, 36 anos de serviço e inexistência de prejuízo para o serviço) e foi por ele efectivamente exercitado na plena vigência desse regime, sendo intolerável que posterior demora burocrática no envio do processo para a Caixa Geral de Aposentações, demora a que o interessado foi de todo alheio, tivesse como efeito a perda desse direito.

É que, neste domínio, o funcionário encontra-se numa situação de autonomia subjectiva face à Administração. Na verdade, não é mais sustentável a concepção que reduzia o funcionário público a 'elemento integrante do aparelho administrativo, objecto de supremacia absoluta da Administração, que define, com o legislador, autoritária e integralmente, o seu estatuto (de sujeição) especial' - o chamado sistema de inclusão (António Lorena de Sèves, 'Os concursos na função pública', em Seminário Permanente de Direito Constitucional e Administrativo, vol. i, Braga, 1999, p. 49). Antes se reconhece que, pelo menos em certos domínios, a posição do funcionário face à Administração é, não de inclusão, mas de alteridade, que pressupõe a autonomia jurídica do funcionário. Impõe-se, assim, a distinção entre 'relação orgânica' (o funcionário como órgão do aparelho administrativo) e 'relação de serviço ou de emprego' (que, na concepção clássica de funcionário, era absorvida pela primeira), reconhecendo a esta, tal como às comuns relações de trabalho, uma tutela jurídica específica, quer na contraprestação que constitui a remuneração, 'quer com todas as outras situações que se repercutem em termos económicos na esfera do agente (v. g., qualificação profissional, carreira, férias, duração do trabalho, segurança social, etc.)' (Francisco Liberal Fernandes, Autonomia Colectiva dos Trabalhadores da Administração. Crise do Modelo Clássico de Emprego Público, Coimbra, 1995, pp. 107-108).

A revisão constitucional de 1982, ao mudar a expressão 'funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas', constante do primitivo artigo 270.º, n.º 1, para 'trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas', do novo artigo 269.º, tornou claro que nenhum argumento justifica 'não considerar os funcionários públicos como trabalhadores, para efeitos de titularidade dos correspondentes direitos, liberdades e garantias constitucionais' (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 945).

Ao direito ora em causa, situado na confluência do direito da função pública e do direito de segurança social, é, nesta última perspectiva, aplicável, entre outros princípios gerais, o da 'conservação dos direitos adquiridos e em formação' (artigo 6.º da Lei de Bases da Segurança Social - Lei 32/2002, de 20 de Dezembro) ou da 'tutela dos direitos adquiridos e em formação' (artigo 5.º da Lei de Bases do Sistema de Segurança Social - Lei 4/2007, de 16 de Janeiro), que 'visa assegurar o respeito por esses direitos' (artigos 21.º da Lei de 2002 e 20.º da Lei de 2007), considerando-se «direitos adquiridos», 'os que já se encontram reconhecidos ou possam sê-lo por se encontrarem cumpridas as respectivas condições legais' (artigo 44.º, n.º 2, alínea a), da Lei de 2002) ou 'os que já se encontram reconhecidos ou possam sê-lo por se encontrarem reunidos todos os requisitos legais necessários ao seu reconhecimento' (artigo 66.º, n.º 2, alínea a), da Lei de 2007).

No presente caso, estando reunidos, antes da publicação da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, todos os requisitos legais para o reconhecimento, através de acto estritamente vinculado, do direito do interessado à aposentação nos termos do Decreto-Lei 116/85 - e tendo esse direito sido efectivamente exercitado em plena vigência deste diploma - , do que se tratava, com o critério normativo que o acórdão recorrido recusou aplicar com fundamento em inconstitucionalidade, era, em rigor, da destruição retroactiva de um 'direito adquirido', que, manifestamente, não pode deixar de ser reputada violadora do princípio da confiança [Paulo Veiga e Moura (A Privatização da Função Pública, Coimbra, 2004, pp. 223-225) sustenta mesmo a inconstitucionalidade do novo regime quando aplicado a funcionários que, tendo reunido em 31 de Dezembro de 2003 as condições para a aposentação, só a vieram a requerer já após a publicação da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004, questão de que não cumpre tratar no âmbito do presente recurso]."

O Acórdão acabado de transcrever é transponível para a situação em apreço, traduzindo jurisprudência que ora se reitera.

III - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:

a) Julgar inconstitucionais, por violação do princípio da protecção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito, e do princípio da igualdade, consagrados nos artigos 2.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes dos artigos 1.º, n.º 6, e 2.º da Lei 1/2004, de 15 de Janeiro, quando interpretados no sentido de que aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações que, antes de 31 de Dezembro de 2003, hajam reunidos os pressupostos para a aplicação do regime fixado pelo Decreto-Lei 116/85, de 19 de Abril, e hajam requerido essa aplicação, deixa de ser reconhecido o direito a esse regime de aposentação pela circunstância de o respectivo processo ter sido enviado à Caixa, pelo serviço onde o interessado exercia funções, após a data da entrada em vigor da 128/90, de 17 de Abril e 327/85, de 8 de Agosto.">Lei 1/2004; e, em consequência,

b) Confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.

Sem custas.

Lisboa, 17 de Abril de 2008. - José Borges Soeiro - Maria João Antunes - Carlos Pamplona de Oliveira (com declaração) - Gil Galvão (com declaração) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Voto a decisão por entender que norma viola (unicamente) o princípio da protecção da confiança. - Carlos Pamplona de Oliveira.

Declaração de voto

Votei o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão nos precisos termos em que o fiz no acórdão 615/2007. - Gil Galvão.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1694195.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-02-28 - Lei 2-B/85 - Assembleia da República

    Orçamento do Estado para 1985.

  • Tem documento Em vigor 1985-04-19 - Decreto-Lei 116/85 - Presidência do Conselho de Ministros

    Permite a aposentação voluntária dos funcionárias e agentes que possuam 36 anos de serviço, independentemente da respectiva idade e de submissão a junta médica

  • Tem documento Em vigor 1985-08-08 - Decreto-Lei 327/85 - Ministério das Finanças e do Plano

    Permite a inscrição do pessoal docente dos estabelecimentos de ensino superior, privado ou cooperativo, na Caixa Geral de Aposentações e no Montepio dos Servidores do Estado.

  • Tem documento Em vigor 1990-04-17 - Decreto-Lei 128/90 - Ministério da Educação

    Estabelece o enquadramento da Universidade Católica Portuguesa no sistema de ensino superior português.

  • Tem documento Em vigor 1990-12-26 - Acórdão 303/90 - Tribunal Constitucional

    Declara inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do n.º 11 do artigo 14.º da Lei n.º 114/88, de 30 de Dezembro, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.(Processo n.º 129/89)

  • Tem documento Em vigor 1992-03-09 - Lei 2/92 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 1992

  • Tem documento Em vigor 2002-12-20 - Lei 32/2002 - Assembleia da República

    Aprova as bases gerais da segurança social, bem como as atribuições prosseguidas pelas instituições de segurança social e a articulação com entidades particulares de fins análogos.

  • Tem documento Em vigor 2002-12-30 - Lei 32-B/2002 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2003.

  • Tem documento Em vigor 2003-10-07 - Acórdão 360/2003 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.os 1 a 8 do artigo 9.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, por violação do direito das Associações Sindicais à participação na elaboração da legislação do Trabalho, previsto na al. a) do nº 2 do art. 56º da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 2004-01-15 - Lei 1/2004 - Assembleia da República

    Altera (décima sétima alteração) o Estatuto da Aposentação, revoga o Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, e primeira alteração aos Decretos-Leis n.os 128/90, de 17 de Abril, e 327/85, de 8 de Agosto.

  • Tem documento Em vigor 2007-01-16 - Lei 4/2007 - Assembleia da República

    Aprova as bases gerais do sistema de segurança social.

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