de 14 de Janeiro
1. Desde há muitos anos, e como consequência directa do bloqueamento a que estavam sujeitas as rendas habitacionais, é nos concelhos de Lisboa e Porto que se encontra um elevado número de prédios em evidente estado de degradação.Na exposição de motivos que acompanhou a proposta de Lei 77/III, de 15 de Junho de 1984, sobre o regime das rendas para fins habitacionais, referia-se que uma estimativa recente indicava que cerca de 40% dos alojamentos apresentavam sinais de degradação ou estado deficiente, o que correspondia a cerca de 360000 fogos exigindo acções imediatas de conservação, restauro e ou renovação.
2. O problema é grave, mas não é novo. Pelo contrário.
Já em 1976 o ex-Fundo de Fomento de Habitação ficava autorizado, pelo Decreto-Lei 704/76, de 30 de Setembro, a lançar um programa especial para reparação de fogos ou imóveis em degradação (PRID), destinado à concessão de empréstimos e subsídios para obras de reparação, conservação e beneficiação do património habitacional público, privado, urbano e rural.
E, mais recentemente, através do Decreto-Lei 449/83, de 26 de Dezembro, procurou o Governo relançar o programa de apoio à reabilitação de imóveis de habitação (PRID), criando uma linha de crédito especial dirigida principalmente à actuação corrente das autarquias locais na execução de obras de reabilitação de imóveis, seja do seu património, seja no exercício da função substitutiva dos senhorios, sejam ainda as promovidas por particulares.
Os resultados práticos desta medida foram manifestamente insuficientes, não tendo qualquer adesão por parte dos senhorios e inquilinos potencialmente abrangidos, tendo a linha de crédito disponível (1500000 contos) sido quase exclusivamente utilizada por autarquias locais.
O grau de realização reportado a 30 de Setembro de 1986 foi de apenas 48,9%.
Consequentemente, o parque habitacional continuou a degradar-se, agravando-se mesmo as situações de segurança precária, assistindo-se de quando em vez à derrocada de prédios nos concelhos de Lisboa e do Porto.
3. Para desenvolver uma política adequada à situação presente é indispensável proceder à análise das razões que determinaram o insucesso do programa PRID e o contexto em que o mesmo se desenvolveu.
O PRID iniciou o seu período de vigência em 26 de Dezembro de 1983, consequentemente numa altura em que o mercado de arrendamento se encontrava totalmente congelado por um regime económico-jurídico caduco, sujeito aos mais amplos debates e contestações políticas, cheio de indecisões e incertezas quanto ao seu futuro.
Cálculos efectuados com base em múltiplos casos concretos levaram a concluir que, apesar de se tratar de um programa de apoio significativamente bonificado, um senhorio que pretendesse utilizar o PRID reunindo as condições de acesso assumia sempre um custo adicional pelo facto de os encargos provenientes do valor das obras não encontrarem compensação com o valor das rendas arrecadadas.
4. Os efeitos conjugados entre a política económica de progresso controlado, aplicada desde o X Governo, e o desbloqueamento da actualização das rendas habitacionais, que só a publicação do Decreto-Lei 68/86, de 27 de Março (na sequência da Lei 46/85, de 20 de Setembro), veio permitir, e bem assim a confiança que gradualmente se vai obtendo, através do cumprimento pontual das obrigações assumidas pelo Estado quanto à fixação das taxas de actualização anual das rendas, levam a reformular os esquemas até agora vigentes para a recuperação dos imóveis degradados em regime de arrendamento habitacional, na convicção de que os resultados virão no futuro a ser substancialmente mais favoráveis do que no passado.
Assim, através deste diploma cria-se o Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA), com vista à execução das obras de conservação e beneficiação, na sequência do disposto no artigo 46.º da Lei 46/85 (lei das rendas).
Trata-se de um regime inteiramente novo e que se caracteriza por:
a) A assunção pelo Estado de um custo social resultante do bloqueamento das rendas habitacionais que vigorou durante longos anos;
b) Uma intervenção do Estado, através de comparticipações a fundo perdido no custo do investimento em obras realizadas pelos senhorios, a conceder pelas administrações central e local;
c) O valor e o cálculo da comparticipação dependerem da relação entre o valor das obras a realizar e o rendimento do fogo.
Tem-se em vista definir condições conducentes a que:
Quanto maior for o valor das obras e menor a renda, maior será a comparticipação do Estado;
Quanto menor for o volume de obras e maior a renda, menor será a comparticipação do Estado.
Pretende-se que o valor da comparticipação venha a ser calculado de tal modo que o custo mensal a pagar pelo senhorio pelo valor do investimento que lhe cabe seja, para a generalidade dos casos, inferior ou igual ao valor da renda que recebe do inquilino.
A aplicação e controle das comparticipações serão rigorosos e centralizados, envolvendo a participação activa das autarquias no que respeita a prioridades, projectos e verificação de obras.
Seja dada uma garantia às câmaras municipais e inquilinos quanto ao acesso ao mesmo regime, nos termos definidos na Lei 46/85, de 20 de Setembro.
Para o financiamento da parte do investimento não comparticipado pelo Estado poderão os interessados recorrer às instituições de crédito, nas condições a acordar livremente entre as partes.
Assim:
No desenvolvimento do regime previsto no artigo 46.º da Lei 46/85, de 20 de Setembro, o Governo decreta, nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis
Arrendados
É criado o Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados, abreviadamente designado RECRIA, com vista à execução das obras de conservação e beneficiação definidas no artigo 16.º da Lei 46/85, de 20 de Setembro, que permitam a recuperação de fogos e imóveis em estado de degradação.
Artigo 2.º
Acesso
Têm acesso ao RECRIA os senhorios de fogos cuja renda tenha sido objecto de correcção extraordinária, bem como os inquilinos de fogos nas mesmas condições e as câmaras municipais, desde que, nos termos do disposto no artigo 16.º, nos n.os 1 e 5 do artigo 21.º e no artigo 37.º da Lei 46/85, de 20 de Setembro, procedam a:a) Obras de conservação de fogos;
b) Obras de conservação nas partes comuns do prédio, nomeadamente as definidas no artigo 1421.º do Código Civil;
c) Obras de beneficiação, desde que, por acordo expresso das partes, não haja lugar ao ajustamento da renda a que se refere o artigo 18.º da Lei 46/85, de 20 de Setembro.
Artigo 3.º
Comparticipação do Estado
1 - A administração central, por intermédio do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, e a administração local, através do respectivo município, poderão conceder, nos termos do presente diploma, comparticipações a fundo perdido.2 - As entidades referidas no número anterior suportarão, respectivamente, 60% e 40% do valor das comparticipações.
3 - O montante anual global das comparticipações a fundo perdido suportadas pela administração central será fixado por portaria dos Ministros das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações nos 30 dias subsequentes à aprovação do Orçamento do Estado.
Artigo 4.º
Regime da comparticipação
1 - O valor das comparticipações a fundo perdido terá em conta o montante das obras a executar e o valor das rendas, nos termos e condições a definir por portaria dos Ministros das Finanças, do Planeamento e da Administração do Território e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.2 - Nas obras a que se refere a alínea b) do artigo 2.º, a proporção de cada fogo nas partes comuns é definida nos exactos termos da propriedade horizontal.
Artigo 5.º
Instrução dos pedidos de comparticipação
1 - A solicitação da comparticipação do Estado por parte dos senhorios deverá ser presente ao Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, acompanhada dos seguintes elementos:
a) Identificação do proprietário ou proprietários e senhorios, se não forem as mesmas pessoas;
b) Identificação do(s) prédio(s), número de fogos e respectivas rendas, descrição dos diversos trabalhos a efectuar e respectivos orçamentos;
c) Relatório técnico, elaborado pelos serviços municipais, comprovativo do estado de conservação do prédio e das obras de que carece;
d) Declaração municipal do valor da comparticipação, se a ela houver lugar, a conceder pela autarquia;
e) Declaração de compromisso de início das obras no prazo máximo de 90 dias a contar da data do conhecimento do deferimento do pedido;
f) No caso de obras de beneficiação, documento comprovativo do acordo referido na alínea c) do artigo 2.º 2 - No caso de as obras serem da iniciativa das câmaras municipais, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º da Lei 46/85, de 20 de Setembro, deverão os pedidos ser instruídos com os elementos a que se referem as alíneas b), c), d) e e) do número anterior e ainda com cópia dos autos de vistoria e com certidão de notificação dos senhorios para a realização de obras coercivas.
3 - No caso de as obras serem da iniciativa dos inquilinos, nos termos do n.º 5 do artigo 21.º da Lei 46/85, de 20 de Setembro, deverão os pedidos ser instruídos, além dos elementos a que se referem os n.os 1 e 2, com cópia do orçamento do respectivo custo elaborado pela câmara municipal e identificação do requerente inquilino.
4 - Fora dos concelhos de Lisboa e do Porto, a solicitação da comparticipação a que se refere o presente artigo poderá ser presente à respectiva câmara municipal, que a remeterá ao Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado.
Artigo 6.º
Concretização da comparticipação
1 - Após elaboração do respectivo parecer, o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado comunicará ao requerente a sua decisão e o montante da comparticipação, caso a ela haja lugar.2 - Mediante a apresentação de declaração municipal que confirme a conclusão das obras, o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado depositará, a ordem do requerente, o valor integral da sua comparticipação.
3 - A comparticipação municipal, caso a ela haja lugar, será concretizada nos termos e condições a acordar entre as partes.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 17 de Novembro de 1987. - Aníbal António Cavaco Silva - Miguel José Ribeiro Cadilhe - Luís Francisco Valente de Oliveira - João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Promulgado em 22 de Dezembro de 1987.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 28 de Dezembro de 1987.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.