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Acórdão 538/2005/T, de 4 de Janeiro

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Texto do documento

Acórdão 538/2005/T. Const. - Processo 164/2005. - Acordam no Tribunal Constitucional:

1 - Maria Eulália da Silva Gomes propôs em 15 de Setembro de 2003 no Tribunal Judicial de Santo Tirso acção de divórcio litigioso contra o seu cônjuge, Adelino Carneiro Teixeira. Devolvida ao Tribunal a carta através da qual a Secretaria pretendia notificar o réu para comparecer na tentativa de conciliação convocada pelo juiz, foi lançado no processo o seguinte despacho: "O réu considera-se regular e pessoalmente notificado para contestar." Prosseguiu, assim, o processo à revelia do réu; foi efectuada a audiência de julgamento, finda a qual foi proferido despacho com a especificação dos factos provados. Seguiu-se, em 3 de Maio de 2004, a sentença pela qual o réu foi, no entanto, absolvido da instância por se haver entendido que não fora chamado a juízo, tudo nos termos do artigo 288.º, n.º 1, alínea e), do corpo do artigo 494.º do Código de Processo Civil e dos artigos 20.º, n.º 3, e 18.º, n.º 1, da Constituição.

Na parte que releva, consta da aludida sentença o seguinte:

"O artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa estabelece que 'todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo'.

O que se discute nestes autos, antes de mais, é se existiu procedimento processual equitativo para chamar o réu a juízo.

Desde já adianto que não existiu procedimento equitativo para dar a conhecer ao réu que a sua mulher pedia o divórcio.

O despacho citado que considerou o réu chamado aos autos vale-se dos artigos 233.º, n.os 2, alínea a) ['a citação pessoal é feita mediante entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção'], e 4 ['nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento'], 236.º, n.os 1 ['a citação por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção [...], dirigida ao citando e endereçada para a sua residência'] e 2 ['no caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência [...] e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando'], 238.º-A, n.º 1 ['a citação postal registada efectuada ao abrigo do artigo 236.º considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário'], e 241.º ['sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do preceituado no artigo 236.º, n.º 2 [...], será ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa [...] e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada'] do CPC.

A morada indicada pela autora para o réu é insuficiente, por falta de discriminação de que é a morada do rés-do-chão do referido n.º 117 do Largo de Delfina Fernandes, uma vez que é a própria autora que declara viver separada do réu e no 1.º andar do mesmo n.º 117: especificar que o réu mora no rés-do-chão não é detalhe despiciendo no caso dos autos, face à alegação da autora de que as casas do 1.º andar e do rés-do-chão do n.º 117 são diferentes.

Por outro lado, no aviso de recepção, o carteiro nada assinalou na quadrícula que se segue à menção 'este aviso deve ser assinado por pessoa a quem for entregue a citação e que se comprometeu a entregá-la prontamente ao destinatário'. Daí só pode extrair-se que o carteiro não avisou a sogra do réu, que tinha a obrigação de entregar a carta ao réu (cf. o artigo 236.º, n.º 4, do CPC, o qual prevê um dever de advertência expresso ao carteiro), e que esta se comprometeu a isso mesmo, em prazo muito breve (n.º 2 do artigo 236.º); ou seja, não foram cumpridos os procedimentos referidos no artigo 236.º, n.os 2 e 4, do CPC, ou seja, a advertência expressa para entregar e a declaração conforme de que se entregará, ficando por saber, ainda, se a sogra do réu estava na residência dela ao receber a carta do carteiro, como é mais o encargo referido no n.º 4 do citado artigo 233.º

Mas essas falhas substantivas na citação consideram-se sanadas pela eficácia de caso julgado formal do despacho referido, e não é por aí que pode fundar-se a falta de citação.

A inconstitucionalidade reside na interpretação dos artigos do CPC citados que dispensa qualquer intervenção pessoal e demonstrada do réu para o efeito de poder ilidir a presunção de que a sogra lhe deu conhecimento do acto da citação e lhe entregou a carta.

Vejamos:

O artigo 233.º, n.º 4, citado, estabelece presunção de que o citando recebe a carta do terceiro que assinou o aviso de recepção, ou seja, de que é citado e de que é citado em tempo próprio.

O artigo 238.º-A, n.º 1, reitera essa presunção de que a carta foi entregue atempadamente ao citando pelo terceiro que a recebeu das mãos do carteiro e assinou o aviso de recepção (o conceito de 'atempadamente' tem alguma tradução legal, já que ao prazo ordinário de contestação se acrescentam cinco dias de dilação, nos termos do n.º 1, alínea a), do artigo 252.º-A do CPC).

A presunção em causa é ilidível: as normas que a estabelecem referem expressamente que se pode ilidir a presunção nos trechos 'salvo prova em contrário' e 'salvo demonstração em contrário'.

O cerne da questão (para o efeito de se concluir que o réu não teve uma possibilidade real e equitativa de demonstrar que não recebeu da sogra a carta que o notificava para comparecer na tentativa de conciliação e ficar a saber que era pedido o divórcio) reside na interpretação das normas dos artigos do CPC citados, que dispensam não só a recepção pessoal da carta das mãos do carteiro pelo citando como dispensam qualquer conhecimento demonstrado do citando dessa recepção por outrem, isso para o efeito de o citando poder vir a provar que a terceira pessoa que recebeu a carta das mãos do carteiro e assinou o aviso de recepção não cumpriu o encargo de lhe entregar a carta.

Nem recebe pessoalmente a carta, nem tem a possibilidade de demonstrar que ela lhe não foi entregue por quem a recebeu.

O despacho que tem eficácia de caso julgado formal aceita um duplo conhecimento do réu, equiparando-o a citação para os termos da acção: tanto aceita que ele não tem conhecimento em primeira mão da carta de citação como aceita que ele não tem de ter conhecimento de que a carta foi entregue pelo carteiro a outrem, sendo este último conhecimento para o efeito de poder demonstrar que esse outrem não lhe entregou a carta.

Do que vai referido, conclui-se que a interpretação dos citados artigos do CPC em conformidade com a Constituição implica a demonstração nos autos de que o citando que não recebe pessoalmente a carta que o chama à acção tem de ter conhecimento de que outrem a recebeu e que este último conhecimento é directo pelo próprio citando e não, novamente, intermediado por terceiro.

Decorre do que vai dito que se recusa a interpretação que subjaz ao despacho que considera o réu regularmente chamado aos autos, com fundamento em inconstitucionalidade, facto que implica a absolvição da instância do réu por se entender que não foi chamado a juízo, nos termos dos artigos 288.º, n.º 1, alínea e), e 493.º, n.º 2, do corpo do artigo 494.º do CPC e dos artigos 20.º, n.º 4, e 18.º, n.º 1, da Constituição.

Em face do exposto, recuso a interpretação que subjaz ao despacho que considerou o réu regular e pessoalmente notificado para contestar, uma vez que assenta numa interpretação dos artigos 233.º, n.os 2, alínea a), e 4, 236.º, n.os 1 e 2, 238.º-A, n.º 1, e 241.º do CPC contrária ao artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, na medida em que dispensa a demonstração nos autos que o citando teve conhecimento pessoal de que a carta de citação que lhe foi enviada foi entregue a outrem pelo distribuidor do serviço postal.

Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da Constituição e dos artigos 288.º, n.º 1, alínea e), e 493.º, n.º 2, e do corpo do artigo 494.º do CPC, absolvo o réu da instância."

Face a uma tal decisão, logo pretendeu o Ministério Público recorrer da sentença para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), com fundamento na recusa de aplicação "dos artigos 233.º, n.os 2, alínea a), e 4, 236.º, n.os 1 e 2, 238.º-A, n.º 1, e 241.º, todos do Código de Processo Civil, sob a alegação de que as mesmas violam o disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa".

Mas o recurso não lhe foi admitido, por despacho do seguinte teor:

"O digno magistrado do Ministério Público vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional por alegadamente na decisão recorrida o M.mº Juiz de Círculo ter recusado a aplicação da norma com fundamento em inconstitucionalidade [cf. a alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro].

Ora, salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal ilação efectuada pelo digno MP.

Na verdade, da decisão recorrida não resulta que tenha havido a recusa de aplicação de qualquer norma, tanto mais que as normas invocadas não foram aplicadas pelo Sr. Juiz de Círculo, mas sim pelo juiz titular do processo.

Acresce que nesta fase processual está mais que ultrapassada a fase de citação do réu, e por isso, nem teoricamente nem na prática, houve recusa por parte do Sr. Juiz de Círculo em aplicar qualquer norma relativa à citação, tanto mais que nem é da sua competência, limitando-se aquela a retirar a ilação de que in casu não existiu um processo equitativo.

Por fim sempre se dirá que o acórdão proferido, nos termos em que o foi, também não se enquadra na previsão legal de nenhuma das diversas alíneas plasmadas no artigo 70.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 18 de Novembro.

Termos em que, ao abrigo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 76.º da citada lei, não admito o interposto recurso, por a decisão que se pretende recorrer não o admitir."

Houve, por isso, reclamação deste despacho de não admissão. Pelo Acórdão 714/2004, o Tribunal Constitucional deferiu a reclamação, pelo que o recurso acabou por ser admitido.

2 - No Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público apresentou alegações, que concluiu do seguinte modo:

"1.º O regime estabelecido no Código de Processo Civil, após a revisão de 1995-1996, para a citação por via postal registada - nomeadamente ao permitir que a carta que corporiza o acto possa ser entregue a terceiro, devidamente identificado, que se encontre na residência do réu e se prontifique a entregar-lhe prontamente a carta, sob pena de incorrer nas sanções legalmente previstas -, incluindo ainda a advertência estatuída no artigo 241.º e comportando a possibilidade de ilidir a presunção de efectivo e tempestivo conhecimento do acto, não ofende o princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

2.º Na verdade, como válvula de segurança do sistema, o artigo 195.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil considera inquinada pelo vício de falta de citação - a fazer valer pelo réu revel mesmo no âmbito de um possível recurso de revisão - a citação pessoal quando o citando demonstre que não chegou a ter efectivo conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável."

3 - Cumpre assim conhecer do recurso, cujo objecto - que se mostra fixado em virtude do deferimento da reclamação - é o que consta do respectivo requerimento de interposição, integrando as normas constantes "dos artigos 233.º, n.os 2, alínea a), e 4, 236.º, n.os 1 e 2, 238.º-A, n.º 1, e 241.º, todos do Código de Processo Civil", cuja inconstitucionalidade foi justificada com a violação do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.

Note-se que, como observa o Ministério Público nas suas alegações, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa não é adequado à verificação da regularidade dos procedimentos seguidos nos autos, pois apenas cabe apreciar a conformidade constitucional das normas efectivamente aplicadas na decisão recorrida, impugnadas perante o Tribunal Constitucional.

A simples leitura da sentença recorrida revela que o motivo que verdadeiramente levou à absolvição do réu da instância foi o de o juiz ter então entendido que havia sido erradamente proferido o despacho que decidira considerar o réu "regular e pessoalmente notificado para contestar". Quis-se, portanto, censurar um despacho reconhecidamente transitado em julgado através da invocação da pretensa inconstitucionalidade das normas contidas nos preceitos legais que prevêem a modalidade de citação utilizada no processo.

Deparando-se, todavia, com o efeito de caso julgado formal e com a consequente impossibilidade de, oficiosamente, se poder então decidir ter ocorrido falta de citação, a sentença apelou directamente à Constituição - ao n.º 4 do seu artigo 20.º - para ultrapassar tais obstáculos e proferir uma decisão de efeito equivalente, a absolvição da instância, fundada na análise do procedimento seguido nos autos.

Ou seja: a sentença acabou por afirmar que o despacho assentara numa interpretação inconstitucional das normas contidas naqueles preceitos, embora, na realidade, seja contra o mesmo despacho que a sentença oficiosamente se insurge, ultrapassando o caso julgado entretanto formado quanto à realização e à regularidade da citação.

O deferimento da reclamação, conforme acima se aludiu, impõe que se julgue o recurso com o objecto já indicado (artigo 77.º, n.º 4, da LTC).

4 - É o seguinte o texto dos referidos preceitos (na redacção vigente à data da citação):

"Artigo 233.º

Modalidades da citação

...

2 - A citação pessoal é feita mediante:

a) Entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção, nos casos de citação por via postal registada;

...

...

4 - Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efectuada em pessoa diversa do citando encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento.

Artigo 236.º

Citação por via postal registada

1 - A citação por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelos oficialmente aprovados, dirigida ao citando e endereçada para sua residência ou local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, para a respectiva sede ou local onde funciona normalmente a administração, e incluirá todos os elementos a que se refere o artigo 235.º

2 - No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.

Artigo 238.º-A

Data e valor da citação por via postal

1 - A citação postal registada efectuada ao abrigo do artigo 236.º considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

...

Artigo 241.º

Advertência ao citando, quando a citação não haja sido na própria pessoa deste

Sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do preceituado nos artigos 236.º, n.º 2, e 240.º, n.º 2, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do artigo 240.º, n.º 3, será ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada."

A sentença recorrida entendeu que, ao dispensar a prova de que o réu teve conhecimento pessoal de que a carta tinha sido entregue a outrem, a regra contida em tais normas é inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, uma vez que o réu fica impedido de provar que a pessoa que recebeu a carta e assinou o aviso de recepção não lhe entregou a carta.

5 - A citação pelo correio, por carta registada com aviso de recepção, como modalidade de citação pessoal foi introduzida no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei 242/85, de 9 de Julho, para as pessoas colectivas e sociedades, e, para as pessoas singulares, pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro.

Embora com algumas alterações entretanto introduzidas pelo Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto, nomeadamente em virtude de este ter permitido a citação por via postal simples, o regime então vigente, constante dos preceitos acima transcritos, manteve-se no essencial, mesmo após a entrada em vigor do Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março.

Assim, entre as modalidades de citação pessoal figura a citação feita por carta registada com aviso de recepção [n.º 2, alínea a), do artigo 233.º], sendo certo que se não exige que seja o destinatário da carta a assinar o aviso desde que a carta tenha sido enviada para a sua residência ou local de trabalho e o aviso assinado por quem se lá encontre e "declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando" (artigo 236.º, n.os 1 e 2).

Se a carta, enviada para um destes dois destinos, for entregue a pessoa diversa do citando que assine o aviso e faça a referida declaração, o réu considera-se citado pessoalmente (artigo 238.º-A, n.º 1), o que é relevante, como se sabe, para o efeito de determinar quais são os efeitos da falta de contestação (não verificados, no caso, por se tratar de uma acção de divórcio, artigo 1408.º do Código de Processo Civil), como resulta, para a acção ordinária, do disposto no n.º 1 do artigo 484.º do Código de Processo Civil. Não releva, para o caso da citação feita pelo correio, o n.º 4 do artigo 233.º

A citação considera-se efectuada na data em que o aviso de recepção foi assinado (artigo 238.º-A, n.º 1).

Ora, tendo em conta que, por esta via, o réu se considera citado - e, repete-se, pessoalmente citado não obstante não ter assinado o aviso -, a lei rodeia esta via de citação de particulares cuidados.

Assim, o artigo 241.º determina que seja enviada carta ao réu comunicando-lhe que a citação foi efectuada por carta registada com aviso de recepção, quem a recebeu (pessoa que há-de ter sido identificada e advertida do dever de prontamente a entregar ao citado, como prevêem os n.os 3 e 4 do artigo 236.º), quando se realizou, qual o prazo para a defesa e as consequências da falta de oposição.

Note-se, ainda, que no caso de ter sido pessoa diversa do réu a assinar o aviso, é acrescida ao prazo da defesa uma dilação de cinco dias, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 252.º-A do Código de Processo Civil.

Cumpridas as formalidades legalmente prescritas - cuja observância, em caso de falta de intervenção no processo, é oficiosamente verificada pelo juiz, como exige o artigo 483.º do Código de Processo Civil -, a lei presume que o réu foi oportunamente citado; tal presunção, todavia, pode ser afastada, cabendo então ao réu provar que não recebeu ou que recebeu tardiamente a carta, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 238.º-A.

Simultaneamente com estas alterações, que, ditadas por evidente necessidade de facilitar a realização da citação, dão, no entanto, por confronto com a lei anterior, menores garantias de que a citação chega efectivamente ao conhecimento oportuno do réu, o Decreto-Lei 329-A/95 modificou o regime aplicável à invalidade da citação (artigos 194.º e seguintes do Código de Processo Civil) e, por essa via, alterou os requisitos do recurso de revisão [artigo 771.º, alínea f), do Código de Processo Civil], tornando-o mais favorável ao réu.

Assim, incluiu entre os casos de falta de citação - que, como se sabe, é de conhecimento oficioso e pode ser arguida "em qualquer estado do processo", enquanto não estiver sanada (artigos 202.º e 204.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) - a hipótese em que "o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável" [artigo 195.º, alínea e), do Código de Processo Civil].

Daqui resulta que, se o réu elidir a presunção de que lhe foi entregue a carta enviada para o citar, se aplica o regime da falta de citação; se apenas elidir a presunção relativa ao momento da citação, provando que apenas a recebeu em data posterior ao do termo da referida dilação, o prazo da contestação sofre o correspondente alongamento.

Seja como for, cabe ao réu - que não teve conhecimento de ter sido citado por carta registada com aviso de recepção assinado por outrem - o direito de, vindo a saber da acção, se apresentar em juízo a provar o não recebimento e invocar a falta de citação ou, se a sentença já tiver sido proferida e tiver transitado em julgado, a interpor recurso de revisão.

7 - A sentença considera inconstitucional que se possa considerar citado o réu pela via descrita sem que haja nos autos prova de que tomou pessoalmente conhecimento da citação efectuada em outra pessoa. Ou seja, entende que não basta a presunção atrás descrita, antes é necessária prova do conhecimento pessoal.

É todavia fácil de ver que, com esta exigência, se inutilizaria a citação pelo correio, passando a correr contra o autor o risco de se não provar aquele conhecimento.

Ora, tendo em conta as exigências impostas para que a citação feita nos termos descritos se considere regularmente efectuada, não pode o Tribunal Constitucional deixar de concluir pela não inconstitucionalidade das normas em apreço, nomeadamente por violação do direito a um processo equitativo, bem ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida.

8 - O Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes sobre as exigências do princípio do contraditório e do direito a um processo equitativo, expressamente afirmado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição após a revisão constitucional de 1997.

Escreveu-se, por exemplo, no Acórdão 330/2001 (Diário da República, 2.ª série, de 12 de Outubro de 2001):

"4.1 - Como este Tribunal tem repetidamente sublinhado [cf., por último, o Acórdão 259/2000 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 7 de Novembro de 2000)], o direito de acesso aos tribunais é, de entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório [cf. o Acórdão 86/88 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol., pp. 741 e segs.)].

Tal como se sublinhou no Acórdão 358/98 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão 249/97 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Maio de 1997), o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra antes de que este tome a sua decisão. É o direito de defesa que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que 'a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos'.

A ideia de que, no Estado de direito, a resolução judicial dos litígios tem de fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o Tribunal a tinha posto em relevo no Acórdão 404/87 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10.º vol., pp. 391 e segs.). E no Acórdão 62/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 18.º vol., pp. 153 e segs.) sublinhou-se que o princípio da igualdade das partes e o princípio do contraditório 'possuem dignidade constitucional, por derivarem, em última instância, do princípio do Estado de direito'.

As partes num processo têm, pois, direito a que as causas em que intervêm sejam decididas 'mediante um processo equitativo' (cf. o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição), o que - tal como se sublinhou no Acórdão 1193/96 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º vol., pp. 529 e segs.) - exige não apenas um juiz independente e imparcial (um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio e acima de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência) como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça, pois, criando-se uma situação de indefesa, a sentença só por acaso será justa.

O processo civil tem uma estrutura dialéctica ou polémica: ele reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars), sendo o juiz uma instância passiva. Nele - insiste-se -, o juiz não pode tomar qualquer providência contra determinada pessoa sem que ela seja ouvida. E mais: essa audição tem, em regra, de preceder o decretamento da providência. Só excepcionalmente, quando haja razões de eficácia e de celeridade que imponham o seu diferimento e que este não limite ou restrinja, de forma intolerável, o direito de defesa, ela pode ser diferida para momento ulterior, pois só então se justifica que a audição da parte não seja prévia."

Ora, não pode considerar-se que as normas que constituem o objecto do presente recurso ponham em causa, de forma inaceitável, o direito de defesa do réu, tendo em atenção as formalidades exigidas para que o tribunal possa considerar regularmente citado o réu que não interveio, e os meios que a lei põe à disposição do mesmo réu para, sendo caso disso, reagir contra essa apreciação e anular tudo o que foi processado desde a citação indevidamente realizada, ou anular a própria sentença se entretanto já tiver transitado em julgado.

9 - Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso, devendo a sentença recorrida ser reformulada de acordo com o julgamento de não inconstitucionalidade agora emitido.

Lisboa, 14 de Outubro de 2005. - Carlos Pamplona de Oliveira (relator) - Maria João Antunes - Rui Manuel Moura Ramos - Maria Helena Brito - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1457099.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-09 - Decreto-Lei 242/85 - Ministério da Justiça

    Altera vários artigos do Código de Processo Civil.

  • Tem documento Em vigor 1991-04-19 - Acórdão 62/91 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, DO ARTIGO 9 DO DECRETO REGIONAL NUMERO 16/79/M, DE 14 DE SETEMBRO, COM A REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO LEGISLATIVO REGIONAL NUMERO 1/83/M, DE 5 DE MARCO (REGULAMENTO DO REGIME DE EXTINÇÃO DE COLONIA).

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

  • Tem documento Em vigor 2000-08-10 - Decreto-Lei 183/2000 - Ministério da Justiça

    Altera o Código de Processo Civil, estabelecendo nalgumas situações a possibilidade da citação por via postal simples; prevê um novo regime legal de prestação de depoimento pelo surdo, mudo ou surdo mudo; desonera as secretarias judiciais das tarefas de liquidação, emissão de guias e contabilidade da taxa de justiça inicial e subsequente ao longo do Processo, e dispõe também quanto ao adiamento da audiência por falta de testumunha, de advogado, de peritos ou consultores técnicos. Altera ainda o Decreto-Lei (...)

  • Tem documento Em vigor 2003-03-08 - Decreto-Lei 38/2003 - Ministério da Justiça

    Altera o Código de Processo Civil, o Código Civil, o Código do Registo Predial, o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o Código de Processo do Trabalho, o Código dos Valores Mobiliários e legislação conexa, alterando o regime jurídico da acção executiva.

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