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Acórdão 179/2007, de 3 de Maio

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma extraída dos artigos 265.º, n.º 2, e 508.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil e 40.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, segundo a qual não há lugar a correcção pelo tribunal, oficiosamente ou mediante convite à parte, de petição inicial de acção de responsabilidade civil intentada contra um órgão administrativo quando o devia ter sido contra a respectiva pessoa colectiva

Texto do documento

Acórdão 179/2007

Processo 255/03

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório. - REIMIDAS - Realizações Imobiliárias, Lda., intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, acção ordinária, nos termos do artigo 254.º, ex vi artigo 278.º, ambos do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, contra a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, pedindo a condenação da ré no pagamento de Euro 235 930,38 (sendo Euro 119 587,65 a título de sobrecustos suportados pela autora pelo período de dilação do prazo de contrato de empreitada, de 1 de Julho a 31 de Dezembro de 1999, e de Euro 116 342,73 a título de indemnização pelos prejuízos sofridos pela autora pela suspensão da obra objecto do contrato de empreitada de 1 de Abril a 28 de Setembro de 2000), acrescidos dos juros, à taxa legal em vigor, vencidos desde a data da citação até integral pagamento.

Citada para contestar, a referida Direcção-Geral veio, em ofício subscrito pelo director do Gabinete Jurídico (fl. 204), aduzir que:

"Tratando se de um serviço público, integrado na administração estadual, atento o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 201.º do Código de Processo Civil, deverá a mesma citação ser efectuada na pessoa do agente do Ministério Público junto do Tribunal onde a acção é proposta, sob pena de, nos termos do artigo 194.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, ser considerado nulo tudo o que se processe depois da petição inicial."

Aberta vista ao representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, promoveu o mesmo a absolvição da ré da instância, nos termos dos artigos 288.º, n.º 1, alínea c), 493.º, n.º 2, e 494.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC), por não ter personalidade jurídica nem judiciária, fazendo parte da pessoa colectiva Estado (fl. 205).

Conclusos os autos ao respectivo juiz, este designou dia para tentativa de conciliação (fl. 205 v.º), na qual participaram a mandatária da autora e um representante legal da ré, mas que se frustrou (fl. 207).

Determinada, por despacho de fl. 208, a notificação à autora da junção do ofício de fl. 204, veio a mesma apresentar o requerimento de fl. 212 a fl. 214, do seguinte teor:

"1 - A autora entende que tem razão a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) ao requerer a aplicação da primeira parte do n.º 1 do artigo 20.º do CPC, procedendo o Tribunal à sua citação através do Ministério Público.

2 - Não se encontra, quer na Lei Orgânica da DGEMN - Decreto-Lei 284/93, de 18 de Agosto - quer na sua regulamentação - Decreto Regulamentar 29/93, de 16 de Setembro -, disposição que permita o patrocínio por mandatário judicial.

3 - Ao Gabinete Jurídico, como unidade orgânica, são atribuídas competências apenas para 'Acompanhar o andamento em tribunal de processos em que seja parte a DGEMN' [artigo 11.º, n.º 1, alínea d), do decreto regulamentar citado].

4 - Por outro lado, a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais é um serviço do Estado com competências exclusivas em matéria de obras de construção ou alteração de imóveis não classificados do Estado [artigo 3.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei 284/93, de 18 de Agosto].

5 - Accionar em acção decorrente de contrato de empreitada a DGEMN, como o fez a autora, é o mesmo que accionar o Estado.

6 - Isto porque, na perspectiva organicista da concepção das pessoas colectivas em direito público, é inegável que, não tendo o Estado competências administrativas mas sim atribuições, como poder político, é nos respectivos órgãos e serviços, enquanto detentores de competências para a prática de actos, que há-de radicar-se como que uma extensão da personalidade e capacidade judiciárias da pessoa colectiva pública.

7 - Já no contrato de empreitada causa de pedir da presente acção o Estado - pese embora tenha personalidade jurídica - teve necessidade de ir buscar a DGEMN, única com competência para o acto ao abrigo da sua Lei Orgânica, fisicamente representada pelo seu director-geral.

8 - Bem como em toda a fase de execução do contrato outorgado foi a DGEMN que actuou e exerceu os direitos do dono da obra (Estado).

9 - E reconhecer que a personalidade e a capacidade judiciárias podem existir sem existir personalidade jurídica não pode repugnar no direito público que para as acções chama o direito processual civil e este permite-o - artigos 5.º e 9.º do CPC.

10 - Aliás, como acima se reproduziu no n.º 3, a própria lei admite que a DGEMN seja parte em processos em tribunal.

11 - Ou seja, parece à autora que o Estado e os seus órgãos ou serviços com competências exclusivas se completam para produzir actos, contratar e estar na execução desses contratos e, em juízo, responder por esses actos ou contratos.

12 - Mas nem por isso deixa de neles estar, e sempre, o Estado Português.

13 - A autora sabe que a matéria, com o entendimento da teoria organicista das pessoas colectivas em direito público tal como exposta, vem sendo matéria discutida e discutível, quer na doutrina quer na jurisprudência.

14 - Pelo que, se o Tribunal não procedeu à citação do digno magistrado do Ministério Público, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, do CPC, por a autora não ter expressamente referenciado como sujeito processual contra quem propõe a sua acção o Estado representado pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, requer-se que seja o mesmo entendido como erro técnico desculpável e a assim ser entendida a identificação do sujeito processual réu, ordenando o M.mº Juiz a sua citação através do Ministério Público, conforme se expõe no requerimento em resposta."

Por despacho saneador de 15 de Julho de 2002 (de fl. 216 a fl. 218), proferido ao abrigo do artigo 510.º, n.º 1, alínea a), do CPC, foi julgada procedente a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária da ré e esta absolvida da instância, porquanto:

"A presente acção ordinária foi interposta contra a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.

Ora, como é sabido, a ré integra-se na pessoa colectiva Estado, mais propriamente insere-se na administração directa do Estado.

Ora, parafraseando os ensinamentos do Prof. Freitas do Amaral, um dos principais caracteres específicos do Estado e da administração directa consiste na personalidade jurídica una. Com efeito, apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e dos serviços e da divisão em ministérios e direcções-gerais, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios e direcções-gerais pertencem ao mesmo sujeito de direito; não são sujeitos de direito distintos. Logo são destituídos de personalidade jurídica. Cada órgão do Estado, nomeadamente cada direcção-geral, vincula o Estado no seu todo e não apenas a respectiva direcção, não sendo indiferente propor a acção contra o Estado ou seus serviços conforme alega a ora autora (cf. Curso de Direito Administrativo, vol. I, p. 221).

Nessa medida, ex vi artigo 5.º, n.º 2, a contrario, do CPC, ao dirigir a presente acção contra a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais a ré mostra-se desprovida de personalidade judiciária.

Por outro lado, estando em causa a verificação de pressupostos processuais numa acção ordinária, não é aplicável o regime jurídico plasmado na LPTA, designadamente a previsão do artigo 40.º, n.º 1, alínea a), conforme sugere a autora a fl. 212.

Ao invés, rege-se pelas disposições do CPC. Ora, nos termos do artigo 265.º, n.º 2, cabe apenas ao juiz, neste contexto, providenciar pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, sendo certo que não é o caso da falta de personalidade judiciária.

Consequentemente, constituindo a falta de personalidade judiciária uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, a mesma determina a absolvição da instância, tudo nos termos dos artigos 288.º, n.º 1, alínea c), e 494.º, ambos do CPC."

Inconformada com esta decisão, interpôs a ré recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, suscitando, nas respectivas alegações (de fl. 223 a fl. 245), além do mais, a questão da inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), da interpretação, imputada ao tribunal recorrido, dos artigos 265.º, 467.º e 508.º do CPC e 40.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pelo Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho (LPTA), "no sentido de que não permitem, nas acções sobre contratos, a correcção do mero erro técnico de identificação das partes".

Ao recurso foi negado provimento por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Janeiro de 2003, que, para tanto, desenvolveu a seguinte argumentação:

"2.2.1 - A sentença recorrida julgou a ré, Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, carecida de personalidade judiciária na acção ordinária contra ela proposta pela ora recorrente, com vista à efectivação de responsabilidade civil emergente de contrato e, considerando ainda que o referido pressuposto processual não era susceptível de sanação, absolveu a ré da instância, nos termos dos artigos 288.º, n.º 1, alínea c), e 494.º do Código de Processo Civil.

A autora, ora recorrente, discorda desta decisão, sustentando, em síntese:

A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, na medida em que é um órgão do Estado, tem personalidade judiciária, ao invés do decidido;

Mesmo que assim não se entendesse, o legislador permite a sanação da falta de personalidade judiciária, sendo tal sanação permitida quando for inteligível para o Tribunal e para a outra parte qual é a entidade com personalidade judiciária que deve estar em juízo, atendendo aos diversos elementos documentais e de alegação;

No caso dos autos seria evidente que, em última instância, a acção era dirigida à pessoa colectiva pública Estado, pelo que, 'à luz dos princípios da economia processual, da cooperação e do inquisitório, incumbia ao Tribunal a quo regularizar a instância, chamando à acção a entidade com personalidade judiciária ou convidando a autora/recorrente para o fazer';

Ao omitir o comportamento devido, o Tribunal a quo violou os artigos 8.º, 24.º e 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 72.º da LPTA.

Assim não se entendendo, defende ainda:

A autora recorrente instruiu a acção com todos os elementos necessários à boa definição dos sujeitos da relação controvertida, pelo que se revelaria desproporcional a decisão de pôr termo à acção 'em face da insignificância do erro técnico cometido', o qual deveria ter sido corrigido oficiosamente ou por convite (despacho de aperfeiçoamento) formulado pelo Tribunal a quo;

Não o tendo feito, o Tribunal a quo teria violado os artigos 265.º, 467.º e 508.º do Código de Processo Civil ou então o artigo 40.º da LPTA.

Defende, ainda, por último, que, os artigos 265.º, 467.º e 508.º do Código de Processo Civil, bem como o artigo 40.º da LPTA, interpretados - como o fez o Tribunal a quo - no sentido de não permitirem, nas acções sobre contratos, a correcção de mero erro técnico de identificação das partes, seriam inconstitucionais, por violação dos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa.

Não tem, todavia, razão.

2.2.2 - A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais é um serviço central (serviço operacional) compreendido na estrutura geral do Ministério do Equipamento Social (cf. Lei Orgânica do Ministério do Equipamento Social, aprovada pelo Decreto-Lei 129/2000, de 13 de Julho, em vigor à data da propositura da acção). Como tal, não tem personalidade jurídica, antes se integra na orgânica da administração directa do Estado, este sim dotado de personalidade jurídica. Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, vol. I, p. 206), também citado na sentença recorrida, aponta como um dos principais caracteres específicos do Estado e da sua administração directa a personalidade jurídica una, por parte deste.

Escreve, com efeito, o referido autor (op. e loc. cit.): 'apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços, e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito; não são sujeitos de direito distintos: os ministérios e as direcções-gerais não têm personalidade jurídica (itálico nosso). Cada órgão do Estado - cada Ministro, cada director-geral, cada governador civil, cada chefe de repartição - vinculará o Estado no seu todo e não apenas o seu ministério e o seu serviço'.

Adere-se inteiramente a este ponto de vista, que, de resto, não tem sido posto em causa pela jurisprudência nem pela restante doutrina.

Não tem, assim, razão a autora/recorrente quando defende a existência de personalidade judiciária por parte da ré, baseando, em grande medida, tal errada conclusão, um pouco incompreensivelmente, no apontado carácter uno do Estado, o qual, como vimos na transcrição efectuada da obra do professor Freitas do Amaral, conduz precisamente à conclusão oposta: a de que só o Estado e não os seus órgãos ou serviços, como é o caso da ré, detém personalidade jurídica.

Conforme se extrai dos artigos 5.º, 6.º e 7.º do Código de Processo Civil, fora dos casos em que existe personalidade jurídica (havendo personalidade jurídica há também personalidade judiciária), só existe personalidade judiciária, isto é, a susceptibilidade de ser parte, nos casos previstos expressamente nos artigos 6.º e 7.º do Código de Processo Civil, onde não se enquadra a situação dos autos.

Nem se argumente, como o faz a recorrente, com o previsto na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos em relação à propositura dos recursos contenciosos e outros meios processuais aí regulados, designadamente acções para reconhecimento de direito e processos de intimação, nos quais o sujeito passivo em juízo é um órgão da Administração Pública e não o Estado.

Trata-se, de facto, de situações processuais com características inteiramente diversas das acções de responsabilidade civil contratual ou extracontratual - que não interessa aqui desenvolver -, apenas cabendo salientar que, em atenção aos interesses específicos desses meios processuais, entendeu o legislador prescrever, em relação aos mesmos, normas próprias reguladoras de legitimidade passiva (e, consequentemente, também de personalidade judiciária ou susceptibilidade de ser parte).

Nas acções de responsabilidade civil da Administração Pública, contratual ou extracontratual, aplicam-se as regras e princípios do Código de Processo Civil (artigo 72.º, n.º 1, da LPTA), sendo que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 494.º, alínea c), 495.º e 288.º, n.º 1, alínea c), do citado Código, a falta de personalidade judiciária é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, determinante da absolvição do réu da instância, como bem considerou a sentença recorrida.

2.2.3 - E também não assiste razão à recorrente quando sustenta que a lei permite a sanação da falta de personalidade judiciária, designadamente em casos como o dos autos, pelo que, 'à luz dos princípios da economia processual, da cooperação e do inquisitório', incumbiria 'ao Tribunal a quo regularizar a instância, chamando à acção a entidade com personalidade judiciária ou convidando a autora/recorrente para o fazer' (fl. 244).

De facto:

Dispõe o artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que a recorrente aponta como violado a este propósito: 'O juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los'.

Ora, a falta de personalidade judiciária - com ressalva da excepção expressamente prevista na lei (artigo 8.º do Código de Processo Civil), quanto à falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações, nas circunstâncias contempladas no aludido artigo 8.º do Código de Processo Civil - é um pressuposto processual insusceptível de sanação.

De facto, é unânime o ensinamento dos processualistas a este respeito, por razões, de resto, que, respeitando à natureza própria do pressuposto processual em análise, impedem que os princípios da economia processual, da cooperação e do inquisitório, a que a recorrente faz apelo, possam, no caso, permitir aquela sanação.

Assim, escreve, por exemplo, o Prof. Castro Mendes (Direito Processual Civil, vol. II, pp. 13 e 14): 'A personalidade judiciária ocupa um lugar muito especial entre os pressupostos processuais (como a personalidade jurídica entre os status): é o pressuposto dos restantes pressupostos processuais subjectivos relativos às partes' (itálico nosso).

Com efeito, a legitimidade, por exemplo, ou a capacidade judiciária são atributos das partes. As partes é que são legítimas ou ilegítimas, capazes ou incapazes judiciariamente. Estes pressupostos, por seu turno, pressupõem uma parte, de que são atributos e de que a susceptibilidade de o ser funciona, num plano anterior, como pressuposto ainda.

Se falta a legitimidade, por exemplo, a instância trava-se entre o tribunal e duas partes, sendo uma (pelo menos) ilegítima. Se falta a personalidade judiciária, não há parte: falta em rigor o ramo da instância em que essa devia funcionar como sujeito.

Falta a instância, embora haja uma aparência de instância, que chega para fundamentar os actos de processo que se pratiquem.

E, mais adiante (fl. 28), salienta o referido autor que, mesmo a absolvição da instância levanta algumas dificuldades, num processo em que, faltando a personalidade judiciária, não há verdadeiramente uma instância mas apenas uma aparência de instância. Só por virtude da tutela provisória da aparência poderá, por exemplo, a entidade carecida de personalidade judiciária ré defender-se ou ter representante que o faça.

'A falta de personalidade judiciária é insanável' escreve, subsequentemente, o mesmo autor, conforme se deduz, a contrario sensu, do artigo 23.º (de notar que não houve alterações relevantes quanto ao aspecto em causa na nova redacção do artigo 23.º do Código de Processo Civil).

Também o Prof. Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, p. 394) ensina: 'Desde que o juiz apure que o autor ou réu é destituído de personalidade judiciária, tem necessariamente de absolver o réu da instância. A falta não pode sanar-se.' (itálico nosso).

O mesmo entendimento revelam ter Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, p. 86), Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, p. 110) e, mais recentemente, Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., p. 140), que refere o dever de intervenção do juiz no sentido da sanação da falta deste pressuposto, apenas no já aludido caso do artigo 8.º do Código de Processo Civil, em que, excepcionalmente, a mesma é sanável.

Convém, a propósito, distinguir os casos de sanação do vício de cessação da causa do mesmo vício, ocorrida antes de o juiz declarar extinta a instância, o que sucederá, por exemplo, quando a parte com personalidade judiciária intervém espontaneamente no processo, contestando a acção, ou quando a sociedade anónima irregular passa a regular, por, designadamente, serem publicados os respectivos estatutos até então não publicados.

Só a sanação é proibida, já não a relevância de cessação da causa do vício (cf. Anselmo de Castro, op. cit., p. 110, e Castro Mendes, op. cit., pp. 29 e 30).

Na situação ora em análise, está em causa a possibilidade de sanação que, como resulta do exposto, não é viável.

Cabe ainda dizer que não procede a argumentação em contrário da recorrente, extraída das decisões deste Supremo Tribunal que admitiram a regularização da instância, em casos em que foi demandada a Câmara Municipal (órgão do município) e não o município (pessoa colectiva).

De facto, as situações não têm a identidade necessária para daí se retirarem argumentos suficientemente sólidos a favor da tese defendida pela recorrente.

Na verdade, concorrem aí circunstâncias - que não se verificam no caso dos autos - susceptíveis de tornar compreensível essa orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, sintetizadas, de resto, no trecho do Acórdão de 21 de Junho de 2001, recurso n.º 47 402, que, por elucidativo, se transcreve: 'Todavia, embora seja formalmente incorrecto propor a acção de responsabilidade contra a Câmara, essa irregularidade, que emana do concurso de uma antiga personalização dos corpos administrativos com uma confusão, amplamente disseminada na linguagem corrente, do ente com o seu órgão de maior visibilidade social, política e administrativa, e que se materializa num erro muito difundido e quase pacificamente tolerado na prática judiciária, não afecta a compreensão de que é sobre o município, enquanto centro autónomo de direitos e obrigações e titular de património, que se quer fazer recair a condenação, não altera a citação na pessoa do representante legal do município para este efeito [em qualquer caso, o presidente da Câmara, na dupla qualidade de presidente do órgão colegial executivo e representante do município: artigo 53.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 100/84] e a consequente formação da vontade relativa à defesa dos interesses municipais, nem o regular desenvolvimento do contraditório.'

Em caso similar ao dos autos, este Supremo Tribunal decidiu pela confirmação da decisão recorrida, que havia absolvido a ré - entidade não personalizada integrada na administração directa do Estado - da instância, por falta de personalidade judiciária (v. Acórdão de 7 de Março de 2001, recurso n.º 47 096).

Em face do exposto, impõe-se concluir pela insusceptibilidade de sanação, no caso dos autos, da falta de personalidade judiciária da ré, nomeadamente através das formas sugeridas pela recorrente nas suas alegações, pelo que, ao não admitir aquela sanação, a sentença recorrida não incorreu em qualquer violação de normas ou preceitos legais, designadamente das apontadas pela recorrente nas respectivas alegações.

2.2.4 - Do que atrás se deixou referido já resulta, com evidência, que também não procede a alegação da recorrente, segundo a qual se revelaria 'desproporcional a decisão de pôr termo à demanda em face da insignificância do erro técnico descrito' (sic, fl. 244), o qual 'deveria ter sido corrigido oficiosamente ou por convite (despacho de aperfeiçoamento) formulado pelo Tribunal a quo'.

Com efeito, como se afigura claro, tendo a sentença impugnada concluído, com acerto, que a acção foi proposta contra entidade desprovida de personalidade judiciária e que a falta desse pressuposto processual era insanável (cf. artigos 5.º a 8.º, 23.º e 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), determinando a absolvição da ré da instância, nos termos do preceituado no artigo 288.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, não se vê como conciliar esse entendimento com a consideração proposta pela recorrente de que se trataria de 'erro técnico insignificante', 'passível de ser corrigido oficiosamente ou a convite do Tribunal', por alegada aplicação do preceituado nos artigos 265.º, 467.º e 508.º do Código de Processo Civil ou, então, do artigo 40.º da LPTA (este último preceito, da LPTA, não diz respeito às acções de responsabilidade civil, como já se viu).

Pelos mesmos motivos e atento nomeadamente o que se deixou analisado quanto à importância do pressuposto processual da personalidade judiciária, pressuposto de outros pressupostos processuais relativos às partes, como ensina o Prof. Castro Mendes, não se mostra que o entendimento subjacente à sentença recorrida 'quanto à interpretação dos artigos 265.º, 467.º e 508.º do CPC ou do artigo 40.º da LPTA' enferme de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20.º e 268.º da CRP.

Na verdade, não se vê de que forma a aludida interpretação possa violar o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP - este último na versão citada pela recorrente, que não é a vigente - , pois, independentemente do mais, tal tutela supõe que as partes se conformem com as limitações decorrentes da lei ordinária, designadamente das disposições imperativas do Código de Processo Civil, o que, como se viu, não foi o caso."

É contra este acórdão que vem interposto, pela autora, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), o presente recurso, referindo-se no respectivo requerimento de interposição (fls. 277 e 278):

"2 - A recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade dos artigos 265.º, n.º 2, e 508.º do CPC, interpretados no sentido de não ser permitido ao juiz corrigir, por convite ou oficiosamente, a petição inicial do autor nos casos de mero erro técnico na identificação do réu, que foi identificado pelo órgão e deveria ter sido pela pessoa colectiva pública.

3 - No caso foi identificado como 'Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais' e deveria ter sido 'o Estado Português representado pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais'.

4 - Igualmente, a recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 40.º da LPTA, interpretado no sentido de não ser permitido ao juiz corrigir, por convite ou oficiosamente, a petição inicial do autor nos casos de mero erro técnico na identificação do réu, que foi identificado pelo órgão e deveria ter sido pela pessoa colectiva pública.

5 - A recorrente entende que foram violados os artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

6 - Na verdade, direito à efectivação jurídica dos direitos e interesses jurídicos é específica e constitucionalmente concretizado no que toca ao cidadão na veste de administrado: a IV revisão constitucional garante aos 'administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas' (artigo 268.º, n.º 4).

7 - A recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade nas suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo."

No Tribunal Constitucional, a recorrente apresentou alegações, que culminam com a formulação das seguintes conclusões:

"A autora, ora recorrente, interpôs, à luz dos artigos 71.º e seguintes da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, acção sobre contratos contra a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.

A DGEMN integra a pessoa colectiva Estado Português.

A autora, ora recorrente, descreveu de modo completo a causa de pedir que fundamenta os pedidos.

Porém, ao proceder à identificação da ré, mencionou a DGEMN ao invés da pessoa colectiva pública onde aquela Direcção-Geral se integra (o Estado Português).

Quer isto dizer que identificou a parte, em vez do todo.

Por esse facto foi a ré, Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, absolvida da instância com fundamento na sua falta de personalidade judiciária por falta de personalidade jurídica.

O julgador (quer de 1.ª instância quer de 2.ª instância) não procurou regularizar a instância ou convidar a autora a fazê-lo.

Entendeu o Tribunal de 1.ª instância que não era aplicável ao caso dos autos o disposto no artigo 40.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.

Tal entendimento viola o direito ao acesso à justiça e o seu corolário, o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, que determinam a criação de condições para que as questões que são submetidas à apreciação da jurisdição administrativa sejam objecto de um julgamento de mérito.

Ao interpretar o artigo 40.º da LPTA no sentido de que não permite, nas acções sobre contratos, a correcção do mero erro técnico de identificação das partes violou-se os dispositivos constitucionais, a saber, os artigos 20.º e 268.º da CRP, que consagram os referidos direitos fundamentais.

Chamados à colação os artigos 265.º, n.º 2, e 508.º do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal Administrativo recusou também a aplicação destes dispositivos por entender que não permitem a correcção do mero erro técnico de identificação constante de petição inicial, que identificou a parte pelo órgão quando o deveria ter sido pela pessoa colectiva pública.

Os normativos referidos do CPC, interpretados no sentido descrito, violam também a tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente garantida nos artigos 20.º e 268.º da CRP.

Quer num caso quer noutro afigura-se por demais desproporcionada a sanção da 'rejeição' da petição inicial com a consequência implicada da 'preclusão' dos direitos substantivos num caso de erro na identificação da parte.

A aplicação directa do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição implica a interpretação do direito ordinário em conformidade com a Constituição, através, nomeadamente, da aplicação analógica de normas consagradoras de princípios constitucionais e que consubstanciam uma protecção adequada de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.

Os artigos 265.º, n.º 2, e 508.º do CPC e 40.º da LPTA, interpretados no sentido de que não permitem, nas acções sobre contratos, a correcção do mero erro técnico de identificação das partes, são inconstitucionais, por violação dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.

Pelo exposto, pretende-se que:

Sejam declarados inconstitucionais os artigos 265.º, n.º 2, e 508.º do CPC, quando interpretados no sentido de não ser permitido ao juiz corrigir, por convite ou oficiosamente, a petição inicial do autor nos casos de mero erro técnico na identificação do réu, que foi identificado pelo órgão e deveria ter sido pela pessoa colectiva pública;

Seja declarado inconstitucional o artigo 40.º da LPTA quando interpretado no sentido de não ser permitido ao juiz corrigir, por convite ou oficiosamente, a petição inicial do autor nos casos de mero erro técnico na identificação do réu, que foi identificado pelo órgão e deveria ter sido pela pessoa colectiva pública."

A recorrida Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais não contra-alegou.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação. - 2.1 - Importa começar por definir, com precisão, a questão de constitucionalidade colocada no presente recurso.

Nas alegações produzidas perante o Supremo Tribunal Administrativo, a recorrente apresentou, escalonadamente, três linhas de argumentação: em primeiro lugar, sustentou que a ré DGEMN detinha personalidade judiciária, tendo a decisão então recorrida violado os artigos 71.º e 72.º da LPTA e 5.º a 8.º, 493.º e 494.º do CPC; depois, para a hipótese de não vingar essa tese, defendeu que a falta de personalidade judiciária era, no caso, sanável, tendo a decisão da 1.ª instância violado os artigos 8.º, 24.º e 265.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis por força do artigo 72.º da LPTA; por fim, para a hipótese de não acolhimento de tal tese, que o tribunal devia ter corrigido, oficiosamente ou por convite à autora, o "erro técnico" consistente em ter identificado como ré a DGEMN quando deveria ter identificado como réu o Estado, e que, ao não o fazer, violou "os artigos 265.º, 467.º e 508.º do CPC ou, então, o artigo 40.º da LPTA", e, neste contexto, suscitou a questão da inconstitucionalidade dos "artigos 265.º, 467.º e 508.º do CPC e do artigo 40.º da LPTA, interpretados - como o fez o Tribunal a quo - no sentido de que não permitem, nas acções sobre contratos, a correcção do mero erro técnico de identificação das partes", "por violação dos artigos 20.º e 268.º da CRP".

O acórdão ora recorrido - após desestimar as primeiras duas linhas argumentativas da recorrente, considerando que a ré DGEFM carecia de personalidade judiciária e que esta falta era insanável - concluiu que tal insanabilidade determinava a absolvição da instância da ré, nos termos do artigo 288.º, n.º 1, alínea c), do CPC, consequência insusceptível de ser corrigida por aplicação do preceituado nos artigos 265.º, 467.º e 508.º do CPC ou no artigo 40.º da LPTA (preceito este que nem sequer diz respeito às acções de responsabilidade civil), sem que, com este entendimento, se violassem os artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, atendendo, por um lado, "à importância do pressuposto processual da personalidade judiciária, 'pressuposto de outros pressupostos processuais relativos às partes'", e, por outro, a que "o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva [...] supõe que as partes se conformem com as limitações decorrentes da lei ordinária, designadamente das disposições imperativas do Código de Processo Civil, o que, como se viu, não foi o caso".

Quer no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional quer nas alegações aqui apresentadas, a recorrente deixou de mencionar, como um dos preceitos que suportava a interpretação normativa questionada, o artigo 467.º do CPC e precisou que, do artigo 265.º, relevaria apenas o seu n.º 2 (do seguinte teor: "2 - O juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los"). Apesar de a recorrente continuar a aludir globalmente ao artigo 508.º, entende-se que, no contexto em que a questão vem colocada, só releva a alínea a) do n.º 1 (do seguinte teor: "1 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a: a) providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º"). Quanto ao artigo 40.º da LPTA, apenas interessará a alínea a) do seu n.º 1 (do seguinte teor: "1 - Sem prejuízo dos demais casos de regularização da petição de recurso, esta pode ser corrigida a convite do tribunal, até ser proferida decisão final, sempre que se verifique: a) a errada identificação do autor do acto recorrido, salvo se o erro for manifestamente indesculpável"), não constituindo impedimento à sua inclusão no âmbito do recurso a afirmação, constante do acórdão recorrido, de que este preceito, específico do recurso contencioso de anulação, é inaplicável às acções de responsabilidade civil, pois o que, no fundo, a recorrente contesta é a constitucionalidade dessa não extensão. Finalmente, a circunstância de o acórdão recorrido não ter a qualificação como "erro meramente técnico" da falta cometida pela recorrente não acarreta falta de coincidência entre a dimensão normativa arguida de inconstitucional e a dimensão aplicada nesse acórdão, pois essa adjectivação não integra, em rigor, a delimitação da questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada.

Constitui, assim, objecto do presente recurso a questão da constitucionalidade da interpretação normativa, extraída dos artigos 265.º, n.º 2, e 508.º, n.º 1, alínea a), do CPC e 40.º, n.º 1, alínea a), da LPTA, segundo a qual não há lugar a correcção pelo tribunal, oficiosamente ou mediante convite à parte, de petição inicial de acção de responsabilidade civil intentada contra um órgão administrativo, quando o devia ter sido contra a respectiva pessoa colectiva.

2.2 - Como assinala Carlos Lopes do Rego ("Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil", em Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 835-859), "a garantia da via judiciária - ínsita no artigo 20.º da Constituição e a todos conferida para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos - envolve não apenas a atribuição aos interessados legítimos do direito de acção judicial [...] mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, se deve subordinar a determinados princípios e garantias fundamentais: os princípios da igualdade, do contraditório e (após a revisão constitucional de 1997) a regra do 'processo equitativo', expressamente consagrada no n.º 4 daquele preceito constitucional". O referido autor destaca ainda o "princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostas pela lei de processo às partes", o qual, no seu entender, "pode fundar-se cumulativamente no princípio da proporcionalidade das restrições (artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição) ao direito de acesso à justiça, quer na própria regra do processo equitativo". Da análise da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta garantia da via judiciária, o autor citado extrai a proposição de que:

"[o]s regimes adjectivos que prescrevem requisitos de natureza estritamente procedimental ou 'formal' dos actos das partes - isto é, conexionados, não propriamente com a formulação essencial das pretensões ou impugnações dos litigantes, mas tão-somente com o modo de apresentação ou exposição dos respectivos conteúdos - devem:

a) Revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo, não traduzindo exigência puramente formal, arbitrariamente imposta, por destituída de qualquer sentido útil e razoável quanto à disciplina processual;

b) Conformar-se - no que respeita às consequências desfavoráveis para a parte que as não acatou inteiramente - com o princípio da proporcionalidade: desde logo, as exigências formais não podem impossibilitar ou dificultar, de modo excessivo ou intolerável, a actuação procedimental facultada ou imposta às partes; e as cominações ou preclusões que decorram de uma falta da parte não podem revelar-se totalmente desproporcionadas - nomeadamente pelo seu carácter irremediável ou definitivo, impossibilitador de qualquer ulterior suprimento - à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta imputada à parte;"

O juízo de proporcionalidade a emitir neste domínio tem, assim, de tomar em conta três vectores essenciais: i) a justificação da exigência processual em causa; ii) a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; e iii) a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento do ónus.

No presente caso é patente a necessidade de ser chamada ao processo - e, por isso, de ser indicada como ré na acção - quem detenha personalidade judiciária que a habilite a defender os direitos e interesses legítimos que poderão ser afectados pela eventual procedência da acção.

Depois, não se mostra de especial dificuldade o cumprimento da exigência legal de correcta indicação da contra-parte. É certo que, com alguma frequência, no âmbito da justiça administrativa, se verificam confusões entre a pessoa colectiva pública em causa e os seus órgãos, que a jurisprudência administrativa sempre demonstrou compreensão por esses erros quando estava em causa a menção da Câmara Municipal em vez do município ou vice-versa (cf., por todos, o Acórdão do STA de 3 de Novembro de 2005, processo 710/05, em www.dgsi.pt/jsta) e que o novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, que veio estabelecer que todas as acções (incluindo a "acção administrativa especial", correspondente ao anterior "recurso contencioso de anulação") que tenham por objecto a acção ou a omissão de uma entidade pública devem ser intentadas contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputado o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o poder de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos (artigo 10.º, n.º 2), prevê, no n.º 4 desse artigo 10.º, que se considera "regularmente proposta a acção quando na petição inicial tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o acto impugnado ou perante o qual tinha sido formulada a pretensão do interessado, considerando-se, nesse caso, a acção proposta contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgão pertence". Porém, independentemente de esta solução legal poder ser considerada "melhor direito", daí não decorre necessariamente que outras soluções sejam de reputar inconstitucionais.

Tudo dependerá, ao fim e ao cabo, da ponderação sobre a razoabilidade da exigência do ónus de correcta identificação do réu na acção e da consequência associada ao seu incumprimento. Ora, no presente caso, em que se tratava de uma acção e não de um recurso contencioso (quanto a este, a jurisprudência administrativa sempre entendeu que à rejeição do recurso contencioso por erro indesculpável na identificação do autor do acto era inaplicável o regime do artigo 289.º do CPC, que, nos casos de absolvição da instância, consente a proposição de outra acção com o mesmo objecto, mantendo-se os efeitos derivados da proposição da primeira causa se a nova acção for intentada dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância - cf., entre outros, os Acórdãos do STA de 26 de Janeiro de 1989, processos n.os 23 663, de 18 de Junho de 2003, 1246/02, de 8 de Março de 2000, e 41 670, e de 21 de Junho de 2000, processo 44 398, em www.dgsi.pt/jsta), os efeitos da absolvição da instância não precludem irremediavelmente a possibilidade de a autora ver reconhecido o direito que reclama, uma vez que lhe assiste a possibilidade de intentar nova acção (cf. Acórdão do STA de 17 de Janeiro de 2002, processo 47 480, no mesmo sítio).

Neste contexto - sendo certo que não está constitucionalmente assegurado um pretenso direito ao convite para correcção de quaisquer erros ou deficiências das peças processuais apresentadas pelas partes -, não se pode considerar que a solução jurídica adoptada no acórdão recorrido seja de tal modo desrazoável ou desproporcionada que se deva reputar violadora da garantia da tutela jurisdicional efectiva ou do direito a um processo equitativo.

Recorde-se, por fim, que, no Acórdão 499/98 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 40.º vol., p. 527, e www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucionais as normas dos n.os 1 e 2 do artigo 796.º do CPC, interpretados no sentido de, faltando autor e réu à audiência de discussão e julgamento em acção declarativa com processo sumaríssimo, não sendo a falta do autor justificada pelo menos até à realização da diligência, deve absolver-se o réu da instância, atribuindo justamente especial relevância, para esse juízo de não inconstitucionalidade, ao facto de "a absolvição da instância, não impedindo a propositura de nova acção com o mesmo objecto, não afecta[r] definitivamente o direito invocado pelo autor - ao contrário do que aconteceria para o réu se houvesse que dar prevalência aos efeitos da sua falta (condenação no pedido) -, razão por que não se [viu] também que a 'norma' [ferisse], em termos desproporcionados ou arbitrários, os interesses do memo autor", concluindo-se pela não violação dos princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito.

3 - Decisão. - Em face do exposto, acorda-se em:

a) Não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 265.º, n.º 2, e 508.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil e 40.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, segundo a qual não há lugar a correcção pelo Tribunal, oficiosamente ou mediante convite à parte, de petição inicial de acção de responsabilidade civil intentada contra um órgão administrativo, quando o devia ter sido contra a respectiva pessoa colectiva; e, consequentemente,

b) Negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.

Lisboa, 8 de Março de 2007. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Benjamim Silva Rodrigues - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1564241.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1984-03-29 - Decreto-Lei 100/84 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna

    Revê a Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro, que define as atribuições das autarquias locais e competências dos respectivos órgãos.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-16 - Decreto-Lei 267/85 - Ministério da Justiça

    Aprova a lei de processo nos tribunais administrativos.

  • Tem documento Em vigor 1993-08-18 - Decreto-Lei 284/93 - Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações

    APROVA A LEI ORGÂNICA DA DIRECÇÃO GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS (DGEMN), DEFININDO A SUA NATUREZA, ÂMBITO E COMPETENCIAS. PARA A PROCECUSSÃO DAS SUAS ATRIBUIÇÕES A DGEMN COMPREENDE SERVIÇOS CENTRAIS E SERVIÇOS REGIONAIS. SAO SERVIÇOS CENTRAIS: A DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DE PLANEAMENTO E INFORMAÇÃO, A DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DE ESTUDOS E PROJECTOS, A DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DE INVENTÁRIO E DIVULGAÇÃO, A DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO E DOS RECURSOS HUMANOS, O GABINETE PARA A SALVAGUARDA E REVITALIZ (...)

  • Tem documento Em vigor 1993-09-16 - Decreto Regulamentar 29/93 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    DEFINE A ESTRUTURA, AS COMPETENCIAS E O NÍVEL DOS CARGOS DIRIGENTES DAS DIVERSAS UNIDADES ORGÂNICAS DA DIRECÇÃO GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS (DGEMN), BEM COMO A LOCALIZAÇÃO DA SEDE DAS RESPECTIVAS DIRECÇÕES REGIONAIS. AS UNIDADES ORGÂNICAS DA DGEMN SAO AS SEGUINTES: DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DE PLANEAMENTO E INFORMAÇÃO, DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DE ESTUDOS E PROJECTOS, DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DE INVENTÁRIO E DIVULGAÇÃO, DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO E RECURSOS HUMANOS, GABINETE DE SALVAGUARDA E REV (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1999-03-02 - Decreto-Lei 59/99 - Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território

    Aprova o novo regime jurídico das empreitadas de obras públicas

  • Tem documento Em vigor 2000-07-13 - Decreto-Lei 129/2000 - Ministério do Equipamento Social

    Aprova a Lei Orgânica do Ministério do Equipamento Social.

  • Tem documento Em vigor 2002-02-22 - Lei 15/2002 - Assembleia da República

    Aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPPTA) e procede a algumas alterações sobre o regime jurídico da urbanização e edificação estabelecido no Decreto-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro.

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