Decreto-Lei 46/83
de 27 de Janeiro
No prosseguimento da política do Governo, em matéria de racionalização dos circuitos de transporte de e para o exterior, medida vital para o crescimento do nosso comércio externo, impõe-se proceder à definição de um quadro legal para o exercício da actividade de operador portuário.
Preenchendo grave lacuna do nosso ordenamento jurídico, é criado um estatuto, verdadeiramente inovador, para as empresas que tenham por objecto social exclusivo as operações de carga e descarga de navios e operações complementares, até agora sem qualquer regulamentação e muitas vezes efectuadas por entidades sem qualquer vocação para a mesma actividade.
O poder normativo e fiscalizador do Estado, que deverá ser exercido de facto, não pode ser invocado como factor impeditivo da correcta actividade empresarial, antes se impõe como salvaguarda do interesse público que à Administração compete prosseguir e nem de outro modo tal poderia ser entedido por quem defende que, em democracia, o poder económico deve estar submetido ao poder político.
Passa, assim, a actividade de operador portuário a ser licenciada, verificados que sejam os pressupostos de capital social, organização, capacidade técnica e financeira, equipamento e quadros de pessoal, visando garantir a idoneidade e capacidade de empresas bem dimensionadas, sem que, no entanto, se imponha qualquer limitação ao número de operadores.
Clarifica-se a posição das empresas perante a Administração Pública em geral, e a administração portuária em particular, perante a qual aquelas empresas serão directamente responsáveis.
Prevendo-se a fixação de tarifas máximas a praticar pelo operador portuário, estabelece-se a participação de todas as entidades mais directamente envolvidas, nomeadamente os exportadores e importadores, no estudo e apreciação das mesmas, fazendo-as ter assento na comissão de tarifas a constituir para cada porto.
Ponderadas que foram as várias críticas e sugestões formuladas aos projectos, o presente diploma reflecte o resultado da audição de todas as entidades directa ou indirectamente envolvidas no processo de reestruturação portuária, procurando estabelecer um equilíbrio dinâmico entre os vários interesses em presença e garantindo a fixação de um período transitório para adaptação dos actuais operadores às novas condições.
Nestes termos:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º - 1 - Para os efeitos do presente decreto-lei, consideram-se operações portuárias as relativas à estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação em cais, terraplanos ou armazéns, formação e decomposição de unidades de carga, recepção e entrega, operações complementares e, em geral, todas as que requeiram as mercadorias desembarcadas ou destinadas a embarque, dentro da zona portuária.
2 - Por zona portuária entende-se a área destinada especialmente à exploração comercial, dentro dos limites de jurisdição da autoridade portuária.
Art. 2.º Operadores portuários são as sociedades ou empresas públicas licenciadas exclusivamente para o exercício das operações portuárias referidas no artigo 1.º
Art. 3.º - 1 - Não carecem de intervenção de operadores portuários as operações:
a) Realizadas por quaisquer entidades, relativamente à movimentação de cargas da sua exclusiva propriedade, desde que se processem em instalações ou terminais privativos;
b) De movimentação de sobressalentes, material de bordo, mantimentos, abastecimentos, combustíveis e lubrificantes, destinados ao próprio navio;
c) De cargas e descargas de embarcações locais em circunstâncias susceptíveis de serem efectuadas pela tripulação;
d) De cargas, descargas e arrumação de peixe fresco, refrigerado ou congelado, embalado ou a granel, nas instalações privativas das empresas;
e) De cargas e descargas de produtos petrolíferos e derivados ou químicos, a granel, quando executadas em terminais especializados;
f) De peritagem, amostragem e outras conexas com a actividade de peritos marítimos.
2 - A realização das operações referidas no número anterior está sujeita às normas regulamentares existentes em cada porto.
Art. 4.º - 1 - Não carecem de intervenção de operadores portuários nem de mão-de-obra portuária as acções de fiscalização aduaneira, portuária ou policial.
2 - O disposto no número anterior, no que se refere à não intervenção de trabalhadores portuários, só se aplica quando as operações aí referidas possam ser realizadas com recurso exclusivo a pessoal dos quadros da entidade fiscalizadora.
Art. 5.º - 1 - O exercício da actividade de operador portuário nos portos do continente depende de licenciamento nas condições do presente diploma e respectivos regulamentos.
2 - O licenciamento do operador portuário poderá abranger a generalidade das operações ou parte delas.
Art. 6.º - 1 - A licença será requerida junto da respectiva administração ou junta portuária, adiante designadas por autoridade portuária, cabendo a decisão final ao Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes.
2 - Compete à autoridade portuária a regulamentação e coordenação das operações portuárias e a fiscalização da actividade dos operadores.
3 - As autoridades portuárias articularão a sua acção com o Instituto do Trabalho Portuário e o Centro Coordenador do Trabalho Portuário, na área das respectivas competências.
Art. 7.º - 1 - O licenciamento dos operadores portuários depende da satisfação de requisitos a definir em decreto regulamentar, nomeadamente no que se refere à natureza jurídica, capacidade técnica, económica e financeira dos requerentes.
2 - O operador portuário ficará sujeito a:
a) Prestação de caução que garanta o cumprimento das obrigações decorrentes da sua actividade;
b) Pagamento de uma taxa de licenciamento.
Art. 8.º - 1 - Verificar-se-á a caducidade da licença:
a) Quando o titular deixar de reunir os pressupostos do licenciamento;
b) Quando seja extinta a sociedade ou empresa pública;
c) Quando for declarada a falência do titular;
d) Quando o operador não iniciar a sua actividade dentro dos 6 meses posteriores à sua emissão, salvo se esta situação for devida a facto que não lhe seja imputável;
e) Quando o operador deixar de exercer a actividade por período superior a 6 meses.
2 - Logo que a autoridade portuária verifique qualquer dos factos previstos no número anterior, remeterá ao Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes o respectivo processo para revogação do despacho que concedeu a licença.
3 - O despacho ministerial referido no número anterior será notificado à sociedade ou empresa pública em causa, que dele poderá recorrer nos termos legais.
Art. 9.º As operações portuárias estão sujeitas ao regime de tarifas máximas, a fixar anualmente, até 1 de Fevereiro, por despacho do Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes.
Art. 10.º Será constituída em cada porto, por despacho ministerial, uma comissão de tarifas, que deverá integrar:
a) 1 representante da autoridade portuária, que presidirá;
b) 1 representante do Instituto do Trabalho Portuário;
c) 1 representante do Centro Coordenador do Trabalho Portuário ou da gestão dos quadros gerais, quando existirem;
d) 2 representantes dos ministérios que tutelem os sectores da agricultura, comércio, energia e exportação;
e) 3 representantes dos operadores portuários;
f) 3 representantes das associações industriais, comerciais, agrícolas e de armadores e agentes de navegação.
Art. 11.º - 1 - Compete à comissão de tarifas o estudo, apreciação e emissão de parecer, sobre propostas de tarifas máximas aplicáveis às operações portuárias, a apresentar pelos representantes dos operadores portuários.
2 - A autoridade portuária remeterá ao Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes, para aprovação das tarifas máximas, o processo elaborado na comissão de tarifas.
Art. 12.º - 1 - O operador portuário assumirá, nos termos da legislação em vigor, a integral responsabilidade pela operação a seu cargo e pelas perdas e danos provocados às mercadorias durante o período em que estas se encontrem à sua guarda.
2 - O disposto no n.º 1 não prejudica a aplicação das normas legais imperativas referentes ao transporte marítimo, designadamente as que decorrem da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924 e do Decreto-Lei 37748, de 1 de Fevereiro de 1950, e de outras convenções internacionais regularmente ratificadas, enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
3 - O operador portuário responde igualmente perante a autoridade portuária pelos prejuízos causados às infra-estruturas e equipamentos portuários, bem como pela lesão de quaisquer interesses legítimos desta.
Art. 13.º - 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o operador portuário é responsável, perante as autoridades aduaneiras, pelas mercadorias armazenadas ou estacionads no interior da área portuária e sujeitas a regime alfandegário.
2 - No caso dos armazéns gerais francos, o operador cessa a sua responsabilidade no momento da entrega da mercadoria no armazém, passando a responsabilidade para a autoridade portuária.
Art. 14.º - 1 - Para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 7.º, o operador portuário fornecerá à autoridade portuária, nos termos que vierem a ser fixados em decreto regulamentar, elementos respeitantes às operações que realizar.
2 - Sem prejuízo de procedimento criminal por falsas declarações, a falsidade dos elementos fornecidos ou o seu não fornecimento pelo operador portuário será punido com coima nos termos do artigo seguinte.
Art. 15.º - 1 - Às infracções praticadas pelos operadores portuários são aplicáveis, nos termos do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, as seguintes sanções:
a) Coima até 3000000$00;
b) Interdição do exercício da actividade até 2 anos.
2 - A interdição do exercício da actividade poderá ter lugar quando o operador:
a) Ultrapassar a tarifa máxima fixada ou imputar a terceiros custos indevidos;
b) Desrespeitar, com prejuízo grave para o funcionamento do porto, as normas de segurança das operações, das mercadorias ou de utilização de equipamento;
c) Não reconstituir a caução no prazo regulamentar;
d) Desrespeitar gravemente as normas legais regulamentares da actividade no sector portuário.
3 - A decisão de aplicação das sanções previstas neste artigo é susceptível de impugnação judicial, nos termos do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.
Art. 16.º O exercício da actividade de operador portuário por quem não esteja licenciado faz incorrer o infractor em coima até 3000000$00, a aplicar pela autoridade portuária, bem como na apreensão do equipamento utilizado.
Art. 17.º - 1 - As somas pecuniárias resultantes da aplicação das sanções previstas neste diploma reverterão para a autoridade portuária e para os cofres do Estado, na proporção de 50% para cada.
2 - Na falta de pagamento voluntário da coima no prazo de 30 dias, terá lugar o processo de execução previsto no Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.
Art. 18.º - 1 - Os actuais operadores portuários têm o prazo de 30 dias, a partir da entrada em vigor deste diploma, para requererem o respectivo licenciamento, sob pena de interdição do exercício da actividade.
2 - Ao operador que à data do requerimento referido no número anterior não satisfaça todos os requisitos exigidos para o licenciamento, será concedida licença provisória sob condição de, no prazo máximo de 6 meses, provar que se encontram preenchidos esses requisitos, sob pena de caducidade da licença.
3 - Exceptuam-se do disposto no n.º 1 os actuais operadores que pretendam, desde logo, e assim o declarem no prazo fixado, requerer o licenciamento em nome de sociedade a constituir, com menção expressa de que cessarão a sua actividade como operadores na data do licenciamento daquela e sempre com respeito do prazo máximo de 6 meses estabelecido no número anterior.
4 - Em casos excepcionais, devidamente comprovados pelos interessados, poderá o Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes prorrogar o prazo de 6 meses referido nos n.os 2 e 3 deste artigo.
Art. 19.º Transitoriamente, tendo em conta a entrada em funcionamento do regime de tarifas máximas e o prazo necessário à constituição das comissões previstas no artigo 10.º, a data limite para fixação das tarifas a vigorar durante o ano de 1983 será determinada por despacho do Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 2 de Dezembro de 1982. - Francisco José Pereira Pinto Balsemão - José Carlos Pinto Soromenho Viana Baptista.
Promulgado em 14 de Janeiro de 1983.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.